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PRINCÍPIOS DRAMÁTICOS

A história do teatro está repleta de regras dramáticas, mas há apenas poucos


princípios dramáticos. No século XVI, por exemplo, os autores deviam seguir as
regras de Unidade que dizia que a ação de uma peça deveria estar contida nas 24
horas de um dia, sem histórias secundárias e sem misturar tragédia com comédia.
As regras passam de moda, mas os princípios dramáticos ficam. Por isso boa parte
dos princípios dramáticos está valendo desde os tempos do filósofo Aristóteles, que
os codificou pela primeira vez.
Os princípios dramáticos são:
Personagem Ação Conflito/Crise Verdade Unidade
Entrecho (enredo, urdidura, intriga) Duração

A ESTRUTURA DO ENTRECHO (ENREDO, URDIDURA, INTRIGA).

Uma peça de teatro é um reflexo da vida através da visão do autor, mas a


vida é refinada, escolhida e intensificada. O trabalho do dramaturgo é justamente
selecionar, comprimir e organizar as personagens e as ações num todo compacto.
Ele consegue isto através do entrecho, ou seja, da história que ele deseja contar.
Mesmo quando um autor pretende demonstrar que a vida é caótica e confusa,
ele necessita estruturar o seu propósito com um enredo. Quando uma peça não é
estruturada pelo entrecho, quando não há urdidura de histórias, acaba confundindo
o público e produzindo um fracasso.

HISTÓRIA E ENTRECHO

Enredo e História são coisas distintas. A história, ou argumento, é a linha


básica da peça. Quando uma peça é contada para alguém, é a história da peça que
é contada.
Exemplo:
Dr.Stockmann é um homem honesto. Quando ele descobre que as fontes de
água mineral que alimentam os banhos da cidade estão contaminadas, ele pensa
que denunciando o fato receberá o agradecimento de todos. Mas as autoridades
municipais e o povo reagem e pedem que ele seja expulso da cidade. No final Dr.
Stockmann aprende um pouco mais sobre a natureza humana e, mantendo a sua
solidão, perde tudo menos o seu direito de ser honesto.
A peça de Ibsen, “Um Inimigo do Povo” está contida nesta história, mas o
entrecho, o enredo, apanha os conflitos básicos, as personagens, a ação, na
exata ordem capaz de chegar onde quer o autor. É através do entrecho que Ibsen
segura o público até o fim da peça.
Muitas peças contemporâneas não se importam mais com a história, ela já
não é importante no teatro, mas estas peças continuam a exigir um entrecho.

Examinar se há história e entrecho nas seguintes peças:


“Esperando Godot”, de Samuel Beckett. “A Volta ao Lar”, de Harold Pinter.
“Os Rinocerontes”, de Eugene Ionesco. FRAGMENTOS
Uma das formas de armar um entrecho é trabalhar com fragmentos de
realidade. Os fragmentos podem ser de diversas naturezas: uma decisão ou
realização da personagem, uma reviravolta na história ou um simples momento
dramático.

Observemos esta cena de “As Mil e Uma Noites”:

“Bobo-da-Corte – A mãe encontra a filha nua na cama. – Que é isso, menina,


isto são modos? A filha responde: estou vestida com a camisola do amor. A mãe
acha uma boa idéia e fica pelada, esperando o marido. – Que é isso, mulher, ficou
doida? Ela respondeu: estou vestida com a camisola do amor. – Ah, é! – disse o
marido. – Pelo menos devia ter passado a ferro essa roupa, ta toda enrugada!
Harun-El Rachid (entediado) – Bobo, é solteiro, não? Bobo-da-Corte – Sou,
meu senhor,
Harun-El Rachid – Muito bem, pensei que poderias... Bobo-da-Corte – Não
diga mais nada, meu senhor.
Harun-El Rachid – Pois bem... Bobo-da-Corte – Por favor, senhor.
Harun-El Rachid – Gostaria de vê-lo casado.
Bobo-da-Corte – Rei dos Reis, suplico que me exima de tal felicidade. Sou
solteiro por temer o sexo frágil. Tenho fugido das tentações porque não quero me
envolver com mulheres debochadas, adulteras ou vagabundas. Suplico mais uma
vez, senhor, pense em todas as minhas faltas, na minha vida desqualificada. De
meus modos desregrados de beberrão e arruaceiro. Condene-me a viver longe das
bênçãos do matrimonio.
Harun-El Rachid – Já fiz minha cabeça, ainda hoje estarás casado. Bobo-da-
Corte – Mas...
Harun-El Rachid – Hoje.
Bobo-da-Corte – Está bem, que fazer!

