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Quando estavam servindo a sopa, aproximou-se de sua
mesa um novo personagem, tão desconhecido como o pri
meiro, calvo, sem barba e com óculos de aro de ouro. Esse
novo senhor estava com um temo de seda e também tinha um
relógio de ouro. Ele falava o tempo todo em francês e olhava
com curiosidade as comidas e os fregueses, de modo que
não foi difícil reconhecer nele um estrangeiro. Quem era, de
onde e para que tinha vindo à nossa cidade, nós também não
sabíamos.
Ao comer a primeira colherada de sopa, ele, ou seja, o
do alfinete de pérola, balançou a cabeça e disse com ironia:
- Esses palermas conseguem a proeza de fazer até o re
polho fresco ficar com cheiro de podre. É impossível comer.
Escute, meu querido, será possível que aqui todos vivam
como porcos? Em toda a cidade é impossível conseguir um
prato de sopa minimamente decente. É espantoso!
Depois ele ficou dizendo umas coisas em francês com
seu amigo estrangeiro. Do que ele diiia, nós só lembramos
da palavra cochon 1 • Quando tirou de dentro da sopa uma ba
rata, ele se virou para o empregado e disse:
- Não pedi sopa com baratas. Idiota.
- Senhor - respondeu o empregado -, não fui eu que
pus ela aí, foi ela mesma que caiu. Mas o senhor não se preo
cupe: as baratas não mordem.
Depois de comer o frango, ele mandou trazer uma fo
lha de papel e um lápis e ficou desenhando uns círculos e
escrevendo uns números. O estrangeiro não concordava e
discutiu muito tempo com ele, abanando a cabeça em sinal
de discordância. A folha de papel, toda riscada com círculos
e números, o dono da taverna guarda até hoje; o fiscal das es
colas públicas, a quem o proprietário mostrou esse papel, fi
cou muito tempo olhando aqueles círculos, depois suspirou e
disse: "As perspectivas são negras!". Após pagar pelo almo
ço, ele, ou seja, o do alfinete de pérola, entregou ao emprega
do uma nota nova de cinco rublos. Se era verdadeira ou falsa
nós não sabemos, pois não tivemos a ideia de examinar.
1. Porco. (N.A.)
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- Escute, a que horas vocês abrem a taverna?- pergun
tou ele ao empregado.
- Assim que o sol nasce.
- Excelente. Amanhã às cinco horas viremos tomar
chá. Deixe preparado, mas sem moscas. E você está sabendo
o que vai acontecer amanhã? - perguntou ele, piscando ma
liciosamente um olho.
- Não sei não senhor.
- Ah! Amanhã de manhã vocês vão ficar surpresos e
muito espantados.
Com essa ameaça, ele disse rindo alguma coisa para o
estrangeiro e juntos eles saíram da taverna. Os dois passa�am
a noite na casa de Marfa Iegórovna, uma viúva solitária e
virtuosa, que não tem culpa de nada e não pode ser acusada
de cúmplice. Agora ela não para de chorar e tem medo de ser
presa. Sabendo como ela pensa, nós garantimos que ela não
tem culpa. Além do mais, julguem vocês mesmos: ao acolher
forasteiros em sua casa, ela poderia conhecer com antecipa
ção as intenções deles?
Na manhã seguinte, às cinco em ponto, os desconheci
dos já estavam na taverna: Desta vez eles vieram com pas
tas, cadernos, livros e uns estojos com formas estranhas. Nas
suas falas e movimentos podia-se notar preocupação e pres
sa. Ele, ou seja, o não estrangeiro, disse:
- De noroeste está vindo uma nuvem. Espero que não
atrapalhe!
Após beber um copo de chá, ele chamou o dono da
taverna e deu-lhe ordem para colocar na praça, perto da ta
verna, uma mesa e duas cadeiras. O dono, indivíduo sem
instrução, mesmo pressentindo algo ruim executou a ordem.
Os desconhecidos apanharam suas coisas, saíram da taverna
e sentaram-se nas cadeiras perto da mesa. Ficaram sentados
no meio da praça na frente de toda a gente - que idiotice!
