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Gêneros discursivos literários

APRESENTAÇÃO

Nesta Unidade de Aprendizagem, nos dedicaremos ao estudo do texto literário, situando a


linguagem no nível da produção artística e sua função poética. Vamos explorar os recursos
estéticos que auxiliam o autor na construção de um texto agradável ao leitor. Além disso,
procuraremos reconhecer alguns gêneros literários, em prosa ou verso, que se comprometem
com o sentido conotativo da palavra, os plurissignificados, a ficção e a expressão das
subjetividades.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer as características de um texto literário.


• Distinguir os gêneros que compõem o domínio literário e suas funcionalidades.
• Usar alguns dos recursos estéticos utilizados na produção literária, no intuito de
aperfeiçoar a própria produção.

DESAFIO

Para que um texto alcance o status de literário, ele precisa realçar e explorar alguns recursos
estéticos que o tornem agradável e desafiante ao leitor. Esses recursos se aliam à
plurissignificação, ao sentido conotativo da palavra, à organização linguística imprevisível, ao
descompromisso com a realidade, à busca de uma descarga emocional do leitor (catarse).

Faça uma pesquisa em que você explicite esses recursos e, depois, analise o texto "Os
poemas", de Mário Quintana, justificando o que faz dele um texto literário.

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam


não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

INFOGRÁFICO

Neste infográfico, será possível exercitar uma perspectiva diferente sobre o domínio discursivo
literário. Veja!

CONTEÚDO DO LIVRO
Os gêneros textuais são formas mais ou menos estáveis de textos determinados por uma função
sócio-cultural. Há gêneros bem típicos da literatura e que apresentam certas características em
comum, como aquelas de sua linguagem.

Nesse capítulo, você irá estudar algumas características da linguagem literária, alguns gêneros
textuais e também verá alguns recursos linguísticos que podem auxiliá-lo em sua produção
textual.
COMUNICAÇÃO E
EXPRESSÃO

Daisy Batista Pail


Gêneros discursivos
literários
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer as características de um texto literário.


 Distinguir os diversos gêneros que compõem o domínio literário e
suas funcionalidades.
 Usar alguns dos recursos estéticos utilizados na produção literária, no
intuito de aperfeiçoar a própria produção.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar as características da linguagem literária
e os gêneros literários. Além disso, vai ver como os recursos estéticos
dessa linguagem podem ajudá-lo a aperfeiçoar a sua produção textual. A
linguagem literária é aquela usada pela literatura e tem um apelo estético
proeminente. Isso significa que não se trata, prioritariamente, de passar
uma informação, mas de provocar um estranhamento, suscitar emoções,
um impacto diferente. Isso permite a essa linguagem perdurar através
do tempo muito mais facilmente.
Apesar de se falar em linguagem literária, os textos literários não
apresentam sempre as mesmas características. Elas variam de autor para
autor, de um tempo para outro. Além disso, como você vai ver, há carac-
terísticas que determinam o gênero textual (discursivo).

Linguagem literária
A linguagem literária consiste em um uso especial da linguagem, que visa a
evocar emoções, sentimentos e reflexões. Ela também aproxima a realidade
de outros mundos possíveis — às vezes similares ao mundo real, às vezes
mágicos. Em comparação com a linguagem científica ou acadêmica, por
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exemplo, a linguagem literária oferece uma liberdade muito maior de criação


e transmutação de regras da própria língua e da realidade. De acordo com
Proença Júnior (1986), a linguagem está “a serviço da criação literária”, mas
no uso cotidiano ela consiste em instrumento de informação e ação.

Você conhece o termo literariedade? Esse termo designa o conjunto de características


específicas que determinam um texto como literário. Essas características são de
natureza variada, como semiótica, linguística ou sociológica.

