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Sistemas de dois componentes (eutéticos e peritéticos)

1.1 Motivação
Os blocos dos motores diesel são de ferro fundido, assim como os de motores de
locomotivos ou grandes motores estacionários. Os blocos de motores que empregam
gasolina são nos automóveis majoritariamente ainda em ferros fundidos, mas passam
aceleradamente a ser fabricados em ligas Al-Si. Os motores a explosão para aviação são
fundidos em ligas de alumínio há bastante tempo. As ligas alumínio - silício e os ferros
fundidos para fabricação de blocos de motores a explosão são ligas que solidificam
segundo a reação eutética.

Outros componentes bastante conhecidos como rodas automotivas, feitas de Al-Si, ou


discos de freio feitos de ferros fundidos cinzento ou nodular são exemplos de aplicação
desta classe de materiais. As figuras 1 e 2 mostram alguns destes componentes.

Figura 1. A) Cabeçote de motor liga 319. B) Carcaça de transmissão liga 380. C) Suporte
de rotor de helicóptero, liga A357. D) Rotores de bomba em fundição de precisão, liga 224.
(Metals Handbook, ASM Inte. Hadbook Commitee, ISBN 087170-007-7, p.769.

Ambas as ligas tem em comum serem empregadas no estado “como fundido”, estado bruto
de fundição ou após tratamento térmico, sem passar por processos de conformação plástica.
Esta característica e outras peculiaridades que veremos adiante tornam o projeto com ferros

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fundidos e alumínio silício distante da prática do engenheiro mecânico. Um dos objetivos
deste capítulo é diminuir esta estranheza.

Figura 2. Blocos de motor de ferro fundido. (Instituto Superior Técnico - Prof. Arlindo
Silva)

Um último reforço para motivar a aprendizagem deste capítulo é a tabela 1. Nela


observamos que para uma mesma classe de ferro fundido cinzento obtemos diferentes
limites de resistência dependendo do diâmetro do cilindro do qual foi extraído o corpo de
prova de tração.

Nos textos que se seguem buscaremos elucidar os fatos acima.

1.2 Sistemas de dois componentes - Eutéticos

Em sistemas eutéticos as adições de qualquer um dos componentes sobre outro provocam


um abaixamento do ponto de fusão de modo que a curva liquidus passa por um mínimo
chamado de ponto eutético. O líquido é miscível em todas as proporções como no sistema
isomorfo, mas a miscibilidade no estado sólido é limitada (Figura 3).

Figura 3. - Esquema mostrando um sistema eutético A-B.

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A solidificação da liga com composição eutética se dá à temperatura constante,
característica do sistema como pode se verificar a partir da regra das fases. Como P = 3
(três fases) e C = 2 (dois componentes) têm-se F = 0. A curva de resfriamento é idêntica à
mostrada para metais puros. O diagrama de fases pode ser construído justapondo-se curvas
de resfriamento para ligas de diversas composições como mostra a figura 4.

Figura 4. - Curvas de resfriamento mostrando as temperaturas do início e do fim da


solidificação para diferentes ligas de um sistema eutético.

Devem ser consideradas duas fases sólidas, α e β. As duas formam soluções sólidas
terminais limitadas pelas curvas solvus (limite de solubilidade de B em α ou A em β) e a
solidus. Esta última é formada por duas curvas ligadas por uma horizontal (isoterma da
reação eutética) correspondente à reação eutética L = α + β.

As ligas que ocorrem à esquerda da composição eutética são chamadas hipoeutéticas e as


que ocorrem à direta são chamadas hipereutéticas.

A seqüência de solidificação pode ser acompanhada na figura 4. Na temperatura TO a liga


(X) está totalmente líquida. No resfriamento ao atingir a temperatura T1 a solidificação
começa com a formação de cristais de composição α1. Para temperaturas menores tem-se
cristais de composição α1, ... α4 e o líquido com composição L2, L3 e L4. Na temperatura
T4 o líquido tem composição L4 = "e"

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Figura 4. - Diagramas eutético mostrando a seqüência de solidificação de uma liga
hipoeutética.

Neste instante a microestrutura da liga seria constituída de dendritas de α e um fundo de


líquido eutético L4. Este líquido agora solidifica isotermicamente formando uma mistura de
α + β. A microestrutura final para a liga consiste de dendritas de austenita e eutético α + β.

A fase que se forma primeiro é chamado de constituinte primário da liga. A mistura eutética
α + β é chamada de constituinte secundário.

A solidificação de ligas hipereutéticas é semelhante. Neste caso, entretanto, a fase β é o


constituinte primário e a mistura eutética, o constituinte secundário.

1.2.1 Microssegregação

Quando as condições de equilíbrio não são atingidas ocorre microssegregação do


constituinte primário e um excesso de constituinte secundário. Isto pode resultar na
formação de eutético para ligas com composição a esquerda do patamar ou maiores
quantidades de eutético para ligas com composições entre os extremos do patamar com se
vê na figura 5. Como no caso dos sistemas isomorfos a microssegregação precisa ser
considerada nos tratamentos térmicos das ligas de modo a se evitar a queima ou liquação
das mesmas.

