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Fernando A. P. Pereira
Julho 2016
Fevereiro 2019
A desvalorização feminina ao longo da História (do Ocidente) – Dos primórdios à atualidade
NOTA
Este livro tem por base minha Dissertação de Mestrado que foi adaptada e à qual
foram adicionados alguns elementos da atualidade, bem como imagens.
Fernando A. P. Pereira
Mestre em História
«Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi
feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas
sim do lado para ser igual, debaixo do braço, para ser protegida e do lado do coração para ser
amada.»
Talmude babilónico1
Índice
1.- Introdução 4
2.- Preconceitos Introdutórios 6
3.- Desvalorização feminina na História 12
3.1- A Deusa-mãe torna-se Deus-pai 12
3.2- O mito de Adão e Eva revisitado 18
3.3- Conceções da conceção 26
3.4- A bruxaria 35
4.- Desvalorização feminina na Memória 40
4.1- A Língua 40
4.2- Testemunhos 42
5.- Desvalorização feminina na Sociedade 46
5.1- Violência doméstica 46
5.2- Assédios e abusos 52
6.- Portuguesas inconformadas 56
7.- Especificidade feminina? 66
8.- Reflexões finais 75
Bibliografia 80
1
Coleção de opiniões rabínicas escrita entre os séculos III e V na Babilónia (atual Iraque) e no local que é hoje
Israel. Cf. https://www.wdl.org/pt/item/8910/. Citação geralmente atribuída ao Rabbi Chelbo, 3.ª geração de
Amoraim ou estudiosos do Talmude. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Amora%C3%ADta; Cf.
http://www.jewishencyclopedia.com/
1. – Introdução
A temática da desvalorização feminina está na ordem do dia, pois por fim a sociedade
começa a aperceber-se de uma realidade que até recentemente tem sido escamoteada sob
aforismos como “Entre marido e mulher ninguém meta a colher!”; como habitualmente, é
necessário que as situações se tornem dramáticas para que as instâncias e as pessoas de bem
acordem para o problema. É uma temática que tem vindo a ser abordada por muitos e variados
trabalhos meritórios, em que o feminino expressa as suas preocupações acerca dos vários
ângulos da sua vivência: doméstica, profissional, conjugal, etc. De tal forma que seria
redundante propor mais um na mesma linha, não trazendo qualquer valor acrescentado e
limitando-se a repetir aquilo que, com melhor conhecimento de causa, já insignes
investigadoras elaboraram.
As reflexões finais pretendem ser o sumário de tudo o que anteriormente foi exposto,
tendo como epílogo a caracterização da premissa assente no título: “A desvalorização
feminina ao longo da História (do Ocidente) – Dos primórdios à atualidade”.
2. – Preconceitos introdutórios
Apesar das enormes conquistas alcançadas nas últimas décadas, não será descabido
considerar que muitos homens – assim como muitas mulheres – olham para a longa e
ininterrupta história de dominação masculina ainda abrigando a suspeita – ou firmemente
sustentando a convicção – de que o sexo feminino é, em vários aspetos, inferior.
2
Aristóteles, A Política, “Dos Poderes Marital e Paternal”, p. 27 [Consult. 8 jan. 2009]. Disponível em
http://www.clube-de-leituras.pt/upload/e_livros/clle000021.pdf
3
Pierre Bourdieu, La Dominaciòn Masculina, Anagrama, 2000 apud Margarita Rivière, O Mundo segundo as
Mulheres, p. 25.
4
Cf. Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios, I Cor. 11:7-9 in Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, João Ferreira
Almeida, trad.
“Nos maus velhos tempos do ‘antigamente’, as mulheres sabiam qual era o seu lugar.
Em casa, naturalmente! Havia uma figura chamada ‘chefe de família’ 5 6 (o homem, claro)7 e,
portanto, elas não seriam mais do que ‘subordinadas’8 9. Havia áreas que em absoluto não lhes
competiam, como a política ou o exercício de profissões ‘incompatíveis’ com a condição
feminina. Por isso, seria impensável ver mulheres a presidir a tribunais, a conduzir transportes
públicos ou a ser agentes de Polícia.10 Porque as mulheres não tinham capacidade para isso,
nem para decidir por si próprias. Assim, só podiam ir ao estrangeiro, sozinhas, se
formalmente autorizadas pelos maridos11, e o voto estava limitado a um pequeno número de
licenciadas, essas já com capacidade intelectual suficiente para escolher entre o partido único
e o partido único (os homens não precisavam de ‘canudo’, pois a sua capacidade de decisão
era inata, não adquirida na Universidade)12. Mas hoje é o que se vê, com as mulheres
5
Pelo Código Civil de 1867, da autoria do visconde de Seabra auxiliado por uma comissão constituída – entre
outros – por Alexandre Herculano, no seu artigo 138º, “As mães participam do poder paternal e devem ser
ouvidas em tudo que respeita ao interesse dos filhos. Mas é ao pai que especialmente compete durante o
matrimónio, como chefe de família, dirigir, representar e defender os filhos”. Cf. “A mulher portuguesa na
legislação civil”, Elina Guimarães in Análise Social, vol. XXII (3º-4º) 1986 (n.º 92-93), pp. 557-577 [Consult. 28
mar. 2009]. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/index.htm
6
Segundo o Código Civil de 1966, no seu artigo 1674º do Poder Marital, “O marido é o chefe da família,
competindo-lhe nessa qualidade representá-la e decidir em todos os atos da vida em comum, sem prejuízo do
disposto nos artigos susequentes”; mais adiante, no artigo 1678º, da Administração dos Bens do Casal, no seu n.º
1, refere-se que “A administração dos bens do casal, incluindo os próprios da mulher e os bens dotais, pertence
ao marido como chefe da família”. Cf. “As mulheres em Portugal: datas e factos significativos”, Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género [Consult. 28 dez. 2008]. Disponível em http://tinyurl.com/9jgx2z; Cf. Código
Civil de 1966, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, publicado no Diário da República n.º 274, Série I de 25-11-
1966, INCM/Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros [Consult. 25 Jan. 2009]. Disponível em
http://dre.pt/pdfgratis/1966/11/27400.pdf.
7
Em 1911 a médica Carolina Beatriz Ângelo, viúva e mãe, pretendeu votar para a Assembleia Constituinte
invocando a condição de chefe de família sendo-lhe recusado o recenseamento, numa primeira fase, mas
conseguindo que um tribunal lhe reconhecesse esse direito (à revelia) com base no sentido do plural da
expressão ‘cidadãos portugueses’ cujo masculino se refere, ao mesmo tempo, a homens e a mulheres ; no ano
seguinte a legislação seria alterada para evitar a repetição da façanha, sendo publicada a Lei n.º 3 de 3 de julho
de 1913 que, no seu artigo 1.º refere explicitamente que “São eleitores de cargos legislativos e administrativos
todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos, ou que completem essa idade até o termo
das operações de recenseamento, que estejam no gôzo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever
português, e residam no território da República Portuguesa”. Nem uma palavra acerca da possibilidade de
existência de mulheres eleitoras. Cf. “As mulheres em Portugal: datas e factos significativos”, Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género [Consult. 28 dez. 2008]. Disponível em http://tinyurl.com/9jgx2z. Cf.
“Carolina Beatriz Ângelo” [Consult. 8 jan. 2009]. Disponível em http://tinyurl.com/8j6q7e. Cf. Lei n.º 3 de 03-
07-1913.
8
O Código Civil de 1867, refere no seu artigo 1885º: “Ao marido compete especialmente a obrigação de
defender a pessoa e os bens da mulher e a esta obrigação de prestar obediência ao marido”, nem, segundo o
mesmo Código, a mulher poderia praticar qualquer ato sem autorização do marido sob pena de nulidade (artigos
1115º, 1117º, 1193º e 1194º); por outro lado, o marido podia dispor dos bens móveis da esposa de forma legal,
quer fossem joias, mobiliário, utensílios de trabalho, papéis de crédito, etc., podendo até vendê-los se assim o
desejasse; já a esposa, em rigor, não poderia sequer entrar num transporte público sem autorização do marido por
tratar-se de um contrato de transporte. De referir que este Código Civil, também conhecido por Código Seabra,
esteve em vigor durante todo um século, só sendo substituído pelo Código Civil de 1966, que seria publicado em
1967. Cf. “A mulher portuguesa na legislação civil”, Elina Guimarães in Análise Social, vol. XXII (3º-4º) 1986
(n.º 92-93), pp. 557-577 [Consult. 28 mar. 2009]. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/index.htm
9
Pela Lei do Divórcio surgida com o Decreto de 3 de novembro de 1910, o casamento passa a ser baseado na
igualdade e a mulher deixa de dever obediência ao marido. Cf. “As mulheres em Portugal: datas e factos
significativos”, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género [Consult. 28 dez. 2008]. Disponível em
http://tinyurl.com/9jgx2z. Cf. Decreto de 3 de novembro de 1910 do Governo Provisório da República
Portuguesa, publicado no Diário do Governo n.º 26 de 04-11-1911 [Consult. 25 jan. 2009]. Disponível em
http://tinyurl.com/c3zvf9
instaladas em tudo o que é sítio e oficialmente autorizadas a pensar pela sua própria cabeça.”
13
“Em Portugal é fácil tornarmo-nos adultos sem nos cruzarmos com o feminismo ou
nos questionarmos sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. É baixa a
visibilidade social deste e de outros movimentos, ainda que há dez anos fosse menor.” - Pedro
Ferreira, psicólogo.14
Por outro lado, “A história do feminismo está cheia de homens. Os pioneiros são
Condorcet (séc. XVIII) e John Stuart Mill (séc. XIX), mas a eles seguiram-se muitos outros
defensores do movimento” explica João Manuel Oliveira, investigador do ISCTE em
Psicologia Social e especialista em estudos de género15.
10
O Decreto n.º 4:676 de 19 de julho de 1918 veio autorizar o exercício da advocacia às mulheres, prática que
anteriormente lhes era vedada. Cf. “As mulheres em Portugal: datas e factos significativos”, Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género. [Consult. 28 dez. 2008] Disponível em http://tinyurl.com/9jgx2z
11
Só em 1969 a mulher casada deixa de precisar da autorização do marido para transpor a fronteira nacional,
através do Decreto-Lei n.º 49:317 de 25 de outubro, promulgado em 15 de outubro de 1969. Cf. “As mulheres
em Portugal: datas e factos significativos”, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. [Consult. 28 dez.
2008] Disponível em http://tinyurl.com/9jgx2z
12
Através do Decreto com força de lei n.º 19:694 de 5 de maio de 1931, para eleição dos vogais das Câmaras
Municipais, é expressamente reconhecido o direito de voto às mulheres com cursos superiores ou secundários
(artigo 2.º n.º 5) enquanto que aos homens apenas é exigido “(…) [serem] maiores de vinte e um anos, que por
qualquer diploma de exame público provem saber ler, escrever e contar (…)” (artigo 2.º n.º 1). Cf. “As mulheres
em Portugal: datas e factos significativos”, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. [Consult. em 28
dez. 2008] Disponível em http://tinyurl.com/9jgx2z
13
Cf. Sérgio de Andrade, “Bravo, minha senhora!”, Jornal de Notícias, 2008-03-18. [Consult. 12 Dez. 2008]
Disponível em http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=924207
14
Cf. Isabel Freire, “Homens Feministas”, Gingko, n.º 6, setembro 2008, pp. 67-71
15
Idem
16
Cf. NIH Publication n.º 80-134 (reprinted August 1980) [Consult. 17 Dez. 2008]. Disponível em
http://www.grc.nia.nih.gov/blsahistory/blsa_2.htm
17
Ellen Goodman, “’People’ Studies Exclude Females” in The Clarion-Ledger (Missouri), 24/06/1990 apud
Robert S. McElvaine, op. cit., p. 378.
Noutro ângulo:
“(…) A facilidade com que se recorre ao insulto, muito particularmente se o objeto
visado é uma mulher, tornou-se uma das marcas do comportamento da sociedade em Portugal.
Insultar instintivamente mulheres sempre que possível e vestir roupas de mulher no Carnaval
parece ser o fado de muito macho lusitano de todas as classes, políticos, juristas, empresários.
