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Sidney·Lwnet

FAZENDO FILMES

Tradução de
LUIZ ORLANDO LEMOS

r~ ·
Rio de Janeiro - 1998
lJftllo Cll'iJinlll
MAKJNG MOVIES

Copyrllltt C 1995 by Amjen Enc.rtaiamant

~ pobliclda CCIIII I
'UIPinç:lo da Allral A. Knclpl', lac..

Direia ...- • Unpa P"""IMD reaervados


- axdulividade,... o
EDITOllA JlOCCO LlDA..
Brail.
ba Rodrii!O SiM, 26- ~ Ilidir
20011-040 - JUo de Janeiro -lU
Tà.: S07-2000- FlllC 507·2244 ParaPid

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Sincticalo Nar:ional doa EdiiUI'IS ckl.ivro~, lJ

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F.-do filmM I SHmq Llnct : tmduçlo da Luh ~
1..cmoe.- JUo de Juro : ~tocco. 1991

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ISBN I..S-325~2--4

1. Ci-.- ~ edirt~Çio - Mlaulil, piai-. l.


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SUMÁRIO


Prefácio ................................................................................. . 9
1 - O DIRETOR; O melhor trabalho do mundo ................. . 11
2 - O ROTEIRO: Os escritores serlo necessários? ............ . 33
3- ESTILO: A palavra mais impropriamente usada
depois de amor .............................. - .............................. . 52
4 - ATORES: Um ator pode realmente ser tímido? ............ 61
S - A CÂMERA: Sua melhor amiga ................................... 75 .
6 - DIREÇÃO DE ARTE E FIGURINO: Faye Dunaway
manda mesmo apertar a saia em dezesseis lugares
diferentes? .................................................................... .. 92
1- RODANDO O FILME: Afinal! ..................................... 101
8 - COPIOES: A agonia e o êxtase ................................... .. 130
9 - A SALA DE MONTAGEM: Sozinho afinal ............... .. 140
1O- O SOM DA MÚSICA: O som do som .......................... 160
11 - A MIXAGEM: A única parte monótona da
feitura do filme ............................................................. . 175
12- A PRIMEfRA CÓPIA: Vem ai o bebê .......................... 181
13- O ESTÚDIO: Tudo para isto? ...................................... . 185
Filmes dirigidos por Sidney Lumet ....................................... 204
PREFÁCIO

Certa vez perguntei a Akira Kurosawa por que decidira fazer uma
tomada em Ran de determinada maneira A resposta foi que se
tivesse colocado a câmera uma polegada para a esquerda, a fábrica
da Sony apareceria na tomada, e se colocasse a câmera uma
polegada para a d.ireita veríamos o aeroporto - nenhuma das duas
paisagens cabia num filme de época. Somente a pessoa que fez o
filine sabe o que pesa nas decisões que resultam em qualquer obra
concluída. Pode ser qualquer coisa, de exigências do orçamento à
inspiração divina.
Este 6 um livro sobre o trabalho implicito na realiza.çio de
.· fiJmes. Como a resposta de Kurosawa enunciou a verdade pura e
simples, a maioria dos filmes que abordarei neste livro são filmes
que eu dirigi. Nestes, pelo menos, sei exatamente o que pesou em
cada decisão criativa.
Não existe maneira certa ou errada de dirigir um filme. O meu
• objetivo 6 contar como eu trabalho. Aos estudantes digo que
peguem tudo; peguem o que quiserem e joguem fora o resto; ou
joguem tudo fora. Para alguns leitores, talvez isto possa compensar
as vezes em que uma equipe cinematográfica os deixou presos no
trânsito ou passou a noite toda filmando em seu bairro. Nós sa-
bemos realmente o que estamos fazendo: só que parece que não
sabemos. Um trabalho sério está em andamento mesmo quando
parece que estamos apenas em pé por ali. Para as demais pessoas,
tentarei contar da melhor forma possível como os filmes slo feitos.
É um processo técnico e emocional complexo. É arte. É comércio.
É doloroso e é divertido. É um excelente modo de viver.
lO FAZENDO FILMES