Entra uma moça modestamente vestida de noiva. Recebem as bênçãos do


Califa. Sai o Califa.
Sherazad – Por meio ano, talvez sete meses, o Bobo-da-Corte viveu em paz
com sua mulher, uma bela e pacata garota. Pena que ninguém escapa do destino e
do que os fados decidiram sobre uma vida.
Bobo-da-Corte – Vou até o mercado, encontra uns amigos, tomar uma
cervejinha... Esposa (caindo no choro) – Ó, não! Ficarei aqui, abandonda.
Bobo-da-Corte – É aqui no mercado, pertinho, e volto logo. Que coisa!
Esposa (secando as lágrimas) – Está bem. Se é para ficares feliz, tua
felicidade será a minha.
Bobo-da-Corte – Volto já... Esposa – Até logo, doçura. Bobo-da-Corte – Até
logo. Esposa – Adeus.

Ele sai.

Esposa (tirando o véu) – Alá seja louvado! Finalmente consigo um minuto de


descanso, sem aquele porco por perto. (Batem na porta) Quem será? Espero que
não seja o idiota do meu marido de volta. (É o confeiteiro, a roupa ainda suja de
trigo). Meu confeiteiro!
Confeiteiro – Meu pastelzinho de mel! Esposa – É cedo, o que aconteceu?
Confeiteiro – Sim, é cedo. Quando terminei de por no forno o pão e de
preparar a massa do bolo de castanhas, me dei conta que ainda era muito cedo para
começar a receber a freguesia. Daí eu pensei, sacode a farinha do avental e vai
buscar um pouco de alegria nos braços da mulher amada.

Ela se atira ao amante, rodopiam e se beijam.


Esposa – Sinto que o biscoito está ficando duro. Batem na porta.
Confeiteiro – Quem será?
Esposa – Não sei. Melhor você se esconder na privada, enquanto vejo quem
é. O confeiteiro se esconde na privada. Entra o verdureiro.
Esposa – Meu verdureiro, tão cedo, hoje! Abraçam-se e se beijam.
Verdureiro – Está sentindo o pepino? Esposa – Estou, mas quero também o
nabo...
Batem na porta. Verdureiro – Quem será?
Esposa – Não sei, mas é melhor se esconder ali na privada.

O verdureiro vai se esconder na privada e dá de cara com o confeiteiro.

Verdureiro – Quem é você? O que faz aqui?


Confeiteiro – Estava fazendo o que você também estava fazendo. Estou aqui
pelas mesmas razões.

Entra o açougueiro.

Esposa – E não é o meu amado açougueiro! Açougueiro – Vem cá, minha


peça de alcatra. Esposa – Chegou cedo, caiu da cama?
Açougueiro – Terminei de abater os carneiros e notei que ainda era cedo
para os fregueses. E pensei, vou levar esta picanha para a minha amada.
Os dois se abraçam e se beijam. Batem na porta. Açougueiro – Quem será?
Esposa – Alá seja misericordioso, agora é meu marido. Depressa, te
esconde... e leva a picanha.
O açougueiro se esconde na privada.

Açougueiro (escondendo-se na privada e encontrando os outros) – A paz


esteja convosco, companheiros. O que fazem aqui?
Confeiteiro e o Verdureiro – O mesmo que você. Entra o Bobo-da-Corte.
Bobo-da-Corte (Apalpando a barriga) – Ai, ai, mulher, que dor de barriga. Isto
aqui está uma convulsão. Uma convulsão. Eu queria ficar no mercado, com meus
amigos, mas alguma coisa me fez mal...
Ele corre para a privada e abre a porta. Tudo congela.

Sherazad – O Bobo-da-Corte entendeu no ato o tamanho de seu problema


conjugal. Quanto aos amantes, estes não sabiam se matavam o marido, para
esconder o adultério, ou tentavam escapar... Mas o Bobo-da-Corte foi mais esperto.