Quando faltam ideias, estratégias ou argumentos, escolhem-se formas de insultar e dá-se
largas à boçalidade. Insiste-se nisso e não resulta. (…) Desta vez, foi o tal ataque instintivo
pela via mais fácil e habitual do eterno humilhar do feminino. Tratando-se de uma mulher,
não pode, no Mundo segundo Rui Gomes da Silva, ter ideias próprias nem carreira
independente. Para este ayatollah, até ser repudiada, a mulher é uma extensão do seu
companheiro masculino e tudo o que faz é para o servir ou a seu mando. Para ele, pelo que
disse, tudo o que eventualmente uma mulher possa conseguir é prémio do maior ou menor
‘relacionamento’ com um macho protetor. Para este mullah, a mulher não tem existência
independente. O problema é que Rui Gomes da Silva não é o único a pensar e a manifestar
despudoradamente este fundamentalismo na nossa vida pública. Se uma mulher tem o azar de
cair no desagrado de um qualquer operador com acesso aos media, tem garantido um rol de
insultos e enxovalhos públicos. Se está no Parlamento, claro que a sonância do termo
deputada passa a ganhar um conteúdo injurioso cheio de cargas reles e cobardes porque,
obviamente, em termos jurídico-formais o seu uso não é passível de sanção. Portanto, insulta-
se impunemente com crueldade, crueza e assinalável cobardia. Por extraordinário que seja,
esta condição de ser mulher na vida pública em Portugal ainda é uma fragilidade tão gritante
quanto Simone de Beauvoir a identificou no seu Segundo Sexo: «Quando me pedem para me
descrever, tenho de começar por dizer que sou mulher». Esta perceção de menoridade
associada à condição feminina é um dos sintomas do nosso real atraso. Um primitivismo que
se reforça e propaga quando vultos da nossa vida pública não hesitam em marcar com os
ferretes da injúria pessoas dignas que são mulheres. Esta injúria ao feminino é antiga, é
recente e é presente em Portugal. Foi lastimável há uns anos que a opção política tomada por
uma senhora tenha sido equiparada, num lamentável escrito num jornal importante, à fugaz
carreira no Parlamento italiano de uma atriz porno. Não refiro nomes para não causar mais
desconforto às pessoas já maltratadas. Refiro os factos para dizer que isto ainda se faz hoje
nos jornais e no discurso público e não pode ser tolerado. Como leitor, é com profundo asco
que constato na Imprensa de referência este género de prática reiterada sem qualquer sanção
social ou reparo editorial. No caso de senhoras no Parlamento, a potencialidade de ofender
que os pacóvios encontram no termo é óbvia. Mas, se não estiverem no Parlamento, há
18
Weekend Edition (National Public Radio), 11/09/1994.
sempre uma qualquer construção semântica que inclua, com ou sem propriedade, o termo
putativa para levar o insulto mais longe e humilhar mais. Tanto quanto ele vale aqui fica o
meu enojado desagrado registado. É saloio insultar. É boçal e é cobarde estar a escolher
insultos com palavras comuns que soam a injúrias ou a insinuar ‘razões que todos conhecem’
para tentar desgastar pela ofensa aquilo que não se consegue obter com frontalidade leal.
Envergonhem-se e calem-se.”19
“Ouvimos e dizemos que a vida é injusta, mas o que este relatório demonstra é que a
vida é dramaticamente injusta para as mulheres”, assim declarava a administradora do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na apresentação, em 1995, de uma
19
Cf. Mário Crespo, “Envergonhem-se e calem-se”, Jornal de Notícias, 21-4-2008 [Consult. 28 dez. 2008].
Disponível em http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=934312.
20
Cf. “Desemprego e Precariedade Laboral Ameaçam as Trabalhadoras”, Jornal Público [Consult. 18 mar.
2004] Disponível em http://tinyurl.com/6koguf
21
Cf. http://www.actionaid.org.br/p/pdf/gender.pdf [Consult. 18 mar. 2004].
Se estas afirmações ainda podem ser feitas com relevância em finais do séc. XX e
princípios do séc. XXI, serão certamente aplicáveis aos últimos cinco milénios acerca dos
quais temos alguma informação sobre o modo como as pessoas viviam. Mas porquê? Serão os
homens naturalmente dominantes como é subjetivamente entendido pelas sociedades
contemporâneas? E, em caso afirmativo, quando e como é que isso aconteceu? E por que
motivo os homens consideraram do seu interesse essa dominação? Que significou a
subordinação feminina para a sociedade em geral? Terá a História sido moldada de forma
drástica pela crença na inferioridade feminina?
Terá sido apenas a incapacidade dos homens de gerar e nutrir por si próprios os filhos
que levou à insegurança masculina? A qual, por seu turno, conduziria à afirmação de que as
mulheres são, por natureza, inferiores, escondendo o secreto receio de que, em certos aspetos,
seriam, por natureza, superiores? Assim, implementava-se a ideia de que a mulher era
culturalmente inferior excluindo-a de certas atividades ou de certos papéis, visando
22
Barbra Crossette, “U. N. Documents Inequities for Women as World Forum Nears”, The New York Times
[Consult. 18 mar. 2004]. Disponível em http://tinyurl.com/6bcddo
23
Cf. http://www.cite.gov.pt/cite/destaques/Notic21.htm, site da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no
Emprego [Consult. 14 dez. 2008].
compensar aquilo que os homens não podiam efetuar, por aquilo que se impediam as
mulheres de desempenhar.
24
Cf. Gerald Messadié, História Geral de Deus – Da Antiguidade à Época Contemporânea, Mem-Martins,
Publ. Europa-América, 2001, pp. 33-78.
25
Richard Leakey, Roger Lewin, Les Origines de l’Homme, Yves Coppens (pref.), Arthaud, 1977 apud Gerald
Messadié, op. cit., p. 55.
26
“Climate and Weather”, The New Encyclopaedia Britannica, 1994 apud Gerald Messadié, op. cit.
Fig. 1 – A Deusa-mãe
personificada na “Vénus”
de Willendorf.
Deste modo não será de estranhar que na arte da Pré-História, a morte fosse associada
a figuras femininas magras e a fecundidade a figuras femininas anafadas. Embora se ignore o
tempo médio de vida dos hominídeos de então, pode facilmente conjeturar-se que as fêmeas
da espécie – esgotadas por sucessivas gravidezes e mal nutridas – não durassem muito, sendo
vistas como um bem a preservar, inconscientemente defendendo a sobrevivência comum.
Com o fim da última Era Glacial, há cerca de dez mil anos atrás, o clima sofre uma
mutação tornando-se progressivamente mais quente, criando as condições favoráveis ao
aparecimento da agricultura. No chamado Crescente Fértil – faixa em forma de meia-lua que
se estende do Golfo Pérsico à Península do Sinai, desde o vale do Nilo aos contrafortes dos
Montes Zagros no Irão, incluindo Israel, a Jordânia Ocidental, o Líbano, a Síria Ocidental os
contrafortes do Monte Taunus e ainda uma franja do Iraque – a presença dos rios Tigre,
Eufrates e Jordão permitiu a irrigação apesar da aridez da região, bem como cultivo da cevada
e de duas variedades de trigo28.
27
N.A.: O termo “tribo” é aqui empregue num sentido lato, querendo significar apenas uma forma primitiva e
rudimentar de sociedade.
28
Cf. “Crescente Fértil” in Diciopédia 2003, op. cit.; Gerald Messadié, op. cit., p. 73.
Fig. 2 – A Deusa da
Fertilidade de Çatal
Hüyük.
Numa demonstração feita pelo Prof. Jack Harlan, docente de Ciências Agrárias da
Universidade de Oklahoma, em 1966, colheu-se nas encostas de um vulcão na Turquia
Oriental um trigo selvagem como aquele que teria interessado aos caçadores-recolectores
primitivos e futuros agricultores. Servindo-se de uma foice em sílex com cerca de nove mil
anos, colheu numa hora 2,8 kg que, após a debulha, lhe renderam 2 kg de um cereal 50% mais
rico em proteínas que o atual “trigo de inverno” americano e canadiano. As populações do
Neolítico não saberiam certamente reconhecer este valor proteico, mas não poderiam ter
deixado de reparar nas qualidades alimentícias deste cereal; não terá sido difícil calcular que
dez homens em dez horas poderiam colher 200 kg, algo muito mais seguro e compensador
que perseguir um animal com lança e flechas 29. E, por falar em animais, porque não os ter
próximos em vez de correr montes e vales em sua perseguição? A domesticação de animais
começaria sensivelmente nesta altura, sendo criados pela sua carne, lã, leite e pela sua força.
29
Gerald Messadié, op.cit., p. 57.
Claro que isto exigia a sedentarização das populações. Era imperioso habitar junto das
terras semeadas quer para colher o fruto do trabalho quer para o proteger das investidas dos
que pretendiam aproveitar-se dele; também não seria prático criar animais longe dos locais de
habitação. Assim, com o cultivo e as manadas estabeleciam-se trocas entre povoados, em que
cada um escoava os seus excedentes, o que permitia o desenvolvimento da indústria mineira e
metalúrgica. A rapina, por seu lado, também encontrava terreno fértil, pois as populações
mais desfavorecidas tendiam a efetuar razias às mais ricas. Enquanto o instinto maternal
retinha as mulheres junto das crianças, os homens iam lutar contra os que tentavam roubar-
lhes os dividendos do seu trabalho árduo; o chefe do povoado ou da aldeia não era o que tinha
mais experiência mas sim o que melhor manobrava o chuço. Nascia o deus da guerra e a
comunidade iria conhecer a partir daí duas divindades supremas: a que dá a vida e aquela que
a protege.
Uma vez que a necessidade de sobrevivência deixara de ser tão premente, sobrava
tempo para a exploração de novos territórios, para a competição física e, por fim, a guerreira.
À medida que as terras ficavam exauridas pela sobre-exploração, tornava-se necessário partir
em busca de outras e este nomadismo conquistador certamente provocaria conflitos com as
populações que surgiam no caminho, pelo que uma organização semimilitar da sociedade
comandada por homens era a resposta adequada. Um povo (nesta altura já se podia falar em
povos) personificou este modelo de sociedade: os Árias ou Arianos, provenientes do Irão.
Modelarão o mundo tanto a Este, avançando sobre a Índia e outros territórios orientais, como
a Oeste, em direção à Europa.
30
“(…) The mind of woman brooks not discipline, Her intellect hath little weight”. Hino XXXIII Indra, linha 17,
p. 325 [Consult. 28 abril 2010]. Disponível em http://tinyurl.com/33ylueo
Contudo há uma diferença entre olhar para uma história de forma literal ou olhá-la de
forma séria. Os mitos podem, por vezes, ser quase tão reveladores sobre os temas de que são
eco, como a mais objetiva análise histórica. A história da expulsão do Paraíso contida no
Génesis33 deverá ser vista de forma séria, conquanto não literal, como um reflexo de
31
Cf. Robert S. McElvaine – Eve’s Seed: Biology, the Sexes and the Course of History.
32
Génesis 1:27, “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.”;
Génesis 2:18,21-23, “E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que
esteja como diante dele.”, “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu: e
tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar;”, “E da costela que o Senhor Deus tomou do
homem, formou uma mulher: e trouxe-a a Adão.”, “E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da
minha carne: esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada.”. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica,
João Ferreira Almeida (trad.). N.A.: numa primeira fase Deus cria o homem em duas versões: macho e fêmea;
posteriormente decide criar Eva a partir de uma costela de Adão…
33
Génesis 2:15-17, “E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.”, “E
ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,”, “Mas da árvore
da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”;
Génesis 3:1-13, “Ora a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito.
E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?”, “E disse a mulher à
serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,”, “Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim,
disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.”, “Então a serpente disse à mulher:
Certamente não morrereis.”, “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e
sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.”, “E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e
agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu
marido, e ele comeu com ela.”, “Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e
coseram folhas de figueira e fizeram para si aventais.”, “E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no
jardim pela viração do dia: e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do
jardim.”, “E chamou o Senhor Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás?”, “E ele disse: Ouvi a tua voz soar, e temi
porque estava nu, e escondi-me.”, “E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que
te ordenei que não comesses?”, “Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da
árvore, e comi.”, “E disse o Senhor Deus à mulher: Por que fizeste isto? E disse a mulher: A serpente me
enganou, e eu comi.”; Génesis 3:16-19, “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua
conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.”, “E a Adão disse:
Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela:
maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida.”, “Espinhos, e cardos também,
acontecimentos-chave ocorridos na Pré-História34 que são a base sobre a qual foi construída a
cultura ocidental.
Para ajuste às novas circunstâncias, foi necessária uma mutação cultural significativa
que servisse de transição entre uma natureza humana adaptada à vida em pequenos bandos de
te produzirá; e comerás a erva do campo.”, “No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra;
porque dela foste tomado: porquanto és pó e em pó te tornarás.”; Génesis 3:22-24, “Então disse o Senhor Deus:
Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome
também da árvore da vida, e coma e viva eternamente:”, “O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden,
para lavrar a terra de que fora tomado.”, “E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim
do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.”. Cf. Bíblia
Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
34
N.A.: o termo “Pré-História” é aqui tomado num sentido abrangente e não corresponde a uma época
específica.
Mas então porquê culpar a mulher por ter colhido o fruto do conhecimento?
35
Génesis 2:9, “E o Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista e boa para comida: e a árvore
da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal”. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
36
Génesis 2:16-17, “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo : De toda a árvore do jardim comerás
livremente.”, “Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás ; porque no dia em que dela
comeres, certamente morrerás”. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
37
Génesis 3:17-19, “E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te
ordenei, dizendo: Não comerás dela: maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua
vida.”, “Espinhos e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo.”, “No suor do teu rosto comerás o
teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado: porquanto és pó, e em pó te tornarás”. Cf. Bíblia
Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
por, reflexivamente, se considerar que eles desempenharam tudo o que foi relevante para a
História.
Plantas comestíveis constituíam uma área sob a responsabilidade das mulheres nos
bandos de caçadores-recolectores, pelo que será razoável considerar que foram as mulheres
que primeiramente levaram a cabo o cultivo intencional e sistemático de plantas,
provavelmente quando as mudanças climáticas reduziram a quantidade de plantas que
cresciam naturalmente. As mulheres conheciam as plantas e, porque eram elas quem
preparava a comida, teriam sido as primeiras a reparar no que sucedia após as sementes
caírem à terra.
