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OUTRAS
A(HTTPS://OUTRASPALAVRAS.NET/
força da Primavera Grega – e o que
faltou
Há dez anos, rebelião popular abalou políticas de “austeridade” da Europa
– e desembocou num grande não ao neoliberalismo. Mas, por não criar
alternativas, movimento foi engolido pelas forças conservadoras. O que
isso ensina ao Brasil

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/MOVIMENTOSEREBELDIAS/)

por Stathis Kouvelakis (https://outraspalavras.net Publicado 27/08/2021 às 19:13 - Atualizado


/author/stathiskouvelakis/) 27/08/2021 às 19:59

Por Stathis Kouvelakis, na Jacobin (https://jacobinmag.com/2021/08


/greece-hot-spring-2011-uprising-international-protest-movement) |
Tradução: Vitor Costa

Há dez anos, a Grécia foi tomada por ocupações de espaços públicos que
expressavam oposição em massa às políticas de austeridade da União
Europeia. A força do movimento residia em sua capacidade de reunir os
gregos de fora da esquerda organizada -- mas acabou sendo derrotado por
sua falta de alternativa política clara.

A “primavera quente” grega de 2011 foi o clímax da onda de insurgência


popular que se espalhou por grande parte do mundo naquele ano. Essa onda
havia começado na costa sul do Mediterrâneo com a revolução tunisiana e o
levante da Praça Tahrir, no Egito; depois se espalhou para a Espanha com os
Indignados e, em seguida, passou da Grécia para os Estados Unidos com o
Occupy, antes de retornar ao Mediterrâneo com a ocupação do Parque Gezi
de Istambul.

Parte dessa revolta internacional, as ocupações que envolveram centenas de


milhares de gregos também podem se situar dentro de um ciclo interno de
mobilizações que já havia abalado o país em maio de 2010, quando o
parlamento aprovou o primeiro acordo com os credores europeus de Atenas.
Essa onda de agitação continuaria, de várias formas, até o verão de 2015,
mesmo após o fim das ocupações de espaços públicos.

Embora haja muitas diferenças entre os levantes, o movimento grego


também compartilhou muitas características com movimentos parecidos no
exterior, especialmente no Mediterrâneo. Todos possuíam um caráter de
massa impressionante; uma composição social que atravessava diversas
classes, com universitários tendo um peso especial; tinham apoio popular da
maioria; e possuíam um amplo repertório de ações, sobretudo a ocupação do
espaço público.

São notáveis também as semelhanças mais subjetivas desses movimentos.


Rompendo estruturas organizacionais estabelecidas e clivagens políticas,
eles enfatizavam fortemente a auto-organização e as demandas
socioeconômicas combinadas com a busca por formas de democracia direta
ou participativa. Dada a presença das bandeiras nacionais e sua distância das
referências simbólicas e históricas da esquerda, elas exibiam também um
forte caráter “nacional”. Mas eles também reinventaram uma forma de

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(https://outraspalavras.net/) ao apontar para práticas compartilhadas de solidariedade

OUTRASe uma circulação transnacional de símbolos, slogans e modos de ação.

A partir da experiência grega, podemos tirar algumas conclusões mais gerais


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sobre o paradoxo desses movimentos: a saber, a divergência entre sua
dimensão insurrecional de massa e seu impacto político limitado. Dizendo de
forma mais simples, esses movimentos foram incapazes de proporcionar
avanços duradouros semelhantes aos objetivos que estabeleceram.

Crise Orgânica

Um ponto de partida útil para compreender as razões mais profundas desse


processo é o conceito de “crise orgânica”, elaborado por Antonio Gramsci em
seus Cadernos do Cárcere.

Para Gramsci, a “crise orgânica” é a ruptura repentina e radical das relações


entre as classes sociais e as forças políticas que até então assumiam a função
de representação. Esta é uma forma específica de crise política própria de um
regime parlamentar em que um sistema institucional ampliado e pluralista
organiza os termos do consentimento das classes subalternas à dominação
burguesa.