Um aviso sobre o que vocês não encootrarlo no livro. Nlo há


revelações pessoais além dos sentimentos que surgem do próprio
trabalho - nlo bá fofocas sobre Sean Connery ou Marlon Brando. 1 - O DIRETOR:
Geralmente adoro as pessoas com quem trabalhei no que 6 um
processo necessariamente íntimo. Portanto, ~ito suas fraquezas O MELHOR TRABALHO DO MUNDO
e idiossincrasias, assim como tenho certeza de que elas respeitam
as minhas.
Finalmente, devo pedir uma indulgência ao leitor. Quando
comecei a fazer filmes., as únicas chances de trabalho para mulheres •
na equipe técnica eram como continuístas e no departamento de
montagem. Daf que eu ainda penso nas equipes tknicas como A entrada da Ukrainian NationaJ Home fica na Segunda Avenida,
masculinas. E de fato elas ainda o são predominantemente. Adquiri entre as ruas Oito e Nove, na cidade de Nova York.. Há um
portanto o hábito de usar pronomes masculinos. A palavra ..actress restaurante no t6rreo. O aroma de plerogi, borschl, sopa de cevada
[atrizr' ou "authoress [autora]" sempre me soou como uma condes- e de cebola me assalta assim que entro ali. O cheiro é forte mas
cendBncia. "Doctor (médico/a]" é "doctor", certo? Por isso sempre agradável, até convidativo, especialmente no inverno. Os banhei-
r
me refiro a ••aotors [atores e "writers [escritores]". independente- ros ficam embaixo, invariavelmente tresandando a desinfetante,
mente de seu sexo. Assim, muitos filmes que fiz envolveram a urina e cerveja. Subo um lance de escada e entro no gigantesco salão
polfcia antes que as mulheres desempenhassem qualquer papel do tamanho de uma quadra de basquete. Tem luzes coloridas, o
importante na força policial; portanto, meus elencos foram domi- inevitável globo espelhado giratório e um baleio ao longo de uma
nados por homens. Afinal, meu primeiro filme chamou-se Doze parede, atrás do qual há amplificadores de som em seus estojos,
homens e uma sentença. Naquela época, as mulheres podiam ser caixas de papelão vazias. caixas de sacos plásticos para lixo. Copos
dispensadas do júri simplesmente porque eram mulberes. Os pro- com gelo também slo vendidos aqui. Pilhas d.e cadeiras e mesas
nomes masculinos que eu uso referem-se sempre a homens e dobráveis se amontoam junto às paredes.
mulheres. A maioria das pessoas que trabalham atualmente no Este é o sallo de baHe da Ukrainian National Home, onde
cinema criou-se num mundo mais equilibrado do que o meu. Espero danças ruidosas acompanhadas por acordeão se realizam nas noites
que essas induJg!ncias não tenham de ser pedidas novamente. de sexta e sábado. Antes do fun da URSS havia aqui pelo menos
duas reuniões por semana do "Libertem a Ucrânia". O salão é
alugado sempre que posslvel. E agora nós o alugamos por duas
semanas para ensaiar um filme. Ensaiei oito ou nove filmes aqui.
Não sei porque gosto deste, mas os salões de ensaio são sempre um
pouco sujos e malcheirosos.
Dois assistentes de produção estão à minha espera um pouco
nervosos. Ligaram a máquina de caf6. Numa caixa de plástico, entre
cubos de gelo, estio jarras de sucos (frescos), leite e iogurte. Numa
bandeja, bagels, plozinhos dooes, bolo de café, fatias de um
maravilhoso pão de centeio do restaurante lá de baixo. Manteiga
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(batida.e em pacote) e requeijão estão esperando, com as faquinhas produtor. Geralmente é ele o apalpador. Seu objetivo esta manhã é
de plástico ao lado. Outra bandeja tem açúcar, Eq~ Sweet'n Low, insinuar-se, particularmente junto a estrelas e astros.
mel, saquinhos de chá, chás de ervas (todos os tipos imagináveis}, Agora·uma grande expfosão de risos vem lá de baixo. Um dos
ljmão, Redoxon (em caso de alguém apresentar os primeiros astros chegou. O astro também está se insinuando, mostrando como
sintomas de um resfriado). Até àqui tudo bem. é um cara legal. Às vezes há um entowage. Primeiro, uma seéretá·
É claro que os assistentes de produção arrumaram as duas ria Isto é desanimador, pois significa que de dez em dez minutos a