Génesis representará uma deusa, como é intuído por Miguel Ângelo ao representar a cabeça e
o torso de uma mulher no topo da serpente tentadora de Eva; além disso a serpente era
frequentemente associada a divindades femininas quer nos tempos pré-históricos quer nos
tempos antigos, possivelmente porque a mudança de pele dos répteis era associada à
menstruação feminina.38 Todos estes mitos contribuem para o fortalecimento da tese de que
foi a mulher a descobrir ou inventar a agricultura.
38
Cf. Robert S. McElvaine, op. cit., p. 90, 100.
39
Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
40
Jared Diamond, Why Is Sex Fun?, New York, Basic Books, 1997, p. 91 apud Robert S. McElvaine, op. cit.,
p. 107.
A agricultura veio mudar drasticamente as vidas de ambos os sexos. Uma vez que o
cultivo veio colocar ênfase no crescimento populacional, um dos tradicionais papéis da
mulher – a reprodução – surgiu ainda mais valorizado que antes. Gradualmente deixou de ser
uma importante produtora de comida – além da fiação, tecelagem e fabrico de cerâmica – para
se tornar produtora de crianças quase a tempo inteiro. O estatuto da mulher, que teria
presumivelmente subido após a sua descoberta da agricultura, começou a declinar à medida
que era forçada a estar mais tempo entregue à reprodução e ao cuidar da descendência do que
à produção de alimento para a sua família e para a comunidade.41
Porém, por muito que a agricultura tenha alterado o modo de vida das mulheres, este
novo sistema teve um impacto ainda mais devastador nas vidas dos homens. “Transformou as
vidas dos homens para lá do imaginável. Ou, para ser mais exato, nos seus estágios iniciais
destruiu os seus antigos modos de vida e deixou-os livres para descobrir ou inventar para si
próprios outros, se pudessem e soubessem como.”42
41
Margaret Ehrenberg - Women in Prehistory. Norman, University of Oklahoma Press, 1989, pp. 105-106
apud Robert S. McElvaine, op. cit., pp. 107-109.
42
Eric J. Hobsbawm - Industry and Empire – An Economic History of Britain since 1750. New York,
Pantheon, 1968, p. 80 apud Robert S. McElvaine, op. cit., p. 109.
E, uma vez que a agricultura foi conotada com valores femininos, os homens passaram
a sentir-se algo excluídos, reprimindo os seus impulsos de cuidado e nutrição por serem
considerados incompatíveis com a masculinidade. Além disso, os homens que sempre lidaram
com animais, quer como caçadores quer como pastores, iriam olhar os que trabalhavam a
terra, isto é, os que se dedicavam a uma atividade ‘tipicamente feminina’, como não
pertencendo à categoria de ‘verdadeiros homens’. Cultivar plantas era um ‘trabalho de
mulher’ e, por conseguinte, impróprio para servir de oferenda a uma divindade masculina,
como é ilustrado na história de Abel e Caim constante do Génesis. 43 Deus mostra-se agradado
com a oferta de carne e despreza a de produtos da terra. De realçar que quem fica com o ónus
da culpa é Caim, o lavrador, que mata o irmão Abel, o pastor, ou seja, depois do pecado
original cometido por uma mulher, eis que o primeiro homicídio é cometido por um homem
que vive segundo os valores femininos.
Porém, ainda subsistia algo que constituía uma prerrogativa exclusivamente feminina:
a maternidade. De facto, se havia algo que os homens jamais poderiam alcançar era a
faculdade de dar à luz e nutrir a partir de si próprios a descendência e, nesse aspeto, as
mulheres estariam em vantagem.
43
Génesis 4:1-5, “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e teve a Caim, e disse: Alcancei do
Senhor um varão.”, “E teve mais a seu irmão Abel: e Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra.”,
“E aconteceu que ao cabo de dias Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor.”, “E Abel também trouxe
dos primogénitos das suas ovelhas, e da sua gordura: e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta,”, “Mas
para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente e descaiu-lhe o seu semblante.”. Cf. Bíblia
Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
Não se sabe ao certo quando foi que os seres humanos perceberam o papel masculino
na procriação. Não será difícil acreditar que os hominídeos do Paleolítico tardio, cujos
cérebros equivaliam ao do Homem moderno, tenham já percebido uma relação entre a cópula
e a gravidez, se bem que de contornos misteriosos, possivelmente entendendo que uma
mulher teria de estar com um homem antes de conceber, embora o ato criativo parecesse ser
algo que a mulher fazia por si própria. Isso mesmo é demonstrado numa plaquinha de pedra
datando de cerca de 5000 a.C. proveniente de Çatal Hüyük (na atual Turquia), em que a arte
dos primórdios do Neolítico fez representar um homem e uma mulher enlaçados, seguidos de
uma mãe com uma criança.44
Assim, o dom de criar nova vida era um poder místico associado às fêmeas da espécie
e daí que muitas sociedades primitivas fossem matrilineares; seria difícil a pessoas que não
entendessem a existência da figura do pai traçar a sua ascendência a partir da linha masculina.
Um bom exemplo dessa dificuldade é dado pelos aborígenes australianos. A Austrália não
conheceu a agricultura senão com a chegada dos colonizadores ingleses no séc. XVIII, pelo
que constitui uma janela para a visualização de como as sociedades que não dispunham do
conhecimento obtido a partir da observação do processo de plantação de sementes e do seu
crescimento. As mulheres aborígenes acreditavam ser necessário um homem para ‘abrir o
caminho’ à criança, mas que os homens não tinham qualquer outro papel na procriação.
Recusaram-se a acreditar na realidade biológica desempenhada pelo sémen masculino,
quando lhes disseram. Uma mulher indicou inclusive uma prova concludente – para ela – de
que o homem nada tinha a ver com a reprodução, pelo facto de ter tido um filho alguns meses
44
James Mellaart, Çatal Hüyük, New York, McGraw-Hill, 1967, pp. 148 (Plate 83), 184 apud Robert S.
McElvaine, op. cit., p. 119.
Depois de Zaratustra47, um texto antigo budista refere que “a filha deve obedecer ao
pai; a esposa, ao marido; por morte deste, a mãe deve obedecer ao filho”48.
Numa composição literária da Mesopotâmia do segundo milénio, intitulada «Cultiva a
Minha Vulva»49, a deusa Ishtar canta: “A minha vulva é um campo bem irrigado – quem o
45
P. M. Kaberry, Aboriginal Women – Sacred and Profane, Philadelphia, Blakiston, 1939, p. 43 apud Bruno
Bettelheim, Symbolic Wounds: Puberty Rites and the Envious Male, New York, Collier Books, 1962, p. 104
apud Robert S. McElvaine, op. cit., pp. 120, 121.
46
N.A.: De notar que a palavra “sémen” provém do Latim, significando “semente”.
47
Vide pág. 17
48
Cf. Pe. Anselmo Borges, “As mulheres na Igreja e na sociedade”, DN 2018-02-09 [Consult. 09 fev. 2018]
Disponível em https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/as-mulheres-na-igreja-e-na-
sociedade-9107693.html
49
“Who Will Plow My Vulva? – Inanna as an Insatiable Goddess of Love”, Melissa Seims, The Wica [Consult.
28 mar. 2009]. Disponível em http://www.thewica.co.uk/whowp.htm
cultivará?”50. Ao que Dumuzi, rei de Uruk, responde ansiosamente: “Dumuzi o cultivará para
ti.”51
Em As Euménides52 (458 a.C.), parte da trilogia Oresteia, uma das peças do trágico
grego Ésquilo (c. 525a.C. – 456 a.C.)53, são colocadas na boca de Apolo as seguintes palavras:
“Aquele que se costuma chamar de filho não é gerado pela mãe – ela somente é a nutriz do
germe nela semeado –; de facto, o criador é o homem que a fecunda; ela, como uma estranha,
apenas salvaguarda o nascituro quando os deuses não o atingem.” O Apolo de Ésquilo
continua: “Oferecer-te-ei uma prova cabal de que alguém pode ser pai sem haver mãe.” E
aponta para Atena, filha de Zeus. “Eis uma testemunha aqui perto de nós – Palas 54, filha do
soberano Zeus olímpico – que não nasceu nas trevas do ventre materno; alguma deusa poderia
por si mesma ter produzido uma criança semelhante?” 55 A lenda refere que Zeus engoliu
Métis, sua esposa então grávida de Atena, para evitar que a criança viesse um dia a destroná-
lo como ele fizera a seu pai Cronos; o deus ferreiro Hefesto colaborou no trabalho de parto ao
desferir um golpe de machado na cabeça de Zeus por onde nasceria Atena, completamente
adulta.56 Daí que a própria Atena, ainda na obra de Ésquilo, declare solenemente: “(…) Nasci
sem ter passado por ventre materno; (…)”57
se fosse um macho impotente, pois é apenas por uma certa incapacidade que a fêmea é fêmea,
sendo incapaz de transformar o nutrimento em sémen” 60, por lhe faltar o spiritus ou ‘princípio
de Alma’, pois
“Embora seja necessário para a fêmea prover um corpo e a massa material, [tal] não é
necessário para o macho, porque não é na obra ou no embrião que as ferramentas do
fabricante devem existir. Enquanto que o corpo é da fêmea, é a alma que é do macho, pois a
alma é a realidade de um corpo em particular.”61
No Alcorão, Allah diz ao Seu povo (isto é, aos homens): “As mulheres são como
campos para vós; portanto semeiem-nos à vossa vontade.”. Ou, noutra tradução: “As vossas
mulheres são os vossos campos, portanto cultivem-nos como quiserem.” 64 E ensina também
que “Os homens têm autoridade sobre as mulheres em virtude da preferência que Deus deu a
uns sobre outros”.
Também na Bíblia cristã abundam referências a esta metáfora: “Então disse Judá a
Onã: Entra à mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita semente a teu irmão. / Onã,
porém, soube que esta semente não havia de ser para ele; e aconteceu que quando entrava à
mulher de seu irmão, derramava-a na terra, para não dar semente a seu irmão. / E o que fazia
era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou.” 65; “Também o homem, quando sair
dele a semente da cópula, (…) / Também todo o vestido, e toda a pele em que houver semente
da cópula, (…) / E também a mulher, com quem o homem se deitar com semente da cópula,
60
Aristotle – On Generation of Animals, Bk. 1, Ch. 20 [Consult. 9 maio 2009]. Disponível em
http://ebooks.adelaide.edu.au/a/aristotle/generation/book1.html
61
Aristotle – On Generation of Animals, Bk. 2, Ch. 4 [Consult. 10 maio 2009]. Disponível em
http://ebooks.adelaide.edu.au/a/aristotle/generation/book2.html
62
“She is a fertile field for her lord”. Cf. “The Instructions of Ptahhotep”, verso 20 [Consult. 7 Jan. 2009].
Disponível em http://www.humanistictexts.org/ptahhotep.htm
63
“The Hymn to Aten” [Consult. 7 Jan. 2009]. Disponível em http://www.touregypt.net/hymntoaten.htm
64
Al-Qur’an, Surah II, Al-Baqara (The Cow), linha 223. Cf. “The Holy Qur’an”, Islamic City, [Consult. 7 jan.
2009] Disponível em http://www.islamicity.com/mosque/arabicscript/2/2_7-11.htm
65
Génesis 38:8-10. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit. N.A.: repare-se no encorajamento explícito ao
adultério, como mandamento divino…
(…)”.66 Noutros casos a importância dos órgãos sexuais masculinos é por demais evidente,
dado considerar-se que eram a “fonte da fertilidade que não deveria ser maculada”67:
“Quando pelejarem dois homens, um contra o outro, e a mulher dum chegar para livrar
a seu marido da mão que o fere, e ela estender a sua mão e lhe pegar pelas suas vergonhas”,
“Então cortar-lhe-ás a mão: não a poupará teu olho.”68
“As mulheres estão essencialmente feitas para satisfazer a luxúria dos homens. Não
permito à mulher ensinar nem ter autoridade frente ao homem, mas estar em silêncio” (São
João Crisóstomo). “A ordem justa só se dá quando o homem manda e a mulher obedece”
(Santo Agostinho). "Nada mais impuro do que uma mulher com a menstruação. Tudo o que
toca fica impuro” (São Jerónimo). Livro de Jesus filho de Sirach (Jesus Ben Sirá), também
conhecido como Eclesiástico: “Toda a malícia é leve, comparada com a malícia da mulher”. 69
Tomás de Aquino, um dos Doutores da Igreja Católica, na sua Summa Theologicae
datada do séc. XIII, afirmava que uma criança “(…) recebe a sua forma somente por meio do
poder que está contido na semente do pai.” 70; proclamava ainda que “Entre os animais
perfeitos o poder ativo da geração pertence ao sexo masculino, e o poder passivo à fêmea”.
“A mulher é defeituosa e não geradora, pois o poder ativo da semente do macho tende
à produção de uma perfeita semelhança com o sexo masculino: enquanto que a produção de
uma mulher provém de defeito no poder ativo, ou alguma indisposição material.”.71
66
Levítico 15:16-18. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
67
Herbert G. May, Bruce M: Metzger, (edit.) – The New Oxford Annotated Bible with the Apocrypha. New
York, Oxford University Press, 1977, p. 247n apud Robert S. McElvaine, op. cit., p. 126.
68
Deuteronómio 25:11,12. Cf. Bíblia Sagrada e Chave Bíblica, op. cit.