A estabilidade desse sistema hegemônico se desmancha (daí o caráter


“orgânico” da crise) sob a pressão conjunta de dois fatores. O primeiro é o
fracasso da classe dominante em algum projeto de importância estratégica,
como uma guerra ou um caso de grande significância nacional. A segunda é a
passagem repentina de grandes massas de pessoas de um estado
politicamente passivo para uma atitude ativa. Gramsci destaca que essa
mudança leva a uma explosão de demandas vindas das massas mobilizadas,
mas em dadas circunstâncias, essas demandas constituem um todo
“inorgânico”, incoerente.

Para Gramsci, as crises orgânicas podem constituir uma revolução, um


movimento que exige uma ruptura radical para acabar com uma crise que
agora se torna uma crise de hegemonia, uma crise de todo o Estado. A crise
orgânica não é por si só uma crise revolucionária, mas contém alguns de seus
elementos. O resultado final depende, sobretudo, da intervenção “subjetiva”
das forças políticas que lutam para tomar a direção do processo e canalizá-la
em uma direção determinada.

Esta análise nos dá ferramentas para compreender as características


específicas da crise grega na primavera de 2011 e nos meses subsequentes. A
terapia de choque imposta com a troika correspondeu claramente a uma
derrota estratégica da burguesia grega: desfez os alicerces do contrato social
firmado após a queda do regime militar em 1974, transformou a visão da
“integração europeia” da Grécia em um pesadelo, e impôs um regime
duradouro de tutela internacional e uma grave perda da soberania nacional.
Para manter seu controle sobre o país, a classe dominante teve que aceitar
uma posição subalterna e uma dramática deterioração de sua posição
internacional.

A combinação dessas três dimensões (social, ideológica e nacional) levou à


deslegitimação não apenas das camadas políticas dominantes, mas também
do sistema hegemônico como um todo. Daí o colapso da credibilidade da
mídia, dos intelectuais “orgânicos” do establishment e das instituições
representativas – incluindo as forças que operam como uma oposição
institucional dentro delas. Tudo isso gerou a contestação radical tanto da
capacidade das elites estabelecidas de liderar o país quanto da capacidade do
sistema bipartidário, até então arraigado, de fornecer soluções viáveis.

A dimensão nacional da crise merece destaque. A tutela imposta pela troika


(União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) privou a classe dominante
grega e os políticos da sua função nacional. Essa perda foi acompanhada por
um ataque à classe trabalhadora, sem precedentes para os padrões da
Europa Ocidental do pós-guerra, mas bastante semelhante aos programas de
ajuste estrutural promovidos pelo FMI e pelo Banco Mundial em muitos
países do Sul Global e do Leste Europeu desde os anos 1980.

A combinação da perda da soberania nacional com a violência da ofensiva


antipovo explica a profundidade e o caráter generalizado da crise grega em
comparação com a situação espanhola ou portuguesa da mesma época.
Também explica por que o uso da bandeira grega foi o gesto mais difundido
nas praças ocupadas, o que intrigava ativistas de esquerda que se recusavam
a entender seu significado.

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 Não vista desde
(https://outraspalavras.net/) os dias da ditadura militar (1967-1974) e suas consequências

OUTRASimediatas, essa reapropriação em massa da bandeira surgiu como uma


reação à imposição do governo da troika, uma declaração do povo que se

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apresenta como a “verdadeira” Grécia, separando-se assim daqueles que
agem em seu nome. Esse colapso hegemônico também foi a origem de uma
oportunidade histórica para a esquerda radical. Pela primeira vez em
décadas, a esquerda de repente se viu em posição de lutar pela hegemonia,
uma oportunidade que raramente ocorre em um regime parlamentar
maduro.

Rumo a uma crise revolucionária?

As ocupações de praças também sinalizaram o segundo aspecto da crise


orgânica: o momento em que as massas mais amplas, muito além dos
militantes que até então haviam dominado as mobilizações antitroika,
assumiram o centro do palco. Essa união de forças não foi automática. A
desconfiança mútua das primeiras semanas, alimentada pela direção
desacreditada da confederação sindical, foi gradualmente superada graças
aos sindicatos mais combativos e à intervenção da esquerda radical nas
assembleias populares realizadas nos espaços ocupados. Sem se misturar de
forma orgânica, o “povo das praças” convergiu com o movimento operário.