Essa distinção é consistente com funções da linguagem. De acordo com


Jakobson (1991, p. 120), “[...] qualquer conduta verbal tem uma finalidade,
mas os objetivos variam [...]”, havendo consonância entre o efeito que se quer
atingir e os meios usados. Todo ato comunicativo envolve um emissor que
envia uma mensagem em um código (que pode ser idioma, modalidade oral
ou escrita, variedade linguística, emojis, gifs, memes, etc.) por um canal (meio
físico), em determinado contexto, para um destinatário.
Ligadas a esses elementos, há as funções da linguagem. Elas são deter-
minadas de acordo com o elemento em que se centra a comunicação. Essa
proposta é derivada da teoria da informação, relacionada à comunicação entre
máquinas (muito antes da internet). Portanto, é insuficiente para a complexi-
dade e a dinamicidade da comunicação humana, mas serve como um ponto de
partida de análise. A seguir, você pode ver as principais funções da linguagem.

 Função referencial: centra-se no referente ou no contexto. Diz respeito


ao que é denotado, à apresentação e à descrição de informações ou
acontecimentos, como ocorre com placas, avisos, memorandos, etc.
 Função emotiva (expressiva): centra-se no remetente (no emissor),
visando à expressão de sua atitude com relação ao que está falando.
Essa função está ligada às emoções, a expressá-las ou provocá-las.
 Função conativa (imperativa): centra-se no destinatário (no receptor),
visando a ter efeito ou influência sobre ele.
 Função fática: centra-se no canal, visando ao prolongamento ou à
manutenção da comunicação.
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 Função metalinguística: centra-se no código, visando à verificação


do seu uso. É a linguagem usada para falar sobre a linguagem.
 Função poética: centra-se na mensagem, própria à literatura e às peças
publicitárias. Ela visa ao apelo estético, ao que um uso especial da
linguagem pode evocar.

Embora o conceito de literatura não seja consensual, há características que


perpassam diferentes gêneros literários. Uma característica importante da
linguagem literária é a multissignificação, isto é, a possibilidade de diferentes
interpretações de um texto, bem como as diferentes formas como ele afeta
as pessoas. Essa pluralidade pode ser semântica e pragmática, mas também
se relaciona à forma como a linguagem é usada (como no exemplo a seguir),
com a exploração de seus níveis fonético/fonológico, morfológico, lexical,
semântico e sintático.

No poema a seguir, Cecília Meireles rompe as palavras para criar a ambiguidade.


Enquanto a mente objetiva identifica a repetição por eco do final de “esconde” e
“comigo”, a mente subjetiva (ou, nesse caso, da criança) entende uma resposta não
colaborativa e ambígua. Portanto, a multissignificação não se restringe ao âmbito
semântico, conforme Proença Júnior (1986) ela também ocorre por meio de uma
descodificação, isto é, da perda da definição do código em proveito de criação. Veja
o poema de Cecília Meireles (2012, p. 33):

O eco
O menino pergunta ao eco
Onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: “Onde? Onde?”

O menino também lhe pede:


“Eco, vem passear comigo!”

Mas não sabe se o eco é amigo ou inimigo.

Pois só lhe ouve dizer:


“Migo!”
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Além dessa perda de definição do código, há outra exploração do significado


típica da linguagem literária: a conotação. Diz-se que o significado de algo
é conotativo sempre que há uma atribuição de valor positivo ou negativo, e/
ou sentido figurado (isto é, um significado metafórico). A conotação também
envolve o aspecto cultural, diferenciando-se da denotação (a grosso modo,
sentido literal). Leia os excertos a seguir, do poema Canção, de Cecília Mei-
reles, retirado do site da Revista Bula (LEITE, 2018, documento on-line):

E o sorriso que eu te levava


desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.

Agora veja o trecho a seguir, retirado de It: A Coisa, de Stephen King (2014).

Música. Baixa. E dardos de luz nos olhos. Ele se lembra dos dardos de luz
porque Richie tinha pendurado o rádio no galho mais baixo da árvore em
que estava encostado. Apesar de eles estarem na sombra, o sol refletia
na superfície do Kenduskeag, batia da frente cromada do rádio e, de lá,
ia para os olhos de Bill.