69
Vide supra n. 48. Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Eclesi%C3%A1stico
70
Apud Alcuin Blamires, (edit.), Women Defamed and Women Defended: An Anthology of Medieval Texts,
Oxford (GB), Clarendon Press, 1992, p. 47 apud Robert S. McElvaine, op. cit., p. 126.
71
St. Thomas Aquinas, Summa Theologicae, Part I, Question 92, Article 1, “Whether the woman should have
been made in the first production of things?”. [Consult. 7 jan. 2009] Disponível em
http://www.newadvent.org/summa/1092.htm
72
“Cardinal Avers that God Is Masculine” in Boston Globe, 18/06/1991 apud Robert S. McElvaine, op. cit., p.
372.
73
Cf. Ari L. Goldman, “Cardinal Said God Is a Man? Not Really?”,The New York Times, 1991-06-22. [Consult.
7jJan. 2009] Disponível em http://tinyurl.com/a3n6kz
Em 1992, um bispo católico americano dizia: “Uma mulher sacerdote é tão impossível
como é para mim dar à luz”.74 Repare-se na comparação usada pelo clérigo.
Como seria recitar o Credo usando a fórmula: “Creio em Deus, Mãe todo-poderosa,
criadora dos céus e da terra.”75
Foi um escândalo quando o Papa João Paulo I disse que Deus também é Mãe. Mas o
Papa Francisco disse recentemente que “Deus é Pai e é Mãe”.76
Ainda em 1992, a Igreja de Inglaterra admite finalmente, após aceso debate (e por uma
margem de apenas dois votos), permitir a ordenação de mulheres sacerdotes; o Vaticano faz
saber que esta decisão constitui «um novo e grave obstáculo» à reconciliação entre as Igrejas
Anglicana e Romana; a Conferência Nacional de Bispos Católicos nos Estados Unidos
declara que está tão dividida sobre o papel das mulheres na Igreja e na sociedade que iria dar
por findo um esforço de nove anos para produzir termos em que os seus membros pudessem
concordar para a publicação de uma carta pastoral sobre o assunto.78
74
Cf. Peter Steinfels, “Ordination of Women Puts New Fire in Bishop’s Debate”, The New York Times, 1992-11-
18. [Consult. 1 dez. 2008]. Disponível em http://tinyurl.com/7jo6h7.
75
Vide supra n. 68
76
Idem
77
“Paulist’s Baptisms Are Called Not Valid”, Boston Globe, 1993-10-08. [Consult. 1 Dez. 2008] Disponível
[mediante pagamento] em http://tinyurl.com/79qd5k; “Without a ‘Father’ or ‘Son’, Baptisms Are Ruled
Invalid”, The New York Times, 1993-10-09. [Consult. 1 dez. 2008]. Disponível em http://tinyurl.com/9va45l.
78
Cf. William E. Schmidt, “Anglicans in Britain Vote to Let Women Be Priests”, The New York Times,
12/11/1992. [Consult. 1 dez. 2008] Disponível em http://tinyurl.com/96thlu; Cf. Peter Steinfels, “Catholic
Bishops in U.S. Reject Policy Letter on Role of Women”, The New York Times, 1992-11-19. [Consult. 1 Dez.
2008]. Disponível em http://tinyurl.com/7lqj8v; Cf. Richard N. Ostling, “The Second Reformation”, Time, 1992-
11-23. [Consult. 1 dez. 2008]. Disponível em http://tinyurl.com/8mxjeh.
Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.” Contra a Lei,
defendeu a adúltera e curou a filha de uma estrangeira, a cananeia, bem como a mulher com
um fluxo de sangue, que o tocou. Contra os preceitos da época, que impediam normalmente
as mulheres de se dirigir aos homens em público, foi à samaritana - tinha tudo contra ela:
outro povo, herética, ia no sexto marido... - que Jesus se revelou como o Messias. As
primeiras testemunhas da ressurreição, da fé em que Jesus, na morte, não caiu no nada, mas
está vivo em Deus para sempre, foram mulheres, a começar por Maria Madalena, chamada
por Rábano Mauro e Tomás de Aquino a “Apóstola dos Apóstolos”.79
S. Paulo era misógino? Há textos temíveis: “As mulheres estejam caladas nas
assembleias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem
ser submissas” (Primeira Carta aos Coríntios). “A mulher receba a instrução em silêncio, com
toda a submissão. Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem,
mas que se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi
Adão que foi seduzido, mas a mulher que, deixando-se seduzir, incorreu na transgressão”
(Primeira Carta a Timóteo). Hoje, os exegetas (intérpretes das Sagradas Escrituras) sabem que
estes textos não pertencem a São Paulo, são posteriores e interpolações indevidas. Como
poderiam ser de São Paulo, que está na base da tomada de consciência da igual dignidade de
todos, ao proclamar, na Carta ao Gálatas: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem
livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus”? E não chamou
“Apóstola” a Júnia?80
79
Vide supra n. 68
80
Vide supra n. 68
argumento de que os apóstolos de Jesus eram todos homens 81 – o que equivale a afirmar,
seguindo este raciocínio, que os eclesiásticos da atualidade teriam de ser todos judeus,
pescadores e casados para serem como os apóstolos. Contudo, para a Igreja Ortodoxa Russa,
Maria de Magdala ou Maria Madalena, por exemplo, é considerada a “Santa Portadora de
Mirra” (para ungir o corpo morto de Jesus) ou “Igual-aos-Apóstolos”, sendo o mesmo grau de
importância atribuído nos Evangelhos apócrifos, isto é, aqueles não aceites pela autoridade
canónica.82 83
Em 1998, o Vaticano reafirmou a sua insistência de que as mulheres não podem ser
sacerdotes pela lei canónica, ameaçando assim com a excomunhão os fiéis que protestem
contra estes resquícios da crença na procriação exclusivamente masculina.84
Por fim, em 2000, a Convenção Batista defendeu uma tese comum à Igreja de Roma
ao proclamar que “a função de pastor é limitada aos homens tal como é estabelecido pelas
Escrituras”.85
Por outro lado, teólogos eminentes, como Karl Rahner, Yves Congar, o cardeal
Martini, o cardeal José Policarpo, o cardeal Karl Lehmann, já mostraram que não há nenhuma
razão teológica que se oponha à ordenação sacerdotal de mulheres.86
81
Cf. William D. Montalbano, “Pope Reaffirms His Stand: No Women Priests” in Los Angeles Times, 1994-05-
31 [Consult. 6 Jan. 2009] Disponível em http://tinyurl.com/85a3ly; Cf. Alan Cowell, “Pope Rules Out Debate on
Making Women Priests” in The New York Times, 1994-05-31 [Consult. 6 Jan. 2009] Disponível em
http://tinyurl.com/a6fodc; Cf. Anna Quindlen, “Public & Private; To the Altar” in The New York Times, 1994-
06-04. [Consult. 6 Jan. 2009] Disponível em http://tinyurl.com/7bk262.
82
Cf. O Código de Cristo: O Túmulo Perdido, [Documentário em DVD], Simcha Jacobovici (realização),
James Cameron (produção executiva), Discovery Channel, SIC Televisão, Círculo de Leitores, 2007.
Empreendendo uma autêntica caça ao tesouro, o realizador, judeu nascido no Canadá, procura provar que os
ossários encontrados num túmulo descoberto em Jerusalém em 1980 contêm os restos mortais da família e do
próprio Jesus Cristo; pelo caminho, traz à luz documentos que lançam uma nova e radicalmente diferente leitura
sobre o papel desempenhado pelas escassas personagens femininas do Novo Testamento. Cf. Reinaldo José
Lopes, “Maria Madalena e Jesus tinham relação de aluna e mestre, dizem especialistas”, Globo Notícias, 2008-
07-27 [Consult. 1 mar. 2009]. Disponível em http://tinyurl.com/5nnmpg
83
Cf. Moacir Sader, “Evangelhos apócrifos segundo Judas, Maria Madalena, Tomé e Filipe” [Consult. 1 mar.
2009]. Disponível em http://www.moacirsader.com/evangelh.htm
84
“Pope Moves to Quell Dissent Over Ban on Female Priests”, Los Angeles Times, 1998-07-01. [Consult. 8 jan.
2009] Disponível em http://articles.latimes.com/1998/mar/14/local/me-28724
85
“Southern Baptist Convention Passes Resolution Opposing Women as Pastors” in The New York Times, 2000-
06-15. [Consult. 7 jan. 2009] Disponível em http://tinyurl.com/9p9cur
86
Vide supra n. 68
Ainda nos dias de hoje esta metáfora é muito útil para explicar a crianças curiosas o
fenómeno da procriação, quando estas fazem aquela pergunta incómoda para a moral judaico-
cristâ vigente: “Como é que eu nasci?”, “O pai plantou uma semente na barriga da mãe e
depois nasceste tu.”
3.4- A bruxaria87 88
87
Cf. Arnelle Le Brás-Chopard – As Putas do Diabo, Círculo de Leitores, 2007.
88
Cf. “Cruzada Contra a Bruxaria” in Michael Baigent, Richard Leigh – A Inquisição, Imago, 2001, pp. 116-
137.
89
Espécie de manual de diagnóstico para reconhecer bruxas, publicado em 1487, que se divide em três partes: a
primeira ensinando aos juízes a reconhecer bruxas através dos seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda
expondo todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os; finalmente uma terceira, regulamento
todas as atividades para agir de forma ‘legal’ contra as bruxas, demonstrando como as inquirir e condenar (não
necessariamente por esta ordem). Cf. “Malleus Maleficarum” in Wikipédia, The Free Encyclopedia [Consult. 1
mar. 2009]. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Malleus_Maleficarum
Fig. 12 - Estátua de Pã
encontrada num teatro
de Pompeia.
Há que referir que as aldeias e cidades, assim como as abadias e mosteiros, subsistiam
‘cercadas’ por densa floresta, refúgio certo de todo o desconhecido, fonte de vários perigos
(particularmente depois do pôr do sol), em suma um campo hostil que havia que apaziguar
por meio de oferendas. Por outro lado, no Império Romano pré-cristianismo, havia sido
reconhecido o deus Pã como regente do mundo natural; era uma figura com prerrogativas
especiais em matéria de sexualidade e fertilidade, representado com orelhas, chifres, cauda e
cascos de bode. Sob a autoridade da Igreja seria oficialmente demonizado e caracterizado
como satânico. Não seria aliás a primeira vez que tal acontecia, pois habitualmente os deuses
de qualquer religião tendem a tornar-se os demónios da religião que a suplanta.
questões relacionadas com clima e colheitas, a saúde do gado, a saúde pessoal, a sexualidade,
a fertilidade e o parto.
Para se impor, a Igreja teve de demonizar e expulsar todas estas divindades e é neste
contexto que surge o Malleus Maleficarum. Em detalhes legais, chocantes e frequentemente
pornográficos, este tratado constitui um compêndio de psicopatologia sexual, um exuberante
desvario de fantasia patológica. Concentra-se avidamente em cópulas diabólicas, relações
com íncubos e súcubos, além de várias outras experiências eróticas e atividade ou inatividade
sexual atribuíveis por imaginações abundantemente férteis às forças demoníacas. Como refere
Montague Summers90 o Martelo das Bruxas “estava no banco de todo o juiz, na mesa de todo
o magistrado. Era a autoridade última, irrefutável, indiscutível. Era implicitamente aceite não
só pela legislatura católica, mas também pela protestante.”91
Nos textos do Malleus, não há lugar para dúvidas: a mulher é encarada como fraca,
pois “(…) deve assinalar-se também que ocorreu um defeito na formação da primeira mulher,
pois que foi formada de uma costela encurvada (…), em direção contrária à de um homem. E
devido a este defeito é um animal imperfeito, sempre engana” 92, sendo “bonita de se olhar,
90
Augustus Montague Summers (1880-1948) foi um excêntrico autor inglês e clérigo. É conhecido
principalmente pela sua tradução inglesa, em 1928, do manual medieval de caça às bruxas, o Malleus
Maleficarum, bem como por vários estudos sobre bruxas, vampiros e lobisomens, nos quais afirmava acreditar.
Cf. “Augustus Montague Summers” in Wikipédia, The Free Encyclopedia [Consult. 2 mar. 2009]. Disponível
em http://en.wikipedia.org/wiki/Montague_Summers
91
Cf. Michael Baigent, Richard Leigh op. cit. p. 125
92
Malleus Maleficarum – Español – Parte II, p. 50 [Consult. 2 mar. 2009]. Disponível em
http://www.spectrumgothic.com.br/ocultismo/livros/malleus.htm (download em espanhol).
contamina pelo contacto, e é mortal para se manter”, é “mentirosa por natureza” 93, pois que
“toda a bruxaria vem do apetite carnal, que na mulher é insaciável”. 94 Se as mulheres bonitas
eram especialmente suspeitas, o mesmo acontecia com as parteiras, com o seu íntimo
conhecimento e experiência daquilo que para os Inquisidores eram insondáveis mistérios
femininos. Acreditava-se habitualmente que um bebé nado-morto havia sido assassinado por
uma parteira como oferenda ao demónio e era a sua bruxaria que produzia crianças
deformadas, desfiguradas, doentias ou até mal comportadas.