O auge da mobilização popular foi alcançado nos três dias de greve geral, nos
dias 15, 28 e 29 de junho, com a adesão atingindo níveis nunca vistos desde a
década de 1970. Nesse sentido, o movimento grego seguiu um caminho
diferente dos Indignados espanhóis, que não tiveram uma interação
significativa com o movimento sindical, e se aproxima mais dos casos egípcio
e tunisiano.

Isso também mostra a magnitude excepcional do movimento grego. Era


certamente maior em proporção da população do que os Indignados
espanhóis e facilmente se compara com as revoltas árabes. De acordo com
pesquisas, no início de junho de 2011, cerca de 2,8 milhões de pessoas – 30%
da população adulta! – “certamente” pretendia participar dos protestos, aos
quais se deve somar grande parte dos 21% que declaravam uma “forte
probabilidade” de adesão.

Enquanto isso, 35% declararam que já haviam participado de comícios e


outras iniciativas populares organizadas no período anterior. Com o
movimento atingindo seu pico durante as manifestações realizadas durante a
greve geral de 28 a 29 de junho, uma estimativa realista é de que pelo menos
um terço da população participou ativamente dessas mobilizações. Além
disso, em pesquisas ao longo deste período, pelo menos dois terços dos
gregos rejeitaram os acordos e o regime da troika.

Esta dinâmica majoritária também explica a duração e intensidade da


mobilização. Apesar do refluxo do movimento das praças após a votação de
29 de junho do acordo “intermediário”, a mobilização atingiu um novo pico
alguns meses depois. Entre 19 e 20 de outubro, a Grécia ficou paralisada pela
greve geral mais massiva desde a queda da ditadura. Uma semana depois,
em 28 de outubro (dia nacional de comemoração do “não” a Mussolini em
1940) as pessoas saíram às ruas de dezenas de cidades e acabaram com os
desfiles militares, obrigando os deputados estaduais (inclusive o presidente)
a deixarem os palanques montados para assistir os desfiles.

Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro George Papandreou, humilhado na


cúpula europeia de Cannes ao propor um referendo sobre os memorandos,
renunciou em favor de um governo de “grande coalizão” dirigido pela UE e
liderado pelo banqueiro Loukas Papademos. Com seu apoio diminuindo
rapidamente dentro e fora do parlamento, Papademos convocou uma eleição
antecipada em maio de 2012, e outra em junho, após não ter conseguido a
maioria na primeira. Esta dupla eleição deu espaço ao colapso do sistema
bipartidário, cujos pilares (o PASOK, social-democrata e a Nova Democracia,
de direita) caíram de um total de 77,4% dos votos em novembro de 2009
para apenas 42%.

Não é exagero dizer que a crise grega exibiu elementos de uma situação
revolucionária próxima da famosa definição de Lênin, também uma das
principais fontes da noção gramsciana de crise orgânica:

Só quando as “classes baixas” não querem viver da maneira antiga e as


“classes altas” não conseguem continuar da maneira antiga é que a
revolução pode triunfar. Esta verdade pode ser expressa em outras
palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando tanto

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 os explorados
(https://outraspalavras.net/) quanto os exploradores).

OUTRASMas a condição ausente – e mais decisiva – era outra, menos notada, que
Lênin menciona nesta mesma passagem:
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que a maioria dos trabalhadores (ou pelo menos a maioria dos
trabalhadores conscientes, pensantes e politicamente ativos) deve
compreender plenamente que a revolução é necessária, e que eles devem
estar preparados para morrer por ela.

Em outras palavras, não pode haver revolução sem apoio de massa para
soluções revolucionárias, e esse apoio não é o resultado automático de um
movimento de massa. É necessário algum tipo de preparação e intervenção
política. Este tipo de consciência coletiva estava ausente de uma revolta cujo
horizonte era moldado pela rejeição visceral da troika e dos políticos no
poder e não pela vontade de derrubar a ordem social existente. Mas o fato é
que, pela primeira vez desde as grandes convulsões dos anos 1960 e 1970, a
possibilidade de uma ruptura no equilíbrio social e político de forças emergia
no país europeu que se tornava novamente o elo fraco dentro do continente
mais central do capitalismo.

