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CLÁUDIA TAVARES ALVES

O ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini

CAMPINAS,

2015
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

CLÁUDIA TAVARES ALVES

O ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO


INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRA EM T EORIA E
HISTÓRIA LITERÁRIA, NA ÁREA DE TEORIA E
CRÍTICA LITERÁRIA.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA BETÂNIA AMOROSO

CAMPINAS,

2015
iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Alves, Cláudia Tavares, 1988-


AL87e AlvO ensaísmo corsário de Pier Paolo Pasolini / Cláudia Tavares Alves. –
Campinas, SP : [s.n.], 2015.

AlvOrientador: Maria Betânia Amoroso.


AlvDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Alv1. Pasolini, Pier Paolo, 1922-1975 - Crítica e interpretação. 2. Ensaios


italianos. I. Amoroso, Maria Betânia,1952-. II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The corsair essayism of Pier Paolo Pasolini


Palavras-chave em inglês:
Pasolini, Pier Paolo, 1922-1975 - Criticism and interpretation
Italian essays
Área de concentração: Teoria e Crítica Literária
Titulação: Mestra em Teoria e História Literária
Banca examinadora:
Maria Betânia Amoroso [Orientador]
Lucia Wataghin
Eduardo Sterzi de Carvalho Júnior
Data de defesa: 26-02-2015
Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária

iv
v
vi
RESUMO

Dentre as diversas atividades literárias e cinematográficas às quais Pier Paolo


Pasolini se dedicou ao longo de sua carreira, seu trabalho jornalístico ganhou
grande destaque entre o público em geral e a crítica especializada por ter um
caráter de intervenção política. A intenção do presente trabalho é buscar
caminhos para compreender o percurso intelectual percorrido pelo escritor
italiano nos meios de comunicação de massa, iniciando a pesquisa por artigos
publicados na década de 1960 em periódicos de menor circulação e
culminando em uma análise mais longa e reflexiva sobre o momento que ficou
conhecido como o do corsarismo. Tal denominação foi extraída do livro Scritti
corsari, de 1975, o qual reúne uma série de textos escritos para grandes jornais
italianos, como o Corriere della Sera, a fim de denunciar a dominação de um
modo de vida burguês em detrimento de outras manifestações sociais e
culturais na Itália após o fim da Segunda Guerra Mundial e seus consequentes
avanços econômicos. Nosso objetivo é então pensar o que foi esse momento
corsário na obra de Pasolini e de que maneira suas escolhas estilísticas
constituíram uma forma muito particular de escrever ensaios jornalísticos.

ABSTRACT

Among all different literary and cinematographic activities developed by Pier


Paolo Pasolini, his work in newspapers gained great importance with the
general public and the critics because of the political intervention it represented.
The purpose of this thesis is to search for means to comprehend the intellectual
journey made by the Italian writer when he has written for big mass medias. The
first step was related to writing reviews about his articles published during the
1960s in smaller journals and then a deeper and reflexive analysis of
corsarismo was made. Corsarismo is a designation extracted from the book
Scritti corsari (1975), which gathers many texts published in big newspapers,
such as Corriere della Sera. These articles were written to denounce the
domination of a certain bourgeois way of life to the detriment of other social and
cultural manifestations in Italy after Second World War and its consequent
economical improvements. Our main goal is to think of what has been this
corsair stylistic choices became
part of a very particular way of writing essays.

vii
viii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13

1. IALOGHI CON PASOLINI E L CAOS

A PRODUÇÃO JORNALÍSTICA NOS ANOS 1960 ........................................................ 23

2. O CORSARISMO DE PASOLINI NOS ANOS 1970 ................................................... 53


2.1 DO JORNAL AO LIVRO ........................................................................ 60
2.2 PASOLINI ENSAÍSTA: UM ESTRANHO NUMA TERRA HOSTIL ..................... 73
2.3 O ENSAÍSMO CORSÁRIO COMO EXPERIÊNCIA CORPÓREA ................... 96
2.4 PASOLINI E OS JOVENS INFELIZES .................................................... 119

3. O ENSAÍSMO JORNALÍSTICO DE PASOLINI ........................................................ 131

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................143

ix
x
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Airton e Maria Aparecida, por terem me ensinado ao
longo desses anos que devemos estar sempre dispostos a aprender e a
compartilhar conhecimento;

Aos meus irmãos, Marcos e Giovana, por fazerem da vida uma experiência de
amor e companheirismo;

Ao Evandro, pela paciência e pelo carinho com que leu cada palavra dessa
dissertação;

Aos meus amigos, por entenderem que, apesar das minhas ausências, a rotina
com ou sem limites é sempre mais alegre e doce ao lado deles;

À professora Betânia, pelas leituras e orientações fundamentais para que essa


pesquisa pudesse avançar;

A Giuliana Benvenuti e Marco Bazzocchi, da Universidade de Bologna, Roberto


Chiesi, responsável pelo Archivio Pasolini na Cineteca de Bologna, e Angela
Felice, diretora do Centro di Studi Pier Paolo Pasolini em Casarsa della Delizia,
pelo acolhimento durante meu estágio de pesquisa na Itália;

A Lucia Wataghin e Eduardo Sterzi, pelos comentários instigantes feitos


durante a defesa deste trabalho;

Aos funcionários e colegas do IEL, por amenizarem o trauma burocrático


causado pela vida acadêmica;

Ao CNPQ, pelo suporte concedido nos meses iniciais da pesquisa;

À FAPESP, pelos financiamentos no Brasil e na Itália, sem os quais a realização


desta dissertação não seria possível.

xi
xii
INTRODUÇÃO

Nos anos de 1940, enquanto escrevia para pequenos periódicos

bolonheses1, como Il Settaccio e Architrave, o jovem Pier Paolo Pasolini iniciou

suas discussões públicas sobre política, dialeto, marxismo 2, entre outros assuntos.

O escritor italiano, que já escrevia poesia desde muito cedo3, parecia timidamente

ir aos periódicos em busca de uma outra forma de expressão do seu ponto de

vista. Segundo Piergiorgio Be á

nesses primeiros escritos:

BELLOCCHIO IN PASOLINI, 1999,

p. XX)4. Ainda que sua posição ideológica fosse um elemento significativo já em

suas outras produções, sua participação nesses meios de comunicação com

maior alcance sugere uma vertente política que ganhará cada vez mais espaço

em sua obra.

Com o passar dos anos, as pequenas produções para revistas de

pouca circulação tomaram novas dimensões. No fim dos anos 1950 e início dos

anos 1960, o autor começou a escrever, mantendo alguns dos temas iniciais, para

periódicos maiores (porém ainda de pequena expressão), como Vie nuove.

1
Bellocchio faz um breve percurso jornalístico de Pasolini a partir dos anos 1940 no prefácio
Saggi sulla politica e sulla società da obra completa
(PASOLINI, 2001, p. XI). Para maiores informações sobre a produção do autor nesse período, conferir Pasolini
e Bologna, org. Gianni Scalia e Davide Ferrari (Bolonha: Edizioni Pendragon, 1998).
2
PASOLINI,
2001, pp. 5- PASOLINI , 2001, pp. 15-20), entre outros textos selecionados no capítulo
Saggi sulla politica... op. cit.
3

PASOLINI apud
AMOROSO, 2002, p. 10).
4
Grande parte da bibliografia de e sobre Pasolini não possui ainda tradução para a língua portuguesa, por
isso optamos por manter as citações sempre no o
traduzidos por Carlos Nelson Coutinho em Caos: crônicas políticas (PASOLINI, 1982).

13
Posteriormente, a partir de meados dos anos 1960 e, sobretudo, nos anos 1970,

passou a escrever para jornais de grande circulação na Itália, como Il Mondo e

Corriere della Sera.

Ao longo desse percurso jornalístico, as ideias ainda prematuras de um

jovem de 20 anos de idade deram lugar a reflexões mais complexas, tornando-se

esquematizações cada vez mais elaboradas sobre o modelo político italiano e

seus desdobramentos culturais, sociais e econômicos. Foi também com o passar

dos anos que algumas sensações concebidas logo após o fim da Segunda Guerra

Mundial foram substituídas por reflexões semiológicas, isto é, reflexões pautadas

nos sinais comportamentais presentes na sociedade italiana, as quais acabaram

por corroborar aquilo que no início parecia ser apenas uma intuição.

Em meio a essa vasta produção jornalística que vai de 1940 a 1975,

ano da morte do autor, decidimos nos deter especificamente nos seus últimos

escritos, passando por outros dois momentos de sua produção nos anos 1960,

com a intenção de compreender o que, segundo uma parcela da crítica, é o ápice

da produção jornalística de Pasolini enquanto reflexão política.

Sendo assim, optamos por analisar brevemente dois momentos muito

específicos da produção pasoliniana a saber, as colunas Dialoghi con Pasolini,

no periódico Vie nuove, de 1961 a 1965, e Il Caos, no jornal Tempo, de 1968 a

1970 para então refletir sobre nosso objeto de estudo, o livro Scritti corsari

(1975), o qual foi organizado pelo próprio autor antes de morrer e reúne uma série

de textos escritos de 1972 a 1975 para grandes jornais.

Enquanto escreve, nesses três momentos diversos, o escritor se mostra

preocupado em entender como ocorre a consolidação política e econômica da


14
Itália nos anos posteriores à guerra, isto é, durante o ápice do que ele reconhece

como neocapitalismo. Essa consolidação se relaciona diretamente ao modo de ser

e de falar dos italianos, à religião e suas adaptações frente a uma nova

organização econômica, à educação, aos meios de comunicação, à cultura, ao

partido comunista e suas frentes de atuação. Percebe-se então que, para refletir

sobre essas questões, o escritor parte de ocasiões diversas: em alguns casos, são

situações pessoais e pequenas, como uma viagem à Praga; em outros momentos,

utiliza fatos nacionais, como o plebiscito sobre o divórcio ocorrido na Itália em

1974. Nesse sentido, o que inicialmente salta aos nossos olhos é que as primeiras

reflexões tímidas de 1960 ganham força e consistência e originam textos mais

denunciativos e incisivos.

Além disso, há também escolhas acerca do formato dos textos, do

estilo discursivo, dos meios de comunicação em que eles circularão que chamam

a atenção de nós leitores. Observamos ainda uma verdadeira obsessão por parte

do escritor com o jovem italiano, tanto como objeto de análise, quanto como

interlocutor constante de seus escritos jornalísticos. É emblemático, por exemplo,

Gennariello publicado em Lettere luterane (1976):

Pasolini cria ficcionalmente um jovem napolitano ao qual ele dá uma série de

lições sobre a Itália da época.

Diante de um escritor tão plural, procuramos então traçar um trajeto

intelectual que abrangesse a produção jornalística de Pasolini nas décadas de

1960 e 1970. Para corroborar ou descartar nossas hipóteses, nos dedicamos a

análises dos próprios textos de Pasolini, levando em consideração esses

15
momentos diversos de sua carreira, paralelamente aos esclarecimentos (por

vezes não tão esclarecedores assim) dos textos críticos.

Gostaríamos de relembrar nessa pequena introdução o nosso próprio

caminho acadêmico até Scritti corsari. O primeiro contato com o livro se deu por

meio de outra obra, Os jovens infelizes5 (1990). A antologia brasileira foi a primeira

leitura que desencadeou uma série de questionamentos acerca desse modo

característico utilizado por Pasolini para falar sobre questões tão particulares da

Itália, mas ao mesmo tempo tão abrangentes e atemporais. Inicialmente, essa

primeira leitura despertou sentimentos eufóricos: a satisfação de ler um autor que

conseguiu exteriorizar através de seus escritos sensações até então muito

instáveis para uma jovem leitora brasileira. Denúncias escritas em 1970 acerca de

um modelo de vida italiano pautado sobretudo em valores burgueses pareciam se

aplicar indubitavelmente ao modelo de vida brasileiro dos anos 2010, ainda que

estivéssemos muitos distantes. Porém, esse deslumbramento quase ingênuo deu

lugar à necessidade de desconfiança e investigação diante do nosso objeto de

estudo.

Frente à grandeza e à complexidade de Pasolini, as leituras pareciam

despertar duas reflexões. A primeira, a ideia de que escrever um texto literário era

também pensar questões políticas, sociais, culturais. A segunda, de que era

necessário a todo tempo desconfiar do que se lia e de que nada deveria parecer

óbvio. Partindo desses dois pontos, desenvolvemos uma iniciação científica e

5
Coletânea brasileira que reúne alguns textos de Scritti corsari e Lettere luterane. Publicada em 1999, foi
organizada por Michel Lahud e traduzida pelo organizador em parceira com Maria Betânia Amoroso.

16
uma monografia6 para explorar a relação de Pasolini com os jovens e suas

reflexões corsárias em Os jovens infelizes. E foi a partir desse primeiro trabalho

que se esboçaram as ideias exploradas com mais profundidade nessa

dissertação, que visou se dedicar principalmente a Scritti corsari, passando

sempre que necessário por Lettere luterane.

Desconfiamos, primeiramente, do subtítulo dado ao livro brasileiro

corsários m ensaio? O que seria, por sua

vez, um ensaio corsário? As respostas não eram nem um pouco claras, fato que

levou a uma investigação da fortuna crítica de Pasolini. No Brasil, os críticos

Michel Lahud, Maria Betânia Amoroso, Luiz Nazário escreveram sobre o autor e

foram de grande importância para esquematizar as primeiras questões a serem

estudadas. Além disso, possibilitaram o levantamento bibliográfico de outros

grandes críticos pasolinianos, como Alfonso Berardinelli, Rinaldo Rinaldi, Franco

Fortini, Marco Bazzocchi, Filippo La Porta, entre outros.

No âmbito do ensaísmo, o primeiro exercício foi compreender o que se

entendia por ensaio. Nesse sentido, Montaigne, Starobinski, Adorno, Lukács,

Sílvio de Lima etc., foram nomes essenciais para formar uma atmosfera teórica ao

redor do termo. Entretanto, ainda não estava claro o porquê da escolha desse

termo para tratar dos escritos corsários. Por isso o caminho natural foi buscar na

crítica pasoliniana e nos próprios escritos de Pasolini uma trilha para entender tal

6
De agosto de 2010 a julho de 2011 d corsário de Pasolini
em Os jovens infelizes P IBIC-CNPQ. Essa pesquisa originou ainda a monografia homônima
defendida em novembro de 2011 para obtenção do Bacharelado em Estudos Literários (IEL, Unicamp).

17
O ensaísmo jornalístico7 de

Pasolini dar algumas direções sobre essa questão.

Durante toda a pesquisa, sentíamos a dificuldade de lidar com um

escritor tão particular como foi Pasolini. Observamos, com o passar do tempo, que

a nossa intenção de compreender o percurso intelectual do escritor caminhava

paralelamente à intenção do autor de construir seu próprio percurso intelectual ao

longo de sua obra. Pasolini se mostrou um escritor constantemente disposto a

repensar seus modos de trabalhos, suas estruturas reflexivas, seus modelos de

comunicação, fato que pode ser corroborado por sua extensa e múltipla obra.

Nos escritos jornalísticos, conseguimos traçar uma linha que vai desde

os artigos publicados na revista Vie nuove, no início da década de 1960, aos

ensaios de Corriere della Sera, nos anos 1970. Por isso achamos essencial iniciar

a discussão dos escritos corsários a partir da exposição dos escritos jornalísticos

da década de 1960, o que culminou no primeiro capítulo do presente trabalho.

Percebemos que o embrião de muitos temas corsários já estava presente

naqueles trabalhos anteriores, além da presença de um certo modo de construir

um discurso, por isso levamos adiante a investigação dos escritos de Vie nuove e

Tempo no capítulo

Essa maneira de escrever para jornais e revistas nem sempre agradou

a crítica. Pudemos observar que alguns críticos pasolinianos que escreveram por

volta dos anos 1970 e 1980 questionavam por que o intelectual, uma referência

ensaísmo

18
para a esquerda marxista, passou a escrever de maneira tão simplista em meios

de comunicação de massa. Parecia haver uma expectativa ou mesmo uma

cobrança para que o autor correspondesse ao que se esperava de um escritor

marxista. Essa mesma cobrança se reflete na maneira como Pasolini conduz a

partir de dado momento seus escritos, sempre reforçando seu papel de escritor, e

não de teórico ou cientista político, e sua liberdade de errar e de se contradizer.

Finalmente, identificamos dois momentos na crítica pasoliniana: um tipo

de crítica feito antes da consolidação do momento econômico descrita nos escritos

corsários, feita por intelectuais de esquerda empenhados em manter uma

determinada maneira marxista de se fazer crítica, preocupados principalmente

com a pessoa Pasolini e suas atitudes enquanto intelectual de esquerda; e uma

crítica posterior à consolidação econômica, a qual atribui a Pasolini denominações

como profeta e decifrador, a fim de expor como seus argumentos fazem sentido

nos dias contemporâneos, e preocupada com outras questões envolvendo o

modelo de escrita explorado pelo autor.

Destacamos, por exemplo, a ocasião de um simpósio 8 ocorrido na Yale

University em 1980, no qual Franco Ferrucci fez duras críticas ao modo como

Pasolini escrevia, chegando a afirmar que seu único m

FERRUCCI,1980-1981, p. 15). Nessa linha,

encontramos os críticos Rinaldo Rinaldi, Franco Fortini, Alberto Asor Rosa que,

8
Publicado em Italian Quaterly, ano XXI-XXII, n. 82-83, 1980-1981. O evento e o exemplar publicado foram
-se como essa escolha
sugere uma separação entre Literatura e política. O texto citado se encontra

19
cada um a seu próprio modo, teceram severos comentários à produção do

escritor, deixando transparecer suas expectativas de como um intelectual de

esquerda deveria ser. Observamos como essas críticas prendem-se muito às

incoerências argumentativas existentes nos escritos corsários, porque existe uma

pressuposta coerência esperada segundo o modelo crítico marxista. Pasolini, por

ser um ponto fora dessa curva, foi questionado por seu modo de pensar e

escrever.

Passado alguns anos, vemos críticos contemporâneos, como Filippo La

Porta, Marco Belpoliti, Marco Bazzocchi que se mostram interessados em sugerir

novas maneiras de ler Pasolini. Superadas as questões com o partido comunista e

consolidado o sistema neocapitalista, esses estudiosos estão interessados em

fazer análises sob perspectivas diferentes: a relação da obra com o Corpo, a

vocação pedagógica, o Eros homossexual.

scintillanti Scritti corsari (...) plare di

Pasolini, ne ricomprendono in un genere letterario nuovo le molte anime e

LA PORTA, 2012, p. 104).

Para nosso trabalho, foi interessante ler essas duas tendências e

explorar uma fusão entre ambas. Curiosamente, as críticas mais antigas, em

geral, não identificavam no trabalho corsário de Pasolini muitos pontos positivos e

pensavam no autor mais como um homem político. Em comparação às produções

poéticas anteriores, os escritos jornalísticos eram usualmente depreciados. Já nos

trabalhos mais recentes, há uma exaltação (ou ao menos uma compreensão

menos enviesada) desses escritos, tratados como textos literários que precisam

20
ser estudados como tais. Nossa intenção foi então propor uma análise dos

escritos corsários contrabalanceando essas duas linhas críticas.

21
22
1. IALOGHI CON PASOLINI E L CAOS A PRODUÇÃO JORNALÍSTICA

NOS ANOS 1960

Quando assume, em 1960 em Vie

nuove9, o autor se propõe a estabelecer uma nova linha de comunicação com

seus leitores. Apesar das diversas atribulações com suas outras produções 10,

acredita que abrir espaço em sua

PASOLINI, 2001, p. 877) e assumir tal compromisso

semanal seria dar a oportunidade para um novo tipo de construção de análises

conjuntas com os leitores, isto é, seria uma maneira de realizar discussões

políticas e culturais sob uma perspectiva mais democrática.

Antes de se tornar um colaborador fixo, o escritor já havia dado outras

contribuições para a revista. Publicou, por exemplo, um artigo muito significativo

acerca dos jovens italianos. teddy boys , de 1959, usa como

9
Revista ligada ao Partido Comunista Italiano (PCI), fundada em 1946. Trazia junto ao título a informação de

Carlo Ferretti no volume Le belle bandiere: dialoghi 1960-1965, Roma: Editori Riuniti, 1977 (1ª ed.).
10

di cui sarò regista, sto correggendo le bozze di un volume di saggi di seicento pagine, sto organizzando un
romanzo su cui, in definitiva, punto ormai tutto, sto scrivendo versi e articoli, secondo le intermittenze e le
ossessioni della vocazione e del mestiere: non ho tempo neanche di respirare, come
p. 877). Sabe-se, graças à cronologia organizada por Nico Naldini (Pasolini, 2001, p. XLI-CVIII), que no ano de
1960 Pasolini estava trabalhando com os rascunhos de Passione e ideologia (Garzanti: Milão, 1960) e de La
religione del mio tempo (Garzanti: Milão, 1961). Além disso, dedicava-se a roteiros cinematográficos: La
giornata balorda e , de Bolognini, , de Gianni Puccini, La lunga
, de Florestano Vancini. Visando iniciar suas atividades como diretor de cinema, escrevia o
argumento de La commare secca. Em julho do mesmo ano, deixará de lado esse roteiro para dedicar-se a
Accattone, seu primeiro lançamento cinematográfico. Trabalhava ainda com os esboços de Il Rio della grana,
La Mortaccia e Storia burina, os quais não serão publicados e terão apenas alguns trechos aproveitados em
Alì dagli occhi azzurri (Garzanti: Milão, 1965). Por último, lança dois pequenos volumes de versos antigos:
Roma 1950 Diario (Scheiwiller: Milão, 1960) e Sonetto primaverile (Scheiwiller: Milão, 1960).

23
questão dos jovens italianos e da existência dos teddy boys11. A premissa é que

seria possível compreender o motivo de um determinado tipo de comportamento

dos jovens tendo em vista os palestrantes presentes no congresso: aqueles

estudiosos seriam também pais e a revolta de seus jovens filhos refletiria, no

fundo, a superficialidade e crueldade com que esses pais falam de seus

adolescentes, referindo-se a eles de maneira extremamente racional, científica,

teórica, objetiva, sem qualquer vestígio de cumplicidade ou compreensão. Por

isso, os jovens alla superficialità rispondono con la superficialità, alla crudeltà con

PASOLINI, 2001, p. 92).

Ao invés dessa aproximação científica e técnica ao assunto, propõe-se

que esses jovens sejam vistos conforme a sociedade e o ambiente em que vivem.

Mesmo quando são violentos, cruéis e polêmicos, haveria uma maneira de

analisá-los com mais proximidade, sem objetificá-los como tema de estudo.

Podemos observar, por exemplo, como o autor defende os jovens, eximindo-os da

culpa quando eles comentem agressões a homossexuais e prostitutas, práticas

recorrentes entre os teddy boys. Pasolini entende que o tipo de atitude desses

jovens reflete os princípios morais segundo

stesso in cui si ribellano esercitando atti di crudeltà esibizionistica e in fondo

masochistica si adeguano, si conformano: la loro è una ribellione conformista, la

loro arma il ricatto, che PASOLINI, 2001, p.

93). Na verdade, a violência e o comportamento agressivo com que agem seriam

11
Movimento surgido em Londres nos anos 1950 que se espalhou por toda a Europa. Eram jovens ligados à
música rock, ao estilo eduardiano de se vestir e a atitudes rebeldes e agressivas (disponível em
http://www.bbc.co.uk/britishstylegenius/content/21865.shtml, acesso em 17 de outubro de 2014). Para

24
apenas reflexos da mentalidade burguesa em que foram concebidos e à qual

devem se adequar.

Para dar continuidade a essa análise, Pasolini irá introduzir um dos

princípios mais utilizados em seus escritos a partir de então, sobretudo no período

corsário: a polarização entre os jovens do norte e os do sul da Itália. Os primeiros

se revoltariam porque vivem em uma sociedade que aparenta ser boa, pois

oferece possibilidades diversas para garantir um padrão de vida consumista, mas

que é na verdade uma sociedade injusta porque, devido a essa mesma lógica,

suprime as individualidades de cada um, igualando todos. A revolta seria então um

clamor por personalidade, pela liberdade de fazer suas próprias escolhas:

il ragazzo nevrotico milanese, o torinese o bolognese, si trova a lottare


contro una società apparentemente buona, capace di offrirgli garanzie,
ma, in sostanza ingiusta, e quindi, sotto le apparenze democratiche,
noiosa, ipocrita, feroce, carica di rancore teologico. Il ragazzo tutto questo
ppressione di tale società su di lui, causa in lui le nevrosi
che lo portano a una falsa rivendicazione della propria personalità: il
PASOLINI, 2001, p. 95).

Vistos de outra perspectiva, os jovens do sul encontrariam seus motivos

de rebelião justamente na diferença social que existe entre eles e os do norte, por

isso seu protesto seria social e não moral. Por pertencerem ao povo, à classe

subproletária, e não à classe burguesa, suas ações refletiriam uma revolta social

por melhores condições econômicas.

Nei

alla classe borghese o alla sua area ideologica, ma appartengono al


popolo o al sottoproletariato, sempre più vasto e insondabile; essi non
commettono reati gratuiti, ma reati ben giustificati dalla necessità
economica e dalla diseducazione ambientale (PASOLINI, 2001, p. 96).

Essa diferenciação econômica e, consequentemente, comportamental

entre os jovens italianos do sul e do norte reforçaria o argumento de que o

25
neocapitalismo só ressalta o desnível social entre as duas regiões, o que se

refletiria inclusive na cultura e na língua falada em cada local. No sul, por exemplo,

ome koinè12, come lingua strumentale di

PASOLINI, 2001, p. 97). Enquanto no norte o

desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural já havia padronizado a língua

italiana, no sul ainda havia diversas comunidades falando dialetos diferentes,

reforçando ainda mais as diferenças sociais entre as duas regiões.