Bobô-da-Corte – Ó sagrados mensageiros de Alá! Reconheço-os todos,


divinos emissários. Este aqui, com a bata suja de trigo, bem poderia ser confundido
com um confeiteiro, mas é na verdade o santo patriarca Jó, o lazarento. E este aqui,
com a sacola cheia de verdura, deve ser o grande Kidri, o protetor dos pomares.
Este, sujo de sangue, tenho certeza, é Israfil, o anjo da morte, que nos levará após
nosso último suspiro.
Confeiteiro (apavorado, fazendo ares de santo) – Que homem mais devoto,
acertou em cheio, e ainda disse o nome de cada de um de nós. Descemos à terra e
entramos na vossa casa para premiá-lo por ser casado com uma mulher virtuosa.
Bobo-da-Corte – Pela privada?
Açougueiro – Não encontramos canal melhor.
Bobo-da-Corte – Já que se deram ao trabalho de vir à minha humilde casa,
atendam a um pedido meu, um só!
Confeiteiro, Verdureiro, Carniceiro – Pode pedir!
Bobo-da-Corte – Venham comigo ao palácio do Califa Harun-El Rachid. Ele
ficará feliz em conhecer visitantes tão ilustres e santos.
Confeiteiro, Verdureiro, Carniceiro – Ao palácio? Para quê? Bobo-da-Corte –
Visitar o Califa.
Confeiteiro, Verdureiro, carniceiro – O Califa? Verdureiro – Olha, amigo, já
cumprimos nossa missão. Confeiteiro – Já deixamos nossa mensagem.
Carniceiro – Não precisamos falar com o Califa.
Bobo-da-Corte – Acho bom atenderem ao meu convite.
Confeiteiro, Verdureiro, Carniceiro – Está bem, que Alá nos proteja.
Caminham para o palácio do Califa. Prostram-se perante Harum Al-Rachid.
Bobo-da-Corte – Ó meu senhor. Permita-me apresentar quatro figuras
sagradas. Este aqui é Jó, este é o senhor Khidri e o anjo Israfil. Encontrei-os na
privada de minha casa, meu senhor. Vieram premiar-me pela virtuosa esposa que
vossa majestade generosamente me presenteou.
Harum Al-Rachid – É alguma piada? Ficou louco, Bobo-da-Corte? Bobo-da-
Corte – Estou dizendo apenas o que meus olhos estão vendo.
Harum Al-Rachid – Ficou maluco. Então não percebes que o profeta Jô não
passa do confeiteiro, o profeta Khidri é o verdureiro e este anjo Israfil é o
Carniceiro?.
Bobo-da-Corte – Isto é o senhor quem diz.
Harun-El Rachid – Filhos de uma cadela vadia! Vocês são os amantes da
mulher do Bobo-da-Corte.
Confeiteiro, Verdureiro, Carniceiro – Somos, ó misericordioso.
Harun-El Rachid – Cães, de joelhos! Ó pai da sabedoria! Concedo ao Bobo-
da-Corte o divórcio. E amaldiçôo a mulher adultera. Quanto a vocês, falsos
emissários do céu, serão castrados ao amanhecer. (Ao Bobo-da-Corte) Não tinhas
percebido nada?
Bobo-da-Corte – Nada, meu senhor. Achei que era uma mulher muito
econômica, sempre voltava das compras sem gastar o dinheiro.”

Fragmento 1 – O Sultão não gosta da piada do Bobo da Corte. Decide casá-lo.


Fragmento 2 – O Bobo sai para beber com amigos.
Fragmento 3 – A esposa o trai com o confeiteiro, que tem de se esconder na
privada quando batem na porta.
Fragmento 4 – A esposa o trai com o verdureiro, que tem de se esconder na privada
quando batem na porta.
Fragmento 5 – A esposa o trai com o açougueiro, que se esconde na privada
quando batem na porta..
Fragmento 6 – O Bobo regressa com dor de barriga e descobre a verdade.
Fragmento 7 – Os amantes tentam enganar o Bobo.
Fragmento 8 – O Bobo leva todos à presença do Sultão.

TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO DE HISTÓRIAS

Alguns princípios técnicos ajudam o autor a construir sua peça. Vejamos


algumas dessas técnicas.
TEMPO E ACELERAÇÃO DO TEMPO

O tempo é limitado no teatro. O autor tem um tempo limitado para contar a


história, revelar as personagens e chegar a uma conclusão.
A Aceleração do Tempo acontece quando o entrecho necessita avançar.
Veja-se o exemplo em ROMEU E JULIETA, quando os pais de Julieta marcam o
casamento dela com o Conde Paris.

CONFINAMENTO

Muitos autores escolhem confinar suas personagens num lugar. O


confinamento mantém todas as personagens concentradas, como na peça de Jean
Paul Sartre, “Entre Quatro Paredes”, ou em “Bus Stop (Nunca Fui Santa)”, de
William Inge.

COINCIDÊNCIAS

A coincidência é uma ferramenta bastante útil, mas deve ser usada com
cuidado e poucas vezes. Como no teatro o tempo está comprimido, o público pode
aceitar uma coincidência antes de começar a duvidar da consistência do entrecho.

AÇÃO FORA DE CENA

É uma ferramenta interessante para armar um entrecho. O autor francês


Francisque Sarcey (1827 – 1899), muito encenado em Manaus no começo do século
XX, dizia que um evento acontecido fora de cena era mais difícil de ser posto em
dúvida pelo público.

ENTRECHO ABERTO

É quando o público sabe de tudo desde o começo. ENTRECHO FECHADO


É quando o autor só oferece todas as informações no final da peça.

O DIÁLOGO
Alguém já disse que as peças de teatro, em geral, são sobre gente tagarela.
Os diálogos são a combinação daquilo que a personagem tem de dizer com
aquilo que é compelida a dizer. Toda linha de diálogo tem de fazer avançar tanto a
personagem quanto a história.

Tomemos como exemplo a primeira cena de “Tartufo”, de Molière.

