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CAMPINAS,
2015
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
CAMPINAS,
2015
iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
iv
v
vi
RESUMO
ABSTRACT
vii
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
ix
x
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Airton e Maria Aparecida, por terem me ensinado ao
longo desses anos que devemos estar sempre dispostos a aprender e a
compartilhar conhecimento;
Aos meus irmãos, Marcos e Giovana, por fazerem da vida uma experiência de
amor e companheirismo;
Ao Evandro, pela paciência e pelo carinho com que leu cada palavra dessa
dissertação;
Aos meus amigos, por entenderem que, apesar das minhas ausências, a rotina
com ou sem limites é sempre mais alegre e doce ao lado deles;
xi
xii
INTRODUÇÃO
suas discussões públicas sobre política, dialeto, marxismo 2, entre outros assuntos.
O escritor italiano, que já escrevia poesia desde muito cedo3, parecia timidamente
maior alcance sugere uma vertente política que ganhará cada vez mais espaço
em sua obra.
pouca circulação tomaram novas dimensões. No fim dos anos 1950 e início dos
anos 1960, o autor começou a escrever, mantendo alguns dos temas iniciais, para
1
Bellocchio faz um breve percurso jornalístico de Pasolini a partir dos anos 1940 no prefácio
Saggi sulla politica e sulla società da obra completa
(PASOLINI, 2001, p. XI). Para maiores informações sobre a produção do autor nesse período, conferir Pasolini
e Bologna, org. Gianni Scalia e Davide Ferrari (Bolonha: Edizioni Pendragon, 1998).
2
PASOLINI,
2001, pp. 5- PASOLINI , 2001, pp. 15-20), entre outros textos selecionados no capítulo
Saggi sulla politica... op. cit.
3
PASOLINI apud
AMOROSO, 2002, p. 10).
4
Grande parte da bibliografia de e sobre Pasolini não possui ainda tradução para a língua portuguesa, por
isso optamos por manter as citações sempre no o
traduzidos por Carlos Nelson Coutinho em Caos: crônicas políticas (PASOLINI, 1982).
13
Posteriormente, a partir de meados dos anos 1960 e, sobretudo, nos anos 1970,
dos anos que algumas sensações concebidas logo após o fim da Segunda Guerra
por corroborar aquilo que no início parecia ser apenas uma intuição.
ano da morte do autor, decidimos nos deter especificamente nos seus últimos
escritos, passando por outros dois momentos de sua produção nos anos 1960,
1970 para então refletir sobre nosso objeto de estudo, o livro Scritti corsari
(1975), o qual foi organizado pelo próprio autor antes de morrer e reúne uma série
partido comunista e suas frentes de atuação. Percebe-se então que, para refletir
sobre essas questões, o escritor parte de ocasiões diversas: em alguns casos, são
1974. Nesse sentido, o que inicialmente salta aos nossos olhos é que as primeiras
denunciativos e incisivos.
estilo discursivo, dos meios de comunicação em que eles circularão que chamam
a atenção de nós leitores. Observamos ainda uma verdadeira obsessão por parte
do escritor com o jovem italiano, tanto como objeto de análise, quanto como
15
momentos diversos de sua carreira, paralelamente aos esclarecimentos (por
caminho acadêmico até Scritti corsari. O primeiro contato com o livro se deu por
meio de outra obra, Os jovens infelizes5 (1990). A antologia brasileira foi a primeira
característico utilizado por Pasolini para falar sobre questões tão particulares da
instáveis para uma jovem leitora brasileira. Denúncias escritas em 1970 acerca de
aplicar indubitavelmente ao modelo de vida brasileiro dos anos 2010, ainda que
estudo.
despertar duas reflexões. A primeira, a ideia de que escrever um texto literário era
necessário a todo tempo desconfiar do que se lia e de que nada deveria parecer
5
Coletânea brasileira que reúne alguns textos de Scritti corsari e Lettere luterane. Publicada em 1999, foi
organizada por Michel Lahud e traduzida pelo organizador em parceira com Maria Betânia Amoroso.
16
uma monografia6 para explorar a relação de Pasolini com os jovens e suas
vez, um ensaio corsário? As respostas não eram nem um pouco claras, fato que
Michel Lahud, Maria Betânia Amoroso, Luiz Nazário escreveram sobre o autor e
Sílvio de Lima etc., foram nomes essenciais para formar uma atmosfera teórica ao
redor do termo. Entretanto, ainda não estava claro o porquê da escolha desse
termo para tratar dos escritos corsários. Por isso o caminho natural foi buscar na
crítica pasoliniana e nos próprios escritos de Pasolini uma trilha para entender tal
6
De agosto de 2010 a julho de 2011 d corsário de Pasolini
em Os jovens infelizes P IBIC-CNPQ. Essa pesquisa originou ainda a monografia homônima
defendida em novembro de 2011 para obtenção do Bacharelado em Estudos Literários (IEL, Unicamp).
17
O ensaísmo jornalístico7 de
escritor tão particular como foi Pasolini. Observamos, com o passar do tempo, que
comunicação, fato que pode ser corroborado por sua extensa e múltipla obra.
Nos escritos jornalísticos, conseguimos traçar uma linha que vai desde
ensaios de Corriere della Sera, nos anos 1970. Por isso achamos essencial iniciar
um discurso, por isso levamos adiante a investigação dos escritos de Vie nuove e
Tempo no capítulo
a crítica. Pudemos observar que alguns críticos pasolinianos que escreveram por
volta dos anos 1970 e 1980 questionavam por que o intelectual, uma referência
ensaísmo
18
para a esquerda marxista, passou a escrever de maneira tão simplista em meios
partir de dado momento seus escritos, sempre reforçando seu papel de escritor, e
como profeta e decifrador, a fim de expor como seus argumentos fazem sentido
University em 1980, no qual Franco Ferrucci fez duras críticas ao modo como
encontramos os críticos Rinaldo Rinaldi, Franco Fortini, Alberto Asor Rosa que,
8
Publicado em Italian Quaterly, ano XXI-XXII, n. 82-83, 1980-1981. O evento e o exemplar publicado foram
-se como essa escolha
sugere uma separação entre Literatura e política. O texto citado se encontra
19
cada um a seu próprio modo, teceram severos comentários à produção do
ser um ponto fora dessa curva, foi questionado por seu modo de pensar e
escrever.
menos enviesada) desses escritos, tratados como textos literários que precisam
20
ser estudados como tais. Nossa intenção foi então propor uma análise dos
21
22
1. IALOGHI CON PASOLINI E L CAOS A PRODUÇÃO JORNALÍSTICA
seus leitores. Apesar das diversas atribulações com suas outras produções 10,
9
Revista ligada ao Partido Comunista Italiano (PCI), fundada em 1946. Trazia junto ao título a informação de
Carlo Ferretti no volume Le belle bandiere: dialoghi 1960-1965, Roma: Editori Riuniti, 1977 (1ª ed.).
10
di cui sarò regista, sto correggendo le bozze di un volume di saggi di seicento pagine, sto organizzando un
romanzo su cui, in definitiva, punto ormai tutto, sto scrivendo versi e articoli, secondo le intermittenze e le
ossessioni della vocazione e del mestiere: non ho tempo neanche di respirare, come
p. 877). Sabe-se, graças à cronologia organizada por Nico Naldini (Pasolini, 2001, p. XLI-CVIII), que no ano de
1960 Pasolini estava trabalhando com os rascunhos de Passione e ideologia (Garzanti: Milão, 1960) e de La
religione del mio tempo (Garzanti: Milão, 1961). Além disso, dedicava-se a roteiros cinematográficos: La
giornata balorda e , de Bolognini, , de Gianni Puccini, La lunga
, de Florestano Vancini. Visando iniciar suas atividades como diretor de cinema, escrevia o
argumento de La commare secca. Em julho do mesmo ano, deixará de lado esse roteiro para dedicar-se a
Accattone, seu primeiro lançamento cinematográfico. Trabalhava ainda com os esboços de Il Rio della grana,
La Mortaccia e Storia burina, os quais não serão publicados e terão apenas alguns trechos aproveitados em
Alì dagli occhi azzurri (Garzanti: Milão, 1965). Por último, lança dois pequenos volumes de versos antigos:
Roma 1950 Diario (Scheiwiller: Milão, 1960) e Sonetto primaverile (Scheiwiller: Milão, 1960).
23
questão dos jovens italianos e da existência dos teddy boys11. A premissa é que
isso, os jovens alla superficialità rispondono con la superficialità, alla crudeltà con
que esses jovens sejam vistos conforme a sociedade e o ambiente em que vivem.
recorrentes entre os teddy boys. Pasolini entende que o tipo de atitude desses
11
Movimento surgido em Londres nos anos 1950 que se espalhou por toda a Europa. Eram jovens ligados à
música rock, ao estilo eduardiano de se vestir e a atitudes rebeldes e agressivas (disponível em
http://www.bbc.co.uk/britishstylegenius/content/21865.shtml, acesso em 17 de outubro de 2014). Para
24
apenas reflexos da mentalidade burguesa em que foram concebidos e à qual
devem se adequar.
se revoltariam porque vivem em uma sociedade que aparenta ser boa, pois
que é na verdade uma sociedade injusta porque, devido a essa mesma lógica,
de rebelião justamente na diferença social que existe entre eles e os do norte, por
isso seu protesto seria social e não moral. Por pertencerem ao povo, à classe
subproletária, e não à classe burguesa, suas ações refletiriam uma revolta social
Nei
25
neocapitalismo só ressalta o desnível social entre as duas regiões, o que se
refletiria inclusive na cultura e na língua falada em cada local. No sul, por exemplo,
crescendo. Por isso a discussão ao redor desses jovens não deveria ser sobre
como salvá-los, como protegê-los de suas próprias revoltas. No final das contas,
n per quel
provvedimenti non servono; anzi, non ne esistono: ed è bene che sia così, se
questo dimostra, ancora una volta, che è la nostra società, nelle sue strutture, che
força nos textos jornalísticos de Pasolini. Para Bellocchio, o autor não abre mão
12
Termo usado em italiano e nos estudos linguísticos.
accettato e seguito da tutta una comunità nazionale e su un territorio piuttosto esteso, con caratteri
uniformi (in contrapposizione ai dialetti locali e alle parlate regionali, territorialmente limitati e dis
Em Treccani.it - Enciclopedie on line, Istituto dell'Enciclopedia Italiana, 10 outubro 2014.