A conclusão do artigo, porém, defende que a formação desses novos

jovens, sejam do sul ou do norte, e suas divergências tão marcantes são

consequências do modelo econômico, social e político em que eles estão

crescendo. Por isso a discussão ao redor desses jovens não deveria ser sobre

como salvá-los, como protegê-los de suas próprias revoltas. No final das contas,

n per quel

provvedimenti non servono; anzi, non ne esistono: ed è bene che sia così, se

questo dimostra, ancora una volta, che è la nostra società, nelle sue strutture, che

PASOLINI, 2001, p. 98).

Esse tipo de argumentação que recorre ao meio social para pautar

suas críticas e traz grandiosas conclusões sobre o assunto começa a ganhar

força nos textos jornalísticos de Pasolini. Para Bellocchio, o autor não abre mão

12
Termo usado em italiano e nos estudos linguísticos.
accettato e seguito da tutta una comunità nazionale e su un territorio piuttosto esteso, con caratteri
uniformi (in contrapposizione ai dialetti locali e alle parlate regionali, territorialmente limitati e dis
Em Treccani.it - Enciclopedie on line, Istituto dell'Enciclopedia Italiana, 10 outubro 2014.

26
desse tipo de escrito pois esse trabalho lhe proporciona uma proximidade com o

público que suas outras produções não permitem:

Tuttavia non rinuncia alle collaborazioni giornalistiche. È un lavoro a


margine, con interruzioni frequenti, a cui può dedicare esigui ritagli di
tempo, ma si butta con la consueta passione. Perché ci crede, perché ha
bisogno di un contatto diretto con le persone, che né i libri né i film gli
possono dare e che il superlavoro gli nega sempre di più (BELLOCCHIO IN
PASOLINI, 2001, p. XXVI).

Segundo o crítico, o escritor havia tentado relançar a revista Officina13

em 1959 sem sucesso. A tentativa infeliz de voltar a trabalhar coletivamente em

um periódico de crítica literária só que dessa vez em paralelo a muitas outras

produções não convence e provavelmente por isso o convite, em 1960, para

escrever toda semana a coluna Vie nuove aparece

como uma alternativa conveniente.

Baseada em experiências anteriores de diálogos com o público 14,

observa-se que a coluna é estruturada, em geral, por textos curtos, escritos em

tom informal. Os leitores enviavam, com grande liberdade, comentários ou

perguntas sobre os mais diversos assuntos como literatura, cinema, política,

acontecimentos cotidianos , pedindo conselhos, orientações, sugestões de

leitura. Pasolini respondia na maioria das vezes de maneira bastante clara e

objetiva, dialogando diretamente com seu interlocutor e seus leitores em geral.

Não há um tom crítico de denúncia, o que aproxima esse tipo de comunicação a

13
Revista literária fundada em 1955 por Pasolini, Francesco Leonetti e Roberto Roversi em Bolonha. Para
mais informações, conferir Gian Carlo Ferretti, ,
Turim: Editora Einaudi, 1975.
14
Pasolini conta com entusiasmo experiências em congressos nos quais o público interagia com o autor com
PASOLINI, 2001,
p. 878).

27
uma conversa. Na definição do crítico

giornalista-pedagogo, ma anche un scrittore- BELPOLITI, 2003, p. 141).

Em março de 1962, o jovem Giovanni Petti, de Roma, escreve uma

carta

apresenta como um estudante ser

observações acerca das mudanças da sociedade, do

comportamento dos jovens em relação ao amor e da importância de instruí-los

sobre esse sentimento, o leitor parte para uma análise mais profunda dos livros de

Pasolini. Diz Giovanni:

lascia. Questo si legge sui vostri libri, questa è la realtà. Ma questo, che
voi illustrate, non è amore ma un suo surrogato, perversione, egoismo.
(...) Le vostre opere spaventano i borghesi e voi credete di fare gli
impegnati e i veri comunisti. Rimestate il fango, invece (IN PASOLINI, 2001,
pp. 1000-1001).

Após expor críticas tão intensas em relação ao conteúdo e ao teor

moral dos livros, o leitor cobra do escritor italiano uma atitude, julgando aquilo que

os jovens precisam que seus escritores façam por eles:

E noi giovani abbiamo bisogno di essere istruiti. Invece voi rimestate il


fango, forse per dimostrare che la società borghese è putrida. Ma bisogna
anche prospettare soluzioni e illustrare speranze. Lo sa che il comunista è
ottimista e che il suo pessimismo è un residuo piccolo-borghese? (IN
PASOLINI, 2001, pp.1001).

Pasolini é implacável em sua resposta à carta ou, como diz, ao

-o de burguês

e reforça a intensidade que existe nessa acu un borghese. (...) ciò che

ti contraddice nella tua operazione nobilitante, nel tuo ingenuo idealismo erotico di

28
ventenne, è proprio e solo la borghesia. Che è avida, meschina, ipocrita, egoista e,

PASOLINI, 2001, p. 1002). E continua, denunciando um tom de

presunção e de superioridade encontrado na fala do jovem:

Tu, nella tua lettera, non fai altro che ribadire la tua superiorità la
minima superiorità economica, e la rilevante superiorità spirituale su
coloro che tu ritieni volgari, perché rozzi, semplici, violenti o maleducati.

senza volerlo, hai peccato di presunzione (PASOLINI, 2001, p. 1002).

Os comentários do leitor refletiriam um sentimento de superioridade,

alimentado por sua condição econômica e espiritual, que o permitiria fazer

julgamentos levianos. Para o autor, o pecado dessa presunção involuntária estaria

relacionado à falta de informação, de conhecimento do jovem, que não teria lido e

refletido o suficiente sobre as questões que levanta nem sobre as obras que cita,

emitindo por isso juízos superficiais e hipócritas. Sua condição de burguês haveria

limitado seu campo de consciência, não o fazendo enxergar que aquilo que ele

chama de vulgar é, na verdade, consequência do seu próprio modo de vida. Por

isso, no final da carta, há um conselho ironicamente cruel e bem humorado:

Riscrivimi fra un anno, quando avrai più letto e più pensato, e, magari, più fatto

(PASOLINI, 2001, p. 1003).

Esse exemplo ilustra como eram construídos os diálogos de Vie nuove.

Os leitores se sentiam à vontade para fazer todos os tipos de colocação, de

desabafo, sobre quaisquer temas, esperando por vezes de Pasolini uma resposta

de pai, amigo, mentor. E é com a mesma liberdade que ele responde: de maneira

educada, mas sem ressalvas ou agrados, sem disfarçar seu posicionamento

político ou fazer concessões morais. Diz o que sente necessidade de dizer,

29
apostando em um determinado tipo de comunicação pedagógica que busca

instruir e aconselhar seus leitores. Fica ainda explícito com esse exemplo o tipo de

argumentação que Pasolini irá aprimorar com os anos, justificando as atitudes dos

jovens italianos a partir da sua condição de burgueses, o que implica

consequentemente o conformismo, a presunção, o comodismo intelectual, a

padronização de pensamentos fortalecidos pelo modelo burguês.

Esse mecanismo de argumentação, que retorna sempre para as

mesmas alegações, culpabilizando a burguesia por todos os males da Itália, tende

a se estabelecer cada vez mais em pouquíssimo tempo. Em outra carta de 1965,

referindo-se a um debate sobre língua e literatura ocorrido em Roma, o leitor faz

alusão à constatação de Pasolini de que finalmente a língua italiana teria nascido

como língua nacional. Diferentemente daquelas constatações feitas seis anos

antes è dei teddy boys

sobre a língua italiana já não exaltam o contraste entre o sul e o norte causado

pelo desnível social. Pelo contrário, o tom que prevalece nessa ocasião é o de

percepção da padronização linguística causada pela evolução neocapitalista.

Mais uma vez, o autor encontra a motivação de sua teorização na crítica ao

modelo burguês, porém por outro viés. Segundo ele, essa unificação da língua

nacional só foi possibilitada pela padronização econômica e cultural proporcionada

pela burguesia dominante:

(...) la borghesia dominante, attraverso la completa industrializzazione del


Nord, attraverso un nuovo tipo di rapporti (neocolonialisti) col Sud,
attraverso un ingigantimento dei mezzi di produzione e di diffusione della

erna (per cui Milano e Torino


so
a livello mondiale
e,

30
linguisticamente, verso la lingua tecnologica si ha in Italia una vera e
propria rivoluzione sociale (PASOLINI, 2001, pp. 1050-1051).

Diante do cenário edificado por essas numerosas observações, as

quais serão exploradas com mais profundidade posteriormente, fica claro que a

língua tecnológica e padronizante é também fruto da revolução social em curso. O

escritor, por outro lado, mostra ao longo da carta que não é ele quem deseja essa

situação, apenas a constata, e que sua constatação não é um diagnóstico

imparcial do que acontece, e sim a maneira de um intelectual entender o que está

acontecendo.

anche dal punto di vista linguistico è


conciso con la lotta operaia e popolare degli anni Quaranta e degli anni
Cinquanta. Ma non voglio attardarmi coi bei ricordi, e con i ricordi eroici.

il marxismo si deve mettere in crisi, per agire realmente nel presente,


PASOLINI, 2001, p. 1052).

Frente a uma revolução social tão intensa, que afeta com tanto impacto

a sociedade italiana, se faz necessário o empenho dos intelectuais. Porém os

pensadores de esquerda também precisam reinventar suas formas de pensar e

agir para o escritor, se o mundo mudou e os anos 1940 e 1950 deixaram de ser

referência, é preciso perceber que a maneira de lidar com esse mundo também

precisa mudar. Por conseguinte, é fundamental pensar as modificações que

precisam ocorrer dentro do próprio marxismo para lidar com esse novo sistema. A

crise da sociedade italiana seria também a crise do marxismo.

Em um momento anterior aos diálogos, foi publicado, no volume de

maio-junho de 1959 da revista Officina Marxisants

31
suas reflexões críticas acerca do marxismo ortodoxo concomitantemente às suas

parece empenhado

em rever as bases que regem o partido comunista e o marxismo. Ao constatar que

há uma nova forma de capitalismo se expandindo na Itália, entende-se que a

oposição deve se munir de novos instrumentos para combatê-la, realizando uma

PASOLINI, 2001, p.

83):

capitalismo, un capitalismo sotto certi aspetti illuminato, e quindi più duro:


dunque le norme e le istituzioni che presiedono alla sua lotta, dovranno
pure richiedere qualche innovazione (PASOLINI, 2001, p. 86).

O autor não amplia a discussão acerca de quais seriam os aspectos que fariam

enquanto, a análise se mantém próxima aos paradigmas do marxismo, passando

por uma pequena reflexão sobre o capitalismo em si 15. O motivo de nosso

interesse é que já se anuncia a relação que essas duas questões terão.

O que podemos observar são sutis constatações, tal como o aumento

dos desníveis sociais causados por esse novo capitalismo, ocasionando

(PASOLINI, 2001, p. 86). Isso porque e

15
É curioso observar como Pasolini busca eximir essas afirmações de qualquer responsabilidade política.
Reafirma várias vezes que provavelmente não é um autor capaz e qualificado para fazer observações de
cunho social e político mas as faz mesmo assim. Utilizar a negação de autoridade na construção
argumentativa será um recurso amplamente utilizado pelo escritor ao longo de seus escritos corsários, por
isso chamamos a atenção para essa possível primeira utilização do recurso. A seguir, alguns trechos que
e
grado di correggerla (PASOLINI ervatore di passaggio e incompetente (PASOLINI,
regiata intuizione, ché dati non ne possiedo (PASOLINI
PASOLINI

32
apesar de ser um momento de

aparente calma e evolução, se vista através de uma perspectiva otimista, estaria

na verdade no limite de sua maior crise (PASOLINI, 2001, p. 88).

Diante dessa conjuntura, tenta-se repensar os papéis do intelectual, do

literato, do crítico. Segundo o autor, sul piano più alto urge (...) gettare i

PASOLINI, 2001, p. 89). Entretanto,

reavaliar esses fundamentos não é tarefa fácil. O escritor estaria vivendo as

mudanças sociais contemporaneamente à sua reflexão e à sua escrita, e por isso

propor um neocomunismo não seria nem tão simples nem tão óbvio quanto

poderia parecer:

è possibile, dunque, per uno scrittore, ipotizzare, come dato, un


neocomunismo ancora nella piena tenebra del farsi e, di conseguenza,
prospettarsi un proprio comportamento e una propria figura nuovi, o
comunque le ripercussioni etiche ed estetiche nelle sovrastrutture in cui
egli opera? No, no certamente (PASOLINI, 2001, p. 86).

Porém, ainda assim, em oposição à burguesia acomodada em seus

próprios parâmetros de trabalho e produção, Pasolini sugere que literatos devam

encontrar uma nova forma de produzir, com um novo tipo de requinte uma

marcadamente sociológico e atualizado. Enquanto a

burguesia esperaria com insistência que um literato se equivalha à figura de um

PASOLINI, 2001, p. 90), o autor vê a

figura do escritor a partir de outro ângulo, como um homem que encontra no ato

de pensar o melhor de si:

lo scrittore non è uno specialista, un tecnico di stile, non è un deputato al


sacerdozio, una guida di comportamento etico come concrezione storica
del flusso vitale a un modulo: ma che è qualcosa che è in lui stesso,
lio di lui, e quindi, in definitiva, lui,
PASOLINI, 2001, p. 91).

33
*

Enquanto escritor de jornais, Pasolini parece ter uma preocupação

muito latente com seu interlocutor e, nesse sentido, seu diálogo com os jovens

italianos parece ganhar cada vez mais força a partir de então. Sabe-se,

inicialmente, que a revista Vie nuove era justamente lida por muitos jovens

comunistas. Segundo Gian Carlo Ferretti, organizador do volume Le belle

bandiere: dialoghi 1960-196516

gamma sociale e culturale (e talora anche politica) abbastanza vasta, e sia pure

PASOLINI, 1996, p. 20). Além disso, Pier

Paolo se mostra muito interessado em manter uma linha de comunicação direta

com os jovens dispostos à reflexão crítica em relação ao sistema em que vivem. A

única maneira de superar a alienação e dominação causadas por esse sistema

seria exercitando a inteligência e o espírito crítico:

Voi giovani avete un unico dovere: quello di razionalizzare il senso di


imbecillità che vi danno i grandi, con le loro solenni Ipocrisie, le loro

attraverso una esercitazione pun


dello spirito critico (PASOLINI, 2001, p. 946).

Podemos inferir que o que o autor espera dos jovens, e de certa forma

de si mesmo enquanto intelectual, é a atitude de questionar as palavras e as

convenções,

soprattutto è la lucidità critica che distrugge le parole e le convenzioni, e va a fondo

PASOLINI, 2001, p. 949).


16
O volume organizado por Gian Carlo Ferretti (Roma: Editori Riuniti, 1977, 1ª ed.) é uma seleção dos
principais artigos publicados em Vie nuove. Para recolha completa desses artigos, consultar I dialoghi,
organizado por Giovanni Falaschi, com prefácio de Ferretti (Roma: Editori Riuniti, 1992).

34
Buscar a verdade oculta das coisas, não aceitar as imposições, manter-se lúcido:

são os conselhos dados aos jovens nos quais o Pasolini do início dos anos 1960

parece apostar suas esperanças. Existe, por trás desses ensinamentos, uma

crença de que, apesar desses jovens estarem crescendo em um mundo dominado

por valores capitalistas, pode-se alterar a ordem das coisas com questionamento

crítico.

Entretanto essa relação de proximidade com seu interlocutor jovem,

quase como pai e filho, revela o tênue limite entre profissionalismo e informalidade

que, segundo Ferretti, seria uma maneira de abordar essas questões assumindo o

poeta. Para o crítico, a abordagem nesses escritos está sempre

personalizzando fortemente i vari problemi dei suoi interlocutori, e


portando altresì
sprovvedutezza politica e malizia intellettuale, distacco privilegiato e
consonanza patetica, dispregio di casta e paternalistica umiltà, esibizione
di sé e disposizione al martirio, estetismo e retorica populista, che è del
resto un vizio ricorrente nel suo discorso e comportamento complessivo
(FERRETTI IN PASOLINI, 1996, p. 21-22).

Ferretti reconhece nos diálogos de Vie nuove um aspecto muito

particular na produção jornalística pasoliniana no que se refere à complexidade do

escritor em seus textos. Apesar da liberdade de expressão pertinente ao gênero

literário e ao meio de comunicação que Pasolini estava utilizando, ou seja, artigos

publicados em jornal, o crítico nota a postura contraditória do escritor que é, ao

mesmo tempo, um intelectual renomado, confidente de seus leitores, que possui

uma posição privilegiada de homem pensante da sociedade, mas que faz uso em

seu trabalho , pautado em

35
Por sua vez Marco Bazzocchi, em seu livro I burattini filosofi: Pasolini

dalla letteratura al cinema, defende que essa nova maneira de escrever está

relacionada à busca do autor por novos recursos que consigam falar sobre a nova

realidade italiana daqueles anos. Por isso, quando vai responder aos leitores de

Vie nuove non ha teorie

precostituite ma si fa condurre dalla realtà dei fatti secondo un principio di


17
BAZZOCCHI, 2010, p. 145). Isto é,

apoiando-se em perguntas de leitores, ainda que simples e relacionadas a fatos

concretos, Pasolini desenvolve , a partir do qual

ele fala, cada vez mais de perto, sobre a realidade dos fatos, e por isso faz

referências constantes a si mesmo. Essa maneira de encarar o trabalho

jornalístico como extensão de suas próprias experiências garantiria, em uma via

de mão dupla, a liberdade de comunicação e a pouca rigidez estrutural desses

escritos.

m uma carta

publicada em junho de 1965, ou seja, no último ano em que a coluna será

publicada18, na qual estão presentes críticas ao modo de Pasolini responder aos

seus leitores. O leitor se queixa sobre como, no decorrer dos anos, o escritor

passou a ter um comportamento diferente ao escrever suas respostas: temas que

não interessam aos leitores e linguagem inacessível são algumas das acusações

17
Milão: Garzanti, 1972), o qual reúne, segundo
uma visão simplista, ensaios sobre literatura, arte e cinema.
18

36
ao destinatário, que estaria conduzindo um monólogo e não mais um diálogo. E

IN PASOLINI, 2001, p. 1066).

Para nós, que estamos em busca de compreender o percurso

intelectual de Pasolini nos escritos de jornais, a resposta publicada em Vie nuove

é esclarecedora, pois esquematiza algumas questões cruciais ao assunto.

Primeiramente, o autor se desarma, ainda que retoricamente, de quaisquer

mágoas pessoais que uma crítica como essa poderia causar e dialoga de igual

para igual com seu leitor. Chamando-o , e disposto a passar por

um exame de consciência

De uma perspectiva pessoal, pede inclusive ajuda a quem lhe escreve

grato se tu mi rispondessi, e, dal tuo punto di vista così oggettivo, mi aiutassi a

capire questa mia ottusità e questa mia oscurità, nelle mie nuove risposte della

PASOLINI, 2001, p. 1067).

Riadattiamo il mirino a mira

artigo, segue buscando outras razões para responder à acusação de monologismo

e, novamente, encontra nas novas relações entre o intelectual de esquerda e a

base comunista uma maneira de justificar a necessidade de escrever artigos cada

vez mais ácidos e críticos. Vivendo tempos tão diversos, conforme parâmetros tão

diferentes, e ainda simultaneamente à crise do marxismo, o escritor se permite

salvaguardar sua liberdade de expressão.

un sistema di allusioni, di riferimenti comuni, che rendeva significativa


anche una frase in sé banale, e magari anche retorica. Ora quella serie di

marxismo è in crisi. Questo te lo dico brutalmente e senza mezzi termini:

37
perché io non posso che fondarmi sulla mia totale libertà critica (PASOLINI,
2001, p. 1068).

Esse seria o motivo pelo qual as suas respostas seriam sempre que

possível críticas e, consequentemente, difíceis. Quanto maior a problemática, mais

específica e pessoal seria sua resposta, pois a gravidade do assunto requereria

uma maneira particular de analisar os fatos ao invés de seguir alguma corrente de

opiniões comuns.

spostato gli obiettivi. E noi stiamo riadattand

(PASOLINI, 2001, p. 1068).

como um problema agravante, pois gera o descompasso entre leitores e escritor, o

que passaria a prejudicar o diálogo pretendido desde o início. O próprio Pasolini

chega à conclusão de que, enquanto intelectual de esquerda, ele se encontra em

E allora la confusione si aggiunge a

confusione. La mia di intellettuale cosciente della crisi del marxismo in Italia e nel

senza chiara consapevolezza PASOLINI, 2001, p. 1069).

O desafio passa a ser então buscar uma maneira de reestabelecer essa

comunicação. Como lidar com pressupostos diferentes de quem escreve e de

quem lê? Como garantir a comunicabilidade dos artigos diante de confusões

diversas?

38
Após o trabalho jornalístico desenvolvido em Vie nuove, Pasolini
19 20
escreve, de 1968 a 1970, para a c ,

publicadas no periódico Tempo21. Com um novo formato de textos, o escritor está

livre para selecionar os temas sobre os quais quer falar e, sendo assim, opta por

manter a mesma linha temática que explorava nos últimos anos dos diálogos. A

diferença é que essa coluna não será mais moldada pelo esquema cartas-

respostas. Nesse momento, cabe ao autor selecionar sobre o que ele quer falar,

sem quaisquer explicações prévias.

E é logo no texto inaugural da nova coluna que o autor escolhe

determinar quais linhas irão perpassar essa sua nova produção. Assume que

burguesia, não [entende] tanto uma classe social qu .

Esclarece ainda que o burguês

é um vampiro, que não fica em paz enquanto não morde sua vítima no
pescoço, pelo puro, simples e natural prazer de vê-la se tornar pálida,
triste, feia, desvitalizada, disforme, corrompida, inquieta, cheia de
sentimentos de culpa, calculista, agressiva, terrorista, tal como ele
mesmo (PASOLINI, 1982, p. 38).

Ou s

extremamente agressivas, utilizando um tom mais violento do que aquele visto nos

diálogos, sua postura contra a burguesia. E nesse processo, ao se opor a todo

custo à burguesia, continuará a refletir sobre o papel da oposição de esquerda.

19
Caos, traduzida por Carlos Nelson Coutinho
(PASOLINI, 1982).
20
A coluna Il Caos foi recolhida por Gian Carlo Ferretti no livro Il Caos (Roma: Editori Riuniti, 1979).
21
Tempo settimanale di politica, informazione, letteratura e arte
Editore e circulou até 1976.

39
Pasolini constata, por exemplo, que os socialistas também são, em sua

essência, burgueses, e que a diferença entre eles e os extremistas de esquerda

seria que os primeiros não dramatizariam o fato de serem burgueses, enquanto os

segundos teriam completa aversão a assumir sua condição. O autor parece se

preocupar, na verdade, com a dupla experiência de vida que se carrega ao

assumir a dicotomia socialista-burguês: colocar-se ao lado da causa operária

enquanto vive sua condição burguesa.

(...) não haverá jamais um Partido Socialista firme e coerente: ele terá
sempre de viver, ao mesmo tempo, suas duas histórias, a burguesa,
provinciana, demagógica, cheia de (fingida) saúde moral etc., etc., e a
operária. (...) E é por isso que assistimos às suas grandes crises
públicas: porque não há modo possível de escapar da própria realidade
(PASOLINI, 1982, p. 167).

Com um discurso diferente daquele defendido nos anos anteriores, o escritor já

não espera que o partido se reinvente assume-se a crise como realidade e a

existência de duas histórias diversas. Já não seria possível mudar, seria apenas

possível se acostumar a viver essa duplicidade.

Outro fator que dará o tom desse novo posicionamento crítico do

escritor serão as manifestações de maio de 1968

a circular. Movimentos civis tomaram várias capitais europeias e na Itália

ganharam suas próprias repercussões. Segundo Enzo Siciliano, o caso italiano

era complexo. Suas principais reivindicações eram uma maior participação das

novas gerações na política e redução do poder que tradicionalmente pertencia às

classes dirigentes (SICILIANO, 2005, p. 365). Entretanto, apesar das pautas

políticas serem comuns a todas as organizações estudantis ao redor do mundo,

no caso das manifestações italianas o crítico nota uma motivação particular. Suas

40
raízes estariam ligadas aos aglomerados urbanos e às transformações nas

que alimentavam crises existenciais e sociais (SICILIANO, 2005, p. 366).

As origens sociais dos protestos serão analisadas por Pasolini, o que

leva o biógrafo a afirmar que Pasolini

(SICILIANO, 2005, p. 370). Lembramos aqui o episódio mais conhecido desse


22
período, a publicação do poema , no qual o poeta se coloca ao

Segundo Siciliano, esses versos são escritos no calor do momento,

quando acabara de ocorrer um confronto entre policiais e estudantes nas ruas do

Vale Giulia, em Roma. versos feios como panfleto. Polemizava-se

o que Pasolini identifica como uma luta de classes entre estudantes burgueses e

vocês [estudantes], meus amigos (embora do lado / da razão) eram os

ricos, / enquanto os policiais (que estavam do lado / errado) eram os pobres

(PASOLINI IN AMOROSO, 2002, p. 89).