Nos dois excertos, há exemplos de conotação e “quebras” de regras. O


poema Canção, de Cecília Meireles, fala sobre a perda. O sorriso se torna algo
que, como objeto, pode cair, ao mesmo tempo em que é tratado como algo
vivo, que talvez ainda resista no mar. É possível entender que essa perda tirou
do eu lírico a alegria, representada pelo sorriso. Contudo, ainda há esperança
(mesmo que remota) de um dia recuperá-la. Já no segundo excerto, além de
metáforas (dardos de luz), há quebra da estrutura frasal. Para misturar passado
e presente, King (2014) fez uso dessa quebra: uma frase que começa no passado
e termina no presente, tornando a passagem de um tempo para outro orgânica.
Esses também são casos de multissignificação.
É difícil dizer “é isso que o poema significa” ou “é isso que o autor quis
dizer/provocar”. De fato, esse tipo de constatação é até mesmo contra a natureza
da linguagem literária. A beleza está na possibilidade de diferentes níveis de
significação, entendidos desde o sentido semântico (polissemia) até aqueles
significados a que remete, que podem ser inclusive emoções. Essa característica
torna a linguagem literária subjetiva, de um lado pela liberdade do autor e, de
outro, pela liberdade do leitor.
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Isso não significa, claro, que se pode concluir qualquer coisa a partir de um
texto literário. Há sempre um limite do plausível dentro do universo constituído
pela linguagem; plausibilidade essa que se pode chamar de verossimilhança.
Essa é a característica que permite ao leitor acreditar ser possível existir, no
mundo criado pelo autor, um alienígena que se alimenta do medo e que gosta
de aparecer como um palhaço, ou que o universo foi criado por uma tartaruga
que passou mal do estômago, por exemplo. Verossimilhança é, portanto, uma
coerência interna ao universo criado pelo autor.

Gêneros textuais literários


Há uma distinção primária para os textos literários: prosa, verso e drama. Sob
ela, existem variados gêneros textuais. A prosa é uma narrativa, ficcional ou
não, sem metrificação intencional. O verso apresenta versos, sendo importante
a sonoridade, o ritmo e, em alguns casos, a metrificação. O drama é o ponto
de intersecção entre literatura e teatro. O texto apresenta as falas e as ações
dos personagens organizadas como um roteiro a ser encenado, podendo ser
também em versos.

O termo catarse vem do grego kátharsis e significa “purificação”. Ela é esperada nas
narrativas quando há um aumento da tensão, o ponto máximo de um problema, e,
após, a sua resolução. Isso provoca a liberação ou superação da dor, do medo, da
opressão, da tristeza, etc. Nas artes, a catarse ocorre no espectador e sua natureza é
potencial, seja porque pode ou não causar efeito (como alívio, tristeza, alegria, etc.),
seja porque depende da concretização do texto lido, assistido (cinema, teatro, por
exemplo) ou ouvido (audiolivros ou contação de histórias).

Gêneros da prosa
De acordo com Proença Júnior (1986, p. 46), os diferentes gêneros textuais
da prosa “[...] envolvem certa visão do mundo e uma maneira de captar as
questões que nele se colocam, caracterizando um sistema que se faz de vários
elementos integrados: personagens em ação (ou não) num tempo e num espaço
em torno de um ou mais temas, traduzindo-se num estilo [...]” e em diferentes
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perspectivas. A prosa sempre apresenta narrativa, mas esta não se limita aos
gêneros daquela. Há narrativa em versos e em dramas (como você vai ver à
frente), em relatórios, em biografias, entre outros. Veja a seguir alguns dos
elementos da narrativa de forma simplificada e reduzida.