26
desse tipo de escrito pois esse trabalho lhe proporciona uma proximidade com o
13
Revista literária fundada em 1955 por Pasolini, Francesco Leonetti e Roberto Roversi em Bolonha. Para
mais informações, conferir Gian Carlo Ferretti, ,
Turim: Editora Einaudi, 1975.
14
Pasolini conta com entusiasmo experiências em congressos nos quais o público interagia com o autor com
PASOLINI, 2001,
p. 878).
27
uma conversa. Na definição do crítico
carta
sobre esse sentimento, o leitor parte para uma análise mais profunda dos livros de
lascia. Questo si legge sui vostri libri, questa è la realtà. Ma questo, che
voi illustrate, non è amore ma un suo surrogato, perversione, egoismo.
(...) Le vostre opere spaventano i borghesi e voi credete di fare gli
impegnati e i veri comunisti. Rimestate il fango, invece (IN PASOLINI, 2001,
pp. 1000-1001).
moral dos livros, o leitor cobra do escritor italiano uma atitude, julgando aquilo que
-o de burguês
e reforça a intensidade que existe nessa acu un borghese. (...) ciò che
ti contraddice nella tua operazione nobilitante, nel tuo ingenuo idealismo erotico di
28
ventenne, è proprio e solo la borghesia. Che è avida, meschina, ipocrita, egoista e,
Tu, nella tua lettera, non fai altro che ribadire la tua superiorità la
minima superiorità economica, e la rilevante superiorità spirituale su
coloro che tu ritieni volgari, perché rozzi, semplici, violenti o maleducati.
refletido o suficiente sobre as questões que levanta nem sobre as obras que cita,
emitindo por isso juízos superficiais e hipócritas. Sua condição de burguês haveria
limitado seu campo de consciência, não o fazendo enxergar que aquilo que ele
Riscrivimi fra un anno, quando avrai più letto e più pensato, e, magari, più fatto
desabafo, sobre quaisquer temas, esperando por vezes de Pasolini uma resposta
de pai, amigo, mentor. E é com a mesma liberdade que ele responde: de maneira
29
apostando em um determinado tipo de comunicação pedagógica que busca
instruir e aconselhar seus leitores. Fica ainda explícito com esse exemplo o tipo de
argumentação que Pasolini irá aprimorar com os anos, justificando as atitudes dos
sobre a língua italiana já não exaltam o contraste entre o sul e o norte causado
pelo desnível social. Pelo contrário, o tom que prevalece nessa ocasião é o de
modelo burguês, porém por outro viés. Segundo ele, essa unificação da língua
30
linguisticamente, verso la lingua tecnologica si ha in Italia una vera e
propria rivoluzione sociale (PASOLINI, 2001, pp. 1050-1051).
quais serão exploradas com mais profundidade posteriormente, fica claro que a
escritor, por outro lado, mostra ao longo da carta que não é ele quem deseja essa
acontecendo.
Frente a uma revolução social tão intensa, que afeta com tanto impacto
agir para o escritor, se o mundo mudou e os anos 1940 e 1950 deixaram de ser
referência, é preciso perceber que a maneira de lidar com esse mundo também
precisam ocorrer dentro do próprio marxismo para lidar com esse novo sistema. A
31
suas reflexões críticas acerca do marxismo ortodoxo concomitantemente às suas
parece empenhado
PASOLINI, 2001, p.
83):
O autor não amplia a discussão acerca de quais seriam os aspectos que fariam
15
É curioso observar como Pasolini busca eximir essas afirmações de qualquer responsabilidade política.
Reafirma várias vezes que provavelmente não é um autor capaz e qualificado para fazer observações de
cunho social e político mas as faz mesmo assim. Utilizar a negação de autoridade na construção
argumentativa será um recurso amplamente utilizado pelo escritor ao longo de seus escritos corsários, por
isso chamamos a atenção para essa possível primeira utilização do recurso. A seguir, alguns trechos que
e
grado di correggerla (PASOLINI ervatore di passaggio e incompetente (PASOLINI,
regiata intuizione, ché dati non ne possiedo (PASOLINI
PASOLINI
32
apesar de ser um momento de
literato, do crítico. Segundo o autor, sul piano più alto urge (...) gettare i
propor um neocomunismo não seria nem tão simples nem tão óbvio quanto
poderia parecer:
encontrar uma nova forma de produzir, com um novo tipo de requinte uma
figura do escritor a partir de outro ângulo, como um homem que encontra no ato
33
*
muito latente com seu interlocutor e, nesse sentido, seu diálogo com os jovens
italianos parece ganhar cada vez mais força a partir de então. Sabe-se,
inicialmente, que a revista Vie nuove era justamente lida por muitos jovens
gamma sociale e culturale (e talora anche politica) abbastanza vasta, e sia pure
Podemos inferir que o que o autor espera dos jovens, e de certa forma
convenções,
34
Buscar a verdade oculta das coisas, não aceitar as imposições, manter-se lúcido:
são os conselhos dados aos jovens nos quais o Pasolini do início dos anos 1960
parece apostar suas esperanças. Existe, por trás desses ensinamentos, uma
por valores capitalistas, pode-se alterar a ordem das coisas com questionamento
crítico.
quase como pai e filho, revela o tênue limite entre profissionalismo e informalidade
que, segundo Ferretti, seria uma maneira de abordar essas questões assumindo o
uma posição privilegiada de homem pensante da sociedade, mas que faz uso em
35
Por sua vez Marco Bazzocchi, em seu livro I burattini filosofi: Pasolini
dalla letteratura al cinema, defende que essa nova maneira de escrever está
relacionada à busca do autor por novos recursos que consigam falar sobre a nova
realidade italiana daqueles anos. Por isso, quando vai responder aos leitores de
ele fala, cada vez mais de perto, sobre a realidade dos fatos, e por isso faz
escritos.
m uma carta
seus leitores. O leitor se queixa sobre como, no decorrer dos anos, o escritor
não interessam aos leitores e linguagem inacessível são algumas das acusações
17
Milão: Garzanti, 1972), o qual reúne, segundo
uma visão simplista, ensaios sobre literatura, arte e cinema.
18
36
ao destinatário, que estaria conduzindo um monólogo e não mais um diálogo. E
mágoas pessoais que uma crítica como essa poderia causar e dialoga de igual
um exame de consciência
capire questa mia ottusità e questa mia oscurità, nelle mie nuove risposte della
vez mais ácidos e críticos. Vivendo tempos tão diversos, conforme parâmetros tão
37
perché io non posso che fondarmi sulla mia totale libertà critica (PASOLINI,
2001, p. 1068).
Esse seria o motivo pelo qual as suas respostas seriam sempre que
opiniões comuns.
confusione. La mia di intellettuale cosciente della crisi del marxismo in Italia e nel
diversas?
38
Após o trabalho jornalístico desenvolvido em Vie nuove, Pasolini
19 20
escreve, de 1968 a 1970, para a c ,
livre para selecionar os temas sobre os quais quer falar e, sendo assim, opta por
manter a mesma linha temática que explorava nos últimos anos dos diálogos. A
diferença é que essa coluna não será mais moldada pelo esquema cartas-
respostas. Nesse momento, cabe ao autor selecionar sobre o que ele quer falar,
determinar quais linhas irão perpassar essa sua nova produção. Assume que
é um vampiro, que não fica em paz enquanto não morde sua vítima no
pescoço, pelo puro, simples e natural prazer de vê-la se tornar pálida,
triste, feia, desvitalizada, disforme, corrompida, inquieta, cheia de
sentimentos de culpa, calculista, agressiva, terrorista, tal como ele
mesmo (PASOLINI, 1982, p. 38).
Ou s
extremamente agressivas, utilizando um tom mais violento do que aquele visto nos
19
Caos, traduzida por Carlos Nelson Coutinho
(PASOLINI, 1982).
20
A coluna Il Caos foi recolhida por Gian Carlo Ferretti no livro Il Caos (Roma: Editori Riuniti, 1979).
21
Tempo settimanale di politica, informazione, letteratura e arte
Editore e circulou até 1976.
