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Leitor crítico — Jovem Adulto

Leitor crítico — 7–a e 8–a séries


Leitor fluente — 5–a e 6–a séries

DOMINGOS PELLEGRINI
O dia em que choveu cinza

PROJETO DE LEITURA
Coordenação: Maria José Nóbrega
Elaboração: Rosane Pamplona
Árvores e tempo de leitura
MARIA JOSÉ NÓBREGA

O que é, o que é,
Uma árvore bem frondosa
Doze galhos, simplesmente
Cada galho, trinta frutas
Com vinte e quatro sementes?1

Enigmas e adivinhas convidam à decifra- Alegórica árvore do tempo…


ção: “trouxeste a chave?”. A adivinha que lemos, como todo e qual-
Encaremos o desafio: trata-se de uma ár- quer texto, inscreve-se, necessariamente, em
vore bem frondosa, que tem doze galhos, um gênero socialmente construído e tem,
que têm trinta frutas, que têm vinte e qua- portanto, uma relação com a exterioridade
tro sementes: cada verso introduz uma nova que determina as leituras possíveis. O espa-
informação que se encaixa na anterior. ço da interpretação é regulado tanto pela
organização do próprio texto quanto pela
Quantos galhos tem a árvore frondosa? memória interdiscursiva, que é social, histó-
Quantas frutas tem cada galho? Quantas se- rica e cultural. Em lugar de pensar que a
mentes tem cada fruta? A resposta a cada uma cada texto corresponde uma única leitura,
dessas questões não revela o enigma. Se for é preferível pensar que há tensão entre uma
familiarizado com charadas, o leitor sabe que leitura unívoca e outra dialógica.
nem sempre uma árvore é uma árvore, um Um texto sempre se relaciona com outros
galho é um galho, uma fruta é uma fruta, uma produzidos antes ou depois dele: não há como
semente é uma semente… Traiçoeira, a árvo- ler fora de uma perspectiva interdiscursiva.
re frondosa agita seus galhos, entorpece-nos
com o aroma das frutas, intriga-nos com as Retornemos à sombra da frondosa árvore
possibilidades ocultas nas sementes. — a árvore do tempo — e contemplemos ou-
tras árvores:
O que é, o que é?
Deus fez crescer do solo toda es-
Apegar-se apenas às palavras, às vezes, é
pécie de árvores formosas de ver e
deixar escapar o sentido que se insinua nas
boas de comer, e a árvore da vida
ramagens, mas que não está ali.
no meio do jardim, e a árvore do
Que árvore é essa? Símbolo da vida, ao
conhecimento do bem e do mal. (…)
mesmo tempo que se alonga num percurso
E Deus deu ao homem este manda-
vertical rumo ao céu, mergulha suas raízes
mento: “Podes comer de todas as
na terra. Cíclica, despe-se das folhas, abre-se
árvores do jardim. Mas da árvore do
em flores, que escondem frutos, que prote-
conhecimento do bem e do mal não
gem sementes, que ocultam coisas futuras.
comerás, porque no dia em que dela
“Decifra-me ou te devoro.” comeres terás de morrer”.2
Qual a resposta? Vamos a ela: os anos, que Ah, essas árvores e esses frutos, o de-
se desdobram em meses, que se aceleram em sejo de conhecer, tão caro ao ser huma-
dias, que escorrem em horas. no…

2
Há o tempo das escrituras e o tempo da interpessoais e, progressivamente, como re-
memória, e a leitura está no meio, no inter- sultado de uma série de experiências, se trans-
valo, no diálogo. Prática enraizada na expe- forma em um processo interno.
riência humana com a linguagem, a leitura é
uma arte a ser compartilhada. Somente com uma rica convivência com ob-
jetos culturais — em ações socioculturalmente
A compreensão de um texto resulta do res- determinadas e abertas à multiplicidade dos
gate de muitos outros discursos por meio da modos de ler, presentes nas diversas situações
memória. É preciso que os acontecimentos comunicativas — é que a leitura se converte
ou os saberes saiam do limbo e interajam com em uma experiência significativa para os alu-
as palavras. Mas a memória não funciona nos. Porque ser leitor é inscrever-se em uma
como o disco rígido de um computador em comunidade de leitores que discute os textos
que se salvam arquivos; é um espaço move- lidos, troca impressões e apresenta sugestões
diço, cheio de conflitos e deslocamentos. para novas leituras.