“Se ela suspeita que a morte do seu filho foi causada por bruxaria, uma mãe
normalmente não dirá nada às vizinhas, mas antes porá a roupa da criança a ferver numa
caldeira de água esfaqueando-a uma e outra vez com um objeto contundente. Estas facadas
serão sentidas pela bruxa sobre o seu próprio corpo e ela será obrigada a vir à casa pedir
perdão. Outra alternativa será a mãe pegar na vassoura (o símbolo da bruxaria) e varrer a casa
no sentido errado, ou seja, da porta para dentro, enquanto repete: «Assim como eu na minha
casa ando a varrer, assim quem matou o meu menino aqui venha ter.»”95
93
Vide supra n. 84, p. 53
94
Vide supra n. 68, p. 54
95
Rodney Gallop – Portugal, a Book of Folk-Ways, Cambridge, Cambridge University Press, 1936, pp.55-56
apud Ana Vicente – As Mulheres Portuguesas Vistas por Viajantes Estrangeiros: séculos XVIII, XIX, XX,
Lisboa, Gótica, 2001, p. 240
96
Vide supra
sua Cautio Criminalis97: “aquela que for condenada como bruxa tem de o ser”, 98 afirmando
ainda que quanto às acusações de que a alegada bruxa se defende “(…) ninguém lhe dá
importância nem faz qualquer caso do que ela diz.” 99 Fundamentalmente, estipula-se que as
bruxas têm cópula voluntária com o Demónio para dele obterem os seus poderes e os
processos destinados a ‘apurar’ a verdade, mais não são que a justificação legal para os
maiores abusos sobre as acusadas, pois não passam de “putas do Diabo” como Lutero as
classificará.
97
“Cautio Criminalis sea des Processibus Contra Sagas Liber. Ad Magistratus Germania hoc tempore
necesarius tum autem Consiliariis, & Confessariis Principum, Inquisitoribus, Judicibus, Advocariis,
Confessariisreorum, Concionatoribus, caeteristiq; lectu utilissimus Avctore Incerto Theologo Orthod” ou
“Precaução para os Promotores nos processos contra bruxas, abertura necessária hoje aos magistrados da
Alemanha assim como aos conselheiros e aos confessores dos príncipes, aos inquisidores, aos juízes, aos
advogados, aos confessores dos acusados, aos pregadores e a muitos outros” (1631), obra em que Spee condena
vigorosamente a tortura como meio de obter confissões. Cf. “Friedrich von Spee” in Wikipédia, The Free
Encyclopedia [Consult. 6 Mar. 2009]. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Friedrich_von_Spee , em
http://la.wikipedia.org/wiki/Fridericus_Spee e em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cautio_Criminalis
98
Arnelle Le Bras-Chopard, op. cit., p. 13.
99
Idem, p. 17
4.1- A Língua
Quase todos nós utilizamos terminologia masculina para falar de ambos os sexos. O
argumento mais comum é o de que, ao falar-se de ‘Homem’, se está a incluir tanto os homens
como as mulheres, isto é, se está a falar do ser humano. Porém, não será tal proposição um
engano? Não será antes o resultado direto do mito de que a procriação é um papel
exclusivamente masculino e de que Deus é masculino?101 Tendo o Homem sido feito à
imagem e semelhança de Deus – segundo nos diz a religião – isso significa que o homem é o
‘verdadeiro humano’, o modelo do que um ser humano deverá ser quando comparado com
Deus. Extrapolando, pode então considerar-se que a mulher será uma aproximação imperfeita
desse ideal, o que levará à utilização de termos masculinos de uma forma genérica. Um
interessante exemplo deste modo de pensar é dado pelo total da entrada ‘mulher’ na 1.ª edição
da Enciclopédia Britânica em 1771: “Mulher – A fêmea do homem. Ver Homo”.102
100
Cf. Elsa Peralta, “Abordagens teóricas ao estudo da memória social: uma resenha crítica” in Arquivos da
Memória – Antropologia, Escala e Memória n.º 2 (nova série), Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa,
2007 [Consult. 15 fev. 2009]. Disponível em http://www.ceep.fcsh.unl.pt/ArtPDF/02_Elsa_Peralta[1].pdf
101
Cf. Mark Brumley, “Why God is Father and not Mother?” [Consult. 9 Jan 2009]. Disponível em
http://www.ignatiusinsight.com/features2005/mbrumley_father1_nov05.asp
102
Apud Ashley Montagu, The Natural Superiority of Women, New York, Macmillan, 1968, p. 3 apud Robert S.
McElvaine, op. cit., p. 379.
O subtil mas extremamente poderoso efeito da linguagem pode ser melhor percebido
se houver uma inversão dos termos da equação: se o termo ‘Homem’ engloba obviamente a
mulher, o que aconteceria se o termo ‘Mulher’ designasse também o homem? Seria um
absurdo? O senso comum, isto é, o conjunto das opiniões geralmente aceites sobre qualquer
questão pela maioria das pessoas, é deveras ilustrativo sobre como a linguagem é usada na
desvalorização feminina: dizer “a minha mulher” ao invés de “a minha esposa”, por
exemplo…
103
Cf. Provérbios Populares Portugueses [Consult. 6 maio 2009]. Disponível em http://proverbios.aborla.net/
4.2 - Testemunhos
“Mãe e esposa: filhos, cozinha e igreja era o ideal de vida feminina no começo do
século. Existiam as senhoras e existiam as mulheres; era essa a grande divisão moral de um
género feminino que não teve pernas visíveis até bem entrados os anos vinte [da centúria de
1900], escondendo o corpo em férreos espartilhos e a vida no lar. A casa era o seu território e
todo o seu mundo, a gaiola para rir, chorar ou desesperar. O marido, imaginado como príncipe
encantado, era a razão básica desta existência feminina, o sentido que tudo decidia: um deus
humano. Sem marido, uma mulher burguesa era um fracasso; uma mulher seca, uma puta ou
uma solteirona, mas ambas imagens de um grande fracasso. A mulher, fosse o que fosse, era
uma máquina reprodutora. As mulheres burguesas eram criadas sem iniciativa, atadas a um
destino parasitário e sem outro horizonte além do delírio da fantasia servido por folhetins,
romances e sonhos impossíveis.”105
“(…) [As mulheres] descobriram que a História tinha sido masculina e que os homens
a tinham feito à sua medida, sem nenhum lugar para elas. E começaram a pensar no porquê de
tal disparate.”107
104
Cf. Barbara Crossette, “U.N. Documents Inequities for Women as World Forum Nears” in The New York
Times, 18/08/1995. [Consult. 7 Jan 2009] Disponível em http://tinyurl.com/8pmeoj
105
Margarita Rivière, op. cit., p. 17.
106
Rita Süssmuth [ex-Presidente do Bundestag] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 189.
107
Margarita Rivière, op. cit., p. 18.
Porém, as mulheres não governam, as relações sociais empurram os homens para uma
situação em que, fazendo muito pouco, controlam a vida das suas famílias, a economia e a
política. “Em África as mulheres produzem mais de 75% da comida, cultivam os campos e
fazem tudo o necessário para assegurar a sobrevivência e não se morrer de fome, mas... não
decidem.”108
“[Fui educada] para falar francês, pôr bem a mesa e sentar-me com as pernas juntas.
Não fui à universidade, saí do colégio com a ideia de que me ia casar e ser mamã…”110
“Existe diferença no sentido do poder entre mulher e homem. Eles, por vezes, têm
mais o sentimento do poder pelo poder que é o objetivo por que desejam o poder. Pelo
108
Graça Machel [ativista dos direitos das crianças e das mulheres] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 202.
109
Idem, p. 190.
110
Rita Süssmuth apud Margarita Rivière, op. cit., p. 191.
contrário, as mulheres concentram-se mais no objetivo, no que querem fazer, o que as leva a
esquecerem-se do poder e perdem-no.”111
“Ela [a sua mãe] foi o caso típico de mulher abandonada, sem ter havido divórcio,
regressou a casa dos pais, mas nunca se colocou a hipótese de se manter a si mesma: dependia
sempre de alguém. Vi-a sempre como vítima… por isso me esforcei em não dever nada a
ninguém.”112
“Naquele trabalho [de hospedeira] o cliente era um deus e nem sequer existiam
palavras para exprimir o assédio sexual nem nada do estilo. (…) Sucedeu que o meu marido,
que era estudante, precisou de uma cirurgia dental e o seguro da companhia [aérea] disse que
não cobria os cônjuges dos empregados que eram mulheres; em contrapartida, cobria todos os
familiares dos empregados homens.”113
“Porque é que há tão poucas ministras? Porque é que o Fundo Monetário Internacional
só tem dois diretores? Gostaria de falar como Betty Friedan e pensar que existe um ‘complot’
contra a mulher, mas acontece muitas vezes que o pior inimigo da mulher é a própria mulher.
Crescemos num mundo que não nos ensinou a valorizarmo-nos; temos uma falta de
autoestima brutal, uma espécie de sentido maternal em relação ao homem… passamos por
alto coisas que depois nos obrigam a lavar pratos. Se as mães dos rapazes de dezoito anos
fossem apenas mães e não se preocupassem com a gestão e o conforto, os rapazes
aprenderiam a cozinhar e a lavar… Embora também me preocupe estar no ano 2000 e que as
mulheres do Afeganistão não possam, não só realizar filmes, como ir ao cinema! Há muitas
coisas, a educação não te ensina a valorizares-te, misturando com o pânico de que, se não te
comportas como um homem, vais perder os valores que te tornam atraente como mulher…”114
“Pensei sempre que as mulheres são mais lutadoras porque têm necessidade. Somos
mais numerosas e somos diferentes dos homens (…). Hoje o feminismo não tem dúvidas
sobre o direito à igualdade, mas diz que, por serem diferentes, as mulheres podem trazer
outras coisas, como é olhar para a sociedade de outra maneira da que fazem os homens.
Seguramente temos mais em conta o indivíduo, a pessoa, as relações, a colaboração e a
conciliação. Temos umas relações diferentes com as crianças e uma ideia da sociedade menos
rígida e com mais imaginação.”115
“Quando as mulheres são ambiciosas, são sérias, procuram as coisas bem feitas até ao
pormenor e, além disso, têm a convicção de que há coisas definitivamente importantes, como
é o laço que as une à vida. Quando se faz política, isso nota-se; os homens são um clube que
atua, em política, como tal. Pelo contrário, as mulheres sabem, também, que não se podem
impor para não serem imediatamente acusadas de autoritarismo ou de histeria, pelo que
procuram o equilíbrio e o pacto constantemente.”116
111
Vide supra n. 102
112
Isabel Allende [escritora chilena] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 226.
113
Patrícia Ireland [Presidente da Organização Nacional de Mulheres – National Organisation of Women (NOW)
nos Estados Unidos] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 242.
114
Isabel Coixet [realizadora de cinema espanhola] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 207.
115
Simone Weil [ex-ministra francesa e ex-Presidente do Parlamento Europeu] apud Margarita Rivière, op. cit.,
p. 223.
116
Idem.
117
Katharine Graham [empresária e proprietária do Washington Post] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 211.
“43 mulheres assassinadas só este ano. Vítimas e agressores cada vez mais jovens”118
“Linha recebe treze chamadas por dia, 115.201 chamadas recebidas em dez anos.
Mulheres protagonizaram a maioria dos pedidos de ajuda”121
“Pelo menos duas vítimas de violência doméstica por hora. Registadas 132 mil vítimas
nos últimos oito anos, mas deverão ser muitas mais na realidade”122
118
“Violência doméstica: 43 mulheres assassinadas só este ano”, IOL Portugal Diário, 2008-11-19 [Consult. 10
fev. 2009]. Disponível em http://diario.iol.pt/noticia.html?id=1014872&div_id=4071.
119
“Violência doméstica: 10 mil casos e apenas 12 presos preventivos”, IOL Portugal Diário, 2009-01-03
[Consult. 10 fev. 2009]. Disponível em http://diario.iol.pt/noticia.html?id=1028548&div_id=4071.
120
Alexandra Serôdio e Sílvia Reis, “Homem atinge mulher com tiro de caçadeira”, Jornal de Notícias, 2004-06-
13 [Consult. 28 dez. 2008]. Disponível em http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=445353.
121
“Violência doméstica: linha recebe 13 chamadas por dia”, IOL Portugal Diário, 2008-11-12 [Consult. 10 fev.
2009]. Disponível em http://diario.iol.pt/noticia.html?id=1012135&div_id=4071.
122
“Pelo menos duas vítimas de violência doméstica por hora”, IOL Portugal Diário, 2009-01-14 [Consult. 10
fev. 2009]. Disponível em http://diario.iol.pt/noticia.html?id=1032301&div_id=4071.
“Homem com 70 anos suspeito de matar mulher de 80. Octogenária foi encontrada
morta com sinais de violência”123
“Polícia na prisão por matar mulher. Agente roubou arma a colega e disparou à frente
do filho”124
“Sequestrou, violou e baleou a mulher. Homem de 31 anos já foi detido pela PJ.
Vítima atingida com dois tiros na cabeça”125
“Violência doméstica leva duas mulheres e três crianças ao hospital. Homem agrediu
família «a murro, a pontapé e à bengalada» e ainda não foi detido”126
salvar os meus filhos. Conseguirá o pequenino esquecer o dia em que viu o pai levantar a mãe
pelo pescoço esmagando-lhe uma omoplata contra a ombreira da porta? Conseguirão eles
esquecer o rasto de sangue no chão do corredor, o sangue a escorrer pela parede do quarto
quando o nariz da mãe tomou nova forma? Queira Deus que sim! Este relato em jeito de
desabafo é a minha forma de agradecer os artigos que o Destak tem publicado a denunciar
situações como a minha, que ocorrem no silêncio cúmplice da relação marido-mulher, e que
destroem os filhos. Fui educada na convicção de que não se expõe a vida íntima e de que o
sucesso da vida familiar depende sobretudo da mulher. Tentei viver de acordo com este
modelo. Até ao dia em que, de braço ao peito e cara desfigurada, deixei de poder andar na rua.