39
Pasolini constata, por exemplo, que os socialistas também são, em sua
(...) não haverá jamais um Partido Socialista firme e coerente: ele terá
sempre de viver, ao mesmo tempo, suas duas histórias, a burguesa,
provinciana, demagógica, cheia de (fingida) saúde moral etc., etc., e a
operária. (...) E é por isso que assistimos às suas grandes crises
públicas: porque não há modo possível de escapar da própria realidade
(PASOLINI, 1982, p. 167).
existência de duas histórias diversas. Já não seria possível mudar, seria apenas
era complexo. Suas principais reivindicações eram uma maior participação das
no caso das manifestações italianas o crítico nota uma motivação particular. Suas
40
raízes estariam ligadas aos aglomerados urbanos e às transformações nas
o que Pasolini identifica como uma luta de classes entre estudantes burgueses e
22
Publicado em em 16 de junho de 1968, em Nuovi argomenti no volume de abril-junho de 1968,
e finalmente no livro Empirismo eretico (op. cit.). No Brasil, foi traduzido e publicado primeiramente por
Michel Lahud em A vida clara (LAHUD, 1993) e posteriormente reproduzido no livro Pier Paolo Pasolini de
Maria Betânia Amoroso (AMOROSO, 2002). Sobre o assunto, conferir O PCI aos jovens!
(AMOROSO, 2008).
41
analisar aqueles versos um a um, em sua objetiva transformação do que eram
publicação do poema:
que aqueles jovens, nos quais havia depositado suas esperanças como força
absurdo, ainda que estivessem com a razão. Dessa forma, podemos começar a
observar como sua relação com a juventude italiana vai aos poucos se
modificando.
42
supõe que o movimento estudantil italiano consiga, de fato, tomar o poder e,
estrutura da
poder é sempre de direita; ter o poder e precisar mantê-lo significaria ter a polícia
propósito da polícia não se pode ser mais do que reformista PASOLINI, 2013). Ou
quando, após um ano escrevendo a coluna, o autor reflete sobre o que produziu
durante esse tempo, retoma a lembrança das indisposições que teve no período:
43
is
corresponder à prosa
que se coloca diante disso é que um escritor pode falar muitas coisas, porém fazer
poucas.
es
financeiras, ou, finalmente, com sua pura e simples presença. (...) Eu, por
44
na sua concepção de intelectual estejam contempladas as batalhas de intervenção
política e social, o ato de escrever seria uma ação mínima que o mantém fora do
significava o Natal na sua época de menino e o que ele passou a representar nos
anos posteriores. A partir da data festiva faz também uma reflexão complexa
O
qual, afinal, derivava o seu moralismo, e sobre o qual, de resto, ainda
baseava seus instrumentos de chantagem: Deus, Pátria, Família. Essa
chantagem era possível porque correspondia, negativamente, como
cinismo, a uma realidade: a realidade do mundo religioso sobrevivente
(PASOLINI, 1982, p. 103).
45
Porém essas relações cínicas, estabelecidas durante épocas natalinas
capitalismo, o qual o escritor quer denunciar, não interessa mais nem a igreja nem
indiferente que se creia em Deus, na Pátria ou na Família. Com efeito, ele criou
seu novo mito autônomo: o Bem-estar. E seu tipo humano não o homem religioso
103-104).
contrapartida interessante para a igreja, nos dias de hoje esse balanço já não
períodos festivos:
46
forte concorrência, fazendo do modo mais mediano as coisas mais
médias (PASOLINI, 1982, p. 105).
O Natal seria então para Pasolini esse momento que deve ser
causada por ele, dando a sensação de que se está finalmente livre para se fazer o
que quiser
mecânica dos dias normais, doutrinados pelo consumismo. Essa visão catastrófica
é o que motiva Pasolini a confessar que é um hábito seu fugir sempre que
duas frentes sua hegemônica força: não será mais importante para o novo poder,
47
passagem da era de caças para a era da agricultura 23, desaparece também a
religião católica.
capitolo più congestionato, convulso e caotico (il titolo della rubrica è, in questo
XXVIII).
48
coletivo conscientemente pré- Vie nuove,
PASOLINI, 1982, p. 11). O crítico Fortini, por sua vez, entende que esse
momento da p
compõe a imagem de um intelectual que quer ser visto como um combatente que
age sozinho por meio de suas próprias palavras. A análise desses elementos será
autor ganhará ainda mais força a partir de 1970 com o ensaísmo corsário.
in mille modi, o meglio: usando gli stessi aggettivi, lo stesso lessico, gli stessi
igual, o que nos dá a forte impressão de uma coluna ser a continuação da outra. É
nesse sentido que esses dois conjuntos de textos nos indicam um percurso antes
jornalística corsária.
não tenham
o autor lida com sua própria experiência de mundo, sendo esse mundo, segundo
50
Ambas as perguntas, deixadas já nos diálogos, irão se fortalecer em
como a relação de Pasolini com os jovens e também de Pasolini com sua própria
51
52
2. O CORSARISMO DE PASOLINI NOS ANOS 1970
Não foi diferente quando, em 1973, o autor começou a escrever para o jornal
David Schwartz conta que, durante as gravações do filme Il fiore delle mille e una
ocasião, foi convidado25 para contribuir para o jornal com uma coluna chamada
24
Corriere della Sera foi fundado em 1876 em Milão e ainda é um dos jornais mais lido na Itália.
25
Na biografia Vita di Pasolini, escrita por Enzo Siciliano, há uma variação dessa história. Segundo Siciliano:
Roma. Si occupava a ora, presso Alberto Grimaldi, il nuove produttore dei film di Pasolini, di relazioni
pubbliche.
collaborazioni inconsuete, oltreché di prestigio. Pier Paolo aveva desiderio di cambiar faccia: rifiutava
dann
mediato. Si trattava,
adesso, di convince
SICILIANO, 2009, pp. 418-419).
53
Segundo o biógrafo, esse convite inusitado fazia parte de um momento de
renovação do jornal,
Ottone conta que sua motivação para criar esse espaço no jornal foi levar ao
cotidiano italiano.
pensare con la propria testa, indicandogli che uno stesso problema può
avere molte soluzioni diverse, ed esponendone quante più è possibile:
(OTTONE, 1978, pp. 111-114).
público uma maneira de ele mesmo formar sua opinião. A resposta do editor
discussão traria ao jornal, como o aumento das vendas e expansão de seu público
leitor regular.
54
Na sequência, o entrevistador pergunta sobre a colaboração de Pasolini
alcançar um público cada vez maior e mais popular. A circulação de suas ideias
atinge patamares até então inéditos. Além disso, sendo mais lido, o autor teve
também que lidar mais frequentemente com o debate entre intelectuais que já
havia se concretizado e
pensadores, pelos mais diversos jornais, não parece incomodar o escritor, que se
utilizará muito desse tipo de recurso dialógico em seus textos. Para o editor-chefe,
55
articoli di Pasolini e di Alberoni26 ci hanno aiutato a capire la società in cui viviamo
Do ponto de vista do jornal, fica claro porque o convite foi feito, porém
do ponto de vista de Pasolini foi uma surpresa ele ter aceitado tal convite, tendo
acreditava ainda ser possível utilizar esse tipo de meio de comunicação pois
que são eles que causam uma contaminação quase viral da sociedade, então é
preciso fazer uso deles para combater seus próprios ideais, mesmo que esse uso
para me expressar: e o faço, por isso, cinicamente (diante das figuras públicas dos
26
Referência a Francesco Alberoni, sociólogo, jornalista e escritor italiano que também foi convidado para
56
de Pasolini ter saído de Vie nuove para Tempo e insinua que em breve o autor
responde implacavelmente:
-benefício concreto: um
relação a, pelo menos, um indivíduo. Não se fala sobre como Pasolini garantiria
afinal essa questão está além de seu alcance, mas o autor procura manter em seu
Pasolini entra in una macchina che lo condiziona, gli impone i ritmi di lavoro, i
57
luoghi, le occasioni, e anche i temi. (...) il giornale chiede precisi servizi, pareri,
dessa visão marxista do que é trabalhar para um grande jornal, reduzindo o ato a
a própria individualid e
com a realidade, entende que é também essa mesma realidade que oferece os
canais através dos quais se pode refletir sobre ela. Dá-se a entender que, na
58
público, além de, segundo Antonio Tricomi, oferecer a possibilidade de Pasolini se
la pagina del giornale, piuttosto che far retrocedere la sua pagina a pagina
59
2.1 DO JORNAL AO LIVRO
livro, Scritti corsari, merece ser investigado. Sabe-se, em primeiro lugar, que essa
jornalísticos de cunho político e social 27. É também o autor que dá o título à obra,
ainda que não tivesse explicado o que pretendia dizer com o termo corsário.
aos navios corsários, os quais ficaram conhecidos por ser um tipo de pirataria
27
Pasolini já havia publicado outros livros de ensaios a saber, Passione e ideologia (1960) e Empirismo
eretico (1972).
60
attaccare bastimenti nemici / agg. di corsaro: legno -; nave corsara | Dal lat.
28
Mediev. Cursarius, deriv. Di cursus us
28
Dizionario Garzanti della lingua italiana. Milão: Garzanti, 1965, p. 459.
29
Entre o fim do século XVI e o século XVII, os piratas do Caribe ganharam destaque. Bucaneiros foram
piratas que utilizavam a técnica indígena boucan para defumar carne e conservá-la, e por isso ficaram
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bucaneiro, acessado em 10/11/2014).
30
Flibustaria foi uma sociedade de piratas que surgiu da união dos bucaneiros com outros piratas das
Antilhas. Possíveis origens para o termo são fly boot, barco ligeiro, ou freebooter, pirata ou foragido
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Flibustaria, acessado em 10/11/2014).
31
Zingarelli: vocabulario della lingua italiana. Bologna: Zanichelli, 1996, p. 449.
32
Sinonimi e contrari: dizionario fraseologico delle parole equivalenti, analogiche e contrarie. Bologna:
Zanichelli, 2006, p. 245.