Empregar estratégias de leitura e desco- Trilhar novas veredas é o desafio; transfor-


brir quais são as mais adequadas para uma mar a escola numa comunidade de leitores é
determinada situação constituem um proces- o horizonte que vislumbramos.
so que, inicialmente, se produz como ativi-
dade externa. Depois, no plano das relações Depende de nós.

__________
1
In Meu livro de folclore, Ricardo Azevedo, Editora Ática.
2
A Bíblia de Jerusalém, Gênesis, capítulo 2, versículos 9 e 10, 16 e 17.

DESCRIÇÃO DO PROJETO DE LEITURA pertence, analisando a temática, a perspec-


tiva com que é abordada, sua organização
UM POUCO SOBRE O AUTOR estrutural e certos recursos expressivos em-
pregados pelo autor.
Procuramos contextualizar o autor e sua obra Com esses elementos, o professor irá identi-
no panorama da literatura brasileira para jo- ficar os conteúdos das diferentes áreas do co-
vens e adultos. nhecimento que poderão ser abordados, os
temas que poderão ser discutidos e os recur-
RESENHA sos lingüísticos que poderão ser explorados
para ampliar a competência leitora e escri-
Apresentamos uma síntese da obra para que tora dos alunos.
o professor, antecipando a temática, o en-
redo e seu desenvolvimento, possa avaliar QUADRO-SÍNTESE
a pertinência da adoção, levando em conta
as possibilidades e necessidades de seus O quadro-síntese permite uma visualização
alunos. rápida de alguns dados a respeito da obra e
de seu tratamento didático: a indicação do
COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA gênero, das palavras-chave, das áreas e te-
mas transversais envolvidos nas atividades
Apontamos alguns aspectos da obra, consi- propostas; sugestão de leitor presumido para
derando as características do gênero a que a obra em questão.

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✦ nas tramas do texto
Gênero:
Palavras-chave: • Compreensão global do texto a partir de
Áreas envolvidas: reprodução oral ou escrita do que foi lido ou
Temas transversais: de respostas a questões formuladas pelo pro-
Público-alvo: fessor em situação de leitura compartilhada.
• Apreciação dos recursos expressivos empre-
gados na obra.
PROPOSTAS DE ATIVIDADES • Identificação e avaliação dos pontos de vis-
ta sustentados pelo autor.
a) antes da leitura • Discussão de diferentes pontos de vista e
opiniões diante de questões polêmicas.
Os sentidos que atribuímos ao que se lê de- • Produção de outros textos verbais ou ainda
pendem, e muito, de nossas experiências an- de trabalhos que contemplem as diferentes lin-
teriores em relação à temática explorada guagens artísticas: teatro, música, artes plásti-
pelo texto, bem como de nossa familiarida- cas, etc.
de com a prática leitora. As atividades
sugeridas neste item favorecem a ativação ✦ nas telas do cinema
dos conhecimentos prévios necessários à
compreensão e interpretação do escrito. • Indicação de filmes, disponíveis em VHS ou
DVD, que tenham alguma articulação com a
• Explicitação dos conhecimentos prévios obra analisada, tanto em relação à temática
necessários à compreensão do texto. como à estrutura composicional.
• Antecipação de conteúdos tratados no tex-
to a partir da observação de indicadores como ✦ nas ondas do som
título da obra ou dos capítulos, capa, ilustra-
ção, informações presentes na quarta capa, etc. • Indicação de obras musicais que tenham
• Explicitação dos conteúdos da obra a par- alguma relação com a temática ou estrutura
tir dos indicadores observados. da obra analisada.

b) durante a leitura ✦ nos enredos do real


São apresentados alguns objetivos orienta- • Ampliação do trabalho para a pesquisa de
dores para a leitura, focalizando aspectos que informações complementares numa dimen-
auxiliem a construção dos sentidos do texto são interdisciplinar.
pelo leitor.
DICAS DE LEITURA
• Leitura global do texto.
• Caracterização da estrutura do texto.
Sugestões de outros livros relacionados de
• Identificação das articulações temporais e
alguma maneira ao que está sendo lido, es-
lógicas responsáveis pela coesão textual.
timulando o desejo de enredar-se nas vere-
• Apreciação de recursos expressivos empre-
das literárias e ler mais:
gados pelo autor.
◗ do mesmo autor;
c) depois da leitura
◗ sobre o mesmo assunto e gênero;
São propostas atividades para permitir melhor ◗ leitura de desafio.
compreensão e interpretação da obra, indican-
do, quando for o caso, a pesquisa de assuntos Indicação de título que se imagina além do
relacionados aos conteúdos das diversas áreas grau de autonomia do leitor virtual da obra
curriculares, bem como a reflexão a respeito analisada, com a finalidade de ampliar o ho-
de temas que permitam a inserção do aluno rizonte de expectativas do aluno-leitor, en-
no debate de questões contemporâneas. caminhando-o para a literatura adulta.