Um ano após a publicação do poema, Pasolini conta no artigo

C haviam sido escritos para serem

publicados na pequena revista Nuovi argomenti, porém saem em primeira mão,

com alguns cortes, no , em junho de 1968. fomenta ainda

22
Publicado em em 16 de junho de 1968, em Nuovi argomenti no volume de abril-junho de 1968,
e finalmente no livro Empirismo eretico (op. cit.). No Brasil, foi traduzido e publicado primeiramente por
Michel Lahud em A vida clara (LAHUD, 1993) e posteriormente reproduzido no livro Pier Paolo Pasolini de
Maria Betânia Amoroso (AMOROSO, 2002). Sobre o assunto, conferir O PCI aos jovens!
(AMOROSO, 2008).

41
analisar aqueles versos um a um, em sua objetiva transformação do que eram

(para Nuovi argomenti) no que se tornaram através de um meio de massa

( PASOLINI, 1982, p. 154).

Em entrevista a Jon Halliday, em 1969, o escritor também comenta a

publicação do poema:

Nel 1968 ho pubblicato Il PCI ai giovani, una specie di manifesto poetico


che per un certo tempo mi ha reso estremamente impopolare presso le
sinistre italiane. Posso essermi espresso male, ma quello che dicevo si è
dimostrato vero, purtroppo, come possiamo constatare oggi. Provavo una

di giovani ribelli di allora, che in realtà hanno ormai completamente


abbandonato la lotta. Non sono stati capaci di avanzare (PASOLINI IN
HALLIDAY, 1992, p. 149).

A crítica do escritor consistia basicamente nesse sentimento de

paralisação da juventude burguesa italiana. No auge do movimento, identificou

que aqueles jovens, nos quais havia depositado suas esperanças como força

propulsora das modificações que gostaria de ver na Itália, se manifestavam em

virtude de suas próprias reivindicações burguesas. Por isso polemizou o fato de

que eles, em conformidade com seus objetivos, ignoravam ou simplesmente não

se deram conta de que enfrentar policiais, isto é, os proletários, a massa, seria

absurdo, ainda que estivessem com a razão. Dessa forma, podemos começar a

observar como sua relação com a juventude italiana vai aos poucos se

modificando.

42
supõe que o movimento estudantil italiano consiga, de fato, tomar o poder e,

estrutura da

estudantes tomassem o poder, eles se tornariam de direita, afinal quem tem o

poder é sempre de direita; ter o poder e precisar mantê-lo significaria ter a polícia

mais vistoso, espetacular e persuasivo instrumento do poder

Nesse contexto, haveria uma inversão de objetivos e até mesmo os estudantes,

que anteriormente entraram em confronto com os policiais, precisariam deles. O

escritor acredita que diante dessa situação hipotética, o espírito revolucionário do

a polícia é o único ponto cuja

nenhum extremista poderia objetivamente criticar: a

propósito da polícia não se pode ser mais do que reformista PASOLINI, 2013). Ou

seja, o escritor quer relativizar a relação entre os estudantes e os policiais e

mostrar como o poder é algo construído e que, diante de situações diversas,

desperta reações diversas. Os mesmos que em um momento se enfrentam, em

outro momento poderiam estar lado a lado.

Esse tipo de polêmica influenciou diretamente a recepção de Pasolini.

Escrever tão veementemente contra o sistema significava também se indispor com

outros intelectuais e colunistas de outros jornais. Pasolini se queixa de que os

trabalho no jornal e, em última instância, seu papel como intelectual. Também

quando, após um ano escrevendo a coluna, o autor reflete sobre o que produziu

durante esse tempo, retoma a lembrança das indisposições que teve no período:
43
is

PASOLINI, 1982, pp. 192-193).

que Pasolini se propôs a combater ao assumir a responsabilidade de escrever em

um jornal de grande circulação. Nessas condições, o escritor reconhece que em

corresponder à prosa

jornalística, mas prefere isso ao silêncio, à passividade:

Detesto o silêncio nobre. Detesto também uma prosa ruim e apressada.


Mas é melhor uma prosa ruim e apressada do que o silêncio. Um homem
anda ao mesmo tempo em várias frentes e segue adiante a diferentes

portanto, algumas vezes, também mesquinhas; encontra-se a uma altura


jornalística (embora eu nem sempre tenha sido capaz de me manter nela,
já que fiz incursões desordenadas no sentido da poesia e do ensaio)
(PASOLINI, 1982, p. 193).

Esse tipo de afirmação nos ajuda a conceber qual definição Pasolini

atribuía naquele momento à figura do escritor, do intelectual de esquerda: preferir

qualquer comunicação ao invés do silêncio, produzir em várias frentes, assumir a

guerra ideológica como uma batalha cotidiana (e também mesquinha). O impasse

que se coloca diante disso é que um escritor pode falar muitas coisas, porém fazer

poucas.

(...) sou um daqueles intelectuais que, como a enorme maioria dos

es
financeiras, ou, finalmente, com sua pura e simples presença. (...) Eu, por

revolucionário. Mas falar e, portanto, de algum modo, estar fora do


processo revolucionário poderia ser definido como a tarefa do
intelectual: que paga a função do seu alheamento vivendo-o também
como traição (PASOLINI, 1982, pp. 206-207).

Como tantos outros intelectuais, o autor se questiona sobre suas

frentes de atuação enquanto um homem de palavras e não de ações. Ainda que

44
na sua concepção de intelectual estejam contempladas as batalhas de intervenção

política e social, o ato de escrever seria uma ação mínima que o mantém fora do

processo revolucionário. Quando assume a tarefa de só falar, aceita-se a pena de

No primeiro texto do ano de 1969, Pasolini escreve, como ele mesmo

adoçamento. As coisas estão assim. E é inútil escondê-las, ainda que só um

PASOLINI, 1982, p. 105). Em sua reflexão, o autor relembra o que

significava o Natal na sua época de menino e o que ele passou a representar nos

anos posteriores. A partir da data festiva faz também uma reflexão complexa

sobre a igreja católica e sua relação de subordinação ao sistema capitalista.

O escritor constrói seu argumento afirmando que, mesmo quando

capital já eram marcadamente óbvias. Entretanto, o que faria a diferença naquela

época seria a existência do , ainda que submisso como um

instrumento de chantagem. Nos anos de sua infância, o capitalismo ainda não

O
qual, afinal, derivava o seu moralismo, e sobre o qual, de resto, ainda
baseava seus instrumentos de chantagem: Deus, Pátria, Família. Essa
chantagem era possível porque correspondia, negativamente, como
cinismo, a uma realidade: a realidade do mundo religioso sobrevivente
(PASOLINI, 1982, p. 103).

45
Porém essas relações cínicas, estabelecidas durante épocas natalinas

remotas, darão lugar a relações abertamente capitalistas, pois para o novo

capitalismo, o qual o escritor quer denunciar, não interessa mais nem a igreja nem

seus instrumentos de chantagem. Instaurou-se uma nova crença no consumismo,

a qual garantiria o estado de bem-estar almejado

indiferente que se creia em Deus, na Pátria ou na Família. Com efeito, ele criou

seu novo mito autônomo: o Bem-estar. E seu tipo humano não o homem religioso

PASOLINI, 1982, pp.

103-104).

Segundo o autor, ainda que em tempos passados essa relação entre

religião e sistema econômico fosse um pouco mais balanceada e houvesse uma

contrapartida interessante para a igreja, nos dias de hoje esse balanço já não

existe mais. Em outros tempos a subordinação da igreja ao capital era um

instrumento de poder, conveniente às

de produção capitalista e de governos totalitários. Na atualidade essa relação não

precisaria mais existir pois o neocapitalismo se garantiria em si mesmo, com seus

próprios instrumentos de convencimento e de manutenção do poder.

A reflexão continua ao denunciar também como o sistema capitalista

seria manipulador a ponto de proporcionar uma falsa sensação de liberdade em

períodos festivos:

a festa é a interrupção de uma prática habitual de exploração, de


alienação, de código, da falsa ideia de si: de todas as coisas que nascem
do famoso trabalho, que continuou a ser o que era glorificado pelos
cartazes nos campos de concentração de Hitler. Dessa interrupção,
nasce uma falsa liberdade, na qual explode um arcaico instinto de
afirmação. E as pessoas se afirmam, agressivamente, através de uma

46
forte concorrência, fazendo do modo mais mediano as coisas mais
médias (PASOLINI, 1982, p. 105).

O Natal seria então para Pasolini esse momento que deve ser

desprezado por reforçar os valores capitalistas sob a falsa ideia de liberdade, de

vitalidade. Há a suspensão do trabalho e, por consequência, da alienação

causada por ele, dando a sensação de que se está finalmente livre para se fazer o

que quiser

manipulado, pois, sob a necessidade de autoafirmação, não se percebe que estão

todos fazendo exatamente as mesmas coisas, da mesma maneira inconsciente e

mecânica dos dias normais, doutrinados pelo consumismo. Essa visão catastrófica

é o que motiva Pasolini a confessar que é um hábito seu fugir sempre que

possível da Itália nessa época.

Do ponto de vista da igreja católica, as consequências desse tipo de

dependência com o neocapitalismo só tendem a se agravar, levando ao seu fim:

de domínio público, ou seja: 1) porque não é mais necessária ao novo poder

industrial; 2) porque o mundo camponês, desaparecendo, não mais produzirá o

PASOLINI, 1982, p. 145). Ou seja, com o neocapitalismo, a igreja perde em

duas frentes sua hegemônica força: não será mais importante para o novo poder,

que já se mantém por si só e não precisa mais da influência católica para se

sustentar, e, graças ao desaparecimento do mundo camponês arcaico tradicional,

o qual nos primórdios da História difundiu o poder das religiões durante a

47
passagem da era de caças para a era da agricultura 23, desaparece também a

religião católica.

Pudemos observar como alguns temas antes desenvolvidos em Vie

nuove se tornam mais constantes em Tempo. A oposição de Pasolini ao

neocapitalismo e à burguesia ganha cada vez mais força na sua argumentação,

porém ainda está em um processo de amadurecimento tanto das ideias quanto de

como se materializar por meio de escritos jornalísticos. Bellocchio, diante desse

acirramento confuso e ainda desordenado

capitolo più congestionato, convulso e caotico (il titolo della rubrica è, in questo

senso, perfetto) di PASOLINI, 2001, p.

XXVIII).

Para Rinaldi, esse momento de transição dos diálogos

não apresenta grandes novidades. O crítico identifica como único elemento

inovador a forma utilizada por Pasolini para se comunicar com os leitores de

la forma divulgativa, lo scioglimento degli enigmi e delle difficoltà a

RINALDI, 1982, p. 367). Ferretti, por sua vez, também

reconhece essa recente preocupação de Pasolini em atingir leitores médios,

porém vai além e desenvolve a ideia da solidão do escritor, tema recorrentemente

discutido nos ensaios corsári


23
É Pasolini quem faz, à
grosseiramente, que estamos diante de uma terceira época da humanidade: após a passagem da civilização
dos coletores e dos caçadores para a civilização agrícola, encontramo-nos no momento da passagem da
civilização agrícola para a civilização industrial. A religião cristã é uma das muitas religiões da civilização
agrícola: dizer Deus, ou Jeová, ou Zeuz, ou Ur, ou Odin, para citar apenas alguns nomes, é dizer

ousaria fazê-lo num loc PASOLINI, 1982, p. 143).

48
coletivo conscientemente pré- Vie nuove,

-se à aceitação consciente da crise na qual viver e com a qual se confrontar

PASOLINI, 1982, p. 11). O crítico Fortini, por sua vez, entende que esse

momento da p

sembra parlare da una solitudine, ma

come chi è invece rivolto a tutti, mostrando ininterrottamente il proprio

personaggio FORTINI, 1993, p. 199). É também o próprio Pasolini, na abertura de

PASOLINI, 1982, p. 37).

ao mesmo tempo procura se comunicar e ser acessível a todos os seus leitores,

compõe a imagem de um intelectual que quer ser visto como um combatente que

age sozinho por meio de suas próprias palavras. A análise desses elementos será

importante para compreender de que forma esse discurso solitário e combativo do

autor ganhará ainda mais força a partir de 1970 com o ensaísmo corsário.

Alfonso Berardinelli, comparando os pontos temáticos em comum entre

essas duas produções da década de 1960, constata que, apesar dos

in mille modi, o meglio: usando gli stessi aggettivi, lo stesso lessico, gli stessi

PASOLINI, 2007, p. 148). Ou seja, mesmo que o formato das

duas colunas fosse diferente, os assuntos e a maneira de se referir a eles seria

igual, o que nos dá a forte impressão de uma coluna ser a continuação da outra. É

nesse sentido que esses dois conjuntos de textos nos indicam um percurso antes

de analisarmos o livro Scritti corsari. As produções jornalísticas desses dois


49
períodos foram pensadas para serem publicadas em periódicos e todas elas

mantiveram a característica de intervenção social, de postura crítica por parte do

escritor: particularidades que estarão presentes também na sua produção

jornalística corsária.

Em um artigo em que assume sua vontade de não ser pai, Pasolini

encontra duas razões objetivas para justificar-se. A primeira se refere à

não tenham

absolutamente o ar de filhos (ou, de qualquer modo, há também neles a surda, a

PASOLINI, 1982, p. 70).

A segunda razão está relacionada à diferença de geração entre o autor,

nascido na década de 1920, e os jovens para quem fala, nascidos no pós-guerra

provavelmente na década de 1950.

a nova geração nasceu e se formou numa outra época, com interesses e


formas de vida tão diversas: e das quais, através apenas do puro e
simples fato de vivê-las, eles têm uma experiência que nós só somos

distingue (além do mais de modo estúpido) um pai de um filho? O


pretenso diferente grau de experiência de um mundo único. Eu, ao
contrário, como pai, vivo em um mundo (digamos: o velho mundo
humanista, ainda que em crise, e consciente da crise), ao passo que
eles, os filhos, vivem num outro mundo (digamos: pós-humanista em vez
de técnico ou tecnológico, ou tecnocrático, já que é preferível, por razões
de exatidão, ficar nas generalidades) (PASOLINI, 1982, p. 70).

Com essa colocação, surgem duas questões: como pode existir a

comunicabilidade entre duas gerações nascidas em mundos tão diversos?; como

o autor lida com sua própria experiência de mundo, sendo esse mundo, segundo

ele mesmo, tão diverso do mundo sobre o qual escreve?

50
Ambas as perguntas, deixadas já nos diálogos, irão se fortalecer em

seus escritos corsários, os quais serão de extrema importância para compreender

como a relação de Pasolini com os jovens e também de Pasolini com sua própria

experiência de vida irão se desenvolver em sua obra ao longo da década de 1970.

51
52
2. O CORSARISMO DE PASOLINI NOS ANOS 1970

Quando, em janeiro de 1970, a

reflexão sobre política já é central para Pasolini. Como pudemos observar,

algumas questões ganharam forma em seus escritos para jornais durante a

década de 1960 e, com isso, seu tom de crítica ao capitalismo e às suas

consequências se estruturou, tornando-os assuntos fixos nesse tipo de produção.

Não foi diferente quando, em 1973, o autor começou a escrever para o jornal

Corriere della Sera24, il più FERRUCCI,

1980-1981, p. 13) e autorevole organo di formazione e informazione

GOLINO, 1980-81, p. 25).

Em um primeiro momento, podemos refletir sobre as circunstâncias de

publicação em um jornal desse porte. Em Pasolini Requiem, o biógrafo Barth

David Schwartz conta que, durante as gravações do filme Il fiore delle mille e una

notte, Pasolini conheceu a herdeira e um dos vice-diretores do jornal. Nessa

ocasião, foi convidado25 para contribuir para o jornal com uma coluna chamada

screvendo sobre quaisquer temas que quisesse abordar.

24
Corriere della Sera foi fundado em 1876 em Milão e ainda é um dos jornais mais lido na Itália.
25
Na biografia Vita di Pasolini, escrita por Enzo Siciliano, há uma variação dessa história. Segundo Siciliano:

Roma. Si occupava a ora, presso Alberto Grimaldi, il nuove produttore dei film di Pasolini, di relazioni
pubbliche.

collaborazioni inconsuete, oltreché di prestigio. Pier Paolo aveva desiderio di cambiar faccia: rifiutava
dann
mediato. Si trattava,
adesso, di convince
SICILIANO, 2009, pp. 418-419).

53
Segundo o biógrafo, esse convite inusitado fazia parte de um momento de

renovação do jornal,

Em entrevista a Paolo Muraldi, Piero Ottone, editor-chefe do jornal de

1972 a 1977, explica a concepção da coluna e o convite a Pasolini. Questionado

sobre a interessante novidade que o Corriere trazia ao possibilitar a circulação de

ideias distantes e, por vezes, contrastantes com a posição política do periódico,

Ottone conta que sua motivação para criar esse espaço no jornal foi levar ao

público opiniões diversas de pessoas qualificadas, de intelectuais interessados no

cotidiano italiano.

Se il giornale mira a convincere i lettori della bontà di una certa opinione,

non è, secondo me, la funzione del giornale. La funzione vera è di aiutare


il lettore a farsi lui la sua opinione, dandogli una possibilità di scelta. In
omaggio a questi princi
sovietica, che decide di inculcare negli allievi la dottrina marxista, e

pensare con la propria testa, indicandogli che uno stesso problema può
avere molte soluzioni diverse, ed esponendone quante più è possibile:
(OTTONE, 1978, pp. 111-114).

Com esse discurso confortável, pregando o liberalismo pedagógico e a

liberdade de expressão, o jornalista acredita que a função do jornal já não é trazer

notícias parciais, que influenciem inescrupulosamente seus leitores. Ao contrário,

a função do jornal seria democratizar o acesso à informação e possibilitar ao

público uma maneira de ele mesmo formar sua opinião. A resposta do editor

ignora convenientemente os benefícios mercadológicos que esse tipo de

discussão traria ao jornal, como o aumento das vendas e expansão de seu público

leitor regular.

54
Na sequência, o entrevistador pergunta sobre a colaboração de Pasolini

Corriere Como o jornal chegara à escolha de

establishment e, talvolta, non

Ottone responde que o

convite surge d Além disso,

Ci si è arrivati, appunto, nella ricerca delle voci meno conformiste e meno


tradizionali. Ho detto che noi credevamo nella circolazione delle idee: chi
può far circolare le idee se non gli intellettuali, che sono i primi artefici

innanzitutto perché Pasolini era in un periodo di grazia in quei mesi.


Scrisse alcuni articoli veramente belli e acuti. Noi contribuimmo a far sì
che gli italiani si accorgessero dei suoi articoli, collocandoli in prima
pagina (OTTONE, 1978, pp. 111-114).

Graças à irônica contribuição no jornal, o escritor de fato passa a

alcançar um público cada vez maior e mais popular. A circulação de suas ideias

atinge patamares até então inéditos. Além disso, sendo mais lido, o autor teve

também que lidar mais frequentemente com o debate entre intelectuais que já

havia se concretizado e

podemos notar como a prática recorrente de troca de cartas e artigos entre os

pensadores, pelos mais diversos jornais, não parece incomodar o escritor, que se

utilizará muito desse tipo de recurso dialógico em seus textos. Para o editor-chefe,

esse tipo de discussão intelectual tende a favorecer uma concepção mais

atualizada da sociedade, pois esses textos possuíam também um caráter

informativo. Os colu Molti

55
articoli di Pasolini e di Alberoni26 ci hanno aiutato a capire la società in cui viviamo

(OTTONE, 1978, pp. 111-114).

Do ponto de vista do jornal, fica claro porque o convite foi feito, porém

do ponto de vista de Pasolini foi uma surpresa ele ter aceitado tal convite, tendo

em vista o perfil da publicação. Para compreendermos esse fato, retornaremos

aos escritos de Tempo, quando o escritor já havia levantado esse problema, já

que o editor dessa revi

acreditava ainda ser possível utilizar esse tipo de meio de comunicação pois

preciso aproveitar PASOLINI,

1982, p. 38). O que se dá a entender é que há plena consciência de que ser

contra os meios de comunicação de massa não significa oposição total aos

PASOLINI, 1982, p. 38). Se

não é possível combater os meios de comunicação capitalistas objetivamente, já

que são eles que causam uma contaminação quase viral da sociedade, então é

preciso fazer uso deles para combater seus próprios ideais, mesmo que esse uso

seja cínico -se a meu comportamento público,

não pessoal: é uma afirmação ideológica. Aproveito-me das estruturas capitalistas

para me expressar: e o faço, por isso, cinicamente (diante das figuras públicas dos

PASOLINI, 1982, p. 38).

26
Referência a Francesco Alberoni, sociólogo, jornalista e escritor italiano que também foi convidado para

56
de Pasolini ter saído de Vie nuove para Tempo e insinua que em breve o autor

estará escrevendo para Corriere della Sera. A essas constatações, o autor

responde implacavelmente:

o sistema (sinédoque para indicar o sistema capitalista) tem, na verdade,


mecanismos através dos quais tudo o que é diferente e contrário é
assimilado. Mas se isso é verdade abstratamente, no concreto a
assimilação se dá através dos indivíduos: dos cidadãos. Ora, só o que é
concreto é autêntico. E, a um autor, interessa apenas o que é concreto e
autêntico. Se um só leitor assimila o que ele diz, e se nessa assimilação
se realiza um ato de verdade (ainda que confusa e incerta), um
intercâmbio democrático de saber, então o autor tem o dever de fazer
tudo para atingir esse leitor. O que é um mal no nível abstrato (a
assimilação pelo sistema) é um bem no concreto (a relação com o
indivíduo) (PASOLINI, 1982, p. 54).

Pasolini não parece preocupado em se justificar ou se proteger das

insinuações do leitor, pois as possíveis incoerências presentes em suas escolhas

ver a possibilidade de atingir ao menos um

leitor, então ele continuará escrevendo, independentemente do veículo de

comunicação, porque o macro-

-benefício concreto: um

relação a, pelo menos, um indivíduo. Não se fala sobre como Pasolini garantiria

que a troca de experiência e conhecimento ocorrem por parte de seus leitores,

afinal essa questão está além de seu alcance, mas o autor procura manter em seu

discurso a ideia de que está tranquilo com sua atividade jornalística.

Alguns críticos não aceitaram essa justificativa e trataram a escolha de

escrever nesse tipo de jornal de maneira extremamente criteriosa. Rinaldi foi um

dos mais exigentes, acusando o escritor

Pasolini entra in una macchina che lo condiziona, gli impone i ritmi di lavoro, i

57
luoghi, le occasioni, e anche i temi. (...) il giornale chiede precisi servizi, pareri,

giudizi su una serie di arg RINALDI, 1981, p. 97). E, a partir

dessa visão marxista do que é trabalhar para um grande jornal, reduzindo o ato a

último jornalismo de Pasolini é na ver

vuoto, il suicidio, il ghetto, la neutralità. È la posizione di un intellettuale ormai

inerte, immobile nella sua oscurità RINALDI, 1981, p. 95).

mesma máquina é tático:

dichiara la sua spregiudi


comunicazione che esistono in una civiltà industriale; ma immediatamente
ci tiene a precisare sempre che questo utilizzo è un fatto puramente
strumentale, tattico. È la realtà che si offre intera e quindi offre anche i
mezzi per essere attraversata secondo canali predeterminati; e Pasolini li
ssa mantenere la propria
individ
tecniche
tattico (MORAVIA ET AL., 1978, p. 27).

Nesse caso, Pasolini estaria fazendo um uso instrumental da indústria cultural,

a própria individualid e

garantir uma linha de comunicação tática. O escritor, diante de sua preocupação

com a realidade, entende que é também essa mesma realidade que oferece os

canais através dos quais se pode refletir sobre ela. Dá-se a entender que, na

verdade, os limites dessa relação são conhecidos e por isso é possível

compreender que a utilização dos meios de comunicação burgueses representa

uma alternativa de combate com certos benefícios, como um maior alcance de

58
público, além de, segundo Antonio Tricomi, oferecer a possibilidade de Pasolini se

tornar um opinionmaker. Como defende Barbiellini Amidei, em um artigo de 1984,

publicado no próprio Corriere la forza di Pasolini era di far diventare pasoliniana

la pagina del giornale, piuttosto che far retrocedere la sua pagina a pagina

(AMIDEI, 1985, p. 3).

59
2.1 DO JORNAL AO LIVRO

Pasolini seleciona e publica em livro, no ano de 1975, seus textos

veiculados no Corriere durante os anos 1970. Tal escolha demonstra um certo

interesse em garantir aos ensaios jornalísticos uma forma fixa e perene,

diferentemente da efêmera relação com o jornal. Diante disso, o título dado ao

livro, Scritti corsari, merece ser investigado. Sabe-se, em primeiro lugar, que essa

publicação foi concebida e organizada pelo próprio autor e reúne ensaios

jornalísticos de cunho político e social 27. É também o autor que dá o título à obra,

ainda que não tivesse explicado o que pretendia dizer com o termo corsário.

Fazendo uma longa pesquisa em dicionários italianos, percebemos que

decorrer do tempo. Sua origem e no substantivo

- viagem pelo mar. Por conseguinte, o

primeiro significado moderno do termo, e também o mais recorrente, faz referência

aos navios corsários, os quais ficaram conhecidos por ser um tipo de pirataria

oficial, isto é, as embarcações corsárias eram autorizadas pelo governo de sua

nação a atacar e assaltar navios inimigos, praticando dessa forma a guerra de

corsa. Diferencia-se de um pirata justamente por ser autorizado pelo Estado, ou

seja, é um tipo de crime legalizado. Podemos observar, por exemplo, uma

definição dada pelo dicionário Garzanti em 1965: s.m. impropriamente, pirata; in

senso specifico, il comandante di nave privata, autorizzato dal proprio Stato ad

27
Pasolini já havia publicado outros livros de ensaios a saber, Passione e ideologia (1960) e Empirismo
eretico (1972).

60
attaccare bastimenti nemici / agg. di corsaro: legno -; nave corsara | Dal lat.
28
Mediev. Cursarius, deriv. Di cursus us

Com o passar dos anos, outros significados são acrescidos ao termo,

que passa a significar também aventureiro, saqueador, predador, ou ainda

bucaneiro29 e flibusteiro30, ou seja, outras categorias de piratas. Respectivamente

em 1996 e 2006, dois dicionários da editora Zanichelli trazem as seguintes

concepções: Capitano di nave privata che veniva autorizzato dal proprio

Stato a condurre la guerra di corsa. 2. Correntemente, pirata, filibustiere,


31
bucaniere. B. Agg. Di corsaro: nave, guerra corsara Pirata, filibustiere,
32
bucaniere, predatore, predone .