33
che prendeva parte alla guerra di corsa. 3. Come agg., dedito alla guerra di corsa o alla pirateria: nave c.;
equipaggio c. , titolo di una raccolta di articoli di P. P. Pasolini (1922-1975), permeati di
61
como Il Devoto-Oli: vocabolario della lingua italiana, tira-se a referência ao livro de
Pasolini e mantém-se
34
sem .
definição:
corsaro sem
anarchico e provocatorio che li ha ispirati35.
tal campo semântico diz muito sobre o papel que esses escritos desempenharam
impegno civile e furore ideale ~ Anticonformista; privo di scrupoli ~ Nel linguaggio giornalistico sportivo,
squadra che riesce a vincere una difficile partita in trasferta: . [Dal lat. mediev. corsarius,
der. di currere Il dizionario della lingua italiana. A cura di Giacomo Devoto e Gian Carlo Oli.
Firenze: Le Monnier, 2000-2001, p. 534.
34
clusivamente in senso proprio). 2. Capitano marittimo che prendeva parte alla guerra di
corsa. 3. Come agg., dedito alla guerra di corsa o alla pirateria: nave c.; equipaggio c. || fig.
Anticonformista; privo di scrupoli | Nel linguaggio giornalistico sportivo, squadra che riesce a vincere una
difficile partita in trasferta: . Dal lat. mediev. corsarius, der. di currere
Il Devoto-Oli: vocabolario della lingua italiana. Org. L. Serianni e M. Trifone. Milão:
Mondadori, 2012-2013, p. 709.
35
Parole per ricordare: dizionario della memoria collettiva. A cura di Massimo Castoldi e Ugo Salvi. Bologna:
Zanichelli, 2008, p. 302.
62
A crítica pasoliniana também se dedicou a pensar a relação do escritor
com o termo escolhido para dar nome ao livro. Gianni Scalia, em texto de 197636,
BAZZOCCHI, 1998, p. 174). Por sua vez Pier Aldo Rovatti, em seu artigo
é aquele que age fora das regras convencionais, mas não conforme seus próprios
piratas, por exemplo, que agiam conforme seus interesses pessoais). Em relação
63
desse termo está relacionado a adjetivos como polêmico, anticonformista,
ainda que sejam textos que desafiem as leis convencionais, assim como os navios
corsários, ou seja, ainda que sejam textos que fujam das regras temáticas e
sociedade italiana. Por outro lado, notamos que Pasolini, diferentemente dos
corsários dos séculos passados, não age em nome do Estado. O escritor parece
esclarecimento político, ou seja, motivado por sua postura crítica em relação aos
fatos que vinha observando na Itália. A autoridade que lhe permitiria agir seria sua
37
Scritti
corsari (PASOLINI
explorada a seguir no subcapítulo um estrangeiro numa terra hostil
38
Volume único dividido em 8 seções: 1. Saggi sparsi (1942-1973); 2. Scritti corsari (1973-1975); 3. Lettere
luterane (1975); 4. Dichiarazioni, inchieste, dibattiti (1959-1975); 5. Dialoghi con i lettori (1960-1970); 6.
Pasolini su Pasolini (1968-1971); 7. Il sogno del centauro (1970-1975); 8. Altre interviste (1958-1975). Dessa
série, Pasolini preparou apenas os livros Scritti corsari, o qual foi publicado antes da morte do autor, e
Lettere luterane, organizado por Graziella Chiarcossi. Saggi sparsi compreende os ensaios não recolhidos em
nenhum livro. Na seção Dichiarazioni, inchieste, dibattiti estão reunidas intervenções mais casuais,
64
Mondadori. Porém a seleção dos textos que comporiam esse volume não foi uma
tarefa fácil para os organizadores Walter Siti e Silvia De Laude, os quais explicam
escritos. Por isso, apesar das dificuldades, foi mantida a opção de recolher os
sociais e políticos foi importante para dar ao leitor uma verdadeira dimensão do
PASOLINI, 2001, p. CX). Dialoghi con i lettori é uma seleção das colunas que o
escritor manteve nos periódicos Vie nuove e Tempo. As três últimas seções correspondem a entrevistas
dadas pelo escritor, publicadas em livros ou não, de 1958 a 1975.
39
(2 vol.), Pier Paolo Pasolini. Coleção I Meridiani. Milão: Mondadori, 1999.
40
65
così raccolti, in un unico volume, i saggi politico-antropologici possano dare
ultimi anni PASOLINI, 2001, p. CIX). Com essa declaração, podemos inferir que os
organizadores, assim como grande parte da crítica, optaram por traçar uma linha
corsários.
corsari (1975) e Lettere luterane (1976). Sabemos que o primeiro livro, objeto
central para o presente trabalho, foi organizado pelo autor e publicado antes de
sua morte, em 1975. Nele estão reunidos os ensaios que o escritor publicou no
jornal Corriere della Sera de janeiro de 1973 a fevereiro de 1975, além de alguns
publicados nos jornais Corriere della Sera e Il Mondo entre janeiro e outubro de
1975. Diante disso, nossa opção por analisar principalmente Scritti corsari é
devido ao livro agrupar ensaios de um período mais abrangente, nos quais estão
41
referendum Nuova generazione, mas não
chegou a ser publicado) (PASOLINI PASOLINI
Espresso) (PASOLINI PASOLINI,
PASOLINI, 2001, p. 525).
66
conhecer a escrita pelo próprio autor para abrir o livro.
deve ricongiungere passi lontani che però si integrano. È lui che deve
organizzare i momenti contraddittori ricercandone la sostanziale
unitarietà. È lui che deve eliminare le eventuali incoerenze (ossia ricerche
o ipotesi abbandonate). È lui che deve sostituire le ripetizioni con le
eventuali varianti (o altrimenti accepire le ripetizioni come delle
appassionate anafore).
primi
libro. Per esempio, ai testi degli interlocutori con cui polemizzo o a cui con
discorso dei blue-jeans Jesus (17 maggio 1973) e quello sul mutamento
antropologico degli italiani (10 giugno 1974), e
recensione a di Sandro Penna (10 giugno 1973), e quella
a Io faccio il poeta di Ignazio Buttitta (11 gennaio 1974) è uscito sul
seguendo una nuova mia tradizione
appunto italo un
certo gruppo di testi poetici che costituiscono un nesso essenziale non
del discorso più attualistico di questo libro. Non potevo raccogliere qui
lettore è rimandato ad essi, sia nelle sedi già citate, sia nella nuova sede
in cui hanno trovato collocazione definitiva, ossia La nuova gioventù
(Einaudi Editore, 1975) (PASOLINI, 2001, pp. 267-268).
seus paralelos com outros escritos, as duas séries em que o livro está dividido e o
que um leitor, responsável pela reconstrução dos textos, deve fazer diante deles.
67
(RINALDI, 1981, pp. 101-102).
assumir, delega-se a quem ler seus ensaios a função de ir além do texto, ir além
filológico de busca por elementos externos isto é, por outros livros, outros
parece ser uma característica pertinente ao tipo de ensaio jornalístico que trata
processo de mutação. Entendendo que esses escritos são atitudes críticas sobre o
presente, uma hipótese pensada hoje sobre algo que acabou de acontecer pode
42
Pasolini, na nota introdutória, indica aos seus leitores os versos de La nuova gioventù (1975), livro em que
publica a refeitura dos poemas friulanos de La meglio gioventù (1954). Não iremos explorar a relação entre
os dois livros nesse trabalho, pois o assunto é complexo e renderia uma nova pesquisa. Entretanto,
La nuova gioventù]
z
personale che riprendono le polemiche sviluppate da Pasolini negli interventi giornalistici raccolti in Scritti
corsari SANTATO, 2012, p. 512).
68
esses ensaios foram escritos no intervalo de três anos, de forma que se referem a
primi
organização atribui à obra certa fluidez, pois os ensaios não precisam ser
outra em um exercício contínuo de leitura. Porém, por que o escritor opta por
desenvolver suas críticas ou, antes, são resenhados justamente por ser uma
69
Essas constatações acerca da participação dos leitores na reconstrução
dos ensaios, da integração entre as duas séries do livro e entre outras obras, nos
ensaios ou até mesmo por poemas ou escritos, dele e de outros autores, isto é,
textos externos ao livro, nos levam a pensar em uma obra que sempre poderá se
refazer, se reestruturar, afinal cada leitura pode ser uma nova experiência. Nesse
possível. Além disso, quando ganham colocação definitiva em livro, tem-se a ideia
70
Ao começar a escrever para o maior jornal italiano, Pasolini se mostra
consciente do alcance que isso terá e, por isso, taticamente encontra um novo
prática, Pasolini reveste sua escrita com táticas discursivas, como repetições e
iteração, seus ensaios são compostos em linhas vertiginosas que por vezes se
repetem constantemente.
jornalístico de Pasolini e, indo além, defende que cada ensaio passa a ser uma
Cada artigo publicado, por mais que varie em sua abordagem ao repetir ideias por
orgânico, que fica cada vez mais evidente quando ganha colocação definitiva em
71
eorica dello scrittore a rendere così efficiente
edição de 1990 de Scritti corsari43, onde o crítico defende que o que o escritor
falava não trazia nenhuma novidade do ponto de vista dos estudos sociológicos,
econômicos e políticos
sobretudo em como essas coisas eram ditas. Tendo novamente como horizonte a
BERARDINELLI, 1990,
Vamos então observar de que maneira Pasolini abordou certos temas e qual foi o
43
Texto também publicado no livro Tra il libro e la vita: situazioni della letteratura contemporanea
(BERARDINELLI,
72
2.2 PASOLINI ENSAÍSTA: UM ESTRANHO NUMA TERRA HOSTIL
observação:
La verità non è un bene sociale. Chi ama troppo la verità non è adatto alla
conversazione, non riesce a trovare un linguaggio comprensibile in
società. E si rifugia nella meditazione solitaria, nel monologo, in quel
BERARDINELLI, 2011, p. 51).