 Enredo: é a história desenvolvida, variando em sua natureza de acordo


com o gênero e o autor. É o nível no qual se situa a ação, “que envolve o
que ocorre com os personagens, o conjunto de suas ações ou reações, os
acontecimentos ligados entre si, tudo isso comunicado pela narrativa”. Essa, a
narrativa, “[...] caracteriza uma sequência, simples ou complexa, de conflitos
ou tensões que se resolvem ou não [...]” (PROENÇA JÚNIOR, 1986, p. 51).
 Personagem: são as figuras que agem na história. Conforme Proença
Júnior (1986), elas podem ser definidas pela função que desempenham,
por sua natureza e pela sua variedade. Quanto à função, podem ser
principais, chamadas de protagonistas, ou antagonistas, que se opõem
às primeiras. Por exemplo, o Clube dos Otários (grupo formado pelas
crianças lideradas por Bill em A coisa) é protagonista, enquanto a Coisa
é a antagonista. Sherlock Holmes é protagonista, enquanto o professor
Moriarty é antagonista. Quanto à sua natureza, os personagens podem ser
humanos, animais e elementos da natureza. Eles podem ser: individuais
(quando são caracterizados de forma nítida, como Ana Terra, de O tempo
e o vento); típicos (quando representam um grupo, como Capitão Rodrigo,
também de O tempo e o vento, que representa o gaúcho); e caricaturais
(quando há exacerbação de certas características marcantes e definidoras,
como ocorre com a comadre de Memórias de um sargento de milícias).
 Narrador: é também uma entidade na história, uma criação do autor,
que lhe permite assumir perspectivas e posições que não necessaria-
mente coincidem com as suas. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas,
o personagem principal e também narrador está morto. Em Lolita, o
personagem principal e narrador é o pedófilo. Essas duas figuras não
se confundem com os respectivos autores Machado de Assis e Vladimir
Nabokov. O narrador determina de qual ponto de vista a história é con-
tada. Ele pode ser confiável ou não. No caso do primeiro, é comumente
identificado com narrador em terceira pessoa, isto é, um ser de fora que
conta a história, podendo ser onisciente (que sabe de tudo) ou observa-
dor, chamado às vezes de câmera (que está limitado ao que é visível).
Entretanto, mesmo o narrador em terceira pessoa pode apresentar uma
visão tendenciosa da história. O narrador em primeira pessoa nunca é
confiável, pois sempre apresenta o ponto de vista de um personagem
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da história e sempre depende de sua memória ou interpretação. Esse


narrador pode ser o protagonista, como Humbert Humbert, de Lolita;
ou pode ser coadjuvante, chamado de narrador-testemunha, como
Dr. Watson, nas histórias de Sherlock Holmes.

As personagens também podem ser definidas como heróis e anti-heróis, não equiva-
lendo à ideia de protagonista e antagonista. Enquanto o herói representa o ideário da
pessoa boa, honesta, justa e altruísta, o anti-herói é desonesto, toma atitudes ambíguas,
questionáveis e/ou condenáveis. É o caso de Macunaíma (da obra homônima). Essa
noção também é levada para outras mídias, como filmes e histórias em quadrinhos.
Por exemplo: o Homem-Aranha é o herói amigo da vizinha, enquanto Deadpool é o
anti-herói mercenário.

 Tempo: há classificação dupla para o tempo nas narrativas: psicológico


e cronológico. O tempo psicológico é subjetivo, “[...] interior e relativo,
situado no âmbito da experiência individual, que avalia a partir de
padrões variáveis [...]” (PROENÇA JÚNIOR, 1986, p. 52). O tempo
cronológico é objetivo, marcado por de horas, dias, meses, etc. A história
pode se desenvolver linearmente, do começo ou fim, ou não linearmente.
 Espaço: é onde se passa a ação na narrativa.

A seguir, veja alguns gêneros literários.

 Conto: é uma história curta, com um único núcleo dramático. Ele “[...]
oferece uma amostra da vida, através de um episódio, um fragrante ou
instantâneo, um momento singular e representativo [...]” (PROENÇA
JÚNIOR, 1986, p. 45). Exemplos: Felicidade Clandestina, de Clarice
Lispector, e Antes do Baile Verde, de Lígia Fagundes Telles.
 Novela: a novela é mais longa do que o conto e mais curta do que o
romance, “[...] com uma trama simples, descrita sem demora na carac-
terização dos ambientes, personagens e tempos de ação, com apenas os
elementos essenciais necessários à compreensão dos acontecimentos
narrados [...]” (CEIA, 2010, documento on-line). Exemplos: A Hora da
Estrela, de Clarice Lispector, Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar,
e O Alienista, de Machado de Assis.
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 Romance: é uma história longa, de trama complexa, com vários nú-