A grandeza e os limites do movimento

O movimento das praças de 2011 faz parte de uma longa série de eventos
insurrecionais que pontuam a história grega moderna. Mas se isso explica
sua grandeza, o caráter repentino e explosivo do levante também o tornou
altamente contraditório. O “povo das praças”, em sua maioria, carecia de
experiência anterior de organização ou mesmo de participação na ação
coletiva e, portanto, apresentou o que Gramsci chamou de um conjunto de
demandas e práticas não coerentes.

Quem pôde experimentar o clima na época a Praça Sintagma se lembra desse


misto de raiva e combatividade, de clima de estádio de futebol e de
radicalismo genuíno, de rejeição indiscriminada da política combinada com
busca de auto-organização e participação direta nos negócios públicos. Essa
mistura de atitudes e práticas era acompanhada por um fascínio por soluções
mágicas para a crise: desde pedidos para um retorno à antiga democracia
ateniense até várias teorias de conspiração sobre as causas da dívida pública.

A contradição mais importante foi talvez a representada pela palavra de


ordem mais difundida do movimento das praças – a demanda por άμεση
δημοκρατία, geralmente traduzida como “democracia direta”. O termo grego
άμεση é, no entanto, melhor traduzido como “imediato”: significa sem
mediações, portanto, direto, e algo a ser realizado imediatamente. Nesse
sentido, um dos principais limites do “movimento das praças” esteve no fato
de não ter dado real conteúdo a essa demanda por democracia imediata.

Para muitos, isso significou um “antiparlamentarismo” de tipo espontâneo e


brutal – ilustrado por multidões impressionantes na Praça Sintagma
gritando “Vamos queimar essa zona de parlamento”. Para outros, significava
uma ideia libertária de democracia sem mediações, um modelo puramente
horizontal inspirado nas formas de auto-organização emergentes nas praças
ocupadas.

Para outros ainda, significava uma reforma institucional radical, embora


vagamente definida, estabelecendo uma democracia “real” ou, pelo menos, o
funcionamento democrático que foi suprimido pelo regime da troika e o
autoritarismo crescente que se seguiu. Além disso, a chamada inicial para
ocupar as praças (seu título acabou sendo retomado pela página e pelo grupo
do Facebook que lançou o movimento na Praça Sintagma) era intitulada
“Democracia Real Agora!” em referência direta à Puerta del Sol de Madrid.

O movimento das praças não conseguiu sintetizar essas ideias como base de
um projeto político alternativo, assim como não conseguiu produzir uma
reorganização econômica alternativa que fosse além de uma rejeição à
austeridade e à tutela da troika. Compartilhava, assim, o caráter “negativo”
das revoltas da última década, que Alain Badiou definiu como o fato de o seu
principal fator unificador ser a rejeição generalizada a quem manda.

Agora parece evidente que a ausência de um projeto alternativo, longe de


libertar a política do peso de ideologias e grandes narrativas – como muitos
pensadores pós-modernos nos querem fazer crer – leva à impotência e,
geralmente, a uma restauração reacionária, da qual a ditadura implacável de
El-Sisi no Egito é o exemplo mais terrível.

No entanto, o principal limite do movimento estava em outro nível – a partir

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 do qual, em
(https://outraspalavras.net/) última instância, os outros levantes o seguiram. Não se tratava

OUTRAS apenas de sua incapacidade de formular uma alternativa global, ou mesmo


de seu fracasso em impedir o parlamento de votar o acordo. Na verdade,

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desde o início, tais objetivos pareciam fora do alcance de um movimento
eruptivo e heterogêneo, cuja vida útil seria contada em semanas. A lacuna
decisiva foi não deixar como legado um quadro organizacional, ou mesmo
um projeto próprio, capaz de elevar a luta popular a um patamar superior.

