Madrugada de sábado do dia 13 de agosto de 1939 caia uma
chuvinha fina e mansa, quando Olegário, conhecido por “véi Roxo”
se levanta em silêncio para não despertar sua senhora, Dona Tereza e nem um de seus sete filhos que repousavam num sono tranquilo. Anda discretamente com seu chinelo de borracha e se dirige ao giral velho, pega um pouco de água fria no tonel e coloca na bacia de rosto para se lavar, ensaboa seu rosto e enquanto passa a lâmina em movimentos repetidos, contempla a si mesmo num pedaço de espelho velho e com esta contemplação narcísica, planeja mentalmente as atividades de seu dia que acabara de começar. Roxo era homem sério, trabalhador, valente, mas também vaidoso, como ele mesmo dizia “gostava de andar ajeitado” . Bem, após o ritual sabático, o velho se dirige à cozinha de chão batido, pega a chaleira no guarda-louça, enche-a de água do pote grande, já que essa água é de fazer comida, enquanto a do pote pequeno é água de beber; agora com a chaleira cheia, colocá-a em cima do fogão à lenha, enquanto acende o fogo com querosene e gravetos; faz seu café, forte e amargo como ele gostava, dizia que só assim poderia começar bem o seu dia e enfrentar os seus demônios. Mas, deixou para saborear a bebida enérgica depois de tomar banho, porque a ordem inversa lhe faria mal...é... é isso mesmo, ninguém ali naquele meio de mundo tinha coragem de tomar café e em seguida tomar banho, faz mal e ataca derrame, entorta até a cara, segundo os mais velhos. Bem, feito isso, Roxo sela seu cavalo, bota seu chapéu de couro e pega a bocapiu (sacola grande feita de palha), monta no cavalo e segue para a feira de Ibititá; nisso, Tupã, seu companheiro fiel o segue um pedaço da estrada , mas volta para seu canto, pois tem medo de cidade grande e além disso, seu dono havia lhe ensinado que ele, Tupã, era o cão de guarda de sua família, principalmente quando ele não estivesse por perto. Pois bem, algumas léguas percorridas , o velho chega em seu destino e passa direto pra venda de seu Sinézio para quitar a dívida de um de seus filhos adolescente que havia comprado fiado no sábado anterior; o menino pediu fiado uma tal de cajuína que era a sensação do momento naquelas redondezas. Mesmo bravo, porém sempre educado, ele entra na venda: “ - Bom dia, camaradas! Bom dia Sinézio, vim pagar o débito que meu filho fez aqui na semana passada e vim também lhe pedir pra não vender mais fiado pra nenhum de meus filhos, porque quem compra fiado é gente que não tem vergonha na cara” Após grande silêncio, o dono da venda responde: “- Calma, seu Roxo, o menino só queria provar do refrigerante novo e eu só vendo porque sei que o menino é de família de gente direita” Roxo, avexado como sempre encurta a prosa, se despede e segue. Depois do acerto, ele passa na barraca de carne, compra um pedaço da carne de porco pra Tereza que gosta muito, segue para o bar de Zeca de Firmino pede uma pinga e quando leva o copo pequeno à boca pra dar o primeiro gole, ouve uns tiros seguidos de gritos..., é confusão, é gritaria, é latido de cachorro e relincho de bicho, quando ele sai na porta do boteco dá de cara com a volante. Ele então como era valente, tinha medo de coisa nenhuma, pergunta a um deles que se aproxima bem de perto e diz: “- Bom dia, excelência, o cidadão pode me dizer o que procura e por que desses tiros?” Um dos homens da volante lhe responde com rispidez “ – Apesar de não ser da conta do cidadão, vou lhe dizer porque pode ser que nos ajude, estamos em busca do amigo do diabo louro, o tal de Corisco e a tal da Dadá que estão amoitaiados pra essas bandas” “- Pois não ouvi dizer nada não” E nisso, os homens passaram e ninguém sabia do paradeiro do casal de cangaceiros que na verdade estavam escondidos a poucas léguas dali, estavam na fazenda Pacheco nas proximidades de Barra do Mendes. Com isso, a volante passou rápido pois estavam procurando em todas as feiras e povoados para colher informações e intimidar alguém que supostamente pudesse estar ajudando e acobertando o casal. Com toda essa agonia e confusão, o cavalo de Roxo que tava amarrado na algaroba, escapole e foge sem que seu dono lhe dê conta e com todo o reboliço que a volante causara, o pobre não achou ninguém que lhe ajudasse a procurar o animal. O velho, então, pegou a bocapiu com as coisas que havia comprado na feira e pediu para o dono do bar guardar enquanto ele procurava seu cavalo. As horas passaram, já era noite e nada de animal ser encontrado, até que ele perdeu a paciência e resolveu ir embora a pé. Voltou no bar, pegou suas coisas e já ia saindo pra tomar seu rumo quando Zeca lhe interrompe tentando convencer o amigo a passar a noite ali: “- O senhor devia passar a noite aqui, deixa pra ir embora na amanhecida do dia, que já é tarde” Roxo agradecendo o companheiro diz: “- Eu lhe agradeço muito, meu camarada, mas tenho que ir pra casa cuidar dos meus, vou pegar a estrada e Deus ai de me proteger, até logo” O velho se despede, se ajeita pra pegar a estrada, ajeita o facão na bainha que sempre carregava consigo. Isso era umas dez horas da noite, sua sorte era que a lua tava bem clara. O velho andou algumas léguas e de vez em quando, quando a garganta tava seca, pegava a cabaça e bebia um gole d’água. Quando chegou mais ou menos no Lajeado, na metade do caminho, sentiu fome, sentou numa pedra grande, abriu a sacola, pegou e comeu um pedaço de rapadura com farinha que comprara na feira, tomou um pouco da água e andou mais uns quatrocentos metros quando repentinamente ouviu um barulho muito feio e estrondoso vindo do mato, um uivo misturado com grito, algo misterioso que Roxo teve dificuldades para identificar o que era, na verdade foi tão rápido e assustador que naquela circunstância ele não teria tempo nem discernimento pra descobrir e numa atitude instintiva, o velho pegou seu facão e balbuciou algumas palavras “- Quem tá aí? Quem é você?... diz seu nome e o que quer, seu escomungado “ Daí surgiu uma figura surreal em sua direção, uma fera que mais lembrava um cachorro gigante com pelos pretos e olhos de fogo. Só deu tempo o velho pegar seu facão e golpear a fera, sua sorte é que o facão era amolado com água benta e seu corpo era fechado, quando ele esperou o sangue da fera derramar, o bicho desapareceu, foi quando Roxo se deu conta de que acabara de enfrentar o coisa ruim.