cleos dramáticos. Exemplos: Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar,
Dom Casmurro, de Machado de Assis, e Concerto Campestre, de Luiz
Antônio de Assis Brasil.
 Fábula: é uma história curta, de narrativa figurada, que apresenta
uma lição de moral. Exemplos: A Cigarra e Formiga e A Lebre e a
Tartaruga, de Esopo.
 Apólogo: é um gênero alegórico que ilustra uma lição de sabedoria,
utilizando personagens de índole diversa, reais ou fantásticas, animadas
ou inanimadas (CEIA, 2009).

Gêneros do verso
Os versos são segmentos frasais que apresentam ritmo de forma nítida e siste-
mática. Para a caracterização tradicional do verso, são indicados três elementos
interdependentes: metro, rima e formas fixas. De acordo com Proença Júnior
(1986), metro é, em língua portuguesa, constituído por meio da combinação
regular do número de sílabas e da disposição do acento tônico. A rima é a
coincidência de fonemas (vocálicos e consonantais) em lugares específicos
de cada verso, podendo ser no início, no meio ou no fim. As formas fixas são
gêneros de poemas que apresentam certo número de versos compondo certo
número de estrofes, como soneto, balada, lira. Os versos também podem ser
livres e brancos. Os versos livres não apresentam metrificação, enquanto os
versos brancos, sim, mas não rima. Sua organização de dá com base na “[...]
sucessão de grupos fônicos valorizados pela entoação, pelas pausas e pela
maior ou menor rapidez da enunciação [...]” (PROENÇA JÚNIOR, 1986, p. 58).
É possível indicar uma classificação tripartida clássica de gêneros textuais
do verso: poesia lírica, épica e dramática. A poesia épica (epopeia) é aquela
em que, por meio de versos, é narrada uma história, exaltando um povo re-
presentado por um herói. É o caso de Ilíada, Os Lusíadas e Beowulf. A poesia
dramática é aquela destinada à dramatização, ao teatro. Nesse caso, a narração
e as falas são apresentadas em versos. A poesia lírica é aquela destinada para
a representação e a expressão de sentimentos e estados de espírito. Assim
como ocorre com o narrador, o autor não se confunde com o eu lírico na
poesia. De acordo com Soares (2007), é no modo como a linguagem é usada
que o eu lírico ganha forma, sendo diferente em cada texto, guiando o leitor
e a recepção. Por isso, o eu lírico não é o mesmo (necessariamente) que o eu
biográfico (autor), ainda que o texto seja escrito em primeira pessoa.
A seguir, você pode conhecer alguns gêneros.
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 Elegia: é um poema em tom terno e triste, geralmente um lamento pela


morte de alguém, designando por extensão uma reflexão sobre a morte.
 Acróstico: é um poema em que a disposição de certas palavras permite
a formação na vertical de uma ideia, nome ou frase, geralmente por
meio da primeira letra de cada verso.
 Soneto: tem forma fixa bem determinada. Os versos não são livres. O
soneto é organizado em quatro estrofes, dois quartetos (quatro versos)
seguidos de dois tercetos (três versos).
 Ode: é um poema que visa à exaltação de algo ou alguém. Tem forma
bem estruturada.
 Romance: na poesia, é a novela de cavalaria, em que se exalta a coragem,
a generosidade, a lealdade e o amor cortês. Como exemplo, você pode
considerar Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.

Você sabe o que são a intertextualidade, a sátira e a paródia? A intertextualidade é a


relação que um texto mantém com outros. Essa relação pode ser direta, por meio de
menção, ou indireta, quando se baseia ou toma inspiração em outras fontes. O filme
My fair lady foi inspirado na peça teatral Pigmaleão, por sua vez inspirada no mito de
Pigmaleão. O livro As crônicas de Nárnia tem representações bíblicas. E o filme Troia foi
inspirado na Ilíada, por exemplo. A sátira ridiculariza determinado tema, indivíduos,
governos, etc., podendo ser cômica ou não. Já a paródia toma uma obra como base
e apresenta uma recriação sempre cômica.