Apesar de esses serem os significados mais comuns, destacamos dois

casos interessantes para nosso trabalho. O primeiro se encontra no Il dizionario

della lingua italiana, de 2000-2001. Para o verbete dentre várias outras

expressões, há uma entrada que nos chama a atenção: atribui-se um sentido

figurado ao termo a partir do livro Escritos corsários fig. , titolo di

una raccolta di articoli di P. P. Pasolini (1922-1975), permeati di impegno civile e


33
furore ideale ~ Anticonformista; privo di scrupoli . Atualizado em 2012-2013

28
Dizionario Garzanti della lingua italiana. Milão: Garzanti, 1965, p. 459.
29
Entre o fim do século XVI e o século XVII, os piratas do Caribe ganharam destaque. Bucaneiros foram
piratas que utilizavam a técnica indígena boucan para defumar carne e conservá-la, e por isso ficaram
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bucaneiro, acessado em 10/11/2014).
30
Flibustaria foi uma sociedade de piratas que surgiu da união dos bucaneiros com outros piratas das
Antilhas. Possíveis origens para o termo são fly boot, barco ligeiro, ou freebooter, pirata ou foragido
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Flibustaria, acessado em 10/11/2014).
31
Zingarelli: vocabulario della lingua italiana. Bologna: Zanichelli, 1996, p. 449.
32
Sinonimi e contrari: dizionario fraseologico delle parole equivalenti, analogiche e contrarie. Bologna:
Zanichelli, 2006, p. 245.
33

che prendeva parte alla guerra di corsa. 3. Come agg., dedito alla guerra di corsa o alla pirateria: nave c.;
equipaggio c. , titolo di una raccolta di articoli di P. P. Pasolini (1922-1975), permeati di

61
como Il Devoto-Oli: vocabolario della lingua italiana, tira-se a referência ao livro de

Pasolini e mantém-se
34
sem .

Em outro dicionário, de 2008, cujo recorte temático é a memória

coletiva italiana, o verbete corsaro redireciona para poeta corsaro e a seguinte

definição:

Appellativo di Pier Paolo Pasolini (1922-1975), dopo la pubblicazione nel


1975 del volume Scritti corsari: una raccolta di interventi giornalistici di

corsaro sem
anarchico e provocatorio che li ha ispirati35.

Ambos os casos mostram que o livro de Pasolini foi utilizado como

justificativa para a inserção de novas concepções ao termo corsaro na língua

italiana. Nesse novo sentido adquirido, as referências mais claras estão

relacionadas ao empenho civil , furor ideológico , atitude anárquica e

provocatória . Ainda que o contexto dos primeiros significados de corsário não

tivesse uma relação óbvia com essas referências, a escolha do escritor

possibilitou que novas significações fossem incorporadas à língua italiana. Aliás,

tal campo semântico diz muito sobre o papel que esses escritos desempenharam

na sociedade italiana, figurando em sua memória coletiva até os dias atuais.

impegno civile e furore ideale ~ Anticonformista; privo di scrupoli ~ Nel linguaggio giornalistico sportivo,
squadra che riesce a vincere una difficile partita in trasferta: . [Dal lat. mediev. corsarius,
der. di currere Il dizionario della lingua italiana. A cura di Giacomo Devoto e Gian Carlo Oli.
Firenze: Le Monnier, 2000-2001, p. 534.
34
clusivamente in senso proprio). 2. Capitano marittimo che prendeva parte alla guerra di
corsa. 3. Come agg., dedito alla guerra di corsa o alla pirateria: nave c.; equipaggio c. || fig.
Anticonformista; privo di scrupoli | Nel linguaggio giornalistico sportivo, squadra che riesce a vincere una
difficile partita in trasferta: . Dal lat. mediev. corsarius, der. di currere
Il Devoto-Oli: vocabolario della lingua italiana. Org. L. Serianni e M. Trifone. Milão:
Mondadori, 2012-2013, p. 709.
35
Parole per ricordare: dizionario della memoria collettiva. A cura di Massimo Castoldi e Ugo Salvi. Bologna:
Zanichelli, 2008, p. 302.

62
A crítica pasoliniana também se dedicou a pensar a relação do escritor

com o termo escolhido para dar nome ao livro. Gianni Scalia, em texto de 197636,

entende que -legal,

diverso, não- PASOLINI, 1982, p. 31). Para Guido Santato, a escolha do

título remete diretamente à vontade de produzir intervenções rápidas e incisivas:

formulazione del titolo Scritti corsari è un libro emblematicamente

SANTATO, 2012, p. 516). Já Bazzocchi, em Pier Paolo Pasolini, diz que

os ensaios são chamados de corsários

BAZZOCCHI, 1998, p. 174). Por sua vez Pier Aldo Rovatti, em seu artigo

Corsari significa certo impertinenti e trasgressivi, che debordano dalle


pertinenze del genero letterario e dalle regole ispirate alle convenzioni

precipitata nella miseria morale e intellettuale (ROVATTI, 2010, p. 61).

Se retomarmos o sentido primeiro de corsário, podemos pensar que ele

consistia basicamente em uma maneira legal e autorizada de enfraquecer

inimigos, já que o próprio Estado legitimava o corso e relativizava a possível

ilegalidade da ação, eximindo o contraventor de qualquer culpa. Ou seja, corsário

é aquele que age fora das regras convencionais, mas não conforme seus próprios

interesses, afinal é legitimado por uma autoridade soberana (diferentemente dos

piratas, por exemplo, que agiam conforme seus interesses pessoais). Em relação

às concepções pasolinianas, defendidas pela crítica e incorporadas aos

dicionários após a publicação de Scritti corsari, é possível constatar que o uso


36
Cf. Salvo imprevisti, ano III, nº 1, 1976.

63
desse termo está relacionado a adjetivos como polêmico, anticonformista,

transgressivo, ideológico, fora da lei.

Unindo as duas esferas de significação, podemos pensar então que,

ainda que sejam textos que desafiem as leis convencionais, assim como os navios

corsários, ou seja, ainda que sejam textos que fujam das regras temáticas e

argumentativas convencionais, foram autorizados por alguma espécie de

autoridade foram vinculados a grandes jornais, depois publicados em livro,

constantemente gerando grandes polêmicas e permanecendo no ideário da

sociedade italiana. Por outro lado, notamos que Pasolini, diferentemente dos

corsários dos séculos passados, não age em nome do Estado. O escritor parece

antes escrever sob a proteção de seu compromisso com a realidade e com o

esclarecimento político, ou seja, motivado por sua postura crítica em relação aos

fatos que vinha observando na Itália. A autoridade que lhe permitiria agir seria sua

crença de que é preciso esclarecer, de todas as formas possíveis, a realidade dos

fatos e combater esse inimigo comum a todos os italianos, o neocapitalismo, que

ameaçava o verdadeiro progresso37 do país.

Na obra completa de Pasolini, Scritti corsari consta no volume Saggi

sulla politica e sulla società38, publicado em 1999 na coleção I Meridiani da Editora

37
Scritti
corsari (PASOLINI
explorada a seguir no subcapítulo um estrangeiro numa terra hostil
38
Volume único dividido em 8 seções: 1. Saggi sparsi (1942-1973); 2. Scritti corsari (1973-1975); 3. Lettere
luterane (1975); 4. Dichiarazioni, inchieste, dibattiti (1959-1975); 5. Dialoghi con i lettori (1960-1970); 6.
Pasolini su Pasolini (1968-1971); 7. Il sogno del centauro (1970-1975); 8. Altre interviste (1958-1975). Dessa
série, Pasolini preparou apenas os livros Scritti corsari, o qual foi publicado antes da morte do autor, e
Lettere luterane, organizado por Graziella Chiarcossi. Saggi sparsi compreende os ensaios não recolhidos em
nenhum livro. Na seção Dichiarazioni, inchieste, dibattiti estão reunidas intervenções mais casuais,

64
Mondadori. Porém a seleção dos textos que comporiam esse volume não foi uma

tarefa fácil para os organizadores Walter Siti e Silvia De Laude, os quais explicam

em nota à edição que a intenção era reunir os ensaios dedicados às questões de

política, pedagogia, sociologia e antropologia. Em outros dois tomos39 haviam sido

recolhidos os ensaios sobre literatura, problemas linguísticos, cinema e arte

figurativa. A dificuldade em selecionar esses textos se deu, na verdade, à

complexidade em distinguir quais artigos abordavam especificamente quais temas,

pois em geral havia várias questões em um mesmo ensaio40. Bellocchio, que

edição, também observa essa

Scriti corsari e Descrizioni di descrizioni constaterà di trovarsi davanti un unico

discorso dove critica letteraria e saggismo politico si integrano vicendevol

(PASOLINI, 2001, p. XIV).

Chegou-se à conclusão de que, ainda que os temas literatura, cinema,

escritos. Por isso, apesar das dificuldades, foi mantida a opção de recolher os

ensaios em dois volumes. Nas palavras dos organizadores, separar os ensaios

sociais e políticos foi importante para dar ao leitor uma verdadeira dimensão do

Crediamo che a vederli

PASOLINI, 2001, p. CX). Dialoghi con i lettori é uma seleção das colunas que o
escritor manteve nos periódicos Vie nuove e Tempo. As três últimas seções correspondem a entrevistas
dadas pelo escritor, publicadas em livros ou não, de 1958 a 1975.
39
(2 vol.), Pier Paolo Pasolini. Coleção I Meridiani. Milão: Mondadori, 1999.
40

PASOLINI, 2001, p. CIX).

65
così raccolti, in un unico volume, i saggi politico-antropologici possano dare

ultimi anni PASOLINI, 2001, p. CIX). Com essa declaração, podemos inferir que os

organizadores, assim como grande parte da crítica, optaram por traçar uma linha

pelos escritos políticos, tendo a intenção de destacar as raízes dos textos

corsários.

obras fundamentais sobre o assunto, Scritti

corsari (1975) e Lettere luterane (1976). Sabemos que o primeiro livro, objeto

central para o presente trabalho, foi organizado pelo autor e publicado antes de

sua morte, em 1975. Nele estão reunidos os ensaios que o escritor publicou no

jornal Corriere della Sera de janeiro de 1973 a fevereiro de 1975, além de alguns

textos publicados em outros periódicos como Tempo, Il Mondo, Panorama etc.,

acrescidos de poucos inéditos41. O segundo, graças às anotações deixadas pelo

autor, só chegou a ser lançado postumamente em 1976 e reúne ensaios

publicados nos jornais Corriere della Sera e Il Mondo entre janeiro e outubro de

1975. Diante disso, nossa opção por analisar principalmente Scritti corsari é

devido ao livro agrupar ensaios de um período mais abrangente, nos quais estão

contemplados grandes temas para o estudo do corsarismo.

Na busca por caminhos que ajudem a compreender essa produção tão

particular e o que de fato significa o corsarismo de Pasolini, é fundamental

41
referendum Nuova generazione, mas não
chegou a ser publicado) (PASOLINI PASOLINI
Espresso) (PASOLINI PASOLINI,
PASOLINI, 2001, p. 525).

66
conhecer a escrita pelo próprio autor para abrir o livro.

Reproduzimos o texto a seguir:

La ricostruzione di questo libro è affidata al lettore. È lui che deve

deve ricongiungere passi lontani che però si integrano. È lui che deve
organizzare i momenti contraddittori ricercandone la sostanziale
unitarietà. È lui che deve eliminare le eventuali incoerenze (ossia ricerche
o ipotesi abbandonate). È lui che deve sostituire le ripetizioni con le
eventuali varianti (o altrimenti accepire le ripetizioni come delle
appassionate anafore).

primi

questo di scritti giornalistici, di pretendere dal lettore un così necessario


fervore filologico. Il fervore meno diffuso del momento. Naturalmente, il

libro. Per esempio, ai testi degli interlocutori con cui polemizzo o a cui con

ricostruire, mancano del tutto dei materiali, che sono peraltro


fondamentali. Mi riferisco soprattutto a un gruppo di poesie italo-friulane.

discorso dei blue-jeans Jesus (17 maggio 1973) e quello sul mutamento
antropologico degli italiani (10 giugno 1974), e
recensione a di Sandro Penna (10 giugno 1973), e quella
a Io faccio il poeta di Ignazio Buttitta (11 gennaio 1974) è uscito sul
seguendo una nuova mia tradizione
appunto italo un
certo gruppo di testi poetici che costituiscono un nesso essenziale non

del discorso più attualistico di questo libro. Non potevo raccogliere qui

lettore è rimandato ad essi, sia nelle sedi già citate, sia nella nuova sede
in cui hanno trovato collocazione definitiva, ossia La nuova gioventù
(Einaudi Editore, 1975) (PASOLINI, 2001, pp. 267-268).

A primeira impressão que se tem ao ler essa nota é a de que Pasolini

está preocupado em explicar a estrutura de Scritti corsari, isto é, sua composição,

seus paralelos com outros escritos, as duas séries em que o livro está dividido e o

que um leitor, responsável pela reconstrução dos textos, deve fazer diante deles.

Segundo a leitura de Rinaldi, nesse tipo de procedimento há

o escritor aparentemente delega al dibattito,

67
(RINALDI, 1981, pp. 101-102).

Talvez essa atitude de explicar as incompletudes do livro e atribuir ao

leitor grande responsabilidade por sua reconstituição propõe uma composição

deverão trabalhar juntos na construção de interpretações e significados. Isso

porque, paralelamente a essa postura de não autoridade que o ensaísta busca

assumir, delega-se a quem ler seus ensaios a função de ir além do texto, ir além

da mera esfera de comunicação. Espera-se (quase como uma exigência) que as

lacunas incompletas dos ensaios sejam preenchidas a partir de um exercício

filológico de busca por elementos externos isto é, por outros livros, outros

veículos de comunicação, cartas etc.42

A incompletude da obra, por sua vez repleta de ntos

parece ser uma característica pertinente ao tipo de ensaio jornalístico que trata

com muita proximidade de acontecimentos cotidianos, os quais estão sempre em

processo de mutação. Entendendo que esses escritos são atitudes críticas sobre o

presente, uma hipótese pensada hoje sobre algo que acabou de acontecer pode

eventualmente ser descartada amanhã. Ademais, devemos nos lembrar de que

42
Pasolini, na nota introdutória, indica aos seus leitores os versos de La nuova gioventù (1975), livro em que
publica a refeitura dos poemas friulanos de La meglio gioventù (1954). Não iremos explorar a relação entre
os dois livros nesse trabalho, pois o assunto é complexo e renderia uma nova pesquisa. Entretanto,
La nuova gioventù]
z

personale che riprendono le polemiche sviluppate da Pasolini negli interventi giornalistici raccolti in Scritti
corsari SANTATO, 2012, p. 512).

68
esses ensaios foram escritos no intervalo de três anos, de forma que se referem a

passagens históricas diversas.

Nesse sentido, hierarquizando alguns ensaios em relação a outros, a

nota dá ainda indicações específicas sobre a organização do livro em duas séries,

primi

PASOLINI, 2001, p. 267). Passa-se a ideia de que as séries deverão

ser lidas conjugadas, sobretudo a segunda como complemento à primeira. Essa

organização atribui à obra certa fluidez, pois os ensaios não precisam ser

necessariamente lidos em sequência, ou seja, vai-se e volta-se de uma série a

outra em um exercício contínuo de leitura. Porém, por que o escritor opta por

atribuir a uma parte a função de complementar a outra? O que o leva a considerar

Para tentar responder a essas questões é preciso ter em mente que

de Scritti corsari, evidencia

um particular entrelaçamento de temas políticos e literários. Un

Lettere alla mamma (o meglio: Lettere di un

prete cattolico alla madre ebrea Underground: a pugno

chiuso I due compagni

encontram no limite entre uma resenha literária e uma análise sociológica.

Portanto, os livros resenhados representam um pressuposto para o autor

desenvolver suas críticas ou, antes, são resenhados justamente por ser uma

maneira de o escritor discutir seus pensamentos. Por isso provavelmente são

entendidos como complementos aos ensaios mais declaradamente políticos.

69
Essas constatações acerca da participação dos leitores na reconstrução

dos ensaios, da integração entre as duas séries do livro e entre outras obras, nos

permitem perceber um caráter pouco rígido ou pouco imutável de Scritti corsari. As

sugestões de Pasolini sobre o constante movimento de busca do leitor por outros

ensaios ou até mesmo por poemas ou escritos, dele e de outros autores, isto é,

textos externos ao livro, nos levam a pensar em uma obra que sempre poderá se

refazer, se reestruturar, afinal cada leitura pode ser uma nova experiência. Nesse

sentido, a estruturação dos ensaios corsários parece acompanhar justamente o

fluxo de pensamentos tão particular ao ensaísmo de Pasolini, o qual busca, nas

mais diversas fontes, indícios e argumentos para desenvolver suas análises.

Uma das grandes questões que se colocam é como um processo de

escrita seria capaz de reproduzir essa fluidez de pensamento, ou seja: como

marcar com palavras o processo de reflexão do autor? Evidentemente essa

indagação está intrinsecamente ligada, no caso do ensaísmo corsário, à

característica jornalística desses textos, que deverão operar também com

recursos retóricos e argumentativos a fim de envolver o maior número de leitores

possível. Além disso, quando ganham colocação definitiva em livro, tem-se a ideia

de que os textos devem ser construídos e complementados constantemente pela

busca filológica do leitor e do escritor.

Bellocchio nota então que o corsarismo é responsável por uma

reinvenção nos escritos pasolinianos:

stavolta Pasolini dà un nuovo ordine retorico-stilistico al suo discorso,


rendendolo immediatamente percepibile, anzitutto a livello emotivo.

e la sfrutta a fondo (BELLOCCHIO IN PASOLINI, 2001, p. XXXVI).

70
Ao começar a escrever para o maior jornal italiano, Pasolini se mostra

consciente do alcance que isso terá e, por isso, taticamente encontra um novo

campo de recursos estilísticos que buscarão garantir a comunicabilidade de seus

ensaios. Para o crítico, o escritor desenvolve uma nova maneira retórico-estilística

de escrever seus ensaios, a fim de aproveitar ao máximo essa oportunidade. Na

prática, Pasolini reveste sua escrita com táticas discursivas, como repetições e

simplificações, as quais, ainda segundo Bellocchio, visam sobretudo garantir a

força comunicativa com seus leitores, necessária para a compreensão de suas

La figura cui affida principalmente la forza della comunicazione è infatti

(BELLOCCHIO IN PASOLINI, 2001, p. XXXVI). Porém, à procura dessa

iteração, seus ensaios são compostos em linhas vertiginosas que por vezes se

repetem constantemente.

Berardinelli também observa essas particularidades do ensaísmo

jornalístico de Pasolini e, indo além, defende que cada ensaio passa a ser uma

Ogni singolo articolo era la cellula di un discorso organico che si


che
idee-guida estratte dal senso comune intellettuale o trascritte dalla
sociologia: ma poi reinventate, enfatizzate, metaforizzate dallo scrittore e
trasformate in efficientissime armi leggere in una guerra intellettuale
(BERARDINELLI, 2008, p. 153).

Cada artigo publicado, por mais que varie em sua abordagem ao repetir ideias por

vezes elementares já expostas anteriormente, compõe um discurso único,

orgânico, que fica cada vez mais evidente quando ganha colocação definitiva em

livro. Umas poucas - vam sendo reinventadas, transformadas,

metaforizadas pelo autor, e garantiam a eficiência de seus discursos. Afinal,

71
eorica dello scrittore a rendere così efficiente

BERARDINELLI, 2008, p. 153).

Essa ideia também aparece no prefácio que Berardinelli escreveu à

edição de 1990 de Scritti corsari43, onde o crítico defende que o que o escritor

falava não trazia nenhuma novidade do ponto de vista dos estudos sociológicos,

econômicos e políticos

(BERARDINELLI, 1990, p. 163) , entretanto os ganhos do livro se encontravam

sobretudo em como essas coisas eram ditas. Tendo novamente como horizonte a

eficiência e o alcance do discurso de Pasolini, o crítico observa que os conceitos

sociológicos e políticos existentes em seus textos eram readaptados e utilizados

BERARDINELLI, 1990,

164). Reaproveitadas segundo um olhar crítico de quem está escrevendo para um

grande jornal de circulação nacional, essas novas conceituações apareciam como

exemplos, mitos, histórias, observações comportamentais. Nesse sentido, foram

responsáveis por dar forma a análises que, apesar de se referirem a pontos

elementares da sociologia, por exemplo, são eficazes justamente pela capacidade

do escritor de recriá-las segundo seus próprios termos e de torná-las acessíveis.

Vamos então observar de que maneira Pasolini abordou certos temas e qual foi o

método discursivo desenvolvido e explorado em seus escritos corsários.

43
Texto também publicado no livro Tra il libro e la vita: situazioni della letteratura contemporanea
(BERARDINELLI,

72
2.2 PASOLINI ENSAÍSTA: UM ESTRANHO NUMA TERRA HOSTIL

Relacionando misantropia e crítica social, com o objetivo de refletir

sobre o papel dos intelectuais na sociedade moderna, Berardinelli fez a seguinte

observação:

La verità non è un bene sociale. Chi ama troppo la verità non è adatto alla
conversazione, non riesce a trovare un linguaggio comprensibile in
società. E si rifugia nella meditazione solitaria, nel monologo, in quel
BERARDINELLI, 2011, p. 51).

O autoexílio de Alceste44 soa como uma medida extrema para alguém que não

compreende o mundo nem o ser humano enquanto ser social, e que por isso

prefere isolar-se desse mundo ao invés de se sujeitar a ele. Só alguém que ama

demais a verdade seria capaz de utilizar essa saída, afinal não há conversação,

troca de ideias, linguagem compreensível entre quem conhece (ou acredita

conhecer) totalmente a verdade e o restante dos homens. Nesse sentido, o que

Berardinelli parece nos querer dizer é que é preciso amar menos a verdade para

conseguir estabelecer comunicação entre os homens, evitando-se dessa forma a

meditação solitária, o monólogo, o exílio social.

Busca-se então uma definição de misantropia, que para Berardinelli,

mais do que aversão ao homem, é critica sociale (e qui non importa il movente),

BERARDINELLI, 2011, p. 49). Logo, misantropo é aquele que

tem sobre a sociedade uma visão sempre crítica e negativa,

44
Alceste, personagem principal da peça O misantropo de Molière, se recusa a aceitar as hipocrisias e
convenções sociais da França do século XVII e por isso escolhe se autoexilar da sociedade. Cf. Molière. O
tartufo; O misantropo. Trad. Jenny Klabin Segall. São Paulo: Martins Fontes, 2005 (2ª ed.).

73
BERARDINELLI, 2011, p. 57). Ou seja, nessa relação

dúbia de refutar e se manter longe da sociedade, mas ao mesmo tempo mantê-la

sob um olhar crítico e querer compreendê-la, o misantropo pode ser o intelectual

que não conhece a verdade, mas que quer conhecê-la, pois a busca pela verdade

lhe sugere um mecanismo de descoberta do mundo. Em última instância, é

preciso que o misantropo compreenda esse processo para reconhecer que ele

não conhece, de fato, a verdade e que nesse sentido é bom não conhecê-la, pois

só assim ele é capaz de conseguir se comunicar e ser ouvido de não cair em

total solidão.

Essa discussão envolvendo misantropia e intelectualidade antecede os

comentários e análises do crítico em relação a Pasolini, já que não há dúvidas

faz parte dessa gama de

intelectuais misantropos que, em busca de uma verdade social, por vezes caem

no abismo da incomunicabilidade. No caso do escritor italiano, sua misantropia

residia em sua recusa a aceitar o modo de vida burguês. Sua capacidade de olhar

criticamente a sociedade italiana moderna como um ciclo de mutações sociais e

culturais teria causado seu isolamento da convivência burguesa:

Pasolini si è trasformato nel nostro più implacabile e clamoroso critico


della società modernizzata, una società compatta come una figura
geometrica, una macchina fatta per distruggere il passato e per espellere
(...) I suoi ultimi scritti descrivono una
società culturalmente neototalitaria (BERARDINELLI, 2011, pp. 70-71).

O crítico se mostra interessado em compreender como Pasolini,

, tornando-se assim um dos críticos mais polêmicos da

74
Itália dos anos 1970. Do ponto de vista de Pasolini, é toda uma tradição cultural

máquina de destruição. Entende-se então por neototalitarismo uma retomada do

momento repressor vivido nos tempos do fascismo, nas primeiras décadas do

século XX: seria como se ele se repetisse a partir da década de 1960 devido aos

avanços econômicos ocorridos no país, oprimindo manifestações culturais

diversas.

Em mais de um momento de sua obra, Berardinelli reflete sobre a

importância de Pasolini enquanto crítico da sociedade italiana. No livro Autoritratto

italiano: un dossier letterario 1945-1998 (1988), por exemplo, o autor coloca o


45
em uma posição central entre outros

textos críticos reunidos para expor pensamentos sobre o desenvolvimento da Itália

no pós-guerra.