Passei a ter medo. Saber que pessoas que nunca estiveram expostas a agressões não condenam
a vítima (como no passado) e não viram a cara com indiferença é importante. Devolve
humanidade!”129
129
Isabel Stilwell, “Carta de uma vítima de violência doméstica”, Jornal Destak, 19-11-2008 [Consult. 27 dez.
2008]. Disponível em http://www.destak.pt/artigos.php?art=16324.
Fig. 14 - Mulheres
continuam a ser vítimas
de violência no seio do
lar.
doméstica em que também 90% das vítimas foram mulheres e 90% dos agressores foram
homens.132
132
“Crimes: APAV contabilizou quase 19 mil crimes em 2008”, Diário Digital/Lusa, 2009-02-12 [Consult. 3
mar. 2009]. Disponível em http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=0&id_news=372853&page=0
dentro e/ou fora de casa, com aumento de ansiedade; uma 2.ª fase em que surge o episódio
agudo, com explosão de violência e no qual o autor do ato violento descarrega a tensão sobre
a vítima, independentemente da sua atitude; e, finalmente, uma 3.ª fase, chamada de ‘lua de
mel’, em que surge o arrependimento e as promessas de alteração de comportamento. Estas
fases vão-se sucedendo, em espiral, com episódios agudos cada vez mais intensos e com um
ciclo cada vez mais curto, até que as vítimas deixam de acreditar na mudança prometida e
decidem denunciar as agressões de que são vítimas.133
De facto, surge esta constante em todos os estudos: os maus-tratos, qualquer que seja a
sua natureza, acontecem em família, à porta fechada, sendo que a maioria dos crimes de
sangue são cometidos por pessoas próximas. Os assassínios de mulheres, particularmente no
âmbito conjugal, são mascarados pela expressão ‘crimes passionais’ – mais suscetível de
ganhar a simpatia dos jurados – ou escamoteados pelo aforismo ‘entre marido e mulher
ninguém meta a colher’ – muito cómodo para que a vizinhança não se mexa a fim de evitar a
tragédia. Verifica-se assim que de entre todos os domínios da sua vida (trabalho, lugares
públicos, família, casal), o da vida conjugal torna-se o mais perigoso para as mulheres.134
Para responder a esta pergunta, há que partir do princípio de que têm opção de
escolha, isto é, que têm possibilidade de assegurar a sua subsistência e a dos filhos, que têm
acesso a um local onde podem estar a salvo das represálias graves e frequentes do ex-cônjuge,
que podem recusar a pressão familiar e da tradição. Caso nenhuma destas condições possa
verificar-se, elas ficam e calam por medo, vergonha ou culpa, minimizando a violência que
sobre elas é exercida, quando não chegam a negá-la totalmente. Além de que os homens mais
dominadores não toleram que a mulher que lhes pertence tome a decisão de os deixar.135
De referir que tem sido publicada legislação relevante para combater o problema,
nomeadamente a violência doméstica passar a constituir crime público denunciável por
qualquer pessoa (não dependendo de queixa das vítimas e seguindo o seu curso mesmo que
133
“Violência doméstica e familiar aumenta em Portugal”, A Página da Educação [Consult. 7 dez. 2008].
Disponível em http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3217.
134
Cf. Maryse Jaspard, “Os maus-tratos conjugais na Europa” in O Livro Negro da Condição das Mulheres,
Christine Ockrent (dir.), pp. 217-239
135
Idem.
Ainda mais oculto que o problema anteriormente tratado, o do assédio sexual no local
de trabalho raramente é denunciado. Segundo Fausto Leite, advogado especialista em Direito
do Trabalho, estima-se que 40% das mulheres sejam alvo de assédio sexual no emprego.
Contudo, os casos que chegam a julgamento “são só a ponta do icebergue”. O assédio sexual
a mulheres no local de trabalho em Portugal é hoje uma realidade muito semelhante à da
violência doméstica há uns anos, permanecendo a ideia de que “as mulheres é que provocam”,
revela Maria José Magalhães da direção da UMAR (União de Mulheres Alternativa e
Resposta). Além da situação fragilizada que o sexo feminino já tem a nível profissional –
salários mais reduzidos e empregos menos seguros – as mulheres são ainda vítimas deste tipo
de violência laboral e sentem-se, na maioria dos casos, atadas de pés e mãos para agirem. Dos
mais de 300 processos que em 2007 chegaram ao gabinete jurídico da Associação Nacional de
Pequenas e Médias Empresas, “apenas três resultaram em despedimento”, refere o presidente
da associação. Acresce ainda que um grande número de mulheres evita denunciar o crime por
medo de perder o emprego – o que normalmente acontece –, mas que noutras situações a
própria empresa tenta resolver o caso através de “um castigo ou despromoção do
prevaricador” ou com “uma indemnização à funcionária”; porém, mesmo nestas situações,
muitas delas são perseguidas pelos homens que as assediaram no trabalho e até pela família
dos mesmos. Significativamente, de acordo com Augusto Morais presidente da Associação
Nacional de PME’s, “há um trabalhador que já assediou várias colegas e que já teve uma
136
Cf. “Normas reforçam combate à violência”, Jornal Destak, 2009-01-16 [Consult. 17 jan. 2009]. Disponível
em http://www.destak.pt/artigos.php?art=19531
137
Naturalmente que a violência doméstica dirigida contra homens, não sendo expressiva, também existe. O
facto de o homem se sentir menos afetado em termos de stresse e autoconfiança poderá explicar que a violência
exercida sobre ele seja subestimada.
semana de suspensão. É reincidente, mas é bom trabalhador. (...) Para nós, empresários, o
problema do trabalhador tentar assediar a colega é secundário”.138
Foi só na década passada que o mundo acordou para o flagelo do tráfico de seres
humanos. Por todo o globo há mulheres e crianças escravizadas ou obrigadas a prostituir-se,
quando tudo a que aspiravam era fugir à miséria. Definição do crime:
“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de
pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra, para fins de exploração.” – Protocolo de Palermo adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado, 2000.139
Em 1996, Nita tinha 18 anos, estava casada, tinha uma filha de oito meses e vivia com
o pai viúvo e a irmã de sete anos. As milícias sérvias que a capturaram levaram o bebé e a
menina e conduziram o marido e o pai dela para outro campo. Durante quatro dias Nita,
juntamente com sete outras mulheres, foi repetidamente violada. Foram depois metidas num
carro e largadas perto da fronteira albanesa, onde encontraram milhares de outras pessoas
aterrorizadas que fugiam dos sérvios. Em Tirana, capital da Albânia, um homem acolheu Nita
no seu apartamento durante algumas semanas. Foi simpático para ela, levou-a a comer a
restaurantes e de carro a vários campos de refugiados para que ela procurasse a família. Sem
sucesso, não havia rasto de nenhum deles. Uma noite disse-lhe que iam dar um passeio de
lancha. Quando viu o barco cheio de mulheres e raparigas e a afastar-se da costa, Nita ficou
aterrorizada e tentou debater-se mas o homem bateu-lhe com força e ela desmaiou. Quando
acordou, estava em Itália no início de uma viagem que a levaria, alguns dias mais tarde, a um
apartamento em Turim onde, pelas mulheres que aí encontrou, ficou a saber que tinha sido
138
Cf. Patrícia Susano Ferreira, “Assédio sexual no trabalho afeta 40% das mulheres”, Lusa/Jornal Destak,
6/10/2008 [Consult. 19 fev. 2009]. Disponível em http://www.destak.pt/artigos.php?art=14708
139
Cf. Caroline Moorehead, “Mulheres e crianças para venda” in The New York Review of Books, 11/10/2007 in
Courrier Internacional, Edimpresa, n.º 147, maio 2008, trad. Campo das Estrelas e Fábrica do Texto, p. 87
traficada, vendida como prostituta a uma rede de chulos italianos e albaneses. Ao longo dos
seis anos seguintes, Nita proporcionou sexo a pelo menos dez homens todas as noites, sete
dias por semana, primeiro num apartamento, como prisioneira proibida de sair, e
posteriormente na rua. Quando não conseguia angariar clientes suficientes, era espancada por
um dos homens que dirigiam o bordel. Partilhava o passeio com jovens russas, sendo
constantemente vigiadas pelos respetivos chulos. Quando uma vez tentou fugir foi apanhada e
espancada sem piedade. Um dia a sua sorte mudou, totalmente por acaso. Foi escolhida por
um homem que afirmou ter conhecido o seu marido e que ouvira dizer que conseguira fugir
para o Reino Unido e que lhe poderia proporcionar uma forma de escapar. Hesitou durante
um mês, mas depois pensou que a sua vida não poderia piorar mais do que já estava e aceitou
embarcar numa viagem clandestina até Inglaterra. Afinal revelou-se um gesto altruísta, em
que já tinha deixado de acreditar, e foi largada em território inglês perto de uma cabine
telefónica com algumas moedas. O seu marido foi buscá-la e durante algum tempo pareceu
que o casamento bruscamente interrompido teria condições para sobreviver. Com medo de
perguntas sobre a sua vida até então, Nita absteve-se de interrogar o esposo sobre como tinha
conseguido sobreviver; desde cedo percebeu também que ele preferia não saber de factos com
os quais sentia não iria saber lidar. Só que quando, através do pedido de asilo submetido ao
Ministério do Administração Interna britânico, soube que ela tinha sido traficada para fins de
prostituição e passara seis anos nas ruas, não suportou a situação e pô-la fora de casa. Sem
saber falar inglês, sem amigos, sem confiar em ninguém e grávida de três meses foi instalada
numa pensão pelos serviços sociais, aterrorizada com a possibilidade de ser mandada de volta
para o Kosovo.140
Entre 700 mil a dois milhões de mulheres e crianças são traficadas todos os anos. Os
lucros situam-se entre 7,6 e 10,8 mil milhões de euros. A Organização Internacional para as
Migrações considera o tráfico de seres humanos a “forma mais ameaçadora de migração
ilegal, devido ao facto de as suas cada vez maiores escala e complexidade envolverem, como
se sabe, armas, drogas e prostituição”. O Gabinete da ONU contra a Droga e o Crime
descreve este tráfico como a forma de crime organizado com mais rápido crescimento
mundial. No entanto, continua a constituir um campo em que se verificam contradições,
anomalias, diferenças de definição e profundas divisões entre organizações nacionais e
internacionais quanto à forma de lidar com o problema. Na verdade, não faltam os
140
Cf. Caroline Moorehead, op cit. pp. 86-87
instrumentos legais que podem ser usados. Nos últimos anos, a Organização para a Segurança
e a Cooperação na Europa elaborou o seu próprio plano de combate a este tráfico. Em abril de
2007, a Bulgária tornou-se o sétimo Estado a ratificar a Convenção do Conselho da Europa
relativa à Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos, bem como as suas linhas de orientação
globais que deverão ser lançadas. A organização Anti-Escravatura Internacional, sedeada em
Londres, referiu existirem já leis adequadas contra este tráfico, mas que é necessário aplicá-
las. Continua a existir uma grande distância entre a retórica dos que combatem o tráfico e a
vontade de proteger e prestar assistência aos traficados ou de apanhar e julgar os traficantes,
que, mesmo quando são detidos, raramente são condenados. Tem-se revelado extremamente
fácil elaborar e aprovar os muitos acordos internacionais. Mas enquanto as raízes do tráfico
não forem seguidas até às suas origens, entre jovens crédulas empurradas pela pobreza e
enganadas por estranhos, os acordos não passarão de bonitas palavras. É mesmo por não
passarem disso que, quando conseguem escapar aos traficantes, as mulheres são deportadas
quase de imediato; de volta aos seus países, poucas são as que não têm de enfrentar a rejeição
das famílias, a discriminação, a hostilidade e o regresso à pobreza a que tinham esperado
escapar.141
Nita tem agora 29 anos. É praticamente certo que o seu pai, a irmã e a filha bebé,
vistos pela última vez naquela terrível manhã de inverno em que foi raptada e violada, estejam
mortos. Se fosse repatriada, as poucas pessoas que poderiam lembrar-se dela em Pristina
saberiam o que lhe aconteceu. Os traficantes italianos e albaneses certamente que se
141
Cf. Caroline Moorehead, op. cit., pp. 86-92
lembrariam dela. Com baixo nível de educação, sem família e sem dinheiro, antevê que
poucas hipóteses lhe restam além de voltar para as ruas para poder alimentar o novo bebé.
Reza para que seja um rapaz, porque se for uma rapariga terá sempre medo que acabe por cair
na mesma vida que ela.142
142
Idem, p. 92
6. – Portuguesas inconformadas
Carlota Joaquina (1775-1830) sentia ter nascido para algo mais que esposa de rei e
mãe de infantes. Filha do rei de Espanha Carlos IV, deixaria os seus pais aos dez anos para se
casar com o segundo filho de Maria I de Portugal, que já completara dezoito anos. Como
refere a investigadora Francisca Azevedo, se esta personagem pudesse ter feito uma
retrospetiva da sua vida poderia ter chegado à conclusão de que o seu temperamento
independente, a sua personalidade autoritária e a sua negação à submissão foram os seus
maiores obstáculos para vencer no mundo dos homens.143 Com a morte do príncipe herdeiro
passará a ter no seu horizonte o título de rainha e, de facto, com a progressão e
irreversibilidade da doença mental de D. Maria I, abalada pelo falecimento do marido e tio D.