Recursos linguísticos do texto literário


Há uma relação forte e imprescindível entre a qualidade da produção escrita
e a bagagem de leituras de cada pessoa. Quanto mais e mais variados gêneros
de texto você ler, maior será sua chance de produzir um bom texto. Além de
fonte de conhecimento e entretenimento, a literatura é uma forma de “vi-
venciar” outras experiências, ou seja, de ampliar o “mundo” de alguém. Sua
contribuição, entretanto, pode ser explorada também por meio de seus recursos
linguísticos para a escrita.
Por meio da intertextualidade, é possível apresentar outros argumentos para
defender ou contrapor uma ideia, bem como dar exemplos. A intertextualidade
pode ocorrer de diferentes formas, como citação direta, na qual se usam as
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palavras de outro exatamente como estão no original, ou indireta. Neste último


caso, é possível falar sobre algo do texto original, como o contexto em que
foi lançado, a sinopse, os nomes de personagens, etc. Além disso, também é
possível fazer uma paráfrase, em que é mantido o significado original, mas
se usam palavras e estrutura sintática diferentes.

Para entender melhor como funciona a intertextualidade, considere este trecho da


música País tropical, de Jorge Ben Jor: “Moro num país tropical/abençoado por Deus/e
bonito por natureza”. Nessa letra, o compositor estabelece diálogo com “Minha terra
tem palmeiras/onde canta o sabiá” (Canção do exílio, de Gonçalves Dias).

As figuras de linguagem também são úteis na produção escrita — se usadas


de forma intencional e pensada. Elas podem ser organizadas em figuras de
som, de sintaxe ou de semântica. Veja, no Quadro 1, alguns exemplos e sua
classificação.

Quadro 1. Figuras de linguagem

Tipo Definição Exemplo

Figuras de som

Aliteração Consiste na repetição de “Ó Alma doce e triste e


fonemas ou de tipos de palpitante!/ que cítaras
fonemas consonantais soluçam solitárias/ pelas
para intensificar o ritmo regiões longínquas,
e a sonoridade, podendo visionárias/ do teu sonho
também remeter a secreto e fascinante!”
algo do poema. (Alma solitária, de Cruz e Souza)

Assonância É a repetição ordenada de “O que o vago e incógnito


mesmos fonemas vocálicos. desejo/ de ser eu mesmo
de meu ser me deu”
(Hoje a tarde é calma e o céu
tranquilo, Fernando Pessoa)
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Quadro 1. Figuras de linguagem

Tipo Definição Exemplo

Figuras de sintaxe

Zeugma Elipse de algo “Como teus olhos são claros/


mencionado antes. e a tua pele,/ morena”
(omissão do verbo “ser”)
(Dois e dois: quatro, de
Ferreira Gullar)

Pleonasmo Uso de expressões “E rir meu riso e derramar


redundantes. meu pranto”
(Soneto de fidelidade, de
Vinícius de Moraes)

Assíndeto Omissão de conjunção “A boca aberta, escancarada,


entre elementos escura/ Da cova é como
coordenados. flor apodrecida.”
(Ironia de lágrimas,
de Cruz e Souza)

Polissíndeto Repetição de conjunção. “Quero vivê-lo em cada


vão momento/ E em seu
louvor hei de espalhar
meu canto/ E rir meu riso
e derramar meu pranto”
(Soneto de fidelidade, de
Vinícius de Moraes)

Anacoluto Mudança na estrutura, “Aquela mina de ouro, ela


deixando um não ia deixar que outras
elemento solto. espertas botassem as mãos.”
(Camilo Castelo Branco)

Hipérbato Mudança na ordem “E assim, quando mais tarde


não marcada dos me procure/ Quem sabe a
elementos da frase. morte, angústia de quem
vive/ Quem sabe a solidão,
fim de quem ama/ Eu possa
me dizer do amor (que tive):/
Que não seja imortal, posto
que é chama/ Mas que seja
infinito enquanto dure.”
(Soneto de fidelidade, de
Vinícius de Moraes)
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Quadro 1. Figuras de linguagem