“CENA 1
Casa de Orgon. Dona Pernelle, Elmira. Mariana, Dorinha, Dimas e Cléber.
Dona Pernelle – Não fico mais um minuto nesta casa. Não suporto mais...
Elmira – Por favor, minha sogra. Não compreendo esta atitude.
Dona Pernelle – Deixa pra lá, esqueça. Não precisa me levar na porta, eu sei
o caminho.
Elmira – Fiz alguma coisa de mal, ofendi a senhora, por acaso? Se o fiz, não
foi por querer.
Dona Pernelle – Então não sabe? Sou tratada aqui como uma velha caduca,
esclerosada. Ninguém me leva a sério, cansei! Tudo o que eu digo é motivo de
chacota. Nunca pensei que a casa de meu filho fosse se transformar nessa bagunça.
Dorinha – Senhora...
Dona Pernelle – Você, então, é a pior. Não se comporta como uma
empregada que é, não conhece o próprio lugar, se mete em tudo, dá opiniões
mesmo quando não sabe do que se trata.
Dimas – Mas...
Dona Pernelle – quanto a você, meu neto, não passa de um idiota, um tolo,
um mimado. Cansei de falar ao seu pai que você estava indo para o mau caminho,
que só nos traria desgosto...
Mariana – Eu acho...
Dona Pernelle – Você não acha nada. Na minha frente se faz de modesta, de
recatada, com uma doçura incapaz de ferir alguém. Mas é como diz o ditado, nada
pior do que água parada. Minha neta é uma fingida...
Elmira – Minha sogra...
Dona Pernelle – Minha nora. Não me leve a mal, mas seu comportamento é
horrível, reprovável em todos os sentidos. Só sabe cair no consumo; uma
gastadeira. E esse seu jeito? Céus, isto são modos de uma mulher casada se vestir?
Aquelas que só querem agradar o marido não se vestem dessa maneira.
Cléber – Mas senhora, afinal de contas...
Dona Pernelle – Ora vejam só, o irmão da minha nora. Até que o admiro, é
inteligente, refinado. Mas se meu filho tivesse juízo, pediria que não pusesse mais
os pés nesta casa. O senhor é um homem sem religião, sem Deus, que prega uma
vida sem freios, uma vida que não é de gente honesta. Desculpe a franqueza,
sempre fui assim, não sou de esconder o que penso.
Dimas – Mas do Tartufo ela gosta.
Dona Pernelle – É claro, um homem de bem, piedoso, um homem de Deus.
Fico irritada só em pensar que um tolo como você se meta a criticá-lo.
Dorinha – Se agente seguir o que ele diz, não se fará mais nada, porque tudo
é proibido e pecado. O homem controla tudo, que coisa.
Dona Pernelle – E tem de controlar mesmo. Esta casa está um descontrole. E
ele quer apenas levar a todos ao caminho da salvação.
Dimas – Que que é isso, vovó? Não suporto esse cara. E não escondo isso
de ninguém. Fico incomodado com o fanatismo do sujeito. Do jeito que vão as
coisas ele vai querer mandar na nossa vida. Isso aqui vai virar um inferno.
Dorinha – É isso mesmo, esse tipo chega aqui e põe logo banca, como se
fosse dono do pedaço. Entrou nesta casa com as mãos abanando, só tinha uma
muda de roupa e um par de sapatos furados. Parece que não se enxerga! Põe ares
de santo (ri irônica).
Dona Pernelle – Que Deus tenha piedade de mim. Quem dera vocês
seguissem os conselhos do senhor Tartufo.
Dorinha – Ele pode ser santo pra senhora, mas aqui comigo ninguém me
engana, esse cara não passa de um vigarista.
Dona Pernelle – Linguaruda.
Dorinha – Ele é desses caras que a gente não confia nem um alfinete.
Dona Pernelle – Nem vou responder tamanha besteira. Só tenho a dizer que
vocês são contra ele porque temem a verdade e não querem a salvação. Preferem
o pecado, o vício, o caminho da perdição.
Dorinha – Ah, é? Por que será que ele agora deu para impedir as pessoas de
visitarem a casa. É pecado receber amigos? Mas o cara fica irritado, grosseiro... até
parece que ele tem e ciúmes de dona Elmira. É isso mesmo, falei!
Dona Pernelle – Cala essa boca e pensa no que estás dizendo! Ele não é o
único que se incomoda com as visitas, com esse rebuliço de gente entrando e
saindo desta casa, os carros estacionando pela redondeza, a música entrando pela
madrugada, incomodando a vizinhança. Talvez não haja nada demais receber
amigos, mas gera muito falatório e isso não é uma coisa boa.
Cléber – Era só o que faltava, renunciarmos aos nossos amigos porque
alguns vizinhos fofoqueiros ficam falando pelos cantos. Minha senhora, ninguém
está livre da maledicência, e mesmo que parássemos de receber os amigos, ainda
assim os mexericos continuariam. Deixe em paz os faladores e vivamos a nossa
própria vida.
Dorinha – Eu sei bem o que os vizinhos falam. Sentem inveja, é isso. Essa
gente leva uma vida mesquinha e querem colorir a própria mediocridade jogando
lama nos outros.
Dona Pernelle – Isso bobagem. Conheço alguns dos vizinhos desta casa, são
pessoas de bem e reprovam o que aqui se passa.
Dorinha – Sei de quem a senhora está falando. É daquela dona da esquina, a
maior fofoqueira da redondeza. Eu sei que ela já brilhou nas colunas sociais, teve
muitas aventuras e agora envelheceu, perdeu o brilho e o dinheiro. Ela não
reprova a vida desta casa porque é honesta, é por inveja mesmo. A velha e amarga
inveja.
Dona Pernelle – Se é isso o que querem, bom proveito. Na sua casa, minha
nora, temos de calar a boca porque sua empregada não para de tagarelar. Só
posso dizer que meu filho fez muito bem em acolher aqui tão devota personagem.
Acho que foi o Céu que mandou o senhor Tartufo para converter a todos para o
bom caminho. Ele nada censura o que não deve ser censurado. Essas festas, a
gastança, são coisas do maligno. Aqui nunca se faz orações ou se ouve palavras
piedosas, apenas heresias e obscenidades. Pode rir, seu Cléber, mas esta é
verdade. Adeus, minha nora, nada mais tenho a dizer.

Sai.”

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