Pasolini (collocato al centro di questa antologia) ha parlato del passaggio


da un fascismo a un

ti del tutto nuovi


(BERARDINELLI, 1998, p. 16).

A escolha do crítico em inserir um texto de Pasolini no centro de sua

antologia reflete a importância do escritor italiano por perceber determinados

aspectos da sociedade italiana que precisariam ser estudados e analisados. Como

já vimos, o crítico entende que esses aspectos já haviam sido explorados por

outros estudiosos da sociologia, da economia etc., mas o mérito de Pasolini seria

45
Ensaio publicado em Corriere della Sera
PASOLINI, 2001, p. 290). Posteriormente integrou o livro Scritti corsari. A partir desse
momento, sempre que citarmos trechos de Scritti corsari, utilizaremos a edição recolhida no volume
completo Saggi sulla politica e sulla società.

75
ter olhado para esses fenômenos de uma outra forma, colocando-os em seus

textos sob uma nova perspectiva o fim de uma certa tradição, a transformação

física dos corpos. O escritor esquematiza nesse caso a substituição de um antigo

fascismo político por outro tipo de fascismo ainda mais totalitário mais perigoso

por ser invisível, mais violento por ter sido capaz de alterar o aspecto físico das

pessoas, mais cruel por desaparecer com manifestações socioculturais

tradicionais. Por isso, esse texto se mostra central em um livro que pretende

montar um dossiê literário italiano de 1945 a 1998: ele evidencia a maneira

particular que Pasolini desenvolveu para tratar de questões pertinentes à

sociedade e suas mutações durante os anos seguintes à guerra.

Aprofundando nossa análise no ensaio em questão, observamos de

que maneira Pasolini relata um novo fascismo motivado por imposições do

as periferias com enorme brutalidade, o

que o torna muito pior do que o primeiro fascismo. Compreende-se Centro como

referência à força hegemônica da burguesia que amplia sua ocupação de espaços

com o fortalecimento da economia capitalista, de modo que seus valores políticos

e culturais também se sobrepõem aos dos grupos sociais periféricos a ela:

Centro che, in pochi anni, ha distrutto tutte le culture periferiche dalle


quali appunto fino a pochi anni fa era assicurata una vita propria,
sostanzialmente libera, anche alle periferie più povere e addirittura
miserabili (PASOLINI, 2001, p. 290).

Pasolini começa a construir um raciocínio peculiar de como um novo

padrão cultural, redutor e exclusivista, foi, dentro de poucos anos, ganhando

terreno à medida que crescia a adesão ao modelo capitalista. Dando continuidade

a essa maneira de pensar, as diferenças das periferias, que antes possuíam uma

76
maneira própria de se organizar e se expressar, tendem a se igualar cada vez

mais às imposições culturais do Centro e por isso desaparecer, culminando em

mais reconhecidas como uma cultura autônoma. Ou seja, esse novo poder,

nomeado como neocapitalismo ou neofascismo ou, ainda, hedonismo capitalista,

não deixaria mais espaço a outras formas de expressão cultural como as

periféricas, havendo apenas uma concessão para elas existirem. Isso leva o autor

PASOLINI, 2001, p. 290).

Um dos instrumentos preferenciais para que essa padronização cultural

ganhasse cada vez mais espaço foi a disseminação de ideias pela televisão: para

que o novo fascismo se instaurasse foi preciso que ocorresse também uma

revolução nos meios de comunicação.

omologazione distruttrice di ogni autenticità e concretezza. Ha imposto


(...) i suoi modelli: che sono i modelli voluti dalla nuova industrializzazione
(PASOLINI, 2001, p. 291).

O autor entende que a televisão, seja por meio das discussões que

propõe, seja pelas publicidades que divulga, foi um importante canal para difundir

ideias consumistas e impor novos modelos de comportamento.

, ocorrida após a Segunda Guerra Mundial na Itália, seria

responsável por lançar esses novos valores socioculturais pautados, sobretudo,

por padrões comportamentais fixos capazes de igualar outras culturas e destruir

qualquer particularidade que as diferencie. Enaltecendo os bens de consumo,

todos passariam a vestir as mesmas roupas, ler os mesmos livros, assistir aos

77
mesmos programas de televisão, a ponto de não haver mais qualquer

diferenciação física e ideológica entre os indivíduos.

Na verdade, o autor parece denunciar acima de tudo que o verdadeiro

perigo desses modelos não é pregar simplesmente o consumismo

, mas

colocá-lo como única opção possível

PASOLINI, 2001, p. 291). Isto é, não basta que

esse novo poder exista, é preciso que a sociedade como um todo o veja como se

essa fosse a única ideologia que deva existir, em detrimento de todas as outras. A

conclusão a que se chega é devastadora:

Il fascismo, voglio ripeterlo, non è stato sostanzialmente in grado

attraverso i nuovi mezzi di comunicazione e di informazione (specie,

bruttata per sempre... (PASOLINI, 2001, p. 293).

O novo fascismo aparece metaforizado como um animal faminto em

caça que não se contentaria em apenas arranhar sua presa. É preciso dilacerar,

violar. Essa violência, que reflete como essas mudanças reconhecidas por

Pasolini atingem a sociedade italiana, é tanta que não há qualquer positividade em

suas palavras: é a destruição total, a contaminação sem antídoto. Em seu

discurso, diferentemente do fascismo histórico que, apesar de muitas perdas, foi

sobretudo uma violência física que conseguiu ser superada, o novo fascismo é

uma mutação da consciência dos indivíduos e por isso sem volta, é para sempre.

As palavras de Pasolini assustam um leitor desprevenido. O escritor é

implacável em sua argumentação, de forma que saímos de seu ensaio carregados

78
por uma tomada de consciência dilacerante. Porém, em um segundo momento,

ao voltarmos para o texto, desconfiamos do tom apocalíptico do escritor e

conseguimos repensar suas afirmações categóricas e suas generalizações, pois

há perguntas que o ensaísta deixa sem resposta, ou antes, nem chega a fazê-las

a si mesmo. Somos nós, leitores de seus ensaios,

que temos que concluir esse exercício de interpretação e análise.

O que podemos observar de maneira clara é que, quando escreve

um período muito específico na elaboração de sua obra. Naquele momento, seu

ensaísmo jornalístico se intensifica e seus textos de intervenção se tornam

centrais na constituição de sua figura de homem público. O escritor, que já iniciara

sua produção para periódicos há anos, se mostra cada vez mais interessado e

empenhado em analisar a sociedade italiana sob certos aspectos econômicos,

políticos, culturais e sociais, utilizando um tom extremamente crítico e combativo e

meios de comunicação mais abrangentes. Sua obra, todavia, não ficará reduzida a

essa atividade; a produção do poeta, cineasta e romancista continuará intensa,

mas seu reconhecido tom apocalíptico, de intervenção social explícita, ganha força

nesse contexto de crítica à sociedade. Nesse processo de entender os

mecanismos de desenvolvimento do modelo capitalista burguês na sociedade

italiana e denunciá-los, Pasolini continuará a utilizar sua produção como meio de

combate. Sua escrita em periódicos de grande circulação funcionará como uma

tentativa de desvendar o que cha .

79
Esse termo, cunhado e utilizado em vários momentos46 pelo escritor,

designa o contexto de mutação dos valores existentes na Itália em vários âmbitos.

Em primeiro lugar, o autor entende que esses novos valores ainda não foram

os

italianos. Em segundo lugar, a consolidação dessas mudanças nas classes

médias deve ser entendida como uma revolução do tipo antropológica por

alterar seus antigos valores tradicionais e católicos:

direi antropologicamente cambiati: i


loro valori positivi non sono più i valori sanfedisti e clericali ma sono i

edonistica del consumo e della conseguente tolleranza modernistica di


tipo americano. È stato lo stesso Potere

a
creare tali valori gettando a mare cinicamente i valori tradizionali e la
Chiesa stessa, che ne era il simbolo (PASOLINI, 2001, p. 308).

Observamos que para desenhar esse novo momento social, o escritor procura

demonstrar como a nova forma de poder, não mais sujeita à igreja católica como

econômico e alienante está

materializado, por exemplo, na produção de mercadorias supérfluas e na indústria

da moda, o que corroboraria que essa nova forma de consciência baseia-se na

A partir desse esclarecimento, condena-

cultura esse novo modelo

econômico impõe, por exemplo, por meio do desaparecimento da cultura

46
PASOLINI, 2001, p. 307) e
PASOLINI, 2001, p. 325), ambos
publicados em Scritti corsari.

80
camponesa, cooptada pelos ideais burgueses:

aspetta probabilmente di essere colmato da una completa borghezzazione

(PASOLINI, 2001, pp. 308-309). A variedade cultural italiana, sugerida pelas figuras

do camponês e do paleoindustrial, estariam em via de desaparição devido à força

do novo capitalismo, do triunfo do mundo da mercadoria que instiga o consumo de

bens como uma atividade primordial. Diante disso, todos os italianos se

transformariam em aspirantes a viver e a corroborar os valores da burguesia.

Para responder à violência dessa constatação, Pasolini escolhe o termo


47
para designá-

intervenção oral em Milão, o autor defende sua escolha pelo título:

Essa ha come tema conduttore il genocidio: ritengo cioè che la


distruzione e sostituzione di valori nella società italiana di oggi porti,
anche senza carneficine e fucilazioni di massa, alla soppressione di
larghe zone della società stessa (PASOLINI, 2001, p. 511).

Podemos perceber que Pasolini faz referência a um tipo de genocídio

ideológico, considerando-o tão ou mais grave que um genocídio físico por

exterminar valores ao invés de corpos. A supressão das liberdades culturais das

massas, do ponto de vista do autor, seria mais grave do que fuzilamentos e

carnificinas ocorridos no início do século, pois alteraria para sempre um certo

modo de vida.

47
Sobre o termo genocídio, Guido Santato escla
Pasolini dichiara dunque di riprendere la definizione da Marx e da Gramsci, appoggiandosi alla loro autorità
ideologica, ma in realtà è lui che identifica retroattivamente il termine con altri tipi

massac
SANTATO, 2012, p. 522, nota 153).

81
Essa é também a orientação, como já observado no ensaio

quando se acusa a existência de um novo

fascismo em comparação ao velho fascismo:

il vecchio fascismo, sia pure attraverso la degenerazione retorica,


distingueva: mentre il nuovo fascismo non
distingue più: non è umanisticamente retorico, è americanamente
pragmatico. Il suo fine è la
totalitaria del mondo (PASOLINI, 2001, p. 318).

O velho fascismo, na busca por estabelecer um ideal de homem italiano, fazia

distinções sociais por meio de um discurso retórico humanístico, enquanto que o

novo fascismo tenderia a igualá-las de maneira pragmática. Ou seja, aquilo que o

antigo fascismo buscava fazer por meio de argumentações retóricas ainda

humanistas, o novo conseguiria realizar por meio de uma nova retórica, não mais

humanista, porém em conformidade com um modelo americanizado de economia

e de vida, enfim.

Aqueles que ousassem ser diferentes, isto é, resistir de alguma forma

ao padrão de consumo e de comportamento designados pelo neocapitalismo,

seriam apenas incorporados ao sistema por uma non

essere considerata che una grande disgrazia, una intollerabile frustrazione

(PASOLINI, 2001, p. 484).

Para o escritor, ser homossexual também seria fazer parte dessas

minorias que serão, no máximo, toleradas por essa nova forma de constituir uma

sociedade. O padrão aceito e propagandeado é do casal heterossexual, o qual por

82
sua vez acredita ser possuidor de uma grande liberdade sexual, que na verdade

também é uma concessão a que foi condicionado de cima para baixo:

talmente consentito da diventare coatto è

non è stata voluta e conquistata dal basso, ma è stata, appunto,


imento del potere consumistico
e edonistico alle vecchie istanze ideali delle élites progressiste) (PASOLINI,
2001, p. 484).

Pasolini deixa claro que, na sua concepção, a liberdade sexual não foi uma

conquista e nem sequer foi desejada pela sociedade italiana. Ela foi apenas

concedida, falsamente concedida, pelo novo poder à maioria. E, seguindo esse

raciocínio, integrar uma daquelas das minorias resistentes seria estar excluído

dessa liberdade.

Le minoranze più o meno definibili sono escluse dalla grande,

categorie di donne, i brutti, gli ammalati e, per tornare al nostro discorso,

maggioranza che, pur approfittando, per sé, di una tolleranza sia pur
illusoria, non è mai stata in realtà così intollerante (PASOLINI, 2001, p.
484).

Observamos que o cenário que Pasolini descreve caracteriza-se por

limitar as liberdades individuais de cada um em vários âmbitos, pois tudo passa a

consumista e hedonista capaz de coibir possíveis diferenciações. Aqueles que

saírem dos padrões propostos, isto é, não formarem um casal heterossexual ou

não tiverem um carro na garagem, não integrarão de fato esse novo mundo

uma liberdade

83
oferecida e por isso não genuína, que aceita as diferenças apenas como forma de

acumular consumidores48.

Com esses termos Pasolini conclui que não há um verdadeiro

progresso na Itália durante esse período, pois qualquer desenvolvimento ocorrido

está preso a amarras puramente econômicas, a acumulações materiais e a


49
liberdades consentidas , o ensaísta contrapõe

tais termos buscando compreender o que ocorre e o que se esperaria que

ocorresse no país após uma rev

PASOLINI, 2001, p. 456). Para o autor, o verdadeiro progresso só

existiria se ele ocorresse em outras esferas além da econômica. A existência de

indústrias diversas, de tecnologias avançadas e de meios de produção em massa

está claramente longe do progresso ideal concebido por Pasolini. No mundo

descrito, a formação política e social dos italianos de 1970, esperada pelo escritor,

é substituída por valores que giram ao redor da ideia americanizada do consumo

48
O fortalecimento da ideologia consumista na Itália está relacionado às mudanças econômicas ocorridas
após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a indústria recebeu fortes investimentos privados, passou
por modernizações e ganhou forças dentro da economia europeia. Segundo o historiador Giampiero Carocci,

aziende ne approfittarono per rinnovarsi e razionalizzare la produzione, adottando nuove tecniche


CAROCCI, 1995, p. 76). Nos anos seguintes ocorre o milagre
econômico italiano à custa dos mais baixos salários europeus, a fim de manter os custos e as condições de
produção e exportação competitivas com o restante da Europa. Vale notar que essa experiência italiana
ocorre tardiamente em relação aos outros países europeus industrializados, afinal a modernização
econômica só ocorre nas décadas de 1950 e 1960.
O aumento dos salários, com valores semelhantes ao resto da Europa, só ocorrerá de 1958 a 1964. E aqui
observamos um fenômeno interessante: são os melhores salários que contribuem para o desenvolvimento
dos bens de consumo em massa. Esse novo perfil econômico será, obviamente, responsável por mudanças
profundas na sociedade italiana investe-se em escolarização de massa, difusão da televisão e da língua
italiana padrão; a igreja católica perde seu poder de influência; a mulher ganha espaço na sociedade; as
medidas políticas adquirem fortes tendências liberais etc. Além disso, a migração dos povos do sul faz com
que a cultura popular camponesa enfraqueça e, consequentemente, seus dialetos comecem a desaparecer
(CAROCCI, 1995).
49
Texto inédito em Scritti corsari (PASOLINI, 2001, p. 455).

84
de mercadorias. Ou seja, a modernização econômica dos meios de produção

gerou o desenvolvimento da Itália, mas não seu progresso.

Esta é a esfera temática que circunda o que comumente se nomeia

como corsarismo: momento da obra de Pasolini em que o escritor denuncia de

maneira incisiva, direta e polêmica as consequências sociais, culturais,

econômicas, políticas, religiosas causadas pelo novo modelo econômico presente

na Itália da década de 1970. Nesse sentido, o uso de ensaios jornalísticos

funcionou como uma ferramenta de intervenção política, sobretudo em relação ao

uso particular que o escritor fez desse gênero desde suas primeiras produções

para periódicos. À medida que o intelectual percebe que as questões que ele

busca denunciar estão cada vez mais visíveis, ele também se torna mais presente

no debate sobre elas. Além disso, o acirramento de suas denúncias responderá, a

partir de então, à brutalidade dessas alterações que o intelectual reconhece na

sociedade italiana.

Para Tricomi, a intensificação do uso dessas novas formas literárias-

un autore che risponde alla crisi di legittimazione che lo ha investito scoprendosi

(TRICOMI, 2005, p. 382). Retomando os pensamentos de Berardinelli sobre a

intelectualidade de Pasolini em paralelo à constatação de Tricomi, entendemos

que o escritor busca corroborar sua vocação crítica em toda a sua obra a partir do

. Por isso, diante

85
suas denúncias. Publicar em jornais de grande circulação seria então uma

maneira de ampliar seus horizontes de atuação também como uma medida

extrema. Até porque, independentemente do meio, Pasolini mostra ser um

intelectual crítico em toda sua produção, investindo seus textos de todo seu

sentimento de inconformismo, indignação, mas ao mesmo tempo esperança e

paixão.

Por outro lado, a insistência no jornalismo pode também ser vista como

uma reação ao isolamento e à incompreensão. Para Santato, à medida que o

escritor via suas reflexões encurraladas por interpretações superficiais e leitores

apáticos, mais ele escrevia.

Quanto più si sente isolato e incompreso spesso i suoi interventi erano


oggetto di giudizi riduttivi e i suoi interlocutori non rispondevano in realtà
alle questioni che poneva, riconducendole alle sue ossessioni private, al
suo sentimentalismo, al suo narcisismo tanto più aumenta il suo
bisogno di comunicare, di riproporre con instancabile ripetitività i motivi
conduttori delle sue polemiche pubbliche (SANTATO, 2012, p. 530).

Por esse viés também podemos compreender como algumas características de

seus escritos ganharam cada vez mais força com o passar dos anos. As

repetições, a linguagem incisiva, os temas polêmicos também seriam reações a

esse momento.

Na busca por entender quem é especificamente esse intelectual dos

ensaios jornalísticos, Marco Bazzocchi reconhece a coexistência de dois

personagens complementares

razionale, capace di sottoporre ad analisi sottili ogni aspetto ciò che lo circonda (i

primitivo prelogico, che tocca la concretezza

delle cose e si dispera quando le cose non ci sono più e aprono dei vuoti emotivi

86
BAZZOCCHI, 2007, p. 162). Lendo seus ensaios, podemos perceber

que essas duas figuras constantemente se fundem, afinal tal conceituação de

tempo é cumulativa e não linear. Pasolini está totalmente ligado a sua realidade,

ao tempo presente, à linguagem das coisas é um homem atual capaz de

perceber, por meio de sinais como os cabelos dos jovens ou discursos políticos,

as nuances que o cercam. Mas também

que cresceu em outro mundo e que, diante da nova configuração que ele vive

enquanto homem moderno, não consegue lidar com os vazios que esse mundo

anterior deixou. Por isso, constantemente reflete em seus escritos sobre a

passagem do tempo e suas consequentes mudanças algo que alguém que

nasceu e cresceu em outro momento histórico poderia notar.

Também Pasolini se dá conta desse deslocamento no tempo que um

homem de cultura como ele sofre frente à realidade presente:

Un uomo di cultura (...) non può essere che estremamente anticipato o

caso). Quindi è lui che va ascoltato: perché nella sua attualità, nel suo
farsi immediato, cioè nel suo presente, la realtà non possiede che il
linguaggio delle cose, e non può essere che vissuta (PASOLINI, 2001, p.
573).

O autor, falando a partir de sua posição de intelectual que pensa o mundo ao seu

redor, relata a experiência de um homem de cultura que é ao mesmo tempo

antecipada e retardada: retardada porque parte de seus pressupostos conhecidos

referentes a um tempo passado; antecipada pois está sempre visando um tempo

futuro. A questão fundamental seria pensar então como falar sobre o presente a

partir da realidade que ele vive.

87
abrir mão nem do passado nem do futuro. O desafio dos intelectuais que se

dispõem a falar sobre a realidade presente seria analisar de imediato o que

acontece, o que se vive, por meio dos sinais que essa mesma realidade presente

emite.

A maneira que Pasolini encontrou, sendo ele também um desses

homens de cultura, para desenvolver esse tipo de análise atual em seu ensaísmo

jornalístico criou muitas polêmicas causadas sobretudo por suas críticas ao

mesmo tempo racionais e emotivas (reflexos de um intelectual de personalidade

analítica e pragmática, e também explosiva, impactante e imediatista). Pode-se

dizer que esse é o intelectual atuante de Pasolini, um homem de pensamentos e

(SCHWARTZ, 1995,

p. 614). Um intelectual que vive, no presente, o mundo sobre o qual reflete e não o

racionaliza teoricamente como alguém exterior a ele.

Pensar sobre esse homem de cultura refletindo o tempo presente nos

coloca outras indagações, tal como: qual seria a função de um intelectual

enquanto figura pública no mundo contemporâneo? Se partirmos do pressuposto

de que Pasolini é um pensador da sociedade italiana que se propõe a escrever

ensaios para um grande jornal, precisamos entender primeiramente qual é seu

objetivo enquanto homem público.

O crítico literário Jean Starobinski, falando sobre o ensaísmo de Michel

de Montaigne e sua concepção de serviço público, diz que

88
Gostaria que os homens de nosso tempo se lembrassem da injunção de
Montaigne: é preciso tomar partido, aplicando a intenção... tanto minha
palavra como minha lealdade são, como o restante, peças deste corpo
comum: sua melhor realização é o serviço público; tenho isto como
pressuposto. (...) Eis aí, pronunciadas em voz alta, lições de
engajamento, de resistência civil, de tolerância. O desafio maior, aqui,
não é a verdade do auto-retrato: é a obrigação cívica e o dever de
humanidade (STAROBINSKI, 2011, p. 20).

Starobinski defende que a obra do provável precursor do ensaísmo seria mais do

que um autorretrato50, pois

primeiro lugar, isso coloca em evidência uma concepção inicial de intelectual

escritor: existe o pressuposto de que a melhor maneira de utilizar suas palavras é

no âmbito público. Em segundo lugar, podemos pensar que os ensaios, apesar de

terem como pano de fundo análises pessoais, por vezes até pautadas em

Transpondo essas questões para a produção pasoliniana, Bellocchio

observa que, na realidade, o ensaísta italiano está em conflito entre a esfera

privada e a coletiva. Acerca da atuação política do escritor, por exemplo, o crítico

reconhece uma contradição da concepção pessoal de Pasolini sobre política, a

qual está relacionada à sua vocação natural de ser um líder político, em oposição

a sua intervenção coletiva na sociedade que por vezes nega essa vocação:

Sentirsi, come era, un capo, una guida, significava per lui assunzione di
responsabilità collettive, etico-pedagogiche, infine politiche. Il paradosso è
che questa vocazione confligge in lui con una altrettanto forte e profonda
refrattarietà alla politica. Una contraddizione insanabile, che permarrà fino
alla fine, e che determina la peculiarità della sua figura pubblica e delle
sue incursioni, peraltro ininterrotte, nel campo della politica (PASOLINI,
2001, p. XVII).

50
Essa discuss Os
ensaios
o por ninguém que não seus parentes e
amigos (MONTAIGNE, 2010, p. 37).

89
O que se discute é que, apesar de Pasolini ter divergências pessoais quando o

assunto é política e partidos principalmente o PCI , o escritor não deixa de se

posicionar publicamente sobre o assunto.

Parece que questionar o contexto mundano que o cerca é uma ação

intrínseca à existência do ensaísta e que constitui aquela sua

PASOLINI, 1982, p. 35), exposta no texto de

. Em uma entrevista a Jean Duflot, ele declara que sua

contestação um modo de ser, como um dado ontológico ela está aí, ela

existe enquanto tal. Seu valor mais certo é o de existir. É portanto sua primeira

DUFLOT

todo custo negar (DUFLOT, 1982, p. 35). Por isso, levando essa discussão para o

questionamento sobre qual o papel de um intelectual na sociedade, afirma que

DUFLOT, 1983, p. 159). Isto é,

acredita-se que contestar a realidade é parte integrante de sua natureza e que

essa contestação deve ser levada para o campo político como uma primazia para

alguém que se considera um intelectual. Mesmo enquanto artista é preciso manter

essa linha de atuação e romper com o óbvio vigente:

se um fazedor de versos, de romances, de filmes encontrar


solidariedade, conivência ou compreensão na sociedade em que atua,
não se trata de um autor. Um autor não pode deixar de ser um estranho
numa terra hostil (PASOLINI APUD LAHUD, 1992, p. 137).

Esse tipo de atitude contestatória, por outro lado, não foi muitas vezes

compreendida tão naturalmente. Gianni Scalia, logo após a morte de Pasolini,

90
reconhece que o escritor não foi entendido por muitos críticos que o julgavam

como um personagem provocador. Para ele, seria preciso antes entender que

Pasolini buscava ser ajudado em sua busca p

sintomas

Pasolini è stato interpretato, giudicato, classificato, commemorato. Non è


stato compreso. E lui, invece, chiedeva di essere compreso, o meglio,

presente, sociale, politica, culturale,


sintomi.
Erano, insieme, domande e ricerca di risposte (MORAVIA ET AL., 1978, pp.
108-109).