Tipo Definição Exemplo

Figuras de semântica

Comparação É feita por meio de “A boca aberta, escancarada,


— símile conjunções para escura/ Da cova é como
aproximar elementos, flor apodrecida.”
de forma explícita. (Ironia de lágrimas,
de Cruz e Souza)

Metáfora É o uso figurado de uma “Se acaso você não possa/


palavra ou expressão, ou me carregar pela mão, /
a atribuição de significado menina branca de neve,/
não usual a estas. me leve no coração.” (Nesse
caso, há também exemplo
de intertextualidade.)
(Cantiga para não morrer,
de Ferreira Gullar)

Antítese Consiste no uso de “Se desmorono ou se edifico,


palavras e expressões se permaneço ou me
com sentidos opostos. desfaço,/ — não sei, não sei.
Não sei se fico/ ou passo.”
(Motivo, de Cecília Meireles)

Eufemismo É a atenuação do discurso. “Ao peso dos impostos,


o verso sufoca,/ a poesia
agora responde a inquérito
policial-militar.”
(Agosto de 1964, de
Ferreira Gullar)

Ironia Nela se diz o que parece ser “Eu agora — que desfecho!/
diferente do que realmente Já nem penso mais em ti…/
é. Consiste em afirmar o Mas será que nunca deixo/
oposto do que se quer dizer. De lembrar que te esqueci?”
(Do amoroso esquecimento,
de Mário Quintana)
Gêneros discursivos literários 13

CEIA, C. Novela. E-dicionário de termos literários, 2010. Disponível em: <http://edtl.fcsh.


unl.pt/encyclopedia/novela/>. Acesso em: 23 nov. 2018.
CEIA, C. Apólogo. E-dicionário de termos literários, 2009. Disponível em: <http://edtl.
fcsh.unl.pt/encyclopedia/apologo/>. Acesso em: 23 nov. 2018.
JAKOBSON, R. Lingüística e poética. In: JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São
Paulo: Cultrix, 1991.
KING, S. It: A coisa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
LEITE, C. W. Os 10 melhores poemas de Cecília Meireles. [2018]. Disponível em: <https://
www.revistabula.com/7668-os-melhores-poemas-de-cecilia-meireles/>. Acesso em:
22 nov. 2018.
MEIRELES, C. O eco. In: MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. São Paulo: Global, 2012.
PROENÇA JÚNIOR, D. Linguagem literária. São Paulo: Ática, 1986.
SOARES, A. Gêneros literários. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.

Leituras recomendadas
ALVEZ, L. 14 Melhores Poemas de Cruz e Sousa. [2018]. Disponível em: <https://escola-
educacao.com.br/melhores-poemas-de-cruz-e-sousa/>. Acesso em: 22 nov. 2018.
LEITE, C. W. Os 10 melhores poemas de Ferreira Gullar. c2018. Disponível em: <https://
www.revistabula.com/12068-os-10-melhores-poemas-de-ferreira-gullar/>. Acesso
em: 22 nov. 2018.
LEITE, C. W. Os 10 melhores poemas de Mário Quintana. [2018]. Disponível em: <https://
www.revistabula.com/2329-os-10-melhores-poemas-de-mario-quintana/>. Acesso
em: 23 nov. 2018.
MORAES, V. Soneto de difelidade. [2018]. Disponível em: <https://www.revistaprosa-
versoearte.com/de-tudo-ao-meu-amor-serei-atento-vinicius-de-moraes/>. Acesso
em: 23 nov. 2018.
PESSOA, F. O guardador de rebanhos e outros poemas. São Paulo: Cultrix, 1997.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Assista ao vídeo a seguir para compreender melhor as características dos gêneros discursivos
literários.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

EXERCÍCIOS

1) O item em que os dois recursos literários estão presentes no texto é:


A Fernando Pessoa (ele mesmo)

Cada verso é uma esfinge ter falado.


Mas quanto mais explícito ela o diz,
Mais tudo permanece inexplicado
E menos se apreende o que ela quis.