O autoexílio de Alceste44 soa como uma medida extrema para alguém que não
compreende o mundo nem o ser humano enquanto ser social, e que por isso
prefere isolar-se desse mundo ao invés de se sujeitar a ele. Só alguém que ama
demais a verdade seria capaz de utilizar essa saída, afinal não há conversação,
Berardinelli parece nos querer dizer é que é preciso amar menos a verdade para
mais do que aversão ao homem, é critica sociale (e qui non importa il movente),
44
Alceste, personagem principal da peça O misantropo de Molière, se recusa a aceitar as hipocrisias e
convenções sociais da França do século XVII e por isso escolhe se autoexilar da sociedade. Cf. Molière. O
tartufo; O misantropo. Trad. Jenny Klabin Segall. São Paulo: Martins Fontes, 2005 (2ª ed.).
73
BERARDINELLI, 2011, p. 57). Ou seja, nessa relação
que não conhece a verdade, mas que quer conhecê-la, pois a busca pela verdade
preciso que o misantropo compreenda esse processo para reconhecer que ele
não conhece, de fato, a verdade e que nesse sentido é bom não conhecê-la, pois
total solidão.
intelectuais misantropos que, em busca de uma verdade social, por vezes caem
residia em sua recusa a aceitar o modo de vida burguês. Sua capacidade de olhar
74
Itália dos anos 1970. Do ponto de vista de Pasolini, é toda uma tradição cultural
século XX: seria como se ele se repetisse a partir da década de 1960 devido aos
diversas.
no pós-guerra.
já vimos, o crítico entende que esses aspectos já haviam sido explorados por
45
Ensaio publicado em Corriere della Sera
PASOLINI, 2001, p. 290). Posteriormente integrou o livro Scritti corsari. A partir desse
momento, sempre que citarmos trechos de Scritti corsari, utilizaremos a edição recolhida no volume
completo Saggi sulla politica e sulla società.
75
ter olhado para esses fenômenos de uma outra forma, colocando-os em seus
textos sob uma nova perspectiva o fim de uma certa tradição, a transformação
fascismo político por outro tipo de fascismo ainda mais totalitário mais perigoso
por ser invisível, mais violento por ter sido capaz de alterar o aspecto físico das
tradicionais. Por isso, esse texto se mostra central em um livro que pretende
que o torna muito pior do que o primeiro fascismo. Compreende-se Centro como
a essa maneira de pensar, as diferenças das periferias, que antes possuíam uma
76
maneira própria de se organizar e se expressar, tendem a se igualar cada vez
mais reconhecidas como uma cultura autônoma. Ou seja, esse novo poder,
periféricas, havendo apenas uma concessão para elas existirem. Isso leva o autor
ganhasse cada vez mais espaço foi a disseminação de ideias pela televisão: para
que o novo fascismo se instaurasse foi preciso que ocorresse também uma
O autor entende que a televisão, seja por meio das discussões que
propõe, seja pelas publicidades que divulga, foi um importante canal para difundir
todos passariam a vestir as mesmas roupas, ler os mesmos livros, assistir aos
77
mesmos programas de televisão, a ponto de não haver mais qualquer
, mas
esse novo poder exista, é preciso que a sociedade como um todo o veja como se
essa fosse a única ideologia que deva existir, em detrimento de todas as outras. A
caça que não se contentaria em apenas arranhar sua presa. É preciso dilacerar,
violar. Essa violência, que reflete como essas mudanças reconhecidas por
sobretudo uma violência física que conseguiu ser superada, o novo fascismo é
uma mutação da consciência dos indivíduos e por isso sem volta, é para sempre.
78
por uma tomada de consciência dilacerante. Porém, em um segundo momento,
há perguntas que o ensaísta deixa sem resposta, ou antes, nem chega a fazê-las
sua produção para periódicos há anos, se mostra cada vez mais interessado e
meios de comunicação mais abrangentes. Sua obra, todavia, não ficará reduzida a
mas seu reconhecido tom apocalíptico, de intervenção social explícita, ganha força
79
Esse termo, cunhado e utilizado em vários momentos46 pelo escritor,
Em primeiro lugar, o autor entende que esses novos valores ainda não foram
os
médias deve ser entendida como uma revolução do tipo antropológica por
a
creare tali valori gettando a mare cinicamente i valori tradizionali e la
Chiesa stessa, che ne era il simbolo (PASOLINI, 2001, p. 308).
Observamos que para desenhar esse novo momento social, o escritor procura
demonstrar como a nova forma de poder, não mais sujeita à igreja católica como
46
PASOLINI, 2001, p. 307) e
PASOLINI, 2001, p. 325), ambos
publicados em Scritti corsari.
80
camponesa, cooptada pelos ideais burgueses:
(PASOLINI, 2001, pp. 308-309). A variedade cultural italiana, sugerida pelas figuras
modo de vida.
47
Sobre o termo genocídio, Guido Santato escla
Pasolini dichiara dunque di riprendere la definizione da Marx e da Gramsci, appoggiandosi alla loro autorità
ideologica, ma in realtà è lui che identifica retroattivamente il termine con altri tipi
massac
SANTATO, 2012, p. 522, nota 153).
81
Essa é também a orientação, como já observado no ensaio
humanistas, o novo conseguiria realizar por meio de uma nova retórica, não mais
e de vida, enfim.
minorias que serão, no máximo, toleradas por essa nova forma de constituir uma
82
sua vez acredita ser possuidor de uma grande liberdade sexual, que na verdade
Pasolini deixa claro que, na sua concepção, a liberdade sexual não foi uma
conquista e nem sequer foi desejada pela sociedade italiana. Ela foi apenas
raciocínio, integrar uma daquelas das minorias resistentes seria estar excluído
dessa liberdade.
maggioranza che, pur approfittando, per sé, di una tolleranza sia pur
illusoria, non è mai stata in realtà così intollerante (PASOLINI, 2001, p.
484).
não tiverem um carro na garagem, não integrarão de fato esse novo mundo
uma liberdade
83
oferecida e por isso não genuína, que aceita as diferenças apenas como forma de
acumular consumidores48.
descrito, a formação política e social dos italianos de 1970, esperada pelo escritor,
48
O fortalecimento da ideologia consumista na Itália está relacionado às mudanças econômicas ocorridas
após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a indústria recebeu fortes investimentos privados, passou
por modernizações e ganhou forças dentro da economia europeia. Segundo o historiador Giampiero Carocci,
84
de mercadorias. Ou seja, a modernização econômica dos meios de produção
uso particular que o escritor fez desse gênero desde suas primeiras produções
para periódicos. À medida que o intelectual percebe que as questões que ele
busca denunciar estão cada vez mais visíveis, ele também se torna mais presente
sociedade italiana.
que o escritor busca corroborar sua vocação crítica em toda a sua obra a partir do
85
suas denúncias. Publicar em jornais de grande circulação seria então uma
intelectual crítico em toda sua produção, investindo seus textos de todo seu
paixão.
Por outro lado, a insistência no jornalismo pode também ser vista como
seus escritos ganharam cada vez mais força com o passar dos anos. As
esse momento.
personagens complementares
razionale, capace di sottoporre ad analisi sottili ogni aspetto ciò che lo circonda (i
delle cose e si dispera quando le cose non ci sono più e aprono dei vuoti emotivi
86
BAZZOCCHI, 2007, p. 162). Lendo seus ensaios, podemos perceber
tempo é cumulativa e não linear. Pasolini está totalmente ligado a sua realidade,
perceber, por meio de sinais como os cabelos dos jovens ou discursos políticos,
que cresceu em outro mundo e que, diante da nova configuração que ele vive
enquanto homem moderno, não consegue lidar com os vazios que esse mundo
caso). Quindi è lui che va ascoltato: perché nella sua attualità, nel suo
farsi immediato, cioè nel suo presente, la realtà non possiede che il
linguaggio delle cose, e non può essere che vissuta (PASOLINI, 2001, p.
573).
O autor, falando a partir de sua posição de intelectual que pensa o mundo ao seu
futuro. A questão fundamental seria pensar então como falar sobre o presente a
87
abrir mão nem do passado nem do futuro. O desafio dos intelectuais que se
acontece, o que se vive, por meio dos sinais que essa mesma realidade presente
emite.
homens de cultura, para desenvolver esse tipo de análise atual em seu ensaísmo
(SCHWARTZ, 1995,
p. 614). Um intelectual que vive, no presente, o mundo sobre o qual reflete e não o
88
Gostaria que os homens de nosso tempo se lembrassem da injunção de
Montaigne: é preciso tomar partido, aplicando a intenção... tanto minha
palavra como minha lealdade são, como o restante, peças deste corpo
comum: sua melhor realização é o serviço público; tenho isto como
pressuposto. (...) Eis aí, pronunciadas em voz alta, lições de
engajamento, de resistência civil, de tolerância. O desafio maior, aqui,
não é a verdade do auto-retrato: é a obrigação cívica e o dever de
humanidade (STAROBINSKI, 2011, p. 20).
terem como pano de fundo análises pessoais, por vezes até pautadas em
qual está relacionada à sua vocação natural de ser um líder político, em oposição
a sua intervenção coletiva na sociedade que por vezes nega essa vocação:
Sentirsi, come era, un capo, una guida, significava per lui assunzione di
responsabilità collettive, etico-pedagogiche, infine politiche. Il paradosso è
che questa vocazione confligge in lui con una altrettanto forte e profonda
refrattarietà alla politica. Una contraddizione insanabile, che permarrà fino
alla fine, e che determina la peculiarità della sua figura pubblica e delle
sue incursioni, peraltro ininterrotte, nel campo della politica (PASOLINI,
2001, p. XVII).