Seus ensaios corsários

, ao invés de verdades

irrevogáveis. Pensando em Pasolini como um homem público, essa seria sua

meta ao escrever textos críticos: buscar explicações, mesmo que não definitivas,

O problema é que quando Pasolini se coloca publicamente como quem

julga a sociedade

recai sobre ele, inevitavelmente, o peso de ser

uma autoridade, e é esse peso que ele tentou evitar mesmo sendo um homem

público reconhecido por toda a Itália. Para Duflot, diz que:

Ora, sempre me esforcei por ignorar que sou igualmente uma figura
deveres que isto implica. Sempre me conduzi o pior
possível, ou seja, como eu queria. Mas foi mais forte do que eu: uma
espécie de autoridade abominável que me atribuem, se preciso mesmo
controvertida, investiu-me de repente, apropriando-se de toda a minha
vida (...) (DUFLOT , 1983, pp. 7-8).

91
Ainda na década de 1960, novamente no texto de abertura de ,

há uma reflexão sobre ser uma pessoa pública e a autoridade que isso implica.

Retomando o porquê de escrever uma coluna no jornal, faz uma ressalva:

Sei vagamente que minha obra, literária e cinematográfica, me coloca


quase profissionalmente no rol das pessoas públicas. Pois bem: o
problema é que me recuso a me comportar como pessoa pública. Se
conquistei alguma autoridade, imerecidamente, através daquela minha
obra, estou aqui para colocá-la inteiramente em discussão: como, de
resto, sempre fiz (PASOLINI, 1982, p. 36).

Observamos que em mais de um momento o escritor expôs em seu

discurso uma intenção de querer ser apenas uma pessoa como qualquer outra.

Mas é ele quem também reconhece que sua condição de homem público lhe

coloca algumas questões com as quais, mesmo não querendo, é preciso lidar. Por

mais que Pasolini se defenda dessa condição e se recuse a ser uma pessoa

pública, escrever para jornais e não se tornar uma figura de autoridade é algo

pouco provável. Além disso, ele já era um escritor e cineasta reconhecido na Itália

por seus livros e filmes. Dessa forma, sua maneira de conviver com isso é

colocando em questão, sempre que possível, sua função de autoridade, de

intelectual.

Paralelamente a isso,

desvendamento de verdades ou teorizações inquestionáveis, as quais seriam

esperadas de uma autoridade no assunto. Claro, a finalidade última é falar sobre a

realidade e partir dessas análises para buscar conclusões aplicáveis a ela,

entretanto não se exclui o direito de falhar, de errar. Segundo o próprio Pasolini,

-se antes de uma atitude, de um sentimento, de uma dinâmica, de uma

92
práxis, quase de um gesto: portanto, ela não pode deixar de ser repleta de erros e

PASOLINI, 1982, p. 36). O escritor expõe,

nesse sentido, que o ensaísta não deve ser visto como um profeta, mas como

alguém atento aos sinais sutis da sociedade. E mesmo que seus diagnósticos não

sejam verdades, podem ser e por isso devem

ser considerados, conforme Bazzocchi defende:

detto la verità, se effettivamente lui sapeva la verità. Ma è importante che Pasolini

ci inviti a prendere atto di un fatto capitale: dobbiamo sapere chi è capace di dire la

BAZZOCCHI, 2007, p. 165).

O crítico acredita que Pasolini, como um homem público italiano

disposto a instruir seus leitores, ou seja, como um praeceptor

dizer

Ora, por ser um intelectual apto a alterar suas formas de dizer verdades e suas

estratégias de comunicação com os outros, Pasolini conseguiria estabelecer com

seu leitor essa possibilidade de estar dizendo uma verdade. Esse pacto reforçaria

a ideia de que, mais importante do que afirmar uma verdade, seria a tentativa de

encontrá-la.

No limite, o que nos interessa é entender que não importa se Pasolini

está ou não dizendo a verdade, mas que sua intenção é construir um discurso que

possa defender uma o como


51
o escritor

parece relativizar essa questão quando se auto afirma como um intelectual capaz

51
Publicado em 14 de novembro de 1974 no Corriere della Sera golpe
(PASOLINI, 2001, p. 362).

93
imaginar tudo o que não se sabe s

pretensões de fazer revelações inéditas, caminha para essa intenção de, na

verdade, dizer não o que se sabe, mas o que se pode imaginar:

Io so i nomi dei responsabili di quello che viene chiamato golpe (e che in


realtà è una serie di golpes istituitasi a sistema di protezione del potere).
(...) Io so. Ma non ho le prove. Non ho nemmeno indizi. Io so perché sono
un intellettuale, uno scrittore, che cerca di seguire tutto ciò che succede,
di conoscere tutto ciò che se ne scrive, di immaginare tutto ciò che non si
sa o che si tace; che coordina fatti anche lontani, che mette insieme i
pezzi disorganizzati e frammentari di un intero coerente quadro politico,

il misterio (PASOLINI, 1999, pp. 362-363).

Falando sobre sua experiência de leitura desse texto, Ferrucci comenta

a desilusão que foi chegar ao meio do artigo e perceber que, na realidade, Pasolini

não sabia todos aqueles nomes que ele prometia dizer. O crítico constata que

intellettuale

deve sapere le cose, come il filosofo, lo sciamano FERRUCCI, 1980-81,

p. 17). Porém, é possível reconhecer que, mesmo não sabendo, existe ali um

gesto crítico do texto, a reflexão intelectual proposta pela discussão sobre o que

um intelectual deve ou não saber.

Para Enzo Golino, a figura política de Pasolini exige uma precisão

nesse sentido.

compiutamente formulate bensì

Utilizando um pensamento de Lionel Trilling que assume que o destino dos

intelectuais é político e que é preciso insistir que política é imaginação e

inteligência52, o crítico conclui que

52

della politica ogni attività umana ed ogni dettaglio di tutte le attività umane. Nel fare questo vi sono evidenti

94
nel senso indicato

da Trilling hanno GOLINO, 1980-81, p.

22). Nesse sentido acreditamos que o corsarismo de Pasolini visava não

apresentar uma conceituação definitiva do momento vivido na Itália, mas

seus leitores. Gianni Scalia defende que suspeitemos sempre de Pasolini,

desconfiando de suas verdades e integrando o debate proposto em seus ensaios.

perfetta, diritta navigazione questo corsaro SCALIA, 1978, p. 69).

pericoli, ma pericoli anche maggiori vi sono nel non farlo. Se non insistiamo che la politica è immaginazione

TRILLING APUD GOLINO, 1980-1981, p. 22).

95
2.3 O ENSAÍSMO CORSÁRIO COMO EXPERIÊNCIA CORPÓREA

As tentativas de construção de análises de Pasolini passam, sem

dúvida, por sua predisposição de enxergar, por os

sinais comportamentais . Entende-se que o

comportamento das pessoas contaminadas

interpretativas acerca das mudanças sociais ocorridas na Itália após a revolução

tecnológica.

Ci sono certi pazzi che guardano le facce della gente e il suo


comportamento (...) perché conoscono la semiologia. Sanno che la
cultura produce dei codici; che i codici producono il comportamento; che il
comportamento è un linguaggio; e che in un momento storico in cui il
linguaggio verbale è tutto convenzionale e sterilizzato (tecnicizzato) il
linguaggio del comportamento (fisico e mimico) assume una decisiva
importanza (PASOLINI, 2001, p. 315).

que conhecem a semiologia e por isso

buscam desvendar os sinais de uma sociedade em processo de mudança

porque sabem que o comportamento se encontra na ponta de uma reação em

cadeia motivada, na outra ponta, por mudanças culturais. Logo, fazendo o

percurso inverso, seria possível entender o comportamento como uma linguagem

que leva à compreensão dessas mudanças culturais.

mais interessante do que a

atual linguagem verbal tecnocrática , Pasolini desenvolveu análises pautadas em

interessado em simplesmente utilizar uma teoria científica para interpretar os

fatos. Para Michel Lahud, a intenção era aproximar suas análises o máximo

96
possível da sua realidade, das suas experiências, daquilo que ele cotidianamente

vivia:

não se tratava nunca para o semiólogo Pasolini de demonstrar alguma


doutrina ou de simplesmente aplicar uma teoria à realidade, mas sempre
encial, direta, concreta, dramática,
corpórea dessa realidade em fundamento último da análise (LAHUD,
1993, p. 51).

53
, por exemplo, observamos

o uso desse mecanismo de análise e argumentação. Utilizando a publicidade de

uma calça jeans como ponto de partida, faz-se uma análise semiológica do uso

contemporâneo da língua italiana. A afirmação que inicia o texto já é logo taxativa

e define como a atual inexpressividade da linguagem das publicidades reflete a

linguagem técnica do novo modelo econômico:

La finta espressività dello slogan è così la punta massima della nuova


lingua tecnica che sostituisce la lingua umanistica. Essa è il simbolo della
vita linguistica del futuro, cioè di un mondo inespressivo, senza
particolarismi e diversità di culture, perfettamente omologato e acculturato
(PASOLINI, 2001, p. 278).

O leitor é conduzido ao pensamento de que os slogans dos bens de

consumo constituem uma nova língua, em substituição à antiga

humanista Isso porque também a linguagem é condizente com o novo do

A análise segue então

demonstrando, com um exemplo concreto desse novo tipo de língua, qual a

relação existente entre um slogan publicitário, isto é, um sinal linguístico, e a nova

organização econômica da Itália.

53
Publicado em 17 de maio de 1973 no Corriere della Sera
(PASOLINI, 2001, p. 278).

97
PASOLINI, 2001, p. 279): essa foi

de seu

produto. A brincadeira consiste em propor um novo mandamento bíblico

incentivando o consumo da mercadoria. Porém, para além da piada com um

dogma católico, a análise de Pasolini demonstra como a suposta subversividade

do slogan na verdade estaria camuflando um discurso tão padronizante quanto o

de todas as publicidades.

assolutamente nuovo, benché probabilmente maturato a lungo in questi


ultimi decenni (per un periodo più breve in Italia). Esso dice appunto, nella
sua laconicità di fenomeno rivelatosi di colpo alla nostra coscienza, e già
così completo e definitivo, che i nuovi industriali e i nuovi tecnici sono
completamente laici, ma di una laicità che non si misura più con la

cui la religione sta deperendo come autorità e forma di potere, e


sopravvive in quanto ancora prodotto naturale di enorme consumo e
forma folcloristica ancora sfruttabile (PASOLINI, 2001, p. 282).

Para o ensaísta, há um discurso intrínseco ao slogan que mostra como

a provocação da publicidade iria muito além de uma mera blasfêmia. Haveria ali

presente um certo cinismo relacionado à linguagem dos industriais e dos técnicos,

adeptos de um laicismo como fenômeno social. Nesse contexto, não haveria mais

lugar para a religião como poder ou como autoridade, pois ela se tornara também

Após uma leitura mais atenta, percebemos o caminho analítico

percorrido pelo autor, que parte de um fato muito específico um slogan

publicitário para desenvolver e corroborar as mesmas hipóteses sobre o

aburguesamento da sociedade e seus respectivos valores, como a laicidade e a

religião como produto de consumo. Portanto, isso seria um exemplo de uso da

98
semiologia pasoliniana: desenvolver uma análise contundente sobre a sociedade

com base em um indício publicitário, o qual indica um novo tipo de comportamento

comercial.

Esse novo tipo de leitura e análise proposto por Pasolini representa,

segundo o crítico Franco Fortini, os do autor, os quais

não provinham da tradição socialista e comunista, como se esperaria de um

intelectual de esquerda, mas eram, na verdade, a linguística, a semiologia, a

psicanálise FORTINI, 1993, p. 197). No fundo, podemos inferir que o uso da

semiologia geral nesses casos reflete um alto nível de interesse por parte do

escritor em relação a essas ciências intimamente ligadas à linguagem e atreladas

ao comportamento, muito presentes no panorama cultural mundial e pouco

comum na cultura italiana da época, inclusive entre os marxistas.

Devemos ainda considerar que, nesse tipo de análise semiológica, há

uma forte presença das experiências pessoais de Pasolini como mote para suas

reflexões

LAHUD, 1993, p.

51). Ou seja, as experiências existenciais, diretas, concretas do próprio escritor

também são partes integrantes de suas análises. Para Bazzocchi, o uso que o

escritor faz de seus casos pessoais nos textos corsários

evidente, più semplice ma anche più immedia

evidencia um artifício

BAZZOCCHI, 2007, p. 64).

Quanto a isso, Pasolini não nega que sua aproximação aos temas é

sempre pessoal e única, no sentido de ser feita por um indivíduo dotado de


99
sentimentos, características próprias e também de reações subjetivas. Ainda em

defendeu que as categorias sociológicas não dão conta, por meio de

riedade de indivíduos, e por isso caberia ao artista

desenvolver um método que abranja as exceções:

Os sociólogos têm prontos e acabados modelos perfeitos do grande


industrial, de sua senhora, do pequeno industrial e de sua mulher, do
intelectual, do estudante, do operário da FIAT, do operário imigrado etc.
etc.: mas nenhum modelo, perfeito, realiza-se a perfeição. Talvez os
sociólogos estejam excessivamente projetados para o futuro e se

confusão. Portanto, há dados existenciais, concretos, imediatos, de

que a sociologia exclui do seu âmbito? Na prát


sobrevivências? (PASOLINI, 1982, pp. 93-94).

Nesse trecho, muitos assuntos importantes para nosso estudo são colocados em

evidência a semiologia da realidade, o papel do intelectual na sociedade, as

entretanto, nossa intenção é

observar especificamente como o autor se questiona sobre a pouca abrangência

de um modelo teorizante de análise como a sociologia. Um artista, como ele,

deveria justamente superar esse modelo e desenvolver uma nova forma de

observar o mundo a sua volta.

Seguindo essa orientação, nos anos 1970 Pasolini escreve um ensaio


54
chamado ta del PCI al referendum , no qual

explora novamente essa ideia de oposição a análises baseadas em categorias

sociológicas pré-definidas. Por outro lado, dessa vez fica evidente que o escritor

acredita que sua maneira de lidar com isso é se importando pessoalmente com

seus objetos de análise:


54
Publicado em 26 de julho de 1974 no Corriere della Sera PASOLINI, 2001,
p. 343).

100
Il felice nominalismo dei sociologi pare esaurirsi dentro la loro cerchia. Io
vivo nelle cose, e invento come posso il modo di nominarle. Certo se io
azione, che
ha subìto tutti gli squilibri dovuti a uno sviluppo stupido e atroce, e cerco

perché al sociologo e al politico di professione non importa

personalmente è la sola cosa che importa (PASOLINI, 2001, p. 346).

operário a fim de defender que, para se compreender uma nova geração, é

preciso antes descrever e entender o indivíduo isolado justamente o que a

sociologia não faz ao utilizar modelos pré-concebidos. Seu método seria então

olhar individualmente para cada pessoa, buscando entender, em cada um, de que

forma o processo de aculturação acontece. Pasolini parece se esquecer de que

mesmo ele utiliza esse tipo de categorização generalizante quando opõe o norte

ao sul da Itália, ou quando fala do jovem burguês e do jovem da periferia. O que

ele pretende destacar é, sem dúvida, a forma como ele se coloca pessoalmente

próximo a sua análise. Não haveria a necessidade de recorrer a teorias ou

categorias pré-determinadas, pois sua própria existência, enquanto intelectual, lhe

daria meios suficientes para analisar e nomear os acontecimentos. E, mais do que

isso, com essa afirmação Pasolini se distancia retoricamente de uma produção

científica ou de um estudo teórico porque, à sua maneira de amarrar seu discurso,

o raciocínio surge sempre de casos isolados com os quais ele se importa

pessoalmente, ou seja, com os quais ele se importa enquanto pessoa e não

apenas enquanto estudioso.

Esse método de análise se torna cada vez mais constante em seus

ensaios corsários, ultrapassando a esfera de um recorte temático e se tornando

101
uma característica estilística em seus escritos. Observamos que há sempre uma

tentar compreendê-los, o que levou Berardinelli a chamar a obra desse período de

BERARDINELLI, 2008, p. 152).

Ao ler Scritti corsari, podemos perceber como recorrentemente são

selecionadas experiências biográficas ou impressões pessoais que são utilizadas

como ponto de partida para iniciar um ensaio. Em

previsione della vittoria al referendum , o uso desse tipo de

ferramenta discursiva fica explícito logo nas primeiras frases dos textos:

La prima volta che ho visto i capelloni, è stato a Praga (PASOLINI, 2001, p.


271);

Ho visto ieri sera (Venerdì santo?) un mucchietto di gente davanti al


Colosseo (PASOLINI, 2001, p. 300).

Para Berardinelli, essa seleção de assuntos feita por Pasolini era parcial

assolutizzati, sottolineati e ingranditi

compondo um quadro deformado da realidade. Porém questa deformazione

tendenziosa dava una straordinaria efficacia e coerenza provocatoria ai suoi

discorsi. E delineava una nuova immagine della società come globalità, come

Sistema (BERARDINELLI, 1990, p. 165). O crítico italiano destaca que os recortes

propostos por Pasolini, enquanto um modus operandi, sempre garantiram a

eficácia e a coerência de seus

defendida pelo autor. Sendo assim, a escolha de determinados elementos, como

os cabelos dos jovens em Praga e slogans publicitários, pouco explorados por

análises sociológicas recorrentes, produz um discurso convincente que faz crer

102
que todo o mundo globalizado funciona do modo como é descrito nos ensaios ou

seja, o próprio autor cria um sistema no qual todos os elementos da sua análise se

encaixam.

Como já vimos, essa mesma operação se repete em um dos textos

mais conhecidos de Pasolini, , que também está recolhido


55
em Scritti corsari. Nesse ensaio, a expressão é repetida anaforicamente

diversas vezes, compondo uma série de afirmações que funcionaram como armas

de choque para um leitor italiano em 1970:

Io so i nomi dei responsabili della strage di Milano del 12 dicembre 1969.


Io so i nomi dei responsabili delle stragi di Brescia e di Bologna dei primi

vecchi fascisti ideatori di golpes, sia i neofascisti autori materiali delle


stragi più recenti. Io so i nomi che hanno gestito le due differenti, anzi,
opposte, fasi della tensione: una prima fase anticomunista (Milano 1969),
e una seconda fase antifascista (Brescia e Bologna 1974) (PASOLINI,
2001, p. 362).

Independentemente se o escritor sabia ou não de fato quem foram os

responsáveis por esses atentados, não podemos deixar de notar que a primeira

pessoa do singular perpassa todo o texto. Pasolini reafirma o que sabe por vários

parágrafos, revisando vários acontecimentos históricos. Mas

que ressoa, ou seja, é sempre uma maneira particular de descrever as coisas. Tal

estratégia retórica evidencia que o homem público Pasolini não está preocupado

em se expor em seus textos, pois falar de si mesmo garantiria um maior grau de

confiabilidade ao que está sendo dito. Portanto, marcar insistentemente a primeira

55
Em , Roberto Saviano
retoma esse ensaio e escreve seu próprio io so SAVIANO, 2010, pp. 245-253). Cf.
Roberto Saviano, , Piccola
Biblioteca Oscar Mondadori. Milão: Arnaldo Mondadori, 2010.

103
pessoa reforçaria a ideia de veracidade, afinal uma análise que parte de si mesmo

só pode ser, no mínimo, confiável.

Os críticos por várias vezes repreenderam o autobiografismo e o

narcisismo de Pasolini, acreditando que esse tipo de análise tivesse apenas

motivações egocêntricas. Mas, a certa distância, nos parece que o autor nunca

esteve muito preocupado em se expor demais ou de correr o risco de ser visto

como um personagem de si mesmo.


56
, por exemplo, elucida um

tipo de reação menosprezante frequentemente utilizada pelo escritor diante de

Infine: molti privi della virile e razionale capacità di comprensione

accuseranno questo mio intervento di essere personale, particolare, minoritario.

(PASOLINI, 2001, p. 379).

Claramente, essa atitude de desdém à opinião pública também compõe

um certo modo pasoliniano de escrever ensaios. O escritor não era ingênuo a

ponto de não perceber que seu discurso construído em cima de bases

extremamente polêmicas era mais um tipo de recurso que dava notoriedade aos

seus escritos. Explorando essa expansão que seus textos adquirem, Santato

reconhece que, progressivamente, Pasolini se torna um personagem público,

muito mais do que apenas um escritor:

media di massa che


pure denuncia continuamente incentivando la formazione del proprio
personaggio pubblico. Si verifica così una progressiva dilatazione

56
Publicado em 19 de janeiro de 1975 no Corriere della Sera PASOLINI,
2001, p. 372). O texto polêmico fala sobre o posicionamento do autor contra o aborto porque o considerava
ta nel panorama

(SANTATO, 2012, p. 520).

104
narcisismo di testimone, della sua ingenua-calcolata ricerca
immagine di autore si viene in
questo modo sovrapponendo progressivamente quella del personaggio
pubblico (SANTATO, 2012, p. 530-531).

Constatamos que, seja falando de si mesmo, seja falando de outras

experiências (afinal, mesmo falando do comportamento de outras pessoas, o autor

fala de si mesmo, pois é sempre sua concepção dos fatos), Pasolini está

preocupado em denunciar em seus ensaios uma situação maior de dominação

econômica e padronização cultural. O ganho retórico que esse tipo de análise

semiológica garante é, por meio da descrição de experiências individuais (micro

universo), falar sobre mudanças sociais que envolvem toda a Itália de determinada

época (macro universo). Entretanto, esse modo de se colocar publicamente, tendo

a si próprio como argumento de seus textos e por isso se tornando um

personagem público, gerou controvérsias custosas à interpretação da obra de

Pasolini.

Leitores, críticos e intelectuais com quem dialogava nem sempre

compreenderam o uso que Pasolini fez desse tipo de recurso. Fortini, por

exemplo, ao invés de acreditar que falar de si mesmo seria uma forma de dar

eficácia ao discurso, defende que esse tipo de abordagem torna o texto dúbio e

inconsistente -politico di

Pasolini, quello che ci impedisce di considerarlo fraterno, è proprio questo cerchio

FORTINI, 1993, p. 205). Já

Rinaldi acredita que Pasolini adquiriu o hábito da autolamentação e que por isso

se RINALDI,

1982, p. 370), e não um texto crítico relevante.

105
O autor sabia o risco que corria ao escrever a partir de um ponto de

rnalista ao mesmo

tempo em que era polemista e poeta, e que por essa característica foi analisado e

condenado no plano moral:

Meu verdadeiro pecado é o de ter exercido a profissão de jornalista como


polemista e como poeta, na mais total insubordinação. Esta
insubordinação, eles a transferiram para o plano moral, e a
homossexualidade tornou-se, por esta operação de transferência, o
princípio do mesmo mal. Não é tanto o homossexual que sempre
condenaram, mas o escritor sobre quem a homossexualidade não serviu
como meio de pressão, de chantagem para entrar na linha (DUFLOT,
1983, p. 163).

Pasolini parece acreditar que, por mais que sua homossexualidade tenha sido

polêmica, ou seja, por mais que um aspecto biográfico tenha adquirido grandes

dimensões na interpretação de sua obra, s foi em

,e

não sua biografia, que motivara muitas condenações por parte dos críticos.

Apesar das acusações de autopromoção e de vitimização, para

Bazzocchi também é essa insubordinação, e não fatos isolados como ser

homossexual, que dá origem a todas as polêmicas sobre o escritor:

sessualità (ci sono altri artisti


omosessuali e nessuno viene perseguitato come lui), ma da una forma di

sorto non solo dal fatto che non tacevo la mia omofilia, ma anche dal fatto
che non tacevo nulla (PASOLINI APUD BAZZOCCHI BAZZOCCHI, 2007, p.
161).

O crítico expande a discussão sobre a insubordinação total de si recorrendo ao

conceito grego de parresia, posteriormente estudado por Foucault. Segundo

Bazzocchi, Pasolini, que teve a coragem de falar abertamente sobre tantos temas

polêmicos, usou dessa figura retórica para dar veracidade às suas constatações e

106
ao seu discurso. Na concepção de Foucault, parresiastes

que é verdadeiro porque ele sabe que é verdadeiro; e ele sabe que é verdadeiro

(FOUCAULT APUD BAZZOCCHI, 2007, p. 162)57.

Por essa via, o crítico defende a credibilidade de Pasolini em seus

(BAZZOCCHI, 2007, p. 162). Logo se expor publicamente em seus ensaios seria

uma maneira estratégica de reafirmar a verossimilhança de seus discursos, afinal

conseguir ser sincero sobre si mesmo acarretaria em ser sincero sobre tudo o que

diz sobre os outros. A exposição pessoal, nesse sentido, ganha uma nova

dimensão e deixa de ser apenas uma forma de alimentar um desejo egocêntrico

de autoafirmação. É uma ferramenta retórica de convencimento, afinal

può negare credibilità a chi si mette in primo piano fino

(BAZZOCCHI, 2007, pp. 163-164).

Ainda na tentativa de manter a credibilidade de seus escritos e evitar

que seus textos se tornassem falácias, Pasolini desenvolveu um mecanismo de

análise que se reportava por vezes ao passado, o qual o escritor conhecia tão

bem, para falar sobre o presente. , fica

claro como o livro de Sandro Penna é lido, ironicamente, por esse viés de

dável, a fim

de corroborar a tese de que durante o fascismo havia uma certa dignidade na vida

italiana, apesar dos problemas, que se perdeu com o passar do tempo.

subito dopo! La vita era come la si era conosciuta da bambini, e per venti

57
Cf. M. Foucault, Discorso e verità nella Grecia antica, Roma: Donzelli, 1996.

107
nella rivolta o nella rivoluzione, ché tanto quella meravigliosa cosa che
era la forma della vita, non sarebbe cambiata. (...) I paesi avevano ancora
la loro forma intatta, o sui pianori verdi, o sui cucuzzoli delle antiche
colline, o di qua o di là dei piccoli fiumi. La gente indossava vestiti rossi e
poveri (non importava che i calzoni fossero rattopparti, bastava che
fossero puliti e stirati); i ragazzi erano tenuti in disparte dagli adulti, che
provavano davanti a loro quasi un senso di vergogna per la loro
svergognata virilità nascente, benché così piena di pudore e di dignità,
con quei casti calzoni dalle saccocce profonde (...) (PASOLINI, 2001, pp.
421-422).