mesas de ensaio do modo errado. Emendaram uma na outra, de secretária vai lhe levar oito recados tão urgentes que o astro estará
modo que as cerca de doze pessoas que estarlo aqui em meia hora no telefone âo invés de ficar descansando ou estudando o roteiro.
terão de sentar ao comprido como se estivessem num vagão do Em segundo lugar, a pessoa que maquiJa o astro. A maioria dos
metrô. Fiz com que colocassem as mesas lado a lado,juntando todos astros tem direito contra:rua1 a um maquilador/a. Em terceiro lugar,
o mais possível. Lápis recém·apontados foram postos diante de um guarda-costas (seja necessário ou não). Em quarto lugar, um
cadacadeira.Eumanovacópiad<>roteiro.Emboraosatorestenham amigo que sairá logo. Efinalmente há o motorista sindicalizado. Ele
recebido o roteiro há semanas é impressionante a freqüência com ganha um piso de cerca de novecentos por semana mais hora extra.
qu~ o esquecem no primeiro dia
E há muita hora extra, já que os astros em sua maioria são os
Gosto de contar com o m~or número possível de pessoas da
primeiros a ser chamados pela manhã e são o~ últimos a sair à noite.
produção na primeira leitura. Já estio presentes o designer de pro-
O motorista não tem coisa alguma a fazer desde o momento em que
duçlo, o figurinista, o segundo assistente de diretor, o estagiário
traz o astro para os ensaios até a hora de apanhá-lo à noite afunde
(um aprendiz) da Directors Gujld ofAmerica (DGA), a continuist:a,
levá·lo para casa. Então a primeira coisa que o motorista faz é partir
o montador e o câmera, se não estiver fora realizando testes nas
locações. Assim que as mesas estão nos lugares., eles caem em cima para a máquina de café. Experimenta um pedaço do bolo de café,
de mim - todos eles. Plantas baixas sio desenroladas. Amostras de depois um pãozinho doce. Um copo de suco de laranja para
tecido. Fotos de Polaroid de um Thunderbird vermelho ano 86 e de empurrar o café, e depois um bage/ com muita manteiga para tirar
um Thunderbird preto ano 86. Qual deles eu quero? Ainda não o gosto do pãozinho. Um pouco de salada de ovos, uma fruta, e
temos a licenya para o bar na Rua Dez com Avenida A. O sujeito finalmente ele desce a escada na ponta dos pés novamente, para
quer muito dinheiro. Há outra locação que funcione tio bem? Não. fazer seja o que for que os motoristas sindicalizados fazem o dia
O que ~evo fazer? Pagar o que ele pede. Truffauttem um momento todo.
em seu Noite Americana que toca o coração de todo diretor. Ele Não é todo astro que tem um entourage. Sean Connery sobe a
acabou um dia dificil de filmagem . Está saindo dosei. A equipe de escada de dois em dois degraus, .cumprimenta todos rapidamente
produção o cerca, enchendo.o de perguntas sobre o trabalho do dia depois se joga na cadeira, abre seu roteiro e começa a estudar. Paul
seguinte. Ele pára, olha para o céu e grita: "Perguntas! Perguntas! Newman sobe a escada lentamente, o peso do mundo sobre seus
Tantas perguntas que eu não tenho tempo para pensar!" ombros, põecolírionosolhosefazumapiadaruim.Depoisabreseu
Aos poucos os atores vão chegando. Uma falsa jovialidade .l. roteiro e começa a estudar. Não sei como ele se arranja sem uma .
esconde o nervosismo deles. Soube da última sobre... Sidney, estou ' secretária. Paul leva uma das vidas mais generosas e dignas que eu
tio contente por estarmos trabalhandojuntos novamente... abraços, já conheci. Contando seu merchandising de pipoca, molho de
beijos. Eu mesmo sou um grande beijoqueiro, gosto de tocar as salada e outros, tudo para as organizações filantrópicas que ele
~~ ~soas e de abraçá-las, mas não sou um apalpador. Chega o
....
.I
'
criou e que atendem a pessoas relegadas por outras instituições,
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paranio falarem seu trabalho no cinema, seus dias são lotados. Mas de um ator a outro: "Sr. Finney, estamos à sua disposição agora."
ele faz tudo isso e nunca parece pressionado. "Srta. Bergman, se me permite."
A pessoa encarregada da publicidade também está lá. Os Os atores se juntam em tomo da mesa Eu dou minha primeira