50
Essa discuss Os
ensaios
o por ninguém que não seus parentes e
amigos (MONTAIGNE, 2010, p. 37).
89
O que se discute é que, apesar de Pasolini ter divergências pessoais quando o
contestação um modo de ser, como um dado ontológico ela está aí, ela
existe enquanto tal. Seu valor mais certo é o de existir. É portanto sua primeira
DUFLOT
todo custo negar (DUFLOT, 1982, p. 35). Por isso, levando essa discussão para o
essa contestação deve ser levada para o campo político como uma primazia para
Esse tipo de atitude contestatória, por outro lado, não foi muitas vezes
90
reconhece que o escritor não foi entendido por muitos críticos que o julgavam
como um personagem provocador. Para ele, seria preciso antes entender que
sintomas
, ao invés de verdades
meta ao escrever textos críticos: buscar explicações, mesmo que não definitivas,
julga a sociedade
uma autoridade, e é esse peso que ele tentou evitar mesmo sendo um homem
Ora, sempre me esforcei por ignorar que sou igualmente uma figura
deveres que isto implica. Sempre me conduzi o pior
possível, ou seja, como eu queria. Mas foi mais forte do que eu: uma
espécie de autoridade abominável que me atribuem, se preciso mesmo
controvertida, investiu-me de repente, apropriando-se de toda a minha
vida (...) (DUFLOT , 1983, pp. 7-8).
91
Ainda na década de 1960, novamente no texto de abertura de ,
há uma reflexão sobre ser uma pessoa pública e a autoridade que isso implica.
discurso uma intenção de querer ser apenas uma pessoa como qualquer outra.
Mas é ele quem também reconhece que sua condição de homem público lhe
coloca algumas questões com as quais, mesmo não querendo, é preciso lidar. Por
mais que Pasolini se defenda dessa condição e se recuse a ser uma pessoa
pública, escrever para jornais e não se tornar uma figura de autoridade é algo
pouco provável. Além disso, ele já era um escritor e cineasta reconhecido na Itália
por seus livros e filmes. Dessa forma, sua maneira de conviver com isso é
intelectual.
Paralelamente a isso,
92
práxis, quase de um gesto: portanto, ela não pode deixar de ser repleta de erros e
nesse sentido, que o ensaísta não deve ser visto como um profeta, mas como
alguém atento aos sinais sutis da sociedade. E mesmo que seus diagnósticos não
ci inviti a prendere atto di un fatto capitale: dobbiamo sapere chi è capace di dire la
dizer
Ora, por ser um intelectual apto a alterar suas formas de dizer verdades e suas
seu leitor essa possibilidade de estar dizendo uma verdade. Esse pacto reforçaria
a ideia de que, mais importante do que afirmar uma verdade, seria a tentativa de
encontrá-la.
está ou não dizendo a verdade, mas que sua intenção é construir um discurso que
parece relativizar essa questão quando se auto afirma como um intelectual capaz
51
Publicado em 14 de novembro de 1974 no Corriere della Sera golpe
(PASOLINI, 2001, p. 362).
93
imaginar tudo o que não se sabe s
a desilusão que foi chegar ao meio do artigo e perceber que, na realidade, Pasolini
não sabia todos aqueles nomes que ele prometia dizer. O crítico constata que
intellettuale
p. 17). Porém, é possível reconhecer que, mesmo não sabendo, existe ali um
gesto crítico do texto, a reflexão intelectual proposta pela discussão sobre o que
nesse sentido.
52
della politica ogni attività umana ed ogni dettaglio di tutte le attività umane. Nel fare questo vi sono evidenti
94
nel senso indicato
pericoli, ma pericoli anche maggiori vi sono nel non farlo. Se non insistiamo che la politica è immaginazione
95
2.3 O ENSAÍSMO CORSÁRIO COMO EXPERIÊNCIA CORPÓREA
tecnológica.
fatos. Para Michel Lahud, a intenção era aproximar suas análises o máximo
96
possível da sua realidade, das suas experiências, daquilo que ele cotidianamente
vivia:
53
, por exemplo, observamos
uma calça jeans como ponto de partida, faz-se uma análise semiológica do uso
53
Publicado em 17 de maio de 1973 no Corriere della Sera
(PASOLINI, 2001, p. 278).
97
PASOLINI, 2001, p. 279): essa foi
de seu
de todas as publicidades.
a provocação da publicidade iria muito além de uma mera blasfêmia. Haveria ali
adeptos de um laicismo como fenômeno social. Nesse contexto, não haveria mais
lugar para a religião como poder ou como autoridade, pois ela se tornara também
98
semiologia pasoliniana: desenvolver uma análise contundente sobre a sociedade
comercial.
semiologia geral nesses casos reflete um alto nível de interesse por parte do
uma forte presença das experiências pessoais de Pasolini como mote para suas
reflexões
LAHUD, 1993, p.
também são partes integrantes de suas análises. Para Bazzocchi, o uso que o
evidencia um artifício
Quanto a isso, Pasolini não nega que sua aproximação aos temas é
Nesse trecho, muitos assuntos importantes para nosso estudo são colocados em
sociológicas pré-definidas. Por outro lado, dessa vez fica evidente que o escritor
acredita que sua maneira de lidar com isso é se importando pessoalmente com
100
Il felice nominalismo dei sociologi pare esaurirsi dentro la loro cerchia. Io
vivo nelle cose, e invento come posso il modo di nominarle. Certo se io
azione, che
ha subìto tutti gli squilibri dovuti a uno sviluppo stupido e atroce, e cerco
sociologia não faz ao utilizar modelos pré-concebidos. Seu método seria então
olhar individualmente para cada pessoa, buscando entender, em cada um, de que
mesmo ele utiliza esse tipo de categorização generalizante quando opõe o norte
ele pretende destacar é, sem dúvida, a forma como ele se coloca pessoalmente
101
uma característica estilística em seus escritos. Observamos que há sempre uma
ferramenta discursiva fica explícito logo nas primeiras frases dos textos:
Para Berardinelli, essa seleção de assuntos feita por Pasolini era parcial
discorsi. E delineava una nuova immagine della società come globalità, come
102
que todo o mundo globalizado funciona do modo como é descrito nos ensaios ou
seja, o próprio autor cria um sistema no qual todos os elementos da sua análise se
encaixam.
diversas vezes, compondo uma série de afirmações que funcionaram como armas
responsáveis por esses atentados, não podemos deixar de notar que a primeira
pessoa do singular perpassa todo o texto. Pasolini reafirma o que sabe por vários
que ressoa, ou seja, é sempre uma maneira particular de descrever as coisas. Tal
estratégia retórica evidencia que o homem público Pasolini não está preocupado
55
Em , Roberto Saviano
retoma esse ensaio e escreve seu próprio io so SAVIANO, 2010, pp. 245-253). Cf.
Roberto Saviano, , Piccola
Biblioteca Oscar Mondadori. Milão: Arnaldo Mondadori, 2010.
103
pessoa reforçaria a ideia de veracidade, afinal uma análise que parte de si mesmo
motivações egocêntricas. Mas, a certa distância, nos parece que o autor nunca
extremamente polêmicas era mais um tipo de recurso que dava notoriedade aos
seus escritos. Explorando essa expansão que seus textos adquirem, Santato
56
Publicado em 19 de janeiro de 1975 no Corriere della Sera PASOLINI,
2001, p. 372). O texto polêmico fala sobre o posicionamento do autor contra o aborto porque o considerava
ta nel panorama
104
narcisismo di testimone, della sua ingenua-calcolata ricerca
immagine di autore si viene in
questo modo sovrapponendo progressivamente quella del personaggio
pubblico (SANTATO, 2012, p. 530-531).
fala de si mesmo, pois é sempre sua concepção dos fatos), Pasolini está
universo), falar sobre mudanças sociais que envolvem toda a Itália de determinada
Pasolini.
compreenderam o uso que Pasolini fez desse tipo de recurso. Fortini, por
exemplo, ao invés de acreditar que falar de si mesmo seria uma forma de dar
eficácia ao discurso, defende que esse tipo de abordagem torna o texto dúbio e
inconsistente -politico di
Rinaldi acredita que Pasolini adquiriu o hábito da autolamentação e que por isso
se RINALDI,
105
O autor sabia o risco que corria ao escrever a partir de um ponto de
rnalista ao mesmo
tempo em que era polemista e poeta, e que por essa característica foi analisado e
Pasolini parece acreditar que, por mais que sua homossexualidade tenha sido
polêmica, ou seja, por mais que um aspecto biográfico tenha adquirido grandes
,e
não sua biografia, que motivara muitas condenações por parte dos críticos.
sorto non solo dal fatto che non tacevo la mia omofilia, ma anche dal fatto
che non tacevo nulla (PASOLINI APUD BAZZOCCHI BAZZOCCHI, 2007, p.
161).