Essa

um fascismo, dá lugar a um tempo presente trágico no qual chega a ser possível

sentir falta do regime autoritário. A crença na revolução, o verde dos campos, a

gente humilde, o respeito pelas gerações mais velhas: tudo se desfaz frente a uma

realidade apocalíptica.

Ora che tutto è laido e pervaso da un mostruoso senso di colpa e i

la gelosia dei padri, irrompendo stupiti, presuntuosi e ghignanti nel mondo


di cui si sono impadroniti, e costringendo gli adulti al silenzio o

o distrutta dalla guerra (PASOLINI, 2001, p. 423).

Nesse trecho, observamos como há uma certa consagração irônica do passado

em contraste com a degradação extremamente negativa do presente, de forma

que não percebemos qualquer aspecto positivo sobre os acontecimentos em

curso. Esse raciocínio também se repete quando o escritor fala da tradição, das

culturas camponesas, do modo de vida do subproletariado, quase que os

mitificando.

Para Rinaldi, esse tipo de resenha literária que Pasolini se propõe a

fazer não traz aprofundamento nenhum sobre a obra literária:

108
dos aspectos literários do livro que pretende resenhar e acaba fazendo uma leitura

RINALDI, 1981, p. 121).

Entendendo esse apego ao passado como uma espécie de

conservadorismo, Rinaldi também defende que a nostalgia de Pasoli

sublime rif (RINALDI, 1982, p. 378), o que torna seu discurso

incoerente e impreciso. Como é possível ter um olhar tão crítico em relação à

realidade se, ao falar sobre o passado, não há qualquer criticidade? A idealização

do passado seria então uma negação ao entendimento do tempo presente.

Mas, segundo o próprio Pasolini, a sua intenção ao falar sobre velhos

tempos é estabelecer uma analogia com o tempo que ele está analisando. Falar

por falar do passado não faria o menor sentido, a menos que essa referência se

relacionasse de maneira clara com o presente:

nunca tive a intenção de representar uma época passada; e, se tentei


fazê-lo, foi somente através da analogia, isto é, representando uma
época moderna num certo sentido análoga ao passado... Só a
persistência do passado no presente pode ser figurada de maneira
objetiva (PASOLINI APUD LAHUD, pp. 140-141, nota 14).

Podemos então entender que a nostalgia de Pasolini não pretende um

retorno anacrônico ao passado, mas constitui, na verdade, sua visão de mundo, a

partir da qual se estabelecem seus parâmetros, suas experiências e seu olhar

crítico capaz de identificar nos fatos presentes um processo histórico que não

significava evolução e sim retrocesso. Lahud encara essa questão mais uma vez

como um método de interpreta do

passado uma forma de vida para contrapô-la à do presente

109
operação que lhe garantia aquele distanciamento da atualidade

LAHUD, 1993, p. 52).

O crítico destaca ainda que esses textos estabeleciam não só uma

relação com o passado, mas também com o futuro. Se, ao falar sobre o presente e

as transformações sociais italianas, era possível enxergar todo um mundo antigo

pré-burguês desaparecendo, ao olhar para o futuro o autor conseguiu perceber

que uma experiência semelhante seria vivida posteriormente por países

subdesenvolvidos, os quais passariam pela mesma modernização industrial vivida

pela Itália no início da década de 1960:

Eu vivi uma experiência histórica muito original, extremamente retardada,


por um lado, mas também extremamente antecipada, por outro, porque é
a experiência que viverão os países do Terceiro Mundo daqui a alguns
anos (PASOLINI APUD LAHUD, 1993, p. 113).

Durante todo o processo de escrita ao longo da obra de Pasolini,

percebemos que as formas utilizadas para fazer esse tipo de reflexão se alteraram

constantemente. Da poesia à prosa, do teatro ao cinema, ficção ou não ficção, ele

sempre buscou mostrar uma verdade sobre a sociedade italiana. Com os ensaios

jornalísticos, essa premissa permanece, porém o tom de denúncia gera alterações

estilísticas que se tornaram referenciais em seu momento mais corsário. Lahud

nte grave e

LAHUD, 1993, pp. 105-106). Como

pudemos observar, esse novo tom dos anos 1970 seria reflexo da sucessão de

conscientizações extremamente duras para o escritor.

110
Parte da crítica entende que essa nova maneira de escrever não

significa necessariamente uma perda de qualidade ou um descuido na escrita

Lettere luterane são um

poema em prosa mais bem resolvido e mais eficaz do que Trasumanar e

organizzar, no qual o uso do verso nada mais é do que uma convenção

BERARDINELLI, 2011, p. 27). Esse limite entre poesia e prosa também

abre mão de suas escolhas poéticas nem mesmo quando escreve artigos de

jornal, os quais aparentemente seriam os textos menos poéticos possíveis:

possiamo dire che le espressioni più poetiche di Pasolini, proprio dal


punto di vista della poesia sono quegli articoli di giornale se è vero che
oggi le forme di espressioni artistica non possono prescindere da quelli
che sono gli strumenti di comunicazione, il modo nuovo in cui questi si
presentano. Forse proprio quegli articoli sono stati il modo in cui Pasolini
poeta è stato conosciuto, più ancora dei fogli di poesia delle Ceneri di
Gramsci, Trasumanar e organizzar cui molti di noi evidentemente sono
arrivati dopo la lettura di quegli articoli (MORAVIA ET AL., 1978, pp. 12-13).

os trabalhos mais poéticos de Pasolini, pois garantem a comunicação que um

novo modelo de escrita não pode mais prescindir.

E, de fato, há momentos em que podemos notar uma hibridização nítida

entre poesia, narrativa, ensaio reflexivo, afinal essas categorizações já não

precisam mais ser distintas. D

escritor descreve a rotina de um operário cujo barulho da tosse se funde aos sons

do jardim. Mas há uma crítica pontual que atravessa essa descrição narrativa: o

111
operário que tosse, durante seu horário de trabalho, é alguém sem perspectivas,

sem direito ao repouso, que deve produzir sem parar até mesmo quando está

doente.

Escuto tossir o operário que trabalha aqui em baixo ; sua tosse


atravessa as grades que dividem o andar térreo do meu jardim. Desse
modo, a tosse parece soar entre as plantas, atingidas pelo sol da última
manhã de bom tempo. (...) A vida, para ele, tornou-se algo decididamente
incômodo; - não o aguarda nenhum repouso, em casa, depois do
trabalho, - precisamente como a nós, rapazes pobres ou quase pobres.
Veja, a vida nos parecia consistir inteiramente naquela pobreza (...) Em
suma: aquela tosse me revela o trágico sentido desse belo sol de
outubro (PASOLINI, 1982, p. 200).

Em outro momento do mesmo ano, reflete sobre as viagens espaciais no artigo

Marcas pré-

alternam como em um constante ciclo:

As pegadas dos homens sobre a Lua dão essa compreensão piedosa por
uma vida que se processou num passado inenarrável. Se voltaram à
terra, estão mortos: acumularam-se os milênios sobre as pobres ações
de suas vidas. E eis aqui precisamente as suas marcas, os sinais de sua
passagem. Sim, chegaram até aqui em suas infinitas migrações. O que
comove, no passeio tão prosaico e até mesmo um pouco estúpido dos
americanos na Lua, não é o futuro, mas o passado: o destino de todo
futuro, que é o de se tornar passado, se já não o é (1982, p. 175).

O poeta, portanto, não deixa de existir porque passa a escrever para

jornais. Suas referências ainda são as mesmas, seu compromisso com a realidade

e com a linguagem ainda é o mesmo, porém a sociedade em que vive está em

mutação mutação que poucos intelectuais conseguem perceber logo, sua

intervenção pública também precisa encontrar novos recursos linguísticos e

estilísticos para ganhar o espaço do jornal e seus leitores.

112
Esse aspecto aparece nos ensaios, por exemplo, por meio da utilização

de pronomes e de interpelações objetivas, o que torna notáveis as marcas de

interlocução. Em alguns momentos, essa interpelação ocorre sutilmente em

algumas expressões que utilizam verbos na segunda pessoa do singular, o que

propicia o tratamento coloquial em língua italiana:

Si tratta, come vedi, di una richiesta di garanzie di normalissima vita


democratica (PASOLINI, 2001, p. 337).

Em outros casos, Pasolini conversa explicitamente com seu leitor:

Il lettore mi perdoni, ma voglio tornare


(PASOLINI, 2001, p. 397);

Il lettore mi scusi, se impostato così il discorso, non entro più criticamente


nel merito del libro, analizzandolo letterariamente (PASOLINI, 2001, p.
425).

Esse recurso cria um vínculo de proximidade entre o escritor e o leitor, além de

garantir ao ensaio o tom informal de uma conversa58.

Ainda em relação à interlocução, Pasolini recorrentemente faz uso de

perguntas retóricas com a finalidade de manter a tensão com seu leitor até o fim

da análise. Essa prática é funcional no sentido de organizar os argumentos dos

textos à medida que estabelece etapas de desenvolvimento. A cada conjunto de

pergunta e resposta, a argumentação vai sendo construída até que se chega à

conclusão. Eis alguns exemplos do uso desse recurso estilístico:

Ma è stato proprio un vero trionfo? (PASOLINI, 2001, p. 308);

cultura di una nazione? (PASOLINI, 2001, p. 313);

58
Em nota ao en
PASOLINI, 2001, p. 511). O texto, lido em uma
intervenção oral em Milão, parece evidenciar o apreço do escritor por deixar seus ensaios transparecerem
sua voz.

113
Ora, la Chiesa dovrebbe continuare ad accettare una televisione simile?
Cioè uno strumento della cultura di massa appartenente a quel nuovo
bbe,
invece, attaccarla violentemente, con furia paolina, proprio per la sua
reale religiosità, cinicamente corretta da un vuoto clericalismo? (PASOLINI,
2001, p. 354-355).

Nesse último exemplo podemos ainda notar como o escritor faz uso de uma

pergunta retórica pelo viés da negação, a fim de conduzir seu leitor por

questionamentos que o levarão a uma pergunta conclusiva.

Mais um aspecto relevante é que Pasolini utiliza frequentemente frases

impactantes para finalizar seus ensaios. Conclusões fortes, com certo apelo

emotivo, deixam seus leitores sob efeito de um choque. Por exemplo, em


59
, um ensaio-poema sobre o desaparecimento dos vaga-

lumes60, Pasolini encerra o texto concluindo

ciò ha qualche interesse per il lettore) sia chiaro: io, ancorché multinazionale, darei
61
PASOLINI, 2001, p. 411). Nesse trecho,

Pasolini produz um efeito muito irônico ao propor a troca de uma grande empresa

como a Montedison por um vaga-lume italiano, que no ensaio metaforizam

respectivamente um mundo consumido por ideais capitalistas e toda uma época

prestes a desaparecer. Aquela ideia de progresso versus desenvolvimento é aqui

retomada, entendendo que os vaga-lumes desapareceram exatamente por não

conseguirem sobreviver em um mundo meramente econômico, em um mundo

mais preocupado com os lucros do que as sobrevivências.

59
Publicado em 1 de fevereiro de 1975 em Corriere della Sera
(PASOLINI, 2001, p. 404).
60
O filósofo contemporâneo Didi-Huberman discute esse ensaio em seu livro Sobrevivência dos vaga-lumes
(DIDI-HUBERMAN, 2011).
61
Multinacional do ramo químico.

114
Com essa reflexão final, o leitor, quase que magneticamente, termina a

leitura convencido dos argumentos do escritor, mas é possível perceber como

Pasolini constrói isso com muita maestria. Observamos o uso dos parêntesis, que

parecem induzir a leitura para um pensamento muito particular do escritor, para

um comentário pessoal: o aparente desprezo deixo aqui minha conclusão, se é

que ela interessa ao leit é, mais uma vez, um recurso retórico que camufla um

significado oculto e contribui para cativar o leitor no sentido de aproximá-lo a quem

escreve você, leitor, que leu meu ensaio até o final, provavelmente vai se

interessar pela minha conclusão fi .

Para Bazzocchi, esse novo tipo de aproximação proposta está

relacionado à abrangência que o autor quer que seu discurso obtenha.

Obviamente, escrever para um jornal de grande circulação como o Corriere della

Sera implica em ser lido por um público muito maior e muito mais diverso

Pasolini aggiunge un nuovo tono al già ampio insieme da lui


sperimentato. Non che prima mancassero gli interventi sui giornali, ma
adesso tutto diventa più fitto, più visibile. Pasolini, grazie al cinema, ai
sequestri dei romanzi, ai processi, è ormai una celebrità. E se parla a tutti,
sono, indistintamente, amici e nemici, ammiratori
e dispregiatori, difensori e persecutori (BAZZOCCHI, 2007, p. 61).

Ora, com essas condições de comunicação um escritor celebridade

escrevendo para um público diversificado , foi preciso se reinventar para que seu

discurso ganhasse ainda mais visibilidade. Porém, visar escrever para todos

claramente não significaria ser compreendido por todos, e Pasolini sabia das

dificuldades de encontrar leitores que compartilhassem das suas ideias. Por isso,

seus leitores ideais seriam sua irredutível

115
convicção de que é a

qualquer, a única atitude verdadeiramente racional numa sociedade toda

homogeneizada e conformista (LAHUD, 1993, p. 111).

Por isso, buscavam-se leitores críticos que compartilhassem da

indignação, da insubordinação, do olhar contestatório diante do mundo. Leitores

que acreditassem que esses ensaios não eram simples análises históricas, que

vissem na sua intervenção desesperada a intenção de lhes despertar algum tipo

de reação. Nesse sentido, podemos questionar a acusação de Rinaldi de que

unico modo di raggiungere

locutorio e

restringersi nel più RINALDI, 1982, p. 371). Certamente,

como já pudemos perceber, os ensaios corsários não eram para serem lidos

apenas como constatações, mas como pensamentos capazes de motivar

pensamentos, tomadas de consciência e, eventualmente, ações ou seja,

estabelecer uma relação próxima com seu interlocutor. Para tanto, mesmo com a

necessidade de comunicação, Pasolini não faria concessões a assuntos tão

sérios, tão pertinentes. Por isso a necessidade de manter o tom grave, a

linguagem do desespero e as palavras ásperas.

Não podemos dizer que o desespero nos ensaios corsários de Pasolini

não é, de fato, apocalíptico. O escritor assume essa postura e a deixa

transparecer em seus textos por meio de suas conclusões drásticas, de seus

caminhos sem saída. Entretanto, nós que o lemos não precisamos ser

apocalípticos. Como dissemos, temos a impressão de que ele escreve porque

quer gerar um pensamento, um incômodo, uma reação, uma opinião. Se ainda


116
hoje continuamos a ler, então estamos reagindo. E, mesmo sem esperança,

Pasolini escreve. Escrever não é, ainda, resistir? Talvez em alguns momentos ele

não conseguisse enxergar novos horizontes, novas formas de combate e novas

maneiras de intervir, mas ainda mantinha certo otimismo:

una visione apocalittica, certamente, la mia. Ma se accanto ad essa e


se in me anche un elemento di
ottimismo, il pensiero cioè che esiste la possibilità di lottare contro tutto
questo, semplicemente non sarei qui, tra voi a parlare (PASOLINI, 2001, p.
517).

Sem dúvida, ao escrever, fez com que seus leitores se sentissem

tocados por suas análises, sobretudo pelo tipo de característica estilística utilizada

pelo escritor, que garante aos ensaios corsários uma espécie de comunicabilidade

pertinente ao gênero, dando a impressão de que Pasolini fala ao invés de

escrever. É também marcante o fato de discorrer sobre política e economia sem

usar uma linguagem extremamente técnica, o que facilita a compreensão desses

assuntos. Com esse tipo de desenvolvimento argumentativo, a reflexão crítica não

fica restrita a um seleto grupo de interlocutores privilegiados e pode atingir os

diferentes tipos de leitores.

Portanto, a proximidade com que se refere ao interlocutor e a maneira

como os argumentos são desenvolvidos, superando antigos modelos de análise e

propondo nossas vias de interpretação, permitem que tais escritos sejam

acessíveis a praticamente qualquer leitor, inclusive aos jovens italianos, expoentes

Nos ensaios

corsários, assim como ao longo de toda sua obra, esses jovens tiveram um lugar

excepcional que também merece ser pensado. Seja como objetos de estudo, seja

117
como interlocutores preferenciais, Pasolini estabelece uma comunicação didática

excepcional com seus jovens leitores, dando-lhes destaque em suas análises.

118
2.4 PASOLINI E OS JOVENS INFELIZES62

De março a junho de 1975, Pasolini escreveu uma série de ensaios

para o jornal Il Mondo, que foram posteriormente

recolhidos no volume Lettere luterane

, como o próprio autor nomeia, cria um personagem

para ser seu pupilo63 e receber lições ao longo dos meses sobre o cenário italiano

da época. Esse personagem é Gennariello, um jovem burguês napolitano64


65
(PASOLINI, 2001, p. 553).

Na constituição desses textos, o estudante imaginado representa, na

verdade, um contraponto ou uma espécie de sobrevivente ao tempo presente,

como se os

PASOLINI, 2001, p. 551). A troca de

conhecimentos é também facilitada pelo fato do personagem ser napolitano, pois

para o escritor há elementos, como o respeito e a alegria, que permitem que se

semplicemente dire quel che so, perché ho, p


62
PASOLINI, 2001, p. 541) é o ensaio de abertura do livro Lettere luterane. É também o que
dá nome à coletânea brasileira Os jovens infelizes.
63

Il Mondo, 6 março de 1975.


64
ti con la
tua descrizione, poiché la domanda sorge impellente, dovrò spiegarti in poche parole perché ti ho voluto
napoletano. (...) i napoletani rappresentano per me una categoria di persone che mi sono appunto, in
concreto, e, per di più, ideologicamente, simpatici. Essi infatti in questi anni e, per la precisione, in questo
decennio non sono molto cambiati. Sono rimasti gli stessi napoletani di tutta PASOLINI, 2001, p.
551).
65
O liceu moderno italiano corresponde ao ensino médio brasileiro, isto é, é a escolarização dos jovens de
15 a 18 anos.

119
PASOLINI,

2001, p. 551).

A escolha de criar um jovem para dar lições, e caracterizá-lo como

napolitano e burguês, levanta duas hipóteses para nosso estudo: a primeira, o

quanto os jovens italianos são importantes no contexto de produção corsária; a

segunda, a ideia de que existe um jovem italiano ao qual o autor quer exatamente

se reportar ao longo de seus ensaios, tornando evidente o interesse pedagógico

do escritor em se comunicar com essa geração.

Nesse sentido, o ambiente é inventado para que certas ideias sejam

desenvolvidas. Em primeiro lugar, o fato de o jovem ser napolitano estabelece

como forte referência o mundo camponês, isto é, o mundo das tradições explorado

nas análises de Pasolini Nápoles é uma das regiões mais antigas da Itália e

resguarda um certo ar provinciano nos costumes, se opondo diametralmente às

circunstâncias que o ensaísta reconhece nos grandes centros tomados pelos

ideais do consumismo. Em segundo lugar, é um fato positivo Gennariello ser um

estudante burguês, na medida em que ele pode utilizar suas próprias referências

burguesas para reagir contra elas.

A possibilidade de inconformismo de um jovem estudante burguês já

havia sido levantada anos antes, em 1961, em resposta à carta de um leitor dos

diálogos em Vie nuove:

Dei giovani borghesi studenti sono positivi coloro che sanno reagire al

intellettualmente così deboli da accettarlo, lo accettano con un certo


spirito laico di tolleranza, ed evitano il puro e semplice qualunquismo
(PASOLINI, 1996, p. 108).

120
Apesar de existir entre o texto de Vie nuove um intervalo de 14

anos repletos de reflexões e análises, o escritor parece conservar sua confiança

em certos jovens burgueses, os quais seriam capazes de reagir e se indignar ao

perceberem os mecanismos ideológicos da educação burguesa ou poderiam

simplesmente tolerar o conformismo por serem ingenuamente desinformados (o

que soa melhor do que serem deformados ou indiferentes).

Sendo assim, Gennariello seria esse jovem apto a compreender certas

indagações, afinal é um estudante burguês passível de inconformismo e reação.

Além disso, é um jovem que conserva qualquer coisa de mítico da sua tradição
66
. Tais descrições, criadas

propositalmente por Pasolini, ratificam certas estratégias discursivas, de forma a

manter uma comunicação efetiva entre escritor e jovem. A escrita didática,

potencializada pelo contexto de se conduzir um pupilo, funcionaria também para

todos os leitores de seus ensaios, o que expande o alcance dessa série de textos.

Por outro lado, por mais abrangente que seja essa comunicação, há

certas diferenças entre os jovens que precisam ser levadas em conta para evitar

generalizações ou mitificações. Na mesma ocasião em que responde à carta de

Vie nuove, Pasolini fala contra a ideia de um jovem em abstrato, a fim de

-remetente criara:

quasi nulla eccetto che nel campo biologico. Mi sembra perciò illecito
: mi sembra un residuo romantico,

Noia di Moravia,

66
Efetivamente, dá-se mais destaque à origem napolitana do que à
sia napoletano esclude che tu, pur essendo borghese, non possa essere anche interiormente carino. (...) A
PASOLINI, 2001, p. 553).

121
molti, in Italia, da
Roma in giù, sia nelle città che nelle campagne) (PASOLINI, 1996, pp. 107-
108).

Nessa categorização de jovens proposta na década de 1960, o escritor se refere

com aparente afeto e esperança aos jovens s mais

moralismo da educação burgue

(PASOLINI, 1996, p. 109).

Essa descrição é marcante pois aponta para análises pautadas pela

, caracterizações que serão

substituídas, na década de 1970, por constatações mais radicais, levando Pasolini

a declarar que borgate e os fascistas

dourados das Parioli67, não há mais que diferenças retóricas. O nivelamento

cultural tende a suprimir entre eles as diferenças psicológicas e, literalmente,

DUFLOT, 1983, p. 158). A padronização cultural, tão duramente

denunciada, dominará também esses jovens e os fará perder aquela inteireza que

lhes era natural, de forma que tanto os jovens burgueses, quanto os subproletários

e os fascistas irão se tornar muito parecidos psicologicamente e, o mais

assustador na visão de Pasolini, fisicamente.

Oggi tutto è cambiato: quando parliamo di padri e di figli, se per padri


continuiamo sempre a intendere i padri borghesi, per figli intendiamo sia i
figli borghesi che i figli proletari. Il quadro apocalittico, che io ho
abbozzato qui sopra, dei figli, comprende borghesia e popolo. Le due
storie si sono dunque unite: ed è la prima volta che ciò succede nella
storia PASOLINI, 2001, pp. 546-547).

67
Parioli é um bairro da burguesia romana que, durante o regime fascista, foi habitado por funcionários de
altos cargos.

122
O escritor supõe uma dicotomia entre burguesia e povo que os pais, das gerações

precedentes, chegaram a conhecer. Era um período com características sociais

acentuadas, que definiam quem era quem. Mas a geração dos filhos, nascidos em

um mundo transformado, seria indiferentemente burguesa ou subproletária, o que

levou a união das duas histórias em uma só.

Evidentemente, há uma indignação com o desaparecimento das

diferenças entre os jovens italianos. O desejo de ser como os jovens burgueses

estaria corrompendo as características habituais das outras classes sociais, de

forma a deixar todos os jovens iguais e aculturados. No Accattone in


68
, fala-se, por exemplo, sobre os jovens subproletários de

Roma,

metà e più dei giovani che vivono nelle borgate romane, o insomma
dentro il mondo sottoproletario e proletario romano, sono, dal punto di
vista della fedina penale, onesti. Sono anche bravi ragazzi. Ma non sono
-

PASOLINI, 2001, p. 678).

Pela contextualização do escritor, os jovens subproletários não são mais

transparentes, não possuem mais a mesma vitalidade. A imersão cultural no

mundo padronizado os transformou em pessoas tristes, apáticas, ansiosas, como

são os pequeno-burgueses.

É nesse sentido que a juventude italiana se torna essencial para a

produção pasoliniana dos anos corsários. São os sinais comportamentais e

68
Publicado originalmente em 8 de outubro de 1975, em Corriere della Sera
Lettere luterane.

123
linguísticos emitidos por esses jovens que serão a base para as análises

semiológicas. É no corpo desses jovens que as mudanças econômicas, culturais,

políticas deixarão fisicamente suas marcas.

Para o crítico Marco Belpoliti, pode-se apreender uma nova forma de ler

os escritos jornalísticos de Pasolini por esse viés. Diferentemente das leituras

críticas que ligavam o ensaísmo diretamente a questões políticas, propõe-se uma

leitura em que os protagonistas dos escritos jornalísticos são os jovens e o ponto

de partida para analisá-los é seu o aspecto visual

BELPOLITI, 2003, p. 142). Seguindo essa linha, o critério de argumentação

não seria a distinção entre classes sociais ou entre direita e esquerda, mas sim o

sotto i fieri innocen BELPOLITI, 2003, p. 144)69.