Pedro III e do filho primogénito José e também apavorada pelos acontecimentos da
Revolução Francesa, o seu marido, o futuro rei João D. VI, tem de assumir a regência.
Começará aqui a progressiva divergência entre os esposos, com Carlota Joaquina a não aceitar
não ter sido convidada para o Conselho de Regência e constituindo uma rede de informadores
que lhe proporcionaria um contrapoder na corte e uma guerrilha conjugal. Pensa em efetivar o
seu poder e consegue que o marido lhe conceda autorização para distribuir comendas;
143
Francisca L. Nogueira de Azevedo – Carlota Joaquina na Corte do Brasil, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, apud “Carlota Joaquina”, Anabela Natário – Portuguesas com História – Século XVIII,
Círculo de Leitores, 2008, pp. 198-207
demoraria pouco tempo até o seu nome ser envolvido na autoria moral de uma tentativa
frustrada de deposição do regente. Também fracassou em fazer valer os seus direitos e tornar-
se regente da América espanhola, o que não a impediu de continuar a conspirar. Regressada
do Brasil, recusa-se a jurar a Constituição liberal de 1822 e participará em várias conspirações
e tentativas de golpe como a ‘Vilafrancada’ e a ‘Abrilada’ ambos promovidos pelo infante D.
Miguel para restabelecer o absolutismo. Morrerá feliz por ter ouvido gritar “Viva D. Miguel,
nosso senhor! Viva a imperatriz Rainha, sua mãe!” sem saber que o reinado seria de curta
duração.144
da população vivia da agricultura e estava a braços com uma praga da batata e com a seca que
só faziam aumentar a já gritante pobreza, mas a mais emblemática foi a lei que obrigava a
romper com a tradição dos enterramentos nas igrejas, esperar pelo comissário de saúde para a
declaração de óbito e, por fim, pagar as despesas do funeral. Maria da Fonte do Vido foi
encontrada num embrulho de recém-nascido abandonado junto da fonte do Vido; foi criada ao
deus-dará e não seria mais conhecida que na própria terra se não tivesse encabeçado, com
uma cruz erguida na mão, o enterro forçado na igreja de Fonte da Arcada, concelho de Póvoa
de Lanhoso, quando já todos se preparavam para um funeral dentro da legalidade. A segunda
rebelião ocorreria novamente na Póvoa de Lanhoso, a propósito do enterro de uma camponesa
de uma freguesia do concelho; quando se soube que estaria para chegar o comissário de saúde
para atestar o óbito, adivinhou-se que o corpo iria para o cemitério, onde ficaria ao abandono,
em vez de para solo consagrado. O médico não apareceu mas muitas mulheres armadas de
paus, ancinhos e alfaias agrícolas agarraram no caixão e transportaram-no em correria até um
mosteiro a cerca de um quilómetro onde sepultaram a vizinha, sem sequer esperar pelo
serviço religioso; à frente, empunhando a cruz e com uma pistola à cintura, ia Maria
Angelina. Perante o sucedido, as autoridades prenderam os cabecilhas da revolta e tentaram
exumar o cadáver enterrado à força no mosteiro para repor a lei; os sinos voltaram a tocar a
rebate e centenas de mulheres com foices, chuços e varapaus afugentaram os representantes
da Justiça e correram os coveiros à pedrada. Como dirá a investigadora Paixão Bastos:
“Possuídas do espírito belicoso de Marte no coração e reforçadas (é de presumir) pelo
turbulento espírito de Baco no miolo, romperam num entusiasmo delirante, com vivas à Maria
da Fonte. E para berrar não há como as goelas das camponesas minhotas.”145
Perante a insurreição das mulheres, que incluíram assalto à cadeia para libertar as
companheiras, as autoridades emitiram mandatos de captura, mas apenas prenderam Josefa
Caetana, que julgou que poderia livrar-se dizendo-se dona daquele temido nome; contudo os
guardas conheciam-na bem e o juiz mandou-a para a prisão de Braga. No caminho, porém, os
seis polícias que a escoltavam forma subjugados por centenas de mulheres e mais esta Maria
da Fonte foi libertada.146
Ousara pensar pela sua própria cabeça, tomara certas atitudes e Salazar não lhe
perdoou. Fundou um colégio, ele fechou-lho; conquistou o direito a ser professora
145
Paixão Bastos – Maria Luiza Balaio ou Maria da Fonte, Lisboa, Tipografia Moderna, 1945 apud “Maria da
Fonte”, Anabela Natário – Portuguesas com História – Século XIX, Círculo de Leitores, 2008, pp. 64-71.
146
Cf. “Maria da Fonte”, Anabela Natário op. cit. n. 6
universitária, ele proibiu-a de dar aulas; surgiu a oportunidade de tentar a sorte no estrangeiro,
ele não a deixou sair do país. Mas nunca desistiu de lutar contra a ditadura, nem mesmo
quando, já viúva, viu perigar o seu futuro e o dos seus filhos. Maria Isabel Hahenneman
Saavedra Aboim Inglês (1902-1963) foi presa, pela primeira vez, nos fins de 1946. Dizia que
ninguém a podia impedir de pensar, de falar ou de escrever e disse-o na cara de um juiz do
Tribunal Plenário do Estado Novo, lugar onde a justiça estava a priori decidida, sem qualquer
possibilidade de defesa para os réus que saíam dali regra geral acusados de crimes contra a
segurança do Estado. “Não te mostres fraca perante a PIDE, mas procura também manter-te
como uma senhora perante eles, não os deixes de maneira nenhuma diminuírem-te” 147
aconselharia às mulheres mais jovens que também lutavam contra a opressão.
“Eu, na minha vida prisional, fazia sempre o seguinte: tomava duche, mesmo quando o
duche era frio, arranjava-me, vestia-me e punha-me como se fosse tomar chá à Baixa. Aí,
quando eles me chamavam para os interrogatórios, ou fosse para o que fosse, deparavam
comigo, uma senhora. Eles sabiam que estava firme, que eu estava absolutamente convicta
das minhas ideias, mas assim era de uma forma imediata, visual, de ter impacto, de «com esta
não fazemos nada».”148
147
“Isabel Aboim Inglês”, Anabela Natário – Portuguesas com História – Século XX, Círculo de Leitores,
2008, p. 36.
148
Idem
Isabel Aboim Inglês vestia-se sempre a preceito, usava o cabelo apanhado atrás, deixando
bem descoberto o rosto branco, que gostava de maquilhar ligeiramente. “Quando vinham
buscar-nos para os interrogatórios eu dizia sempre, vou-me pentear, vou-me pentear, porque o
que é preciso é que eles nunca nos vejam despenteados.” 149 De facto, não era uma mulher que
se amedrontasse com facilidade. Nem cedia a ameaças; ceder uma vez, ceder para sempre. Em
1958, na campanha do general Norton de Matos à Presidência da República, ignora a
chantagem da polícia política e faz o seu discurso como estava previsto. A polícia política
cumpre a ameaça e o seu filho é preso, mas não será só este a sofrer a perseguição; a raiva que
o regime tem a Isabel estende-se também às filhas: uma, pintora, é proibida de dar aulas, a
outra, engenheira agrónoma, é impedida de trabalhar na função pública, mesmo tendo ficado
em primeiro lugar num concurso. Destaca-se no movimento pró-amnistia aos presos políticos,
sendo presa pela PIDE em 1946 e 1948 e em 1960 é agredida na prisão de Caxias, onde se
deslocara para ver o filho aí preso. O regime impediria o seu filho, preso no Forte de Peniche,
de ir comparecer no velório e de acompanhar o funeral da mãe, que reuniu centenas de
pessoas sem medo.150
Elina Guimarães (1904-1991) guiou o seu pensamento pela máxima ‘dar à lei força da
vida’. Tinha a preocupação constante de divulgação das leis referentes às mulheres, ao mesmo
tempo que denunciava as situações de discriminação legal. Como referia: “Durante séculos e
séculos as leis foram escritas, aplicadas, estudadas e comentadas por homens” portanto, “não
admira que fossem masculinas”.151 Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães cedo começa a
149
Vide supra n. 10, p. 38
150
Cf. “Isabel Aboim Inglês”, Anabela Natário, op. cit. n. 10, pp. 34-43
151
Sofia Branco, “Elina Guimarães”, Público, 2006-06-25 apud “Elina Guimarães”, Anabela Natário, op. cit. n.
11, p. 46
“Para muita gente ainda, embora menos do que dantes, a palavra feminista evoca uma
espécie de megera masculinizada, horrenda e feroz, cujo único fim na vida é vociferar contra
os homens e tentar tiranizá-los. Como semelhante criatura nunca existiu entre nós, facilmente
152
Madalena Barbosa, “Elina Guimarães: uma feminista portuguesa, vida e obra (1904-1991)”, Comissão para a
Igualdade e para os Direitos das Mulheres [atual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género], 2004, p.
16, apud “Elina Guimarães”, Anabela Natário op. cit. n. 14, p. 48
É este o seu pensamento em 1930, escrevendo para uma das muitas publicações periódicas em
que colaborou sempre na defesa dos seus ideais. E não sabia que no ano seguinte o regime iria
estender o direito de voto à mulher licenciada enquanto que ao homem bastava saber ler e
escrever...154
“É muito duvidoso que pudesse chamar-se àquilo direito a voto. Davam direito
de votar às mulheres que tivessem curso secundário ou superior. Eu estava
nesse caso, mas pensei: eu acho isto extremamente humilhante, que ponham
essa condição. Quer dizer que uma mulher tem de ter um curso universitário
para estar igual mentalmente ao homem. E ainda para mais isto não é votar. É
deitar um papelucho que o governo nos dá”155
153
N. A.: estranhamente, este conceito ainda mantém uma certa atualidade. Vide “Capítulo 1 – Preconceitos
introdutórios”.
154
Vide supra n. 7
155
“Elina Guimarães”, Anabela Natário op. cit., p. 50
156
Idem, pp. 44-53
Ao longo de cinco anos tomam posse seis governos provisórios e quatro constitucionais;
ficando em média cada um seis meses no poder. Lurdes Pintasilgo é nomeada em 1975
embaixadora de Portugal na UNESCO e segue para Paris, mas quando o presidente Ramalho
Eanes a escolhe para liderar o V Governo Constitucional, não fica surpreendida, sentia-se
preparada e não hesitou. O país, contudo, foi apanhado de surpresa. Decerto que em maio
havia sido eleita, pela primeira vez na Europa, uma primeira-ministra, a líder do Partido
Conservador Margaret Thatcher, mas isso foi na distante Inglaterra… Imbuída do espírito da
Revolução, propôs-se construir as estruturas de uma sociedade mais justa.
“(…) o desenvolvimento supõe a participação de todos no processo que leva uma
sociedade a fazer face à sua própria evolução histórica. Ora no caso português as condições de
157
Entrevista a Maria João Avillez apud “Maria de Lurdes Pintasilgo”, Anabela Natário – Portuguesas com
História – Século XX, Círculo de Leitores, 2008, p. 226
158
Cf. “Françoise Giroud” in Wikipédia, a enciclopédia livre [Consult. 2009-03-21]. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7oise_Giroud
159
Op. cit. n. 21, p. 228
humana. Nós temos suficiente energia humana para melhorar as condições de todos nós, se
não dissiparmos essa energia no luxo do ódio e da competição destrutiva entre grupos, sexos e
classes.”163
163
Cf. Mrs. Washington, Diretora-Adjunta dos programas de educação para mulheres do Ministério do Trabalho
dos EUA e esposa do Mayor de Washington apud Maria de Lurdes Pintasilgo, comunicação à Reunião de
Peritos da OCDE: “O Papel das Mulheres na Economia”, Washington, EUA, 3-6 dez. 1973. Fundação Cuidar o
Futuro, Centro de Documentação e de Publicações, Dossier Temático – Inscrição das Mulheres no Espaço
Público: Identidade(s) em Construção, “Desenvolvimento e Qualidade de Vida”, compilação de textos por Rosa
Monteiro e Virgínia Ferreira [Consult. 26 abr. 2009]. Disponível em http://tinyurl.com/ckhhmp
164
Cf. Elisabete Franca, “Mulher Atenta à Problemática da Condição Feminina”, Alavanca, n.º 44, maio 1981,
CGTP-IN. Fundação Cuidar o Futuro, Centro de Documentação e de Publicações, Dossier Temático – Inscrição
das Mulheres no Espaço Público: Identidade(s) em Construção, “Liderança e Poder”, compilação de textos por
Marijke de Koning [Consult. 26 abr. 2009]. Disponível em http://tinyurl.com/c35vuq
7. – Especificidade feminina?
