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Machado de Assis

Machado de Assis foi um mulato carioca, autodidata de origem pobre, que conseguiu romper o determinismo e chegou a se
casar com a branca e culta Carolina Xavier, além de ser o fundador da ABL, Academia Brasileira de Letras, em 1897. Como
sua trajetória jogava por terra a eugenia e o determinismo racial, Machado não se curvou totalmente para a ciência da época,
vindo, portanto, a elaborar um realismo só seu, jamais recorrendo ao Naturalismo. Vamos às Obras
Machado foi um polígrafo, ou seja, cultivou vários gêneros: romance, conto, poesia, dramaturgia, crítica literária e crônica
jornalística como as reunidas no livro Bons Dias (UNICAMP), marcado pela proximidade irônica com leitor, pelo apoio à
abolição da escravatura, embora esta não priorizasse a situação do negro e mulato livres, além das críticas à iminente e
irreversível República. Destacou-se nos romances e contos, tendo escrito cerca de 200 contos, dos quais se destacam A
Cartomante, O Espelho, O Enfermeiro, Missa do Galo, etc. Quanto aos romances, a crítica os divide em duas fases.
Primeira Fase: ainda resquícios românticos – Ressurreição, Helena, A Mão e a Luva, Iaiá Garcia.
Segunda Fase: maturidade, realismo machadiano: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, O
Alienista, Esaú e Jacó, Memorial de Aires. Vamos ao Realismo Machadiano: Como já vimos, pela própria trajetória de vida,
seu realismo difere-se do típico Realismo-Naturalismo e nunca chegou a ser naturalista, devido aos seguintes aspectos:
a) objetivismo (o mundo como ele é, sem idealizações), porém relatado de forma subjetiva, por narradores-personagens (1ª
pessoa), tornando o relato parcial, ambíguo, como Bentinho, narrador-protagonista de Dom Casmurro (solitário). Como é ele
quem narra a história, sem ter provas contra a esposa Capitu, o leitor recebe um relato em que o narrador diz não ser pai
biológico de seu filho Ezequiel, que seria fruto da adúltera esposa, com Escobar, melhor amigo dele. Enquanto José Dias dizia
que Capitu tinha olhos de Cigana oblíqua e dissimulada (falsa), Bentinho dizia que ela tinha olhos de ressaca, fortes como a
ressaca do mar que matara Escobar afogado. No final, como o narrador não apresenta provas, tem-se uma narrativa ambígua,
pois é impossível o leitor ter certeza se Capitu é adúltera ou não. Note que, sem citar a ciência, a forma como o romance é
narrado rejeita a objetividade científica. Trata-se de um casamento fracassado (objetivismo), relatado de forma subjetiva.
b) relativização e sátira do cientificismo: como em O Alienista, em que o psiquiatra Simão Bacamarte, um cientista, tem todo
apoio do imperador para estudar a loucura, recebendo, para isso, o hospício da Casa Verde na pequena Itaguaí. Bacamarte
interna todos os que fogem ao equilíbrio. Leva à reclusão quase toda a cidade, o que o faz concluir que o normal é a loucura e
somente ele, alegoria da ciência, é o anormal, por isso se interna na Casa Verde para se analisar.
c) Realismo Fantástico (expressão da realidade de forma fantasiosa) – Brás Cubas como defunto autor e não autor defunto,
escreve um livro sobre sua vida nada idealizada. Suas frustrações amorosas com a prostituta Marcela que o amou “durante
quinze meses e onze contos de réis” (ironia), com a bela Eugênia, que, por ser coxa, foi desprezada por ele. Também relata a
relação frustrada com a adúltera Virgília, casada com o político Lobo Neves. Depois de encontros na casa da pobre D. Plácida,
uma hipócrita religiosa, Virgilia parte com o marido. E finalmente o breve namoro com a jovem Eulália (Nhá Loló), que
morreu de febre amarela.
O defunto autor confessando ter fracassado também como jornalista, político, e cientista na tentativa frustrada de criação de
um emplasto, fecha seu relato, dizendo que a última negativa foi o maior saldo positivo de sua vida: “não tive filhos, não
transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Desiludido com a vida, dedica seu livro de memórias aos vermes
d) Determinismo dos fracos: as personagens, independente de raça e meio social, estão determinadas a lutar para sobreviver. O
branco Rubião, protagonista de Quincas Borba, depois de milionário, por ter sido o herdeiro do filósofo louco Q. Borba, perde
tudo, enganado por Palha e sua esposa Sofia, usada pelo marido para seduzir o ingênuo herdeiro, o que comprova o Humanitas
ou Humanitismo, a tese do filósofo louco, que aplica o darwinismo ao homem, tendo como lema “ao vencedor as batatas”
Estilo Machadiano: Além de ter um estilo realista peculiar, Machado também apresenta uma estrutura narrativa bastante
original. Veja a seguir:
a) predomínio do tempo psicológico (da memória) e a quebra da narrativa linear (começo, meio e fim), inclusive pela presença
de digressões (comentários em meio à narrativa). Nossa memória é seletiva, daí, quebrarmos a sequência cronológica linear e
selecionarmos o que psicologicamente nos afetou mais. Assim são muitas personagens machadianas. Por exemplo, Bentinho e
Brás Cubas, o primeiro velho e o segundo, morto, propõem escrever livros sobre suas vidas , expondo, sem linearidade, os
fatos mais relevantes. Além disso, tornam a narrativa lenta, pois frequentemente a paralisam para fazer comentários
(digressões) . Atenção: digressão é comentário, não é flashback.
b) diálogo irônico com o leitor: os narradores machadianos estabelecem um diálogo irônico com o leitor, na época apegado aos
superficiais folhetins românticos, que idealizam o mundo e traziam uma estrutura narrativa simplista.
c) quebra do maniqueísmo gerando profundidade psicológica das personagens: o maniqueísmo é uma visão simplista do
mundo, dividindo-o em dois pólos: ou se é do bem ou do mal. Machado, com suas personagens, quebra o maniqueísmo e nelas
coloca o bem e o mal, tornando-as personagens esféricas (surpreendem o leitor). Assim, ao ler Dom Casmurro, em alguns
trechos julgamos Capitu adúltera (mal), em outros trechos inocente (bem). Outro tema que emerge da sondagem psicológica é
o da essência (o que somos) x aparência (o que parecemos ser) . Em Quincas Borba, Rubião parece ser amigo do filósofo louco
mas na essência o quer morto para apoderar-se de sua herança.
d) metalinguagem: trata-se do livro dentro do livro, como Dom Casmurro e Memórias Póstumas. Em ambos, você lerá livros
em que os respectivos narradores estão escrevendo um livro, daí emergir as digressões metalingüísticas, nas quais os
narradores comentam o próprio estilo dos livros que escrevem.
e) intertextualidade: citação de outras obras da literatura universal. Em Dom casmurro, é constante a intertextualidade com a
peça Otelo de Shakespeare, cujo tema é a desconfiança da ocorrência do adultério.
f) pessimismo com humor negro e ironia: as personagens de Machado revelam uma visão pessimista, melancólica da
existência, mas, através do humor negro (riso a partir da desgraça) e da ironia (querer dizer o contrário do que se afirma)
g) concisão (estilo enxuto ); capítulos curtos, elegância do estilo; inovações narrativas

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