O ensaio de abertura de Scritti corsari é essencial para compreender

70
de discursos silenciosos,

analisa o comportamento de dois jovens com cabelos longos que encontrou em

Praga. Bu

nvestiga os sinais deixados pelos

rapazes e conclui:

69
O crítico dá sequência a sua análise destacando o tema da homossexualidade. Segundo sua leitura, a

tolleranza di oggi è il dominio del coito eterosessuale, imposto quasi come un dovere anche nelle giovani
generazioni, mentre un tempo la repressione sessuale, la proibizione dei rapporti tra ragazzi e ragazzi,
uomini e donne, lasciava spazio a una tolleranza verso la pratica omosessua BELPOLITI,
2003, p. 150). Deixamos a indicação, mas não nos aprofundaremos no tema devido a sua amplitude.
70
riassorbiti nella furia verbale non parlassero più autonomamente ai destinatari
frastornati, io trovai tuttavia la forza di acuire le mie capacità decodificatrici, e, nel fracasso, cercai di
prestare ascolto al discorso silenzioso, evidentemente non interrotto, di quei capelli sempre più lu
(PASOLINI, 2001, p. 274).

124
Ora così i capelli lunghi dicono, nel loro inarticolato e ossesso linguaggio

televisione o delle réclames dei prodotti, dove è ormai assolutamente


inconcepibile prevedere un giovane che non abbia i capelli lunghi: fatto
che, oggi, sarebbe scandaloso per il potere.
Provo un immenso e sincero dispiacere nel dirlo (anzi, una vera e propria
disperazione): ma ormai migliaia e centinaia di migliaia di facce di giovani
italiani, assomigliano sempre più alla faccia di Merlino. La loro libertà di
portare i capelli come vogliono, non è più difendibile, perché non è più
libertà (PASOLINI, 2001, p. 277).

Pasolini entende que os jovens foram tomados pelo ideal burguês e

moldados pela televisão e por slogans de produtos. Deveriam condená-lo, mas na

verdade só o corroboram com seu comportamento. O que se apreende pois

desses sinais é devastador: com seus cabelos, os jovens estariam

siamo dei borghesi: ed ecco qui i nostri capelli lunghi che testimoniano la nostra

(PASOLINI, 2001, p. 276). Acreditava-se que

esses jovens deveriam tomar consciência desse processo histórico e superar a

geração de seus pais, mas, ao contrário, são eles que integram o sistema e

confirmam, por meio de seu comportamento, o conformismo, a tolerância, o

convencionalismo imputados pelo neocapitalismo.

O autor percebe ainda que os jovens dessa nova geração estão abrindo

mão de sua formação intelectual e cultural e consequentemente deixando de ter

a conscientização histórica desejada e que por isso não conseguem se opor ao

ciclo de influências a que estão submetidos. E mesmo quando eles pensam estar

se opondo ao sistema, não fazem mais do que reforçar os valores neocapitalistas:

Aí está o fundo do problema: eles [jovens] utilizam contra o


neocapitalismo armas que levam na realidade sua marca de fábrica e que
estão destinadas a reforçar, justamente, sua hegemonia. Eles acreditam
quebrar o círculo e não fazem mais do que reforçá-lo (DUFLOT, 1983, p.
78).

125
Para nós, é relevante notar que tanto Gennariello quanto os cabeludos

de Praga são importantes para compreender a interação de Pasolini com os

jovens, afinal o autor os tratou como interlocutores e como fonte de análises

semiológicas em seus ensaios corsários. Porém, coloca-se aqui outra vez uma

indagação: como Pasolini resolve o fato de ser um homem de outro tempo e com

outra formação tentando se comunicar e estabelecer paralelos com jovens

nascidos e amadurecidos em outro mundo, em outra realidade?

Novame

geração que o separa de seu pupilo:

la mia cultura (coi suoi estetismi) mi pone in un atteggiamento critico

invece, ti fa accettare quelle cose moderne come naturali, e ascoltare il


loro insegnamento come assoluto (PASOLINI, 2001, 573).

O autor reconhece que sua formação cultural o coloca em uma posição crítica

diversa daquela do jovem napolitano. Seu enfrentamento diante

-las como sinais, enquanto que os jovens

da geração seguinte só as veem como naturais e absolutas, pois também eles

uer dizer que todos os sinais observados

semiologicamente pelo escritor não afetam os jovens, pois fazem parte desse

novo mundo em que eles nasceram.

Falando sobre o personagem Gennariello, Bazzocchi observa que falta

, pois entre o mestre

de 50

che avevano parlato al primo non esistono più e le cose che parlano al secondo

BAZZOCCHI, 1998, p. 151). Entre essas

126
duas gerações

outros valores. A incomunicabilidade entre as gerações se dá justamente porque

são referências e parâmetros diferentes, pautados em experiências diferentes de

vida.

Para Pasolini é um mundo que entra em destruição a partir da

revolução tecnológica e o fortalecimento do neocapitalismo na Itália. Chega-se à

conclusão de que alterações tão profundas na configuração da humanidade,

sobretudo as causadas pelo sistema econômico capitalista, distanciam a

comunicação entre gerações diferentes. O desespero de Pasolini em seus ensaios

corsários parece ser justamente perceber que na Itália de 1970 alguma coisa

mudou e que, com isso, os meios de comunicação, as formas de lidar com as

experiências, as linguagens capazes de dar conta da realidade e de se comunicar

com os jovens também mudaram.

Em Empirismo eretico -se como, na

concepção do escritor, a linguagem está diretamente relacionada ao mundo vivido

e que, por isso, só pode ser compreendida por pessoas que pertençam ao mesmo

mundo:

ciò che è in comune tra cifratore e decifratore di linguaggi verbali non è


tanto la lingua verbale, quanto il mondo vissuto. (...) Non ci può essere un
linguaggio comune (comunicazione) tra due esseri appartenenti a due
Realtà diverse: esso resterebbe pura arbitrarietà e convenzione, che non
evocherebbe niente, ossia tradurrebbe segni a loro volta incomprensibili
(PASOLINI, 1972, p. 299).

Dois seres de realidades diferentes, ou seja, de gerações diferentes, não possuem

uma linguagem em comum. Nesse sentido, as experiências de mundo de Pasolini

e dos jovens com os quais ele se comunica são diferentes, logo a linguagem

127
também é diferente e por isso impossibilita ou dificulta muito a comunicação entre

ambos. São duas realidades diversas que Pasolini busca reconectar pela

linguagem em seus ensaios porém o que faz sentido para uma, não faz para a

outra, pois partem de mundos diferentes. Dessa forma, o autor conclui que

qualquer comunicação em que não haja identificação entre as duas partes se

torna apenas uma convenção cheia de incompreensões.

Por outro lado, podemos entender que Pasolini só foi capaz de fazer as

constatações que fez justamente por pertencer a outro mundo, a outra geração, e

por conhecer um tempo passado. A ruptura entre as realidades talvez seja

exatamente a distância necessária para que o autor pudesse perceber as

mudanças sutis que estavam ocorrendo na Itália no presente. Alguém que

nascesse imerso nesse mundo mudado não conseguiria percebê-las, pois as

tomaria como naturais: esse seria o caso dos jovens. E como Bazzocchi observou

olini não podem ser

entendidas pelos jovens pois se referem ao seu próprio mundo. Ou seja, só seria

uma realidade diferente da sua e apenas esse alguém conseguiria traduzir para

outras gerações as mudanças que reconhece.

Mas Pasolini sabe que, mesmo tentando ser esse elo de comunicação

entre as gerações, ele não pode se eximir

geração e a geração dos jovens, e se inclui entre os pais, que seriam também

culpados pela situação atual:

128
Ebbene, non esito neanche un momento ad ammetterlo: ad accettare
cioè personalmente tale colpa. (...) In quanto padre. In quanto uno dei
padri. Uno dei padri che si son resi responsabili, prima, del fascismo, poi
un regime clerico-fascista, fintamente democratico, e, infine, hanno
accettato la nuova forma del potere, il potere dei consumi, ultima delle
rovine, rovina delle rovine (PASOLINI, 2001, p. 542).

Pasolini se reconhece como pai e como engrenagem desse ciclo de passagem do

antigo fascismo a um regime falsamente democrático, a última ruína das ruínas. A

culpa existe pois os pais removeram de suas consciências de antifascistas a

memória do velho fascismo. Além disso, são também culpados pela aceitação

violenza degradante e dei veri, immensi genocidi

PASOLINI, 2001, p. 547). É preciso então conviver com essa

culpa que não pode ser desfeita, afinal o tempo não retrocede jamais, e de alguma

forma fazer dela sua força crítica.

129
130
3. O ENSAÍSMO JORNALÍSTICO DE P ASOLINI

Pudemos observar como Pasolini desenvolveu um método muito

particular de escrever para jornais. Desde o recorte temático até a utilização de

determinados recursos discursivos, há um escolha implícita do escritor que

procura, intencionalmente, despertar reações em seu leitor. Pensando que esse

leitor representa, na verdade, uma infinidade de sujeitos, essas escolhas foram

feitas tentando atingir, a partir dos anos 1970, o máximo possível de pessoas.

Nesse sentido, pudemos analisar como o primeiro formato de artigos produzidos

para Vie nuove na década de 1960 foi sendo substituído por textos mais

elaborados, tanto nas análises quanto na construção dos discursos, culminando

nos ensaios corsários. Entretanto, a opção de parte da crítica por denominar essa

última produção de ensaios ainda não ficou clara.

Nos próprios escritos de Pasolini, pudemos observar alguns usos

curiosos que chamam a atenção. No epigrama escrito pelo autor a Descrizioni di

descrizioni (1979)71, por exemplo,

PASOLINI, 1999, p. 2979)72. Apesar de ser

um dos poucos momentos em que o próprio não

parece haver nessa citação qualquer preocupação formal com o gênero

71
Descrizioni di descrizioni foi publicado postumamente em 1979 graças à organização de Graziella
Chiarcossi. A maioria dos textos que compõe a edição final foi deixada em uma pasta com o título que dá
nome ao livro. o volume (PASOLINI,
1999, p. 2979).
72
Note e notizie sui testi Descrizioni di descrizioni Saggi sulla letteratura e (PASOLINI,
1999, v. 2).

131
ensaístico. Considera-se apenas a qualidade crítica de cada um: na escrita dos

ensaios ideológicos e jornalísticos, utiliza seu senso comum, e nos ensaios

literários e poéticos, seu conhecimento mais perspicaz. Além disso, observamos

que na nota introdutória de Scritti corsari os textos são chamados apenas de

PASOLINI, 2001, p. 267). No corpo do livro, entretanto, há

uma referendum o autor

PASOLINI, 2001, p. 300).

Já na crítica pasoliniana, pudemos encontrar dois usos distintos para

falar sobre o ensaísmo do escritor. Uma parte dos críticos utiliza o termo somente

quando se refere aos ensaios culturais, isto é, às resenhas sobre literatura,

cinema, linguagem etc., reunidas, sobretudo, em Descrizioni di descrizioni,

Empirismo eretico e Passione e ideologia. Rinaldi é um dos estudiosos que,

quando monta uma bibliografia de Pasolini, inclui esses livros na categoria

saggistica, enquanto Scritti corsari e Lettere luterane estão entre os scritti

giornalisti73. Por outro lado, outros críticos, como Paolo Valesio e Roberto Roversi,

reconhecem que os trabalhos jornalísticos de Pasolini fazem parte de sua faceta

VALESIO, 1980-81, p. 40)

(ROVERSI, 1980-91, p. 177)

Além disso, observamos o uso da palavra ensaio em algumas

coletâneas específicas da obra de Pasolini. Como já vimos, a antologia brasileira

Os jovens infelizes

Posteriormente, em 1999, os diálogos de Vie nuove, os artigos de Tempo e as

73
Para a bibliografia completa organizada pelo crítico, conferir os apêndices em seu livro Pier Paolo Pasolini
(RINALDI, 1982, pp.425-466).

132
obras Scritti corsari e Lettere luterane foram todos recolhidos no volume Saggi

sulla politica e sulla società, que também opta pela designação ensaios. Parece

que em ambos os casos, os organizadores das coletâneas quiseram manter um

fio condutor comum: a reunião de textos críticos publicados em jornais como

intervenções políticas.

O caráter de intervenção política evidencia um posicionamento crítico

muito forte nos escritos corsários, característica que também é observada em

outros ensaístas. Por isso esse tipo de atitude crítica pública parece ser um norte

entre os teóricos que se dedicaram a estudar o ensaísmo enquanto um gênero

literário. Tais estudos apontam essa característica como um parâmetro essencial

na busca pela definição do gênero, incluindo também em suas definições o

exercício de escrita de certa maneira direta e informal, que parte de escolhas

subjetivas. No fim das contas, essas seriam as particularidades que compõem a

grande liberdade com o que um ensaísta pode trabalhar com seus temas.

O teórico português Sílvio Lima explica que a nomenclatura ensaio

apareceu pela primeira vez no século XVI, a partir dos trabalhos de Montaigne,

com o objetivo de classificar um tipo de texto que visava dar vazão a pensamentos

que não se limitavam mais às ciências dogmáticas. Ao invés de se restringir a

linguagens teorizantes e científicas, o ensaio passaria a permitir análises móveis,

ias. É por

isso que a comunicabilidade, enquanto efeito produzido pela língua escrita, é uma

um estilo em geral claro, simples e conciso, o escritor tem liberdade para escrever

sobre assuntos que lhe interessem pessoalmente.


133
Além dessa caracterização estilística do gênero ensaio, é preciso ter

em mente que o recorte temático desse tipo de texto é justamente falar sobre o

que não está definido. Para o filósofo Adorno, que também se dedicou a pensar o

desencavar, com os conceitos, aquilo que não cabe em conceitos, ou


aquilo que, através das contradições em que os conceitos se enredam,
acaba revelando que a rede de objetividade desses conceitos é
meramente um arranjo subjetivo (ADORNO, 2003, p. 44).

O corsarismo de Pasolini, enquanto análise política de um momento peculiar da

Itália, parece ser contemplado por essa teoria de que o ensaio deve tratar do que

ainda não foi conceituado, ou daquilo que, apesar dos conceitos, precisa ser

pensado segundo um outro ponto de vista. Caberia então ao ensaio pasoliniano

tratar do que excede a objetividade desses conceitos.

No contexto da tradição ensaística italiana, o crítico Berardinelli

reconhece nos ensaios italianos posteriores a 1945 um novo jornalismo que

qual passava a literatura italiana (BERARDINELLI, 2007). Esse

movimento interno resulta em uma tradição, até os anos 1980, não científica,

impressionista, subjetiva e assistemática, visando a um público culto não

especializado. A conclusão a que Berardinelli chega é que para compreender a

literatura moderna italiana era preciso também estudar as formas de expressão

literária menos exploradas até então, como é o caso do ensaísmo. Para o crítico,

esse gênero teria ganhado importância nesse contexto porque traria mais

134
vantagens ao explorar de forma crítica e acessível as contradições do mundo

desperta nos escritores e intelectuais uma necessidade de expor seus

posicionamentos críticos e reflexivos.

Dentro dessa tradição, a maneira que Pasolini encontra para construir

suas análises críticas é muito peculiar, pois não se prende a parâmetros literários

pré-concebidos. Bellocchio nota que há uma certa constância nas matérias que

Gli intrecci, gli scambi e le sovrapposizioni, non solo di materia ma di stile,


tra poesia, narrativa, saggistica, giornalismo, concorrono a formare un
insieme, diseguale e disordinato fin che si vuole ma nella sostanza
compatto e coerente, dove non esiste gerarchia tra generi alti e bassi, tra
opere principali e secondarie (BELLOCCHIO IN PASOLINI, 2001, p. XIV).

A falta de hierarquia e sistematizações garantiriam ao ensaísmo de

Pasolini uma complexidade que, segundo Bazzocchi, nos leva a considerar o obra

do escritor como uma obra aberta e em constante movimento. E é justamente

esse experimentalismo em relação aos estilos e aos gêneros que permitiria ao

escritor oscilar entre a poesia, a prosa, o ensaísmo, o teatro, o cinema:

sperimentalismo di linguaggi e generi. (...) Questo intreccio fa in modo

aperto e in movimento, un insieme magmatico dove ritornano, a distanza,

dunque in continuo farsi una struttura che vuol essere altra struttura,
come lui diceva delle sceneggiature per il cinema. E naturalmente il
processo non può finire mai, sarebbe anzi assurdo pensare a un atto
critico capace di esaurirne la complessità (BAZZOCCHI, 2007, p. 148).

Com essa afirmação, Bazzocchi parece defender ainda que,

paralelamente à complexidade da obra de Pasolini, está também sua vitalidade, o

135
movimento desses trabalhos que buscam, apesar do tom crítico constante, se
74
.

Ainda que fale dos mesmos problemas, existe uma preocupação em tratá-los sob

perspectivas diversas.

Entendemos que essa atitude crítica, ou mesmo ensaística, integra a

complexidade que o crítico considera impossível de exaurir, afinal, à medida que

as estratégias argumentativas se alteram, é também o mundo que se altera (ou

vice-versa?), por isso acredita-

É nesse sentido que o ensaio é um gênero excepcional, pois acompanha a

mutabilidade do mundo que nos cerca, tendo em vista que não é possível reduzir

essa complexidade a discursos únicos e a gêneros fechados: é preciso sempre

reinventar as estratégias argumentativas.

Partindo desse pressuposto, La Porta acredita que

i LA PORTA,

2012, p. 103). Porém o crítico nota que esse suposto reducionismo que visa

engessar o escritor como ensaísta é, na verdade, reflexo de uma característica

muito particular de como o escritor utilizou esse tipo de texto. Seu ensaísmo é um

em um ensaio, e que preced

LA PORTA, 2002, p. 10).

74
Empirismo eretico. Milão:
Garzanti, 1972, p. 192.

136
Dessa forma, o ensaísmo pasoliniano aparece como uma nova

categoria dentro do ensaísmo clássico. Para dar conta dessas particularidades, o

mesmo crítico propõe uma classificação que separa os formal essays, isto é,

ensaios especializados e acadêmicos, dos personal essays escritos por Pasolini.

Para ele, esse tipo de texto é caracterizado por

spirito eretico, vocazione ad un dilettantismo intellettuale (Pasolini insiste


spesso a dichiararsi dilettante), aderenza del pensiero al corpo e alle
emozioni, carattere autobiografico e insieme asistematico della

capacità di continua reinvenzione della lingua (per adattarla di volta in


LA PORTA, 2002, p. 36).

Por meio dessas diversas características tão únicas da escrita de Pasolini, o

crítico defende que seu ensaísmo deve ser considerado por aquilo que o faz

excepcional, e que por isso precisa ser estudado nessa perspectiva - para que não

seja injustamente entendido como meramente autobiográfico, superficial ou

irrelevante.

Há um caso conhecido contado por Bellocchio 75 sobre uma carta escrita

desenvolvidos em seus escritos corsários para termos teóricos de Economia

Política. O próprio Pasolini fica animado com a ideia, no entanto não chega a

concluí-la antes de sua morte76. Diante dessa possibilidade, Bellocchio critica a

proposta de Scalia, entendendo que os pensamentos de Pasolini são

75
Per conoscere Pasolini
(1978).
76

respon
Cartas publicadas em Vita
attraverso le lettere (PASOLINI, 1994, pp.317-318).

137
Il discorso politico di Pasolini è intraducibile, proprio perché il suo
significato e valore primario consistono nella contestazione radicale della
teoria (anche marxista) degli scienziati e della prassi dei politici. (...) Sono
cioè i filosofi, gli economisti, gli ideologi, per tacere dei politici
professionali, i quali, più che prestare la loro scienza a Pasolini,

approccio ai problemi, la loro analisi e lo studio delle soluzioni


(BELLOCCHIO IN PASOLINI, 2001, p. XXXIV).

De acordo com Bellocchio, são as contestações de Pasolini que

enriquecem a experiência de leitura de seus textos, isto é, é esse uso particular de

eu leitor. Procura-se entender, então, como a linguagem

dos ensaios jornalísticos de Scritti corsari consegue se firmar em um discurso

, frio e improdutivo do que o dos textos científicos, produzindo um

efeito crítico e ao mesmo tempo compreensível a seus leitores.

Quando Berardinelli coloca Pasolini no centro de seu dossiê literário

italiano, é esse escritor que ele tem em mente. Para ele

degli ultimi anni di Pasolini. Si fonda sullo schema retorico della


requisitoria, ed è la grande oratoria di accusa e di autodifesa pubblica di

Scritti
corsari BERARDINELLI, 1990, p. 168).

Seguindo esse raciocínio, propomos que se pense no ensaísmo

corsário de Pasolini como uma atitude crítica, um gesto reflexivo, a expressão de

pensamento. Não é um gênero literário estruturado e imutável: se faz importante

justamente pelo uso particular, justamente por não caber em definições. O

corsarismo seria então o estilo desses ensaios, desde suas escolhas temáticas,

até sua argumentação tão característica a própria retórica pasoliniana.

138
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão dos ensaios jornalísticos de Pasolini não se torna uma

tarefa fácil mesmo após várias leituras e Scritti corsari suscita sempre

desconfianças. Nesse sentido, um leitor contemporâneo que desconhece o

corsarismo de Pasolini poderia levantar uma série de questionamentos: como lidar

com textos que não contrapõem seus argumentos?; que não discutem, por

falsa tolerância ser uma

forma de incitar o debate sobre o lugar dos excluídos, como negros e mulheres, na

sociedade?; que não aceitam que possa haver a diminuição da desigualdade

social pelos bens de consumo proporcionados pelo neocapitalismo?; que

desacreditam completamente que o sistema irá conseguir resolver seus próprios

problemas? Aliás, em alguns momentos Pasolini fala como se o neocapitalismo

italiano não fosse, por exemplo, um fator positivo para as suas produções

artísticas: a democratização dos meios de comunicação, a facilidade de produzir

filmes graças aos avanços tecnológicos, a difusão dos meios de transporte, a

alfabetização de quem o lê. Em relação aos jovens, exclui-se totalmente a

possibilidade de eles terem escolhido a condição em que vivem não há nenhum

vestígio de personalidade no comportamento dessa juventude.

Buscamos mostrar que para Pasolini é impossível justamente relativizar

tais críticas, pois não há qualquer liberdade de escolha ou avanços sociais

legítimos quando se está exposto a uma única forma de vida, que precisa ser

combatida de todas as maneiras. Sua intenção é defender um discurso impactante

139
que quer gerar o questionamento e desconstruir a realidade como ela nos é dada,

imposta, e esse seria um dos grandes méritos de seu ensaísmo.

Para La Porta, a vocação do escritor seria fazer surgir a dúvida do que

carattere, ma soprattutto far scop LA PORTA,

2012, p. 71). Pasolini escreve para questionar.

Por outro lado, com a intenção de fazer com que seu leitor chegue a

esse questionamento, também o escritor acaba utilizando seu processo de escrita

como um processo de auto compreensão. Organiza-se uma sociedade segundo

termos específicos para que as mudanças se tornem inteligíveis a si mesmo:

distinta chiamata progresso o evoluzione sociale ecc. in fondo Pasolini educa se

LA

PORTA, 2012, p. 71). Pasolini escreve para se compreender.

Finalmente, o escritor escreve incessantemente porque é do tipo de

LA PORTA, 2012, p. 71). Seu

ensaísmo jornalístico representaria sua atitude real, sua crítica pragmática. Na

Walter Siti, quando termina de organizar a obra completa do autor,

escreve um ensaio muito sensível . A conclusão a que se

chega é que, para o escritor, literatura e vida não são duas categorias diversas.

São, na verdade, experiências que se confundem, que mesclam o ato de viver em

140
uma nova sociedade com o ato de pensar sobre o que é viver nessa nova

sociedade:

letteratura e vita
sembrano stare sullo stesso livello. Il gesto e la riflessione sul gesto (o

conoscitiva si sovrappone alla letteratura come atto vitale di colui che la


scrive (SITI, 2003, p. 1912).

Pasolini buscou na sua escrita jornalística uma maneira de lidar com

suas angústias e reflexões. Aquilo que ele via acontecer, enquanto um homem

que vivia o seu próprio tempo mas que também conhecia o passado, precisava ser

debatido duramente em seus escritos. Seu pensamento crítico e seu diálogo com

o público são talvez um último conforto se é que podemos falar em conforto ao

tratar da vida de alguém que resolveu se isolar totalmente em uma torre77.

Não é simples assumir a batalha de desconstruir aquilo que é absorvido

diariamente como realidade pela maioria das pessoas, como a única realidade

possível e concretizável. Para permanecer nessa luta, o escritor respira: é preciso

tomar um pouco de fôlego pra continuar. Respira, e cada instante é um

pensamento, uma indignação, um desconforto. Procura então um caminho para

alterar a ordem das coisas, por isso escreve. E escreve cada vez mais, repetindo

ideias, repetindo palavras (ou gritos?). Com isso, provoca uma espécie de catarse

negativa em seus leitores. A tomada de consciência é incompreensível, de difícil

aceitação. Nós lemos. Escutamos. Prestamos atenção. Perdemos-nos entre os

argumentos. Desconfiamos mas não desacreditamos. O descompasso da

77
Em 1970, Pasolini adquiriu a Torre de Chia, na comune de Soriano nel Cimino, onde construiu um
apartamento para se isolar.

141
respiração do escritor passa a ser também de seu leitor. Não é uma literatura de

fácil assimilação. Não é ameno nem acolhedor. Pelo contrário, incomoda.

Incomoda porque é peculiar, porque não faz sentido, porque parece bagunçado,

retórico demais, confuso demais. Incomoda porque é sincero, porque faz sentido,

porque é visceral e em toda sua visceralidade é real e consistente. Retomamos a

respiração, mas já não há calma. Lá fora há apenas o caos. E em nós leitores

também.

142
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scrittori
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5. REFERÊNCIAS GERAIS

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