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POESIA SIMBOLISTA (I): ALPHONSUS DE GUIMARAENS

ISMÁLIA
A CATEDRAL
Quando Ismália enlouqueceu,
Entre brumas, ao longe, surge a aurora. Pôs-se na torre a sonhar...
O hialino orvalho aos poucos se evapora Viu uma lua no céu,
Agoniza o arrebol. Viu outra lua no mar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho, No sonho em que se perdeu,
Toda branca de sol. Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
E o sino canta em lúgubres responsos: Queria descer ao mar...
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
E, no desvario seu,
O astro glorioso segue a eterna estrada. Na torre pôs-se a cantar...
Uma áurea seta lhe cintila em cada Estava perto do céu,
Refulgente raio de luz. Estava longe do mar...
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho, E como um anjo pendeu
Recebe a bênção de Jesus. As asas para voar...
Queria a lua do céu,
E o sino clama em lúgubres responsos: Queria a lua do mar...
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
As asas que Deus lhe deu
Por entre lírios e lilases desce Ruflaram de par em par...
A tarde esquiva: amargurada prece Sua alma subiu ao céu,
Põe-se a lua a rezar. Seu corpo desceu ao mar...
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.
LUAR PARA ALPHONSUS: O SIMBOLISMO
E o sino chora em lúgubres responsos: RELIDO POR DRUMMOND
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Hoje peço uma lua diferente
O céu é todo trevas: o vento uiva. para Ouro Preto
Do relâmpago a cabeleira ruiva Conceição do Serro
Vem açoitar o rosto meu. Mariana.
A catedral ebúrnea do meu sonho, Não venha a lua de Armstrong
Afunda-se no caos do céu medonho pisada, apalpada
Como um astro que já morreu. analisada em fragmentos pelos geólogos.
Há de ser a lua mágica e pensativa
E o sino geme em lúgubres responsos: a lua de Alphonsus
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" sobre as três cidades de sua vida.

Comemore-se o centenário do poeta


com uma lua de absoluta primeira classe
bem mineira no gelado vapor de julho
bem da Virgem do Carmo do Ribeirão
dos menestréis de serenata
bem simbolista bem medieval.
[...]
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Luar para Alphonsus.

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