Erra um sussurro, tão etéreo e alado


Que nem mesmo silêncio o contradiz.
E o ouvi-lo, ou ávido ou irado
Na busca dum segredo sem raiz,

É como se em pensar - um descampado -


Passasse fugitiva e intensamente
O Tempo todo inteiro projectado

E a sombra ali marcasse, na corrente


Do nada para o nada, inda passado
E já futuro, a ficção do presente.

A) Ironia e humor.

B) Ironia e métrica.
C) Conotação e rima.

D) Métrica e ironia.

E) Sonoridade e prosa.

2) O gênero textual literário representado no texto abaixo é:

Eu amo tudo o que foi

Eu amo tudo o que foi


Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

(Fernando Pessoa)

A) Fábula.

B) Apólogo.

C) Acróstico.

D) Paródia.

E) Poema.

3) Após analisar a linguagem utilizada nos dois textos a seguir, é possível afirmar que:
Texto 1

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manoel Bandeira)

Texto 2:

Descuidar do lixo é sujeira

Diariamente, duas horas antes da chegada do caminhão da prefeitura, a gerência de


uma das filiais do McDonald’s deposita na calçada dezenas de sacos plásticos
recheados de papelão, isopor, restos de sanduíches. Isso acaba propiciando um
lamentável banquete de mendigos. Dezenas deles vão ali revirar o material e acabam
deixando os restos espalhados pelo calçadão.
(Veja - São Paulo)

A) No texto 1, a linguagem predominante é a literária, pois tem como objetivo informar o


leitor sobre os problemas causados pelo lixo.

B) O texto 1 é construído em versos e estrofes e apresenta uma linguagem plurissignificativa,


permeada por metáforas e traços determinantes da linguagem literária.

C) No texto 2, a linguagem não literária é predominante, pois o poeta faz uso de uma
linguagem objetiva para persuadir o leitor.
D) O texto 2 não é literário e a intenção do autor é brincar com a estética das palavras e a
ironia com o tema, utilizando uma linguagem objetiva.

E) Os textos 1 e 2 utilizam a linguagem literária, ao tematizarem o lixo e utilizarem a


metáfora.

4) Com relação às características da linguagem literária, pode-se verificar no texto


“Nuvens”, de Graciliano Ramos:

NUVENS

Meu pai e minha mãe conservavam-se grandes, temerosos, incógnitos. Revejo


pedaços deles, rugas, olhos raivosos, bocas irritadas e sem lábios, mãos grossas e
calosas, finas e leves, transparentes. Ouço pancadas, tiros, pragas, tilintar de esporas,
batecuns de sapatões no tijolo gasto. Retalhos e sons dispersavam-se. Medo. Foi o
medo que me orientou nos primeiros anos, pavor.

Depois as mãos finas se afastaram das grossas, lentamente se delinearam dois seres
que me impuseram obediência e respeito. Habituei-me a essas mãos, cheguei a gostar
delas. Nunca as finas me trataram bem, mas às vezes se molhavam de lágrimas - e os
meus receios esmoreciam. As grossas, muito rudes, abrandavam em certos
momentos. O vozeirão que as comandava perdia a aspereza, um riso cavernoso
estrondava - e os perigos de toda espécie fugiam, deixavam em sossego os viventes
miúdos: alguns cachorros, um casal de moleques, duas meninas e eu.

A) A exploração da metalinguagem.

B) O uso da prosa com linguagem técnica.

C) A exploração da polissemia.

D) A linearidade temporal dos fatos.


E) Um afastamento do mundo fictício.

5) São características perceptíveis na linguagem literária do texto “Receita para fazer


um herói”, de Reinaldo Ferreira: ,Receita para se fazer um herói

Tome-se um homem
Feito de nada, como nós
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
agite-se um pendão
e toque-se um clarim.
Serve-se morto.

A) A objetividade e a função informativa da linguagem.

B) O caráter instrucional e a denotação.

C) A conotação e o caráter utilitário.

D) A catarse e a conotação.

E) A subjetividade e a denotação.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
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Os gêneros literários

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