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DOMINGOS PELLEGRINI
O dia em que choveu cinza

UM POUCO SOBRE O AUTOR RESENHA

Domingos Pellegrini nasceu em Londrina, Em Londrina, a capital do Café, rolos de fu-


no Paraná, em 1949, e viveu a infância du- maça escurecem o céu. O governo, para va-
rante o auge da cafeicultura, quando a ci- lorizar os estoques, queimava montes de
dade era chamada “a capital do café”. For- café. O pacato carroceiro João de Deus che-
mado em Letras, foi repórter e publicitá- ga em casa mais cedo. A mulher, muito zan-
rio, “aprendendo a observar e desenvol- gada, quer que ele se livre de uma cachorri-
vendo a linguagem”. Seu primeiro livro de nha que pegara na rua. Então lá vai ele, pela
contos, O homem vermelho, ganhou o cidade, tentando encontrar um dono para
Prêmio Jabuti. Participou de muitas anto- a cadelinha. Um dono bom e responsável,
logias e coletâneas de contistas brasilei- que ele não pode ver animal sofrendo. Um
ros, e tem também publicados livros para bêbado quis comprá-la, João não confiou;
jovens e crianças. Acumula em sua experi- uma criança quis, a mãe não deixou; ele
ência passagens pelo teatro, pela política ofereceu a uma freira, mas no convento não
e imprensa infantil, que tiveram início era permitido ter animais. Assim, a peregri-
quando ainda estava no ginásio, e se es- nação de João de Deus continua, ele mor-
tenderam até sua fase de universitário. Foi rendo de fome, querendo voltar para casa;
presidente do Comitê pela Anistia de Di- mas as poucas moedas que tem, gasta num
reitos Humanos no período de 1978-79. pastel… para a cachorrinha. Alguém final-
Como jornalista, foi repórter, redator e mente a aceita, mas agora é ela que não o
editor da Folha de Londrina, e do jornal aceita; um padre o aconselha a abandoná-
Panorama, na cidade de Londrina, entre la, simplesmente, mas João fica sabendo que
1968 e 1975. a prefeitura vai pôr carrocinha nas ruas. Ela

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vai morrer, pensa ele; envenenada pelo ho- PROPOSTAS DE ATIVIDADES
mem da carrocinha ou pela minha mulher.
Então, suspirando, decide jogá-la numa das Antes da leitura
fogueiras de café. Nesse momento, apare-
ce um menino, descalço, que lhe pede a 1.Apresente o livro à classe e investigue se
cadelinha. É a salvação dela e de João, que alguém já conhece o autor, Domingos
volta para casa aliviado. Anos depois, no Pellegrini. Fale um pouco sobre sua obra.
velório da mulher, João é procurado por um
rapaz, levando uma cachorra. O rapaz era 2.Mostre aos alunos a capa de Daniel
aquele menino descalço e a cachorra era ela, Kondo. O que o título da obra O dia em
a cachorrinha enjeitada, aliás, uma perfeita que choveu cinza pode significar? Na ilus-
pastora de carneiros, como lhe explica o ra- tração, há um homem ao lado de um ca-
paz, contando também como seus filhotes chorro. Eles parecem observar algo. O que
viraram ótimos cães. João de Deus fica fe- poderia ser? Como a ilustração pode ser
liz. É o velório da mulher, mas ele sorri. Cada relacionada ao título?
coisa nesse mundo! Até chover cinza ele viu!
3.Investigue sobre a relação dos alunos
COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA com os animais. Quem tem animal de esti-
mação? Quem não gosta de animais? Se
Acompanhando o carroceiro João de Deus fossem seguidos por uma cachorrinha vira-
na sua incansável busca de um dono para lata, o que fariam?
a cachorrinha, vamos aprendendo um pou-
co sobre as qualidades e defeitos do ser Durante a leitura
humano, em seus vários matizes. E sabore-
1.João de Deus é, à sua moda, um filóso-
ando a filosofia desse homem simples e
fo. Diz frases como Mentira boa não faz
generoso, que observa a vida com muita
mal, ou Gente é bicho complicado ou Pra
argúcia. É uma história que cativa pela sua
tudo tem um jeito, tem gosto pra tudo.
doce simplicidade e que nos faz pensar so-
Peça que leiam anotando esses aforismos,
bre nossos valores.
essas sentenças que indicam normas de
QUADRO-SÍNTESE conduta.