publicitários são irritantes, mas a vida deles não é fácil. Os atores orientação a eles. Digo onde cada um deve sentar.
os odeiam porque estão sempre pedindo uma entrevista no dia em Na verdade estou dirigindo este filme há aJgum tempo. Depen-
que o ator tem de filmar sua cena mais dificil; o estúdio deixa dendo do grau de complexidade da produçlo flsica do filme passei·
sempre bem claro que o que eles enviam para a Costa Oeste é uma já dois meses e meio a seis meses fora cuidando da pré-produçlo.
porcaria e inútil; as pessoas que cuidam da publicidade pessoal do E dependendo da quantidade de trabalho que teve de ser feito no
astro, guardando com muito ciúme sua fatia, querem que todas as • roteiro, longos me.s es antes que a pré-produção começasse. As
solicitações passem por elas; e todos nós sabemos que nada que os grandes decisões já foram tomadas. Não há pequenas decisões
publicitários façam agora importa, já que o filme não vai ser quando se faz um filme. Cada decisio contribui para um bom
lançado antes de pelo menos nove meses e qualquer foto que trabalho ou faz todo o filme desabar sobre minha cabeça muitos
apareça no Daily News terá sido esquecida- e o nome do filme terá meses mais tarde.
sido trocado. A primeira decisão, é claro, foi se iria fazer o filme. Não sei
Geralmente o último a chegar é o roteitista. Ele é o último como os outros diretores decidem. Decido de modo completamente
porque sabe que neste ponto ele é o alvo. Neste ponto, qualquer instintivo, quase sempre após uma única leitura. Isto já produziu
coisa errada só pode serculpadele,jáque ainda não aconteceu coisa fdmes muito bons e filmes muito ruins. Mas é assim que eu sempre
alguma. Por isso ele vai devagar até a mesa do café, enche a boca fiz e agora estou muito velho para mudar. Não analiso um roteiro
de pllozinho para não poder responder às perguntas e tenta se tomar quando o leio pela primeira vez. Deixo apenas que ele me envolva.
tão pequeno quanto possível. As vezes acontece com um Livro. Li Prince ofthl! City em fonna de
O diretor assistente está tentando marcar os últimos exames livro e vi que queria desesperadamente fazer dele um filme.
médicos para a companhia de seguros (os principais componentes Também procuro me certificar de que tenho tempo para ler um
do elenco estão sempre segurados). E eu fico fingindo que estou roteiro de uma vez só. Um roteiro pode dar uma sensação muito
ouvindo a todos, com um falso sorriso amistoso na cara, esperando diferente se a leitura for interrompida, mesmo que por meia hora.
apenas que o ponteiro dos minutos assinale o início da hora para que O filme fmal será visto sem interrupções; então por que a primeira
possamos começaraquiloquejustificatudo isto: Estamosaquipara leitura do roteiro deve ser feita de modo diferente?
fazer um filme. O material vem de muitas fontes. Às vezes o estúdio o envia
Finalmente, não consigo esperar mais. Ainda faltam três minu- com uma oferta finne e uma data para começar o trabalho. Este,
tos, mas olho para o diretor assistente. Nervoso, mas com uma voz logicamente, é o melhor de todos os inundos, porque o estúdio está
cheia de autoridade, ele diz: "Senhoras e senhores'' - ou "Pessoal" preparado para fmanciar o filme. Os roteiros vêm de autores,
ôu "Hei, turma" - ''vamos nos sentar?" O tom que o DA usa~ agentes, astros e estrelas. Às vezes é material que eu elaborei, e aí
importante. Se ele parecer Papai Noel entoando "Ho-ho-bo", os !· começa o angustiante processo de submetê-lo à apreciação de
atores saberão que ele os teme, e aí ele cortará um dobrado depois. estúdios e/ou astros para ver se há possibHidade de financiamento.
Se parecer pomposo e zeloso demais, eles certamente o pegarão ao Há muitos motivos para se aceitar um filme. Não creio nisso de
longo do tempo. Os melhores são os diretores assistentes britânicos. esperar por um " grande" material que produzirá uma ••obra~prima".
Com anos e anos de boas maneiras inglesas, eles vão discretamente O importante é que o material me envolva pessoalmente em algum