Conversando sobre algo um com o outro, eles espalharam
sobre a mesa papéis, desenhos, vidros pretos e uns canudos.
Quando o taverneiro timidamente se aproximou e se inclinou
sobre a mesa, ele, ou seja, o do alfinete de pérola, afastou-o
com o braço e disse:
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- Não meta seu nariz grosso onde não deve.
. Depois ele deu uma olhada no relógio, disse alguma
coisa para o estrangeiro e ficou olhando através do vidro es
curo para o sol. O estrangeiro pegou um dos tubos e ficou
olhando para lá também... Pouco depois aconteceu uma des
graça terrível nunca antes vista. Todos nós de repente come
çamos a notar que o céu e a terra estavam ficando escuros,
como se fosse uma tempestade se aproximando. E quando o
estrangeiro largou o tubo, escreveu alguma coisa e pegou um
vidro escuro, nós ouvimos alguém gritar:
- Senhores, o sol está sendo coberto!
De fato, uma coisa preta, muito parecida com urna fri
gideira, movia-se sobre o sol e o tapava. Vendo que já havia
sumido metade do sol e que, mesmo assim, os desconhecidos
continuavam a executar aquelas ações estranhas, alguns de
nós dirigiram-se ao policial V lássov e disseram:
- Policial, por que você não está prestando atenção
nessa perturbação da ordem?
Ele respondeu:
- O sol não fica no meu distrito.
Graças à negligência das autoridades locais, em breve
nós vimos o sol desaparecer completamente. Fez-se noite,
e onde foi parar o dia ninguém sabia. No céu surgiram es
trelas. Em consequência daquele anoitecer fora de hora, na
nossa cidade ocorreram os seguintes fatos: todos nós ficamos
terrivelmente assustados e aprontamos uma tremenda con
fusão. Sem saber o que fazer, ficamos correndo pela praça,
apavorados, e, empurrando uns aos outros, gritávamos: "Po
licial! Policial!". Vacas, bois e cavalos (estava havendo uma
feira de animais na nossa cidade), com os rabos levantados e
berrando, espalharam-se pelas ruas, aterrorizados, assustan
do os moradores. Os cachorros ganiam. Os percevejos nos
quartos das tavernas, pensando que já era noite, saíram de
suas fendas e começaram a morder desesperadamente os que
dormiam. O diácono Fantasmagórski, que naquele momento
transportava da horta para sua casa uma carga de pepinos,
ficou apavorado, saltou da carroça e escondeu-se debaixo da
ponte, e seu cavalo invadiu com a carroça um quintal alheio,
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onde os pepinos foram comidos pelos porcos. O coletor
Lstetsov, que não havia dormido em casa, e sim na casa da
vizinha (no interesse da justiça, não podemos omitir esse de
talhe), correu para a rua em roupas de baixo, meteu-se no
meio da multidão e gritou com voz selvagem:
- Salve-se quem puder!
Muitas senhoras que foram despertadas pelo barulho
correram para a rua sem mesmo calçar os sapatos. Aconteceu
ainda muita coisa que nós decidimos contar somente a portas
fechadas. Só quem não se assustou e manteve o sangue-frio
foram os bombeiros, que naquele momento dormiam pro- .
fundamente, o que nós nos apressamos em atestar. Tudo isso
ocorreu no dia 7 de agosto, pela manhã.
Os desconhecidos, depois de causar toda essa sujeira,
guardaram seus papéis nas pastas e, quando o sol voltou a
aparecer, montaram na caleche e se mandaram não se sabe
para onde. Quem são eles, até agora não sabemos. Informa
mos sua aparência. Ele, ou seja, o do alfinete de pérola: es
tatura mediana, rosto limpo, queixo normal, rugas na testa;
o estrangeiro: estatura mediana, cheio de corpo, rosto bar
beado e limpo, queixo normal; de longe, lembra o fazendeiro
Karassévitch; é míope, por isso usa óculos.
Não seriam espiões austríacos?
8 de agosto de 1887
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