“As mulheres portuguesas são parvas”, assim inicia Maria Filomena Mónica 165 uma
das suas crónicas166, insurgindo-se contra a utopia de as mulheres exigirem de si próprias:
“(…) levar as crianças à escola, atender os clientes no escritório, ir à hora de almoço
ao cabeleireiro, voltar ao escritório onde a espera sempre um problema urgente, fazer compras
num moderno supermercado, ler umas páginas de Kant antes de mudar as fraldas ao
pimpolho, dar um retoque na maquilhagem, telefonar a três babysitters antes de encontrar
uma, ir ao restaurante jantar com os amigos do marido, discutir a última crise governamental e
satisfazer as fantasias sexuais difundidas pelos canais de televisão.”167
Numa altura em que diversos estudos indicam ser maior a presença feminina nas
Universidades, em que a expressão ‘feminismo’ soa algo anacrónica, em que várias mulheres
têm o seu lugar no hemiciclo, é revelador aferir que nos lugares de topo, onde realmente está
o poder efetivo, o feminino não está presente. Porquê? Segundo Simonetta Luz Afonso 169 os
filhos têm primazia e como não podem interromper a carreira, as mulheres mantêm-se em
165
Socióloga portuguesa doutorada em Oxford (n. Lisboa 1934). Cf. “Maria Filomena Mónica”, Wikipédia, a
enciclopédia livre [Consult. 21 Jun. 2009]. Disponível em http://tinyurl.com/pnnroe
166
Crónica publicada pela primeira vez em 02/03/2005 e republicada em Confissões de uma Liberal, Quasi
Edições/Sábado, Vila Nova de Famalicão, 2007
167
Cf. Maria Filomena Mónica, Confissões de uma Liberal, op. cit., pp. 77, 78.
168
Ana Vicente, Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens, Gótica, Lisboa, 2002, p. 15
169
Museóloga portuguesa (n. Lisboa, 1946), exerceu diversos cargos importantes entre os quais comissária de
Portugal para a EXPO’98. Cf. “Simonetta Luz Afonso”, Infopédia [Consult. 21 Jun. 2009].
Disponível em http://www.infopedia.pt/$simonetta-luz-afonso
lugares intermédios.170 Assim, optaram por empregos seguros e com horas certas,
nomeadamente na Administração Pública, onde acabaram por superar numericamente os
homens. Muitas vezes só existia um homem. Não seria o mais competente, mas, como era
homem, era ele o chefe.171
Porém, para Ana Paula Rosa, sócia de uma empresa na área da comunicação e mãe de
três filhos, hoje já não faz sentido que uma mulher que queira ser “boa executiva, ter uma
profissão ou estatuto enquanto empresária, tenha de abdicar da família”. O ‘truque’ estará em
não criar uma fronteira entre os dois mundos, familiar e laboral, mas antes procurar formas de
os conciliar. Quando teve oportunidade de viver seis anos na Holanda, verificou que uma
mulher que quisesse ter filhos podia fazer um intervalo na sua carreira sem que isso
significasse perda de oportunidades no regresso ao trabalho, não ficando mal vista nem
ultrapassada pelos colegas. Pelo contrário, era valorizada por ter desempenhado um
importante papel social, conferindo-lhe competência e diferenciação pela positiva.172 Em
Portugal, em muitas empresas, pergunta-se diretamente à candidata a emprego se tenciona
engravidar, servindo a afirmativa como fator de exclusão ou então impõem-lhe a assinatura de
um documento, perfeitamente ilegal, em que esta se compromete a não engravidar no prazo
de cinco anos…
Outra questão é a da diferença salarial entre homens e mulheres, que pende claramente
para o homem.
“As empresas portuguesas lucram mais de seis milhões de euros pelo facto de pagarem
um salário menor ao sexo feminino. Os dados constam de um estudo do Eurofound [European
Foundation for the Improvement of Living and Working – Fundação Europeia para a
Melhoria de Vida e de Trabalho] que incidiu sobre 28 países e que utilizou apenas dados
oficiais dos quadros de pessoal das empresas divulgadas pelos próprios governos. No caso
português, os dados foram divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Portugal é mesmo o país onde a discriminação de remunerações com base no género é maior.
Em média, as mulheres recebem menos 25,4% do que os homens e estima-se que em 2008 a
diferença entre o ganho médio dos homens e das mulheres seja de 249,65 euros/mês. Para
além da discriminação sexual, os elementos femininos – segundo o estudo – recebem menos
quanto maior for a sua escolaridade e qualificação. A discriminação remuneratória das
mulheres é também desigual no que diz respeito aos setores de atividade. A este nível, por
exemplo, as diferenças são bem patentes na Indústria Transformadora e nas Atividades de
170
Cf. Alexandra Marques, “Elas não predominam porque eles já lá estão”, Jornal de Notícias, 2005-03-08
[Consult. 28 Dez 2008]. Disponível em http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=497067
171
Cf. J. L. Pio Abreu, “Galinheiros”, Jornal Destak, 2008-12-05 [Consult. 28 Dez. 2008]. Disponível em
http://www.destak.pt/artigos.php?art=17202
172
Cf. “Mulheres usam «truques» para serem boas mães e empresárias”, Diário Digital, 2008-11-06 [Consult. 26
Nov. 2008]. Disponível em http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=357611
173
Cf. Marta Araújo, “Mulheres recebem menos 25% de salário do que os homens”, Jornal Destak, 2008-10-01
[Consult. 1 Out. 2008]. Disponível em http://www.destak.pt/artigos.php?art=14607.
O desporto foi durante muito tempo outro campo completamente vedado às mulheres.
Na Grécia antiga era inteiramente proibido à mulher participar em competições desportivas,
quer como atleta quer como espetadora, exceção feita às mulheres solteiras a quem era
permitido assistir. A pena aplicada a uma mulher casada que fosse surpreendida a observar os
atletas era a morte, já que estes competiam nus, exibindo os corpos como símbolo de
perfeição e dedicação. O maior obstáculo à participação feminina em competições viria,
curiosamente, de Pierre de Coubertin (1863-1937), fundador dos Jogos Olímpicos da Era
Moderna: “Para elas a graciosidade, as sombrinhas, o lar e as encantadoras crianças; para os
homens as competições desportivas”; “Uma olimpíada feminina não seria nem prática, nem
interessante, nem estética, nem correta”. A sua fórmula era a exaltação solene do atletismo
masculino, tendo o internacionalismo por base, a lealdade por meio, a arte como marco e o
aplauso feminino como recompensa. Para ele, esta combinação do ideal antigo e das tradições
cavaleirescas, era a única sã e satisfatória. 175 Manteve obstinadamente o seu ponto de vista e
durante muito anos foi esta a opinião dominante no mundo do desporto. A realidade atual é
assaz diferente. Constata Carlos Lopes, campeão olímpico: “Tem vindo a verificar-se uma
aproximação cada vez maior ao nível dos resultados. As mulheres começaram mais tarde a
competir em massa, mas hoje surgem já com muito ímpeto e agressividade”. 176 Como refere
Vanessa Fernandes, várias vezes campeã de triatlo:
“A grande conquista já não é convencer a sociedade a aceitar a mulher no desporto,
mas sim convencer as mulheres que o desporto deve fazer parte do seu dia-a-dia e que lhes
pode trazer uma qualidade de vida muito superior, quer do ponto de vista da saúde quer do
exemplo a transmitir aos seus filhos”.177
homens sentem-se desvalorizados. Então ela está aqui a mais, não pode estar. Se conseguiu
um bom resultado, é porque só havia dois camiões, se foi 10.ª na geral dos carros, é porque
não havia equipas boas.”, “As pessoas acham que uma mulher que faz um desporto que
geralmente é feito por homens, é mulher-homem ou age como um homem. Não.”, “As
mulheres auto excluem-se. E para as mulheres é tudo muito mais difícil.”, “(…) o primeiro
passo é a pessoa questionar-se: "O que me impede de fazer?". E tem de ir à luta, acreditar
seriamente para conseguir eliminar todas as barreiras porque são muitas.” 178
Fig. 28 – Conselho da
Europa
não há barreiras legais que impeçam o sexo feminino de concorrer a eleições. Mas então
porque é o mundo político ainda dominado por homens? Não existe uma única resposta, mas
antes a conjunção de diversos elementos.179
179
Cf. “Where are the women in politics?”, Social Agenda, Brussels, The European Commission, n.º 18, October
2008, pp. 7-9
180
Idem
181
Cf. “Golda Meir”, Oriana Fallaci – Entrevista com a História, Círculo de Leitores, 1975, p. 149.
182
Cf. Ana Vicente – Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens, op. cit., p. 152
Talvez que a mais importante razão seja cultural. Desde que, entre o Renascimento e o
Iluminismo, as monarquias da Europa sacrificavam as suas filhas às exigências de Estado em
cerimónias sumptuosas que não escondiam o facto de as princesas europeias não passarem de
peões no grande tabuleiro da política europeia, que a figura feminina foi sendo relegada para
segundo plano. Enviadas para terras estrangeiras, roubadas à infância para satisfazer as
ambições das dinastias, sujeitas ao assédio por parte do marido – que podia ser um tio ou um
primo direto – com o fito de gerar uma prole abundante, para muitas destas princesas a morte
chegou antes dos trinta anos.184
183
Vide supra, n. 178
184
Bartolomé Bannassar – A Cama, o Poder e a Morte – Rainhas e Princesas da Europa do Renascimento
ao Iluminismo, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2009
própria e mera extensão de seu marido. Aqui ficam alguns exemplos retirados de revistas
femininas da época185 que ilustram na perfeição a mentalidade então vigente:
Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas. - Jornal das Moças, 1957
A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com
serviços domésticos. - Jornal das Moças, 1959
Se o seu marido fuma, não arranje zanga pelo simples facto de cair cinza nos tapetes.
Tenha cinzeiros espalhados por toda casa. - Jornal das Moças, 1957
A mulher deve estar ciente que dificilmente um homem pode perdoar a uma mulher
que não tenha resistido a experiências pré-nupciais, mostrando que era perfeita e única,
exatamente como ele a idealizara. - Revista Cláudia, 1962
Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade
ele não irá gostar de ver que ela cedeu. - Revista Querida, 1954
O noivado longo é um perigo, mas nunca sugira o matrimónio. ELE é quem decide –
sempre. - Revista Querida, 1953
Sempre que o homem sair com os amigos e voltar tarde da noite, espere-o linda,
cheirosa e dócil. - Jornal das Moças, 1958
A esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de solteira, pois é
preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa. - Jornal das
Moças, 1955
185
Cf. “Veja qual o tipo de mulher que os homens sentem mais saudades” in http://tinyurl.com/nvqblp [Consult.
15 Jul 2009]
186
Cf. Maria Filomena Mónica, “O declínio do cromossoma Y e a sociedade civil portuguesa”, crónica publicada
pela primeira vez em 15/02/2004 e republicada em Confissões de uma Liberal, op. cit., pp. 78-82.
8. – Reflexões finais
Tudo parece girar em torno da maternidade. Vive-se a dicotomia de, por um lado, se
encorajar a fertilidade dos casais e, por outro, se discriminar a mãe empregada precisamente
por esta necessitar de se ausentar com maior frequência para assistência aos filhos. A licença
de parto ainda é vista nalguns setores empresariais como um empecilho que vem junto com a
funcionária e que há que tornear ou evitar a todo o custo. Daí que a mulher seja a primeira a
ser despedida quando rebenta a crise.
187
Fig. 29 – Uma das mensagens da ‘segunda onda do Movimento Feminista’ ou Movimento de Libertação das
Mulheres nos EUA entre o início da década de 1960 e o final da década de 1970. Foto UPI/Bettmann/Corbis,
disponível em https://tinyurl.com/y3nafzj9
mulheres» – pedindo pessoalmente desculpa por aqueles, dentro da Igreja, que contribuíram
para a opressão da mulher –, louvou muitos dos objetivos do movimento de libertação
feminino, apoiou a igualdade entre os sexos e propôs a elaboração de uma legislação mundial
que punisse a violência sexual e corrigisse as desigualdades sociais e económicas. O Papa
referiu ainda que, após séculos de descriminação, a igualdade para as mulheres é uma questão
de necessidade assim como de justiça. Todavia, João Paulo II continuava obstinadamente a
batalhar contra as mulheres no sacerdócio e contra o controlo da natalidade; o «Frutificai e
multiplicai-vos» constante do Génesis 1:28 fez todo o sentido numa época em que os seres
humanos eram comparativamente escassos perante a vastidão de territórios inexplorados, mas
atualmente constitui uma receita para o colapso total. Poderá esta obstinação ser um resíduo
do impulso coletivo que levou os homens a sobrevalorizarem o papel de reprodutores que
ainda lhes restava após a desvalorização da caça?
Na África do Sul, uma mulher será assassinada a cada seis horas por um
homem com quem tem uma relação.
Nos EUA, três mulheres serão mortas pelos seus maridos ou namorados e nove
mulheres sofrem assédio sexual.
De todos os crimes sexuais cometidos neste dia, apenas 0,6% vão acabar com o
criminoso na cadeia.
Nas próximas 24 horas mais de seis mil pessoas serão raptadas e vendidas
como escravas sexuais; 71% dessas vítimas serão mulheres ou raparigas.
No mundo inteiro apenas 40% de todas as mulheres que sofrem assédio sexual
procurarão ajuda; menos de 10% procurarão a polícia.
Até ao fim do dia, mais de 600 milhões de mulheres irão continuar a viver em
países onde a violência contra as mulheres não é considerada um crime.
188
Fonte: AMCV – Associação de Mulheres Contra a Violência
Permitir?
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