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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Resenha Crítica de Caso


Samara R.R. de A. Gomes

Trabalho da disciplina Direito Civil IV


Professor (a): Cristiano Ivan Lopes

Nova Friburgo

2020

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DA POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF POR PACTO
ANTENUPCIAL
Referência:
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Trata-se de resenha critica que tem por objetivo analise da Súmula 377 do STF por meio
de pacto antenupcial celebrado por cônjuges que sofrem a imposição do regime da
separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese descrita pelo art. 1.641, inciso II, do
Código Civil, partindo de conceitos e teorias do direito, aplicando-os na especificidade
do assunto abordado, para concluir sobre questões práticas relacionadas ao tema.
De largada, após ser analisada a literalidade da Súmula 377 proferida pelo Supremo
Tribunal Federal em 1964, sua aplicação fez com que o regime da separação legal de
bens perdesse suas características próprias, se aproximando do regime da comunhão
parcial de bens, onde os bens havidos durante a união se comunicam. Ou seja, com a
referida súmula o STF equiparou o regime da separação legal e obrigatória aos
principais efeitos do regime da comunhão parcial, portanto, disponível, é lícito que as
partes estipulem, escolham o futuro de seus bens, da forma que lhe convir, essa escolha
constitui, como regra, direito assegurado aos nubentes e a aplicação do princípio da
autonomia privada. Então, constando no pacto antenupcial a manifestação desta
vontade, mesmo na incidência do regime da separação legal, a Súmula 377 fica afastada.
No casamento decorrem variados efeitos jurídicos, referentes tanto à pessoa dos
cônjuges, quanto ao seu patrimônio, que se submete a um determinado regime de bens
como forma de disciplina de consequências econômicas. A existência de um regime é
necessária, ainda que não se manifeste, a lei suprira a vontade. O regime de bens que
rege ou regerá o casamento das pessoas é baseado, entre outros, pelo princípio da
liberdade de escolha. No Art. 5º, II, da Constituição Federal, a qual “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Na verdade,
trata-se de dizer que todos tem liberdade para fazer ou não fazer o que quiser, salvo
quando a lei determine o contrário.
Entretanto apesar de a regra geral ao regime de bens ser a liberdade de escolha, o
Código Civil de 1916, com seu viés mais patrimonialista, limitava a autonomia e a
liberdade da pessoa com idade avançada na opção pelo regime de bens no casamento. O

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Código Civil de 2002, em seu artigo 1.641, II, manteve a regra contida no seu antecessor,
Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, impondo o regime de separação de bens ao
casamento em que um dos cônjuges possua mais de 70 anos de idade. Uma alteração
legal ocorreu ainda na vigência do Código Civil de 1916. O Supremo Tribunal Federal
editou a Súmula nº 377, em 1964, que incluiu nova regra no regime de separação legal de
bens: comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Entretanto, seguiu-se a
imposição do regime de bens ao idoso, apenas acrescentando a possibilidade de
formação de meação na constância do matrimônio. O Código Civil de 2002 optou por
manter a restrição na escolha do regime de bens à pessoa maior de 70 anos no art. 1641,
II, sem fazer qualquer referência ao disposto na súmula nº 377 do Supremo Tribunal
Federal. O legislador civil poderia ter reproduzido no texto legal a alteração trazida pela
súmula nº 377 do STF, mas optou por não fazê-lo, indicando a manutenção do formato
original do regime de separação legal de bens, onde não há qualquer comunicabilidade.
A justificativa do enunciado seria evitar o conhecido “golpe do baú” contra a pessoa
idosa, visando, proteger direitos de terceiros, como se uma pessoa com 70 que esta bem
de suas faculdades mentais, fosse incapaz de querer e decidir por suas escolhas e
sentimentos sem comprometer seu patrimônio. Em relação à proteção do patrimônio do
idoso, da doação de bens, diferentemente do momento em que contrai matrimônio com
idade igual ou maior do que 70 anos, não há distinção entre ele e outra qualquer pessoa
capaz e jovem, o limite para a doação será sempre a impossibilidade de ficar sem meios
de subsistência, sejam bens ou rendas. Desta forma, podemos então defender que a
justificativa da idade para a limitação na escolha do regime de bens ao idoso, não
subsiste no direito brasileiro contemporâneo, por razões que se refere a capacidade de
fato do idoso, que não deve ser vinculada a sua idade, mas sim às limitações intelectiva e
volitiva, assunto que vincula o Estatuto da Pessoa com Deficiência, e de forma
secundária o Estatuto do Idoso é que o direito das sucessões, que é matéria mais
específica no caso, já oferece tutela ao futuro patrimônio dos herdeiros, por exemplo,
com a garantia da “legítima” ou “parte indisponível da herança”.
Outra situação que se destaca é a do idoso maior de 70 anos que constitui união estável.
Neste caso, não há aplicabilidade do art. 1.641, II, do CC/ 2002, pois tal dispositivo
refere-se ao casamento. Companheiros podem fixar em contrato escrito o que lhes
aprouver acerca dos seus bens e na falta de pacto prévio aplicar-se-á o regime de
comunhão parcial de bens. Assim, é mais viável manter a união estável e dispor

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livremente sobre seus bens do que convertê-la em casamento, submetendo-se à
imposição de um regime de bens obrigatório e limitante. Este panorama no âmbito do
Código Civil confrontasse com a Constituição, que em seu artigo 226, § 3º, estabelece
que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, uma vez que, em
circunstâncias limitadoras da autonomia da vontade do idoso, quando a escolha do
regime de bens, falha se mostra a intenção do constituinte de favorecer a conversão da
união estável em casamento. No âmbito dos Tribunais de Justiça brasileiros, é possível
encontrar jurisprudências que já reconhecem a inconstitucionalidade do art. 1.641, II,
do CC, fundamentadas em argumentos como igualdade e dignidade da pessoa humana,
constantes na Constituição. O CC/2002 ao impor adoção de regime de bens pré-
determinado, unicamente em razão da idade avançada, não seguiu a valorização da
dignidade, da liberdade e autonomia da pessoa prevista na Constituição Federal de
1988. Ao Estado, não cabe limitar a autonomia do indivíduo, sobre os aspectos
patrimoniais, sob alegação de que por serem idosos são suscetíveis a fraudes. Idosos, de
rigor, são plenamente capazes para todos os atos da vida civil.
Diante do que foi exposto ao longo do desenvolvimento, podemos dizer que, na
sociedade contemporânea, fala-se em: terceira idade, melhor idade, maturidade, dentre
outras. Tudo isso reflete a realidade de que ser idoso não é ser incapaz. A Constituição,
ao introduzir a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático
de Direito, e por consequência, como base do ordenamento jurídico brasileiro, fortalece
a proteção da liberdade do indivíduo. Assim como indica a igualdade como direito
fundamental, a ser realizado na maior medida possível, garantindo então, a autonomia
do indivíduo. O Estatuto do Idoso, tutela com o tratamento prioritário em muitos
aspectos, mas também garante, como direito ao respeito, a inviolabilidade de sua
autonomia. Não subsistem mais argumentos pertinentes que sustentem limitações no
exercício da autonomia do idoso, fundamentados exclusivamente na idade avançada.
Dessa forma, o artigo 1.641, II, do CC, que determina a imposição de regime de
separação obrigatória de bens ao casamento realizado por pessoa maior de 70 anos
encontra-se em desconformidade com a Constituição, e com a legislação posterior mais
específica (Estatuto do Idoso e Estatuto da Pessoa com Deficiência), sendo passível de
revogação ou, no caso de contestação de sua constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal, sofrer interpretação conforme.

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