No entanto, o movimento forneceu elementos valiosos e às vezes duradouros


para tal empreendimento. Renovou substancialmente o repertório da ação
coletiva e estimulou muitas iniciativas locais de solidariedade, auto-
organização e ação direta. Mas não elaborou uma maneira de organizar e
coordenar autonomamente a luta popular no período que se seguiu – uma
limitação compartilhada por movimentos semelhantes que irromperam em
todo o mundo tanto naquela época como depois.

Assim, o movimento foi incapaz de cruzar certo limite em suas próprias


capacidades para desenvolver visões alternativas mais amplas e interagir
produtivamente com os atores políticos. Esse foi o principal motivo da
discrepância entre a impressionante capacidade de mobilização do
movimento e sua incapacidade de obter resultados concretos e positivos.

A capitulação

À primeira vista, a Grécia aparece como uma exceção ao princípio


estritamente negativo de unificação definido e criticado por Badiou. O ciclo
de mobilização popular de 2010-2012 levou a uma mudança real no cenário
político, sendo o Syriza o principal beneficiário. Esse partido apareceu como
a única força disposta a satisfazer a demanda por uma ruptura política
emergente de mobilizações que não conseguiam realizá-la por conta própria.
Naquele contexto, e tendo em mente o fardo simbólico da esquerda radical
em um país que viveu uma guerra civil e décadas de perseguição
anticomunista, a proposta do Syriza de um “governo antiausteridade de
esquerda” aparecia como uma decisão de quebrar a estrutura existente.

Apesar do seu objetivo negativo (ou defensivo), que era acabar com a
austeridade e a tutela da troika, o partido foi percebido como uma tentativa
de superar o papel tradicional, mas subordinado, de oposição atribuído à
esquerda pelo sistema bipartidário e para enfrentar a questão do poder em
termos reais. Nesse aspecto, se fosse apenas isso, o Syriza surgia como o
agente que entendia a oportunidade que a crise orgânica oferecia. Esta é uma
lição fundamental de todo o período: a mobilização popular cria as condições
para um deslocamento à esquerda, mas para que essas condições se
materializem, é necessária uma proposta política potencialmente
hegemônica.

Isso também levanta o problema das responsabilidades e, em última análise,


do fracasso do agente que desempenhava esse papel. Sem querer exaurir o
assunto, podemos dizer de forma mais resumida que a posição do Syriza
equivalia a uma gestão eleitoral estreita da dinâmica criada pela mobilização
de baixo, mantendo apenas o que era necessário para o sucesso nas urnas.
Nunca propuseram um plano de organização da luta popular, uma visão de
médio prazo, ou mesmo a preparação das condições mais imediatas para um
desfecho vitorioso da batalha que se aproximava. E entre estas condições,
uma era de importância estratégica decisiva: o confronto com a União
Europeia e os mecanismos que previsivelmente ela utilizaria contra qualquer
governo que ousasse desafiar as suas políticas: a começar pela arma atômica
do Banco Central Europeu, o euro.

A capitulação do Syriza não significa que nada tenha acontecido ou que uma
aposta de significado histórico não tenha sido jogada (e perdida) durante o
primeiro semestre de 2015. Mas significa que o momento crucial não foi
tanto o sucesso eleitoral do Syriza em janeiro 2015, mas o fato de que esse
sucesso eleitoral intensificou o ciclo de conflito que começou em 2010, aliás,
contra a vontade das pessoas que trouxe para o governo. O momento da
verdade veio em julho de 2015 com o referendo sobre o pacote de
austeridade da UE. A “primavera quente” de 2011 foi ressuscitada, embora
brevemente, não na vitória eleitoral do Syriza em si, mas no comício de 3 de
julho de 2015 na Praça Syntagma e os 61,3% do “não” no referendo de 5 de
julho.

Este “não” retumbante causou espanto mundial, mas foi revertido apenas
alguns dias depois e tornou-se um “sim” à austeridade da UE nas mãos
daqueles que consideravam este voto um fardo insustentável. Enquanto

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 Alexis Tsipras
(https://outraspalavras.net/) assinava um terceiro acordo, a Grécia passou da noite para o

OUTRAS dia de um farol de esperança a um trauma do qual a esquerda grega e


internacional ainda não se recuperou.