[
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nível. E os níveis variam. Um longo dia de viagem dentro da noite Para quem quer dirigir mas não fez ainda um primeiro filme,
é tudo que se pode esperar. Quatro personagens se juntam e n1o nlo hâ decisão a tomar. Qualquer que seja o filme, quaisquer que
deixam nenhuma úea da vida por explorar. Mas certa vez fiz um sejam os auspícios, quaisquer que sejam os problemas, se há uma
filmecbamadoOencontro. Tinhaumbomdiálogo, de1amesSalter, chance ·de dirigir, agarre--al Ponto final. O prinu!iro filme justifica-
mas um argumento horroroso que lhe tinha sido fornecido por um se por si mesmo, porque ~ o primeiro filme. ·
produtor italiano. Presumo que Iim precisava do dinheiro. O filme Falei do motivo por que decidi fazer um determinado filme.
teve de ser rodado na Itália. Até então, eu vinha tendo grande Agora surge a decisão mais importante que tenho de tomar: De que
dificuJdadeemdescobrircomousaracor.Fuicriadocomfilmesem trata o filme? Nlo estou falando de enredo, embora em alguns
preto-e-branco, e quase todos os filmes que fizera até então eram melodramas muito bons o enredo seja tudo. E isto não é ruim. Uma
em preto-e-branco. Os dois filmes em coresquetinha feito, Quando história boa, vibrante, assustadora pode ser muito divertida.
o espetáculo termina e O gnJpO, nlo me deixaram satisfeito. A cor Mas como é o filme emocionalmente? Qual é o tema do filme,
parecia falsa. A cor parecia tomar os filmes ainda mais irreais. Por a espinha dorsal, a abrangência? O que o fi lrne significapara mim?
que o pfCto..e..branco parece real e a cor falsa? Obviamente eu a Personalizar o filme é muito importante. Estarei trabalhando sem
estava usando de maneira errada ou- o que é muito mais sério- não parar pelos próximos seis, nove, doze meses. É melhor que D filme
a estava usando de modo algum. tenha algum significado para mim. Do contrário, o trabalho fisico
Eu tinha assistido a um filme de Antoniooi chamado O dilema (na verdade muito pesado) vai se tomar duas ve~s mais extenuante.
de uma vida. A fotografia era de Carlo di Palma. Aqui, fmalmente,
A palavra "significado" pode abranger um espectro muito amplo.
O encontro significava CJile eu tinha a chance de trabalhar com
a cor foi usada em proveito do drama, para promover a história, para
Carlo. E o que aprendi fez. diferença em todos os meus filmes
aprofundar os personagens. Telefonei para Di Palma em Roma e ele
posteriores.
estava disponivel para O tmCo1rtTo. Feliz, aceitei fazer o filme. Sabia
A pergunta "De que trata este filme?" será feita repetidas vezes
que Carlo me ajudaria a romper meu "bloqueio cromático". E ele ao longo deste livro. Por ora, bastadiz.erqueotema(oquêdofilme)
assim fez. Essa era uma justificação perfeitamente sensata para vai determinar o estilo (o como do filme). O tema decidirá as
fazer o ftlme. especificidades de todas as escolhas feitas em todos os capítulos
Fiz dois filmes porque precisava do dinheiro. Fiz tr& porque seguintes. Eu trabalho de dentro para fora. Aqujlo de que trata o
adoro trabalhar e nlo podia esperar mais. Como sou um profissio- filme detenninará como será constin.údo o tlenco, como será o
nal, trabalhei duro nesses filmes como em qualquer outro que fiz. resultado final, como será montado, como será sua partitura musi-
Dois deles ficaram bons e foram sucessos. Porque a verdade é que cal e, com um bom estúdio, como será lanÇado. Aquilo de que trata
ninguém sabe o que é aquela combinação mágica que produz um o filme determinará como ele deve ser feito.
trabalho de primeira ordem. Nio estou sendo modesto. Há um Como eu disse antes, o melodrama pode te.r sua própria
motivo pelo qual alguns diretores podem fazer fllmes de primeira justificação, porque a pergunta "O que acontece a seguir?" é um dos
ordem e outros jamais o farão. Mas tudo o que podemos fazer é deleites que trazemos da infincia. Foi uma sensação emocionante
preparar a base que possibilita os "acasos felizes" que fazem a primeira vez que ouvimos "Chapeuzinho Vennelbo" e ainda
acontecer um filme de primeira ordem. Se isto acontecerá ou n1o é ficamos emocionados quando assistimos a O .sillncio dos inocen-
algo que jamais -saberemos. Há demasiados intangfveis, como os tes. Isso nãoquerdi.zerque O.silênciodoslnocentestnrte apenas de
capítulos seguintes mostrario. sua história. Graças ao primoroso texto de Ted Tally, à extraordi-
li FAZENDO FJLMES O DIR ETOR 19