Figura 5 - Esquema mostrando microssegregação em liga de composição dentro e fora da


isoterma do eutético.

Por outro lado, este fenômeno é responsável pela formação de carbonetos de solidificação
nos aços ferramenta, carbonetos estes responsáveis por algumas das mais úteis propriedades

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desta família de aços nobres, como a dureza e a resistência ao desgaste. Como se vê a
microssegregação nem sempre é um fenômeno nocivo como em alguns aços para
construção mecânica nos quais compromete a tenacidade.

1.2.2 Tipos de sistemas eutéticas

As microestruturas das ligas eutéticas diferem muito de sistema para sistema dependendo
das proporções relativas das duas fases sólidas, das inclinações das linhas liquidus e das
relações cristalográficas entre as fases, entre outros fatores. Durante a solidificação as duas
fases sólidas podem precipitar cooperativamente (o crescimento de uma depende do
crescimento da outra). No sistema Pb-Sn, (figura 6A) no qual o ponto eutético está
aproximadamente no meio do diagrama, as linhas liquidus tem inclinação semelhante o
eutético é cooperativo como se vê na figura 6B.

Quando uma das fases predomina na mistura eutética esta fase geralmente se torna a matriz
na qual as partículas da outra fase estão embebidas. Diversos tipos de estruturas eutéticas
podem aparecer. Se as partículas são arredondadas o eutético é chamado de globular;
partículas alongadas formam eutéticos aciculares ou formas ainda mais complexas.
Estrutura de eutéticos globulares ocorrem nos ferros fundidos designados de nodulares,
figura 6C, enquanto estruturas aciculares são observadas em ligas Al-Si quando se remove
a matriz por meio de um reativo químico adequado.

Figura 6 Diagrama eutético Pb-Sn. 6A) Eutético irregular 6B) Eutético cooperativo. 6C) Eutético escrita
chinesa 6D) Eutético globular

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1.2.3 Sistema Al-Si

Devido a sua importância destacam-se a seguir algumas características das ligas Al-Si. As
ligas de alumínio fundidas estão na tabela 2.

Processo de Elemento de liga %


fundição
Designaçã
o Si Fe Cu Mn Mg Ni Zn Sn Ti

443 S ou P 4,5/6,0 0,6 0,10 0,10 0,05 - 0,1 - 0,2


390 S ou P 17 - 4,5 - 0,6 - 0,5 - -

S = sand casting
P = permanent mold casting

Tabela 2. Composição de ligas de alumínio fundidas.

As ligas de alumínio silício tem suas composições detalhadas na tabela 3.

Designação Processo de Limite de Resistência à Limite de Escoamento Alongamento%


Fundição tração [Mpa] [Mpa]
443 S 130 55 8
443 P 159 62 10
390 S 180 180 <1
390 P 200 200 1

Tabela 3 propriedades de ligas fundidas Al-Si.

A figura 7 mostra o diagrama Al-Si e as figura B, C e D as microestruras de ligas


hipoeutética, eutética e hipereutética, respectivamente.

Figura 7. A) Diagrama Al-Si. B) Microestrutura de liga hipoeutética, C) Microestrutura de


liga hipereutética

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Para assegurar propriedades mais elevadas as ligas Al-Si sofrem tratamentos durante o
processo de fundição. As ligas fundidas hipoeutéticas são, usualmente modificadas com Na.
Este elemento é adicionado durante o processo de fusão, antes do vazamento. Em ligas sem
a adição de sódio o silício apresenta-se na forma de plaquetas. O efeito do sódio consiste
em aumentar a energia de interface do silício com o líquido, levando a que o sistema
busque uma geometria de solidificação que diminua a quantidade de interface com o
líquido. Por isto ao invés de se formarem plaquetas formam-se bastonetes de silício. Este
efeito é responsável pela mudança de propriedades semelhante ao visto na tabela 2.

A experiência mostrou que o tratamento de ligas hipereutéticas com sódio não era tão
efetivo como o que se manifestava em ligas hipoeutéticas. As ligas hipereutéticas de Al-Si
são tratadas com fósforo. Este elemento provoca refino nos cristais primários de silício sem
alterar a morfologia das fases em relação às ligas sem adição deste elemento. Entretanto o
refino causa significativa elevação das propriedades mecânicas como se vê na tabela 4.
A figura 8 mostra o efeito da modificação com Na e da inoculação com P em ligas hipo e
hiper eutéticas, respectivamente.

Figura 8. A) Liga hipoeutética sem modificação, B)mesma liga com modificação C) Liga
hiper eutética sem inoculação com P, D) Mesma liga com adição de P.

As ligas Al-Si podem ter sua microestrutura alterada pela taxa de resfriamento. Maiores
taxas de resfriamento podem ser obtidas mediante emprego de materiais de moldagem que
extraiam calor mais rapidamente como mostra o exemplo da figura 9.

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