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Fiquei atarantado ... Por propriietárias de casa, urbana ou
campestre, costumava imaginar velhas que sofriam de reumatis
mo e cheiravam a borra de café, mas ali ... - "Salvai-nos, 6 que
rubins do Céu!" - como disse Hamlet. Uma mulher maravilhosa,
magnífica, admirável, encantadora, e:stava sentada. Gaguejando,
expliquei-lhe o que queria.
- Ah, muito prazer! Sente-se, por favor! O seu amigo já
me escreveu. Não quer chá? Co1n creme de leite ou com
limão?
Há uma espécie de mulheres (as loiras, quase sempre)
com as quais basta a um homem passar dois ou três minutos
para que ele se sinta inteiramente à vontade, como se já fos
sem velhos conhecidos. Tal era o tipo de Sófia Pávlovna.
Ainda no primeiro copo de chá fiqÜei sabendo que não era
casada, que vivia dos juros de certo capital e esperava a visita
de uma tia; conheci as razões que: levavam Sófia Pávlovna a
alugar aquele cômodo. Em primeiro lugar, pagar cento e
vinte rublos do aluguel da casa é um encargo bastante pesado
para uma pessoa só, e cm segundo, temia muito que um
ladrão penetrasse na casa à noite, ou que de dia ali entrasse
um camponês perverso. Não havia nada de censurável cm que
num canto da casa vivesse um homem ou uma senhora soli
tária qualquer.
- Mas um homem é melhor! - disse Kniguina, lambendo a
geléia de uma colhcrinha. - Com um homem há menos preocu
pações e não. se tem tanto medo...
Em suma, mal passada uma hora, cu e Sófia Pávlovna já
éramos amigos.
- Ah, sim! - lembrei-me, qUlando me despedia dela. -
Falamos sobre tudo, menos do mais imporlanlc. Quanto me
cobrará? Serão apenas vinte e oito dias... Almoço, nalural
mcnte... chá e o restante...
- Ora, para qu.c falar sobre isso?! Pague quanto puder...
Pois não é pelo dinheiro que alugo o cômodo, mas, para... ler
companhia... vinte e cinco rublos cst.á bem?
Naturalmente concordei, e assim começou a minha vi<la de
veranista ... Tal vida é interessante pelo fato de um dia ser igual
ao outro e uma noite à outra noite, e quanto encanto não há
nessa monotonia?! Que dias, que noites! Leitor, fiquei cnlcvado
com as lembranças, permita que o abrace! Lcvantava•mc de
manhã e, nem de longe lembrando-me do trabalho, bebia chá
com creme <lc leite. As onze horas ia dar os bons dias à se
nhoria e com ela bebia café com creme gorduroso e obtido a fogo
lento. Ficávamos a tagarelar até sair o alm'oço. Às duas,. o
almoço, mas que almoço! Imagine qiue você esteja à mesa, com
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uma fome canina, erga uma taça enorme <le /istovka • e comece
a comer carne salgada quentinha com saramago-maior. Ima gine
depois uma okrôchka*,.. ou um chtchi verde**"' com creme de
leite por cima, etc. Após o almoço, o repouso tranqüilo, a leitura
de romances e o levantar-s e freqüente do lcilo num salto, pois a
senhoria volta. e meia surgia ao pé da porta, e os seus "Continue
deitado! Continu e deitado!" ... Mais tarde, banho de rio. À noite,
um passeio até bem tarde com Sólia Pávlovna... Imagine uma
hora da noite cm que ludo durma, com exceção do rouxinol e de
uma garça que de quando cm q uando grite, e um vcnlinho bran
do traga ao seu ouvido o rumor quase inaudível de um trem dis
tante; pois bem, imagine que numa hora como essa você esteja a
passear por um bosque ou pela linha <le trem com uma lourinha
bem nutrida, que de modo insinuante se e ncolha de frio por
causa do sereno, e volta e meia lhe vire o rostinho páli<lo devido
ao luar ... Que coisa mais deliciosa!
Não demorou uma semana: aconteceu aquilo que você leitor
já esperava e que não pode faltar a nenhum conto que se preze ...
Não resisti... Sófia Pávlovna escutou a minha declaração com
indiferença, quase frieza, como se já a esperasse de muito; apenas
fez beicinho de um modo encantador, como que querendo dizer:
- Não compreendo, para que falar tanto disso?
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Sônia remexeu na gaveta, retirou dali um papelzinho que
me entregou. .
- É a conta? - perguntei.- Pois muito bem ... mmto bem ...
(pus os óculos) ficaremos quites e pronto (corri os olhos peta
conta). Ao todo... Espera lá, que é isso? Ao todo ... Tu te en
ganaste, Sônia! · Aqui está "Total: duzentos e doze rublos e
quarenta e quatro copeques". Isto n,ão é a minha conta!
- É sim, benzinho! Olha direito!
- Mas... de onde tanto assim? Casa e comida... vinte e
cinco rublos ... de acordo... Os teus serviços.:. três rublos ... vá lá,
que seja, de acordo ...
- Não compreendo, benzinho -- disse com voz arrastada a
senhoria após deitar em mim uns olhos espantados, cheios de
lágrimas. - Será que não crês cm mim? Então, faze tu próprio a
contai Bebeste listovka ... cu não podiia servir-te vodca ao almoço
e cobrar o mesmo preço! Creme de: leite para o chá e o caf6...
depois, morangos, pepinos, cerejas.". O próprio café... Pois ele
não entrava no nosso acordo mas tu o bebeste todos os dias!
Aliás, isso tudo é uma ninharia, e posso fazer um desconto de
doze rublos. Que a conta fique cm duzentos apenas.
- Mas... aqui estão marcados s,etcnta e cinco rublos, e não
há indicação daquilo a que se referem ... Pelo que são?
- Como, pelo quê? Ora, que engraçado!
Olhei para o seu rostinho. Havia tanta sinceridade, fran•
queza e admiração nele, que simplesmente me faltou língua
para falar. Dei a Sônia cem rublos e uma letra de câmbio do
mesmo valor, lancei a mala às costas e fui para a estação.
Quem dos senhores, pode emprestar-me cem rublos?
1885
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