Depois da leitura
Gênero: novela
✦ nas tramas do texto
Palavras-chave: amor pelos animais, fe-
licidade nas coisas simples, valores huma-
1.Abra uma discussão a respeito do com-
nos
portamento do carroceiro. Quem acha que
ele perdeu tempo à toa? Quem se preocu-
Áreas envolvidas: Língua Portuguesa,
paria tanto com um vira-lata? A mulher
Ciências
dele tinha razão? Faça com a classe um le-
vantamento dos valores morais de João de
Temas transversais: Ética, Saúde
Deus. Polemize: existem muitas pessoas
assim, hoje? Numa sociedade que valoriza
Público-alvo: alunos de 5a e 6a séries
os interesses materiais, as aparências, será
do Ensino Fundamental
que ele não seria considerado um bobo?

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2.Proponha que escrevam mais um capí- ares. Depois, peça que abram um debate e
tulo para o livro, acrescentando ao texto que sugiram outros métodos para evitar o
uma personagem, mais uma pessoa a quem problema da queda dos preços.
João de Deus quer dar a cadelinha e não
consegue. Peça que imaginem quem é essa 2.Muitos pais não deixam os filhos pega-
pessoa, o que faz e o que a impede de ser rem animais de rua por medo de doenças.
o novo dono da cachorra. Esse medo é real? Que doenças eles podem
trazer? Convide um veterinário para falar
3.Leiam as frases filosóficas levantadas sobre isso em classe.
durante a leitura. Peça que escolham as
favoritas. Proponha que cada um pesquise 3.O cão é mesmo o melhor amigo do ho-
ou lembre outros aforismos, provérbios, mem? O noticiário às vezes nos surpreen-
máximas, e promova uma troca entre eles: de com acidentes sérios envolvendo cães
cada um deve sortear três colegas para pre- de hábitos “pouco sociáveis”; mas também
sentear com uma frase, de preferência ade- se sabe de cães que salvaram a vida de
quada à personalidade de quem vai pessoas. Organize um seminário para tra-
recebê-la. tar desse assunto. Cada grupo pode
pesquisar e falar sobre uma raça de ca-
✦ nas telas do cinema chorro, apresentando à classe o que a raça
tem de particular, em que ela é útil, se pode
Caninos Brancos, dirigido por Randal ser perigosa, etc.
Kleiser e distribuído pela Abril Home Vídeo.
Adaptação de Jack London, uma obra lite- DICAS DE LEITURA
rária imortal, o filme conta a história de
um órfão que vai para o Alasca em busca ◗ do mesmo autor
de uma mina de ouro deixada pelo pai. Nas
terras geladas, apadrinhado por um minei- Questão de honra — São Paulo, Moderna
ro veterano, trava uma amizade inusitada A última tropa — São Paulo, Moderna
com um lobo a quem resolve batizar de As batalhas do castelo — São Paulo, Mo-
Caninos Brancos. Eles crescem e amadure- derna
cem juntos, e a vida faz de Jack um ho- Água luminosa — São Paulo, Moderna
mem de coragem. Meninos e meninas — São Paulo, Ática
A árvore que dava dinheiro — São Paulo,
✦ nos enredos do real Ática

1.É verdade mesmo que em Londrina já se ◗ sobre o mesmo gênero ou assunto


queimou café. Esse fato marcou a infância
do autor, mas não é um fato isolado na A estátua da praça principal — Orlando de
realidade brasileira. Volta e meia ouvimos Miranda, São Paulo, Moderna
falar de produtores que despejam fora to- A história do galo Marquês — Ganymédes
neladas de leite, ou queimam cebola, sem- José, São Paulo, Moderna
pre com o mesmo intuito: o de elevar os Um sinal de esperança — Giselda Laporta
preços dos produtos. Pergunte a opinião Nicolelis, São Paulo, Moderna
da classe e proponha que investiguem so- O homem que não teimava — Bariani
bre o assunto junto a professores e famili- Ortencio, São Paulo, Saraiva

7
◗ leitura de desafio

Um clássico da aventura, protagonizado


por um cão muito especial, é Caninos Bran-
cos, de Jack London, Editora Ática, que tra-
ça um paralelo entre bicho e homem, na-
tureza e civilização.

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