Bazzocchi, Pasolini, que teve a coragem de falar abertamente sobre tantos temas
polêmicos, usou dessa figura retórica para dar veracidade às suas constatações e
106
ao seu discurso. Na concepção de Foucault, parresiastes
que é verdadeiro porque ele sabe que é verdadeiro; e ele sabe que é verdadeiro
conseguir ser sincero sobre si mesmo acarretaria em ser sincero sobre tudo o que
diz sobre os outros. A exposição pessoal, nesse sentido, ganha uma nova
análise que se reportava por vezes ao passado, o qual o escritor conhecia tão
claro como o livro de Sandro Penna é lido, ironicamente, por esse viés de
dável, a fim
de corroborar a tese de que durante o fascismo havia uma certa dignidade na vida
subito dopo! La vita era come la si era conosciuta da bambini, e per venti
57
Cf. M. Foucault, Discorso e verità nella Grecia antica, Roma: Donzelli, 1996.
107
nella rivolta o nella rivoluzione, ché tanto quella meravigliosa cosa che
era la forma della vita, non sarebbe cambiata. (...) I paesi avevano ancora
la loro forma intatta, o sui pianori verdi, o sui cucuzzoli delle antiche
colline, o di qua o di là dei piccoli fiumi. La gente indossava vestiti rossi e
poveri (non importava che i calzoni fossero rattopparti, bastava che
fossero puliti e stirati); i ragazzi erano tenuti in disparte dagli adulti, che
provavano davanti a loro quasi un senso di vergogna per la loro
svergognata virilità nascente, benché così piena di pudore e di dignità,
con quei casti calzoni dalle saccocce profonde (...) (PASOLINI, 2001, pp.
421-422).
Essa
gente humilde, o respeito pelas gerações mais velhas: tudo se desfaz frente a uma
realidade apocalíptica.
curso. Esse raciocínio também se repete quando o escritor fala da tradição, das
mitificando.
108
dos aspectos literários do livro que pretende resenhar e acaba fazendo uma leitura
tempos é estabelecer uma analogia com o tempo que ele está analisando. Falar
por falar do passado não faria o menor sentido, a menos que essa referência se
crítico capaz de identificar nos fatos presentes um processo histórico que não
significava evolução e sim retrocesso. Lahud encara essa questão mais uma vez
109
operação que lhe garantia aquele distanciamento da atualidade
relação com o passado, mas também com o futuro. Se, ao falar sobre o presente e
percebemos que as formas utilizadas para fazer esse tipo de reflexão se alteraram
sempre buscou mostrar uma verdade sobre a sociedade italiana. Com os ensaios
nte grave e
pudemos observar, esse novo tom dos anos 1970 seria reflexo da sucessão de
110
Parte da crítica entende que essa nova maneira de escrever não
abre mão de suas escolhas poéticas nem mesmo quando escreve artigos de
escritor descreve a rotina de um operário cujo barulho da tosse se funde aos sons
do jardim. Mas há uma crítica pontual que atravessa essa descrição narrativa: o
111
operário que tosse, durante seu horário de trabalho, é alguém sem perspectivas,
sem direito ao repouso, que deve produzir sem parar até mesmo quando está
doente.
Marcas pré-
As pegadas dos homens sobre a Lua dão essa compreensão piedosa por
uma vida que se processou num passado inenarrável. Se voltaram à
terra, estão mortos: acumularam-se os milênios sobre as pobres ações
de suas vidas. E eis aqui precisamente as suas marcas, os sinais de sua
passagem. Sim, chegaram até aqui em suas infinitas migrações. O que
comove, no passeio tão prosaico e até mesmo um pouco estúpido dos
americanos na Lua, não é o futuro, mas o passado: o destino de todo
futuro, que é o de se tornar passado, se já não o é (1982, p. 175).
jornais. Suas referências ainda são as mesmas, seu compromisso com a realidade
112
Esse aspecto aparece nos ensaios, por exemplo, por meio da utilização
perguntas retóricas com a finalidade de manter a tensão com seu leitor até o fim
58
Em nota ao en
PASOLINI, 2001, p. 511). O texto, lido em uma
intervenção oral em Milão, parece evidenciar o apreço do escritor por deixar seus ensaios transparecerem
sua voz.
113
Ora, la Chiesa dovrebbe continuare ad accettare una televisione simile?
Cioè uno strumento della cultura di massa appartenente a quel nuovo
bbe,
invece, attaccarla violentemente, con furia paolina, proprio per la sua
reale religiosità, cinicamente corretta da un vuoto clericalismo? (PASOLINI,
2001, p. 354-355).
Nesse último exemplo podemos ainda notar como o escritor faz uso de uma
pergunta retórica pelo viés da negação, a fim de conduzir seu leitor por
impactantes para finalizar seus ensaios. Conclusões fortes, com certo apelo
ciò ha qualche interesse per il lettore) sia chiaro: io, ancorché multinazionale, darei
61
PASOLINI, 2001, p. 411). Nesse trecho,
Pasolini produz um efeito muito irônico ao propor a troca de uma grande empresa
59
Publicado em 1 de fevereiro de 1975 em Corriere della Sera
(PASOLINI, 2001, p. 404).
60
O filósofo contemporâneo Didi-Huberman discute esse ensaio em seu livro Sobrevivência dos vaga-lumes
(DIDI-HUBERMAN, 2011).
61
Multinacional do ramo químico.
114
Com essa reflexão final, o leitor, quase que magneticamente, termina a
Pasolini constrói isso com muita maestria. Observamos o uso dos parêntesis, que
que ela interessa ao leit é, mais uma vez, um recurso retórico que camufla um
escreve você, leitor, que leu meu ensaio até o final, provavelmente vai se
Sera implica em ser lido por um público muito maior e muito mais diverso
escrevendo para um público diversificado , foi preciso se reinventar para que seu
discurso ganhasse ainda mais visibilidade. Porém, visar escrever para todos
claramente não significaria ser compreendido por todos, e Pasolini sabia das
dificuldades de encontrar leitores que compartilhassem das suas ideias. Por isso,
115
convicção de que é a
que acreditassem que esses ensaios não eram simples análises históricas, que
locutorio e
como já pudemos perceber, os ensaios corsários não eram para serem lidos
estabelecer uma relação próxima com seu interlocutor. Para tanto, mesmo com a
caminhos sem saída. Entretanto, nós que o lemos não precisamos ser
Pasolini escreve. Escrever não é, ainda, resistir? Talvez em alguns momentos ele
tocados por suas análises, sobretudo pelo tipo de característica estilística utilizada
pelo escritor, que garante aos ensaios corsários uma espécie de comunicabilidade
Nos ensaios
corsários, assim como ao longo de toda sua obra, esses jovens tiveram um lugar
excepcional que também merece ser pensado. Seja como objetos de estudo, seja
117
como interlocutores preferenciais, Pasolini estabelece uma comunicação didática
118
2.4 PASOLINI E OS JOVENS INFELIZES62
para ser seu pupilo63 e receber lições ao longo dos meses sobre o cenário italiano
como se os
119
PASOLINI,
2001, p. 551).
segunda, a ideia de que existe um jovem italiano ao qual o autor quer exatamente
como forte referência o mundo camponês, isto é, o mundo das tradições explorado
nas análises de Pasolini Nápoles é uma das regiões mais antigas da Itália e
estudante burguês, na medida em que ele pode utilizar suas próprias referências
havia sido levantada anos antes, em 1961, em resposta à carta de um leitor dos
Dei giovani borghesi studenti sono positivi coloro che sanno reagire al
120
Apesar de existir entre o texto de Vie nuove um intervalo de 14
Além disso, é um jovem que conserva qualquer coisa de mítico da sua tradição
66
. Tais descrições, criadas
todos os leitores de seus ensaios, o que expande o alcance dessa série de textos.
Por outro lado, por mais abrangente que seja essa comunicação, há
certas diferenças entre os jovens que precisam ser levadas em conta para evitar
-remetente criara:
quasi nulla eccetto che nel campo biologico. Mi sembra perciò illecito
: mi sembra un residuo romantico,
Noia di Moravia,
66
Efetivamente, dá-se mais destaque à origem napolitana do que à
sia napoletano esclude che tu, pur essendo borghese, non possa essere anche interiormente carino. (...) A
PASOLINI, 2001, p. 553).
121
molti, in Italia, da
Roma in giù, sia nelle città che nelle campagne) (PASOLINI, 1996, pp. 107-
108).
denunciada, dominará também esses jovens e os fará perder aquela inteireza que
lhes era natural, de forma que tanto os jovens burgueses, quanto os subproletários
67
Parioli é um bairro da burguesia romana que, durante o regime fascista, foi habitado por funcionários de
altos cargos.
122
O escritor supõe uma dicotomia entre burguesia e povo que os pais, das gerações
acentuadas, que definiam quem era quem. Mas a geração dos filhos, nascidos em
Roma,
metà e più dei giovani che vivono nelle borgate romane, o insomma
dentro il mondo sottoproletario e proletario romano, sono, dal punto di
vista della fedina penale, onesti. Sono anche bravi ragazzi. Ma non sono
-
são os pequeno-burgueses.
68
Publicado originalmente em 8 de outubro de 1975, em Corriere della Sera
Lettere luterane.
123
linguísticos emitidos por esses jovens que serão a base para as análises
Para o crítico Marco Belpoliti, pode-se apreender uma nova forma de ler
não seria a distinção entre classes sociais ou entre direita e esquerda, mas sim o
70
de discursos silenciosos,
Praga. Bu
rapazes e conclui:
69
O crítico dá sequência a sua análise destacando o tema da homossexualidade. Segundo sua leitura, a
tolleranza di oggi è il dominio del coito eterosessuale, imposto quasi come un dovere anche nelle giovani
generazioni, mentre un tempo la repressione sessuale, la proibizione dei rapporti tra ragazzi e ragazzi,
uomini e donne, lasciava spazio a una tolleranza verso la pratica omosessua BELPOLITI,
2003, p. 150). Deixamos a indicação, mas não nos aprofundaremos no tema devido a sua amplitude.