(HTTPS://OUTRASPALAVRAS.NET/
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Portanto, é crucial que as lições dessa difícil experiência não sejam perdidas.
A primeira é que mesmo um movimento de massa de tal magnitude não
pode, por si só, fornecer soluções para os problemas colocados por seu
próprio surgimento. A política continua sendo um fator necessário e, em
última análise, decisivo, moldando o resultado de qualquer situação. Mas
também fica claro que não devemos ceder a nenhuma proposta política que
se apresente
Gostou como deContribua
do texto? esquerda, mas
parase manter
recuse teimosamente a imaginar
e ampliar nosso
como garantirá um resultado vitorioso.
jornalismo de profundidade: OUTROSQUINHENTOS
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Stathis Kouvelakis
É filósofo e professor de teoria política no King's College de Londres. Trabalhou
no comitê central do partido grego Syriza.
(https://outraspalavras.net/author/stathiskouvelakis/)

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Liderou sua gente no interior do MA contra capitalismo? Morre o líder do levante que derrubou o
jagunços e fazendeiros e ajudou a fundar as Em transe desde o grande levante social de fascismo em Portugal, em 1974. Sua
Ligas Camponesas. Na ditadura, foi 2019, país elegeu uma Constituinte – trajetória convida a relembrar um
brutalmente torturado. Sua bravura é presidida por professora mapuche – e terá movimento incomum, que passou de
reconhecida mundialmente eleição decisiva em novembro. Roteiro para revolta militar a revolução democrática e
acompanhar a possível construção, na que, por 18 meses, desafiou a ordem

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antirracista/)
Quando as Olimpíadas lotado e transporte insuficiente, os A rebeldia de Luiz Gama,
eram anticapitalistas trabalhadores decidiram que não seriam os advogado antirracista
A notável (e quase ignorada) história dos únicos prejudicados. Ocuparam as vias: Baiano, escravizado aos 10, ele se alforriou
jogos alternativos dos trabalhadores. ninguém ia se humilhar em ônibus lotados na juventude. Tornou-se destacada voz
Duraram 12 anos. Baniam bandeiras, hinos por chantagem dos patrões abolicionista. Impedido de cursar Direito,
e nacionalismos. Foram os primeiros a (https://outraspalavras.net/outrasmidias/sp- cavou brechas legais para defender a
incentivar atletas mulheres. Dos população negra. Agora, recebe, enfim, o
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alojamentos aos trajes, nada cheirava a título de doutor honoris causa pela USP
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Um comentario para "A força da Primavera Grega – e o que faltou"


28 de agosto de 2021 às 08:31
— José Mario Ferraz
(https://outraspalavras.net
disse: /movimentoserebeldias/a-forca-da-
primavera-grega-o-que-faltou/#comment-
Um movimento encetado no sentido de tirar a juventude do efeito hipnótico que o Pão e Circo exerce sobre ela e trazê-la à realidade de estar
sendo conduzida ao mesmo destino dos dinossauros seria o único movimento capaz de dar racionalidade aos51671)
seres humanos. Nada mais poderá
evitar que a estupidez que até aqui ditou o destino da humanidade a leve ao desastre. Como apenas o velho Marx parece ter percebido a
necessidade de mudar o mundo, enquanto a massa bruta de povo estiver prestando atenção em Campeonatos, taça disso e daquilo, “famosos”,
“celebridades” e reis de pau oco, tudo ficará como está, para infelicidade das criancinhas de hoje. Se o livro A Invenção das Tradições, do
intelectualíssimo Eric Hobsbawn explica como surgiram tais e tais tradições, esse tipo de trabalho não é importante porque o importante é
derrubar todas as tradições que trouxeram o mundo ao estado em que se encontra.

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7 of 8 8/28/2021, 2:39 PM
A força da Primavera Grega – e o que faltou - Outras Palavras https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/a-forca-da-primavera-g...
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