70
riassorbiti nella furia verbale non parlassero più autonomamente ai destinatari
frastornati, io trovai tuttavia la forza di acuire le mie capacità decodificatrici, e, nel fracasso, cercai di
prestare ascolto al discorso silenzioso, evidentemente non interrotto, di quei capelli sempre più lu
(PASOLINI, 2001, p. 274).
124
Ora così i capelli lunghi dicono, nel loro inarticolato e ossesso linguaggio
siamo dei borghesi: ed ecco qui i nostri capelli lunghi che testimoniano la nostra
geração de seus pais, mas, ao contrário, são eles que integram o sistema e
O autor percebe ainda que os jovens dessa nova geração estão abrindo
ciclo de influências a que estão submetidos. E mesmo quando eles pensam estar
125
Para nós, é relevante notar que tanto Gennariello quanto os cabeludos
semiológicas em seus ensaios corsários. Porém, coloca-se aqui outra vez uma
indagação: como Pasolini resolve o fato de ser um homem de outro tempo e com
Novame
O autor reconhece que sua formação cultural o coloca em uma posição crítica
semiologicamente pelo escritor não afetam os jovens, pois fazem parte desse
de 50
che avevano parlato al primo non esistono più e le cose che parlano al secondo
126
duas gerações
vida.
corsários parece ser justamente perceber que na Itália de 1970 alguma coisa
e que, por isso, só pode ser compreendida por pessoas que pertençam ao mesmo
mundo:
e dos jovens com os quais ele se comunica são diferentes, logo a linguagem
127
também é diferente e por isso impossibilita ou dificulta muito a comunicação entre
ambos. São duas realidades diversas que Pasolini busca reconectar pela
linguagem em seus ensaios porém o que faz sentido para uma, não faz para a
outra, pois partem de mundos diferentes. Dessa forma, o autor conclui que
Por outro lado, podemos entender que Pasolini só foi capaz de fazer as
constatações que fez justamente por pertencer a outro mundo, a outra geração, e
tomaria como naturais: esse seria o caso dos jovens. E como Bazzocchi observou
entendidas pelos jovens pois se referem ao seu próprio mundo. Ou seja, só seria
uma realidade diferente da sua e apenas esse alguém conseguiria traduzir para
Mas Pasolini sabe que, mesmo tentando ser esse elo de comunicação
geração e a geração dos jovens, e se inclui entre os pais, que seriam também
128
Ebbene, non esito neanche un momento ad ammetterlo: ad accettare
cioè personalmente tale colpa. (...) In quanto padre. In quanto uno dei
padri. Uno dei padri che si son resi responsabili, prima, del fascismo, poi
un regime clerico-fascista, fintamente democratico, e, infine, hanno
accettato la nuova forma del potere, il potere dei consumi, ultima delle
rovine, rovina delle rovine (PASOLINI, 2001, p. 542).
memória do velho fascismo. Além disso, são também culpados pela aceitação
culpa que não pode ser desfeita, afinal o tempo não retrocede jamais, e de alguma
129
130
3. O ENSAÍSMO JORNALÍSTICO DE P ASOLINI
feitas tentando atingir, a partir dos anos 1970, o máximo possível de pessoas.
para Vie nuove na década de 1960 foi sendo substituído por textos mais
nos ensaios corsários. Entretanto, a opção de parte da crítica por denominar essa
71
Descrizioni di descrizioni foi publicado postumamente em 1979 graças à organização de Graziella
Chiarcossi. A maioria dos textos que compõe a edição final foi deixada em uma pasta com o título que dá
nome ao livro. o volume (PASOLINI,
1999, p. 2979).
72
Note e notizie sui testi Descrizioni di descrizioni Saggi sulla letteratura e (PASOLINI,
1999, v. 2).
131
ensaístico. Considera-se apenas a qualidade crítica de cada um: na escrita dos
falar sobre o ensaísmo do escritor. Uma parte dos críticos utiliza o termo somente
giornalisti73. Por outro lado, outros críticos, como Paolo Valesio e Roberto Roversi,
Os jovens infelizes
73
Para a bibliografia completa organizada pelo crítico, conferir os apêndices em seu livro Pier Paolo Pasolini
(RINALDI, 1982, pp.425-466).
132
obras Scritti corsari e Lettere luterane foram todos recolhidos no volume Saggi
sulla politica e sulla società, que também opta pela designação ensaios. Parece
intervenções políticas.
outros ensaístas. Por isso esse tipo de atitude crítica pública parece ser um norte
grande liberdade com o que um ensaísta pode trabalhar com seus temas.
apareceu pela primeira vez no século XVI, a partir dos trabalhos de Montaigne,
com o objetivo de classificar um tipo de texto que visava dar vazão a pensamentos
ias. É por
isso que a comunicabilidade, enquanto efeito produzido pela língua escrita, é uma
um estilo em geral claro, simples e conciso, o escritor tem liberdade para escrever
em mente que o recorte temático desse tipo de texto é justamente falar sobre o
que não está definido. Para o filósofo Adorno, que também se dedicou a pensar o
Itália, parece ser contemplado por essa teoria de que o ensaio deve tratar do que
ainda não foi conceituado, ou daquilo que, apesar dos conceitos, precisa ser
movimento interno resulta em uma tradição, até os anos 1980, não científica,
literária menos exploradas até então, como é o caso do ensaísmo. Para o crítico,
esse gênero teria ganhado importância nesse contexto porque traria mais
134
vantagens ao explorar de forma crítica e acessível as contradições do mundo
suas análises críticas é muito peculiar, pois não se prende a parâmetros literários
pré-concebidos. Bellocchio nota que há uma certa constância nas matérias que
Pasolini uma complexidade que, segundo Bazzocchi, nos leva a considerar o obra
dunque in continuo farsi una struttura che vuol essere altra struttura,
come lui diceva delle sceneggiature per il cinema. E naturalmente il
processo non può finire mai, sarebbe anzi assurdo pensare a un atto
critico capace di esaurirne la complessità (BAZZOCCHI, 2007, p. 148).
135
movimento desses trabalhos que buscam, apesar do tom crítico constante, se
74
.
Ainda que fale dos mesmos problemas, existe uma preocupação em tratá-los sob
perspectivas diversas.
mutabilidade do mundo que nos cerca, tendo em vista que não é possível reduzir
i LA PORTA,
2012, p. 103). Porém o crítico nota que esse suposto reducionismo que visa
muito particular de como o escritor utilizou esse tipo de texto. Seu ensaísmo é um
74
Empirismo eretico. Milão:
Garzanti, 1972, p. 192.
136
Dessa forma, o ensaísmo pasoliniano aparece como uma nova
mesmo crítico propõe uma classificação que separa os formal essays, isto é,
crítico defende que seu ensaísmo deve ser considerado por aquilo que o faz
excepcional, e que por isso precisa ser estudado nessa perspectiva - para que não
irrelevante.
Política. O próprio Pasolini fica animado com a ideia, no entanto não chega a
75
Per conoscere Pasolini
(1978).
76
respon
Cartas publicadas em Vita
attraverso le lettere (PASOLINI, 1994, pp.317-318).
137
Il discorso politico di Pasolini è intraducibile, proprio perché il suo
significato e valore primario consistono nella contestazione radicale della
teoria (anche marxista) degli scienziati e della prassi dei politici. (...) Sono
cioè i filosofi, gli economisti, gli ideologi, per tacere dei politici
professionali, i quali, più che prestare la loro scienza a Pasolini,
Scritti
corsari BERARDINELLI, 1990, p. 168).
corsarismo seria então o estilo desses ensaios, desde suas escolhas temáticas,
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tarefa fácil mesmo após várias leituras e Scritti corsari suscita sempre
com textos que não contrapõem seus argumentos?; que não discutem, por
forma de incitar o debate sobre o lugar dos excluídos, como negros e mulheres, na
italiano não fosse, por exemplo, um fator positivo para as suas produções
legítimos quando se está exposto a uma única forma de vida, que precisa ser
139
que quer gerar o questionamento e desconstruir a realidade como ela nos é dada,
Por outro lado, com a intenção de fazer com que seu leitor chegue a
LA
chega é que, para o escritor, literatura e vida não são duas categorias diversas.
140
uma nova sociedade com o ato de pensar sobre o que é viver nessa nova
sociedade:
letteratura e vita
sembrano stare sullo stesso livello. Il gesto e la riflessione sul gesto (o
suas angústias e reflexões. Aquilo que ele via acontecer, enquanto um homem
que vivia o seu próprio tempo mas que também conhecia o passado, precisava ser
debatido duramente em seus escritos. Seu pensamento crítico e seu diálogo com
diariamente como realidade pela maioria das pessoas, como a única realidade
alterar a ordem das coisas, por isso escreve. E escreve cada vez mais, repetindo
ideias, repetindo palavras (ou gritos?). Com isso, provoca uma espécie de catarse
77
Em 1970, Pasolini adquiriu a Torre de Chia, na comune de Soriano nel Cimino, onde construiu um
apartamento para se isolar.
141
respiração do escritor passa a ser também de seu leitor. Não é uma literatura de
Incomoda porque é peculiar, porque não faz sentido, porque parece bagunçado,
retórico demais, confuso demais. Incomoda porque é sincero, porque faz sentido,
também.
142
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