néria direçlo de Jonathan Demme e ao magnffico desempenho de janela, binóculo na mão, procurando aviões alemães durante a ll
Anthony Hopki.ns, é também uma exploração de dois personagens Guerra Mundial. Está convencida de que um ataque aéreo a Nova
fascinantes. Mas antes e acima de tudo, é uma história brilhante, de York é imi.nente. Ela tanto se inclina para fora da janela que cai e
suspense, que mantém você aterrorizado e imaginando o que vai morre. O momento precisava do tipo de loucura cômica que leva à
acontecer. tragédia em que Robert Altman, por exemplo, é muite bom.
O melodrama é uma teatralidade exacerbada que toma plausí- Grotesca despedida era praticamente um roteiro perfeito. E eu .
vel o implausfvel.lndo mais além, parece mais real. Assassinato no acabei fazendo uma panqueca em lugar de um suflê. Um elenco de
Oriente Expresso é uma história policial de primeira ordem que comediantes maravilhosos - Jack Warden, Zohra Lampert, Joseph
mantém você completamente expectante. Lembro-me, quando li o Wiseman, Phyllis Newman, Alan King, Sorrell Booke, Godfrey
roteiro pela primeira vez, de ter berrado de alegria quando fmal- Cambridge- foi deixado se debatendo como peixe na praia por um
meotefoireveladoquerodostinhamfeitoaquilo.Faladoimplausível! diretor que leva funerais e cemitérios muito a sério.
E depois de pensar um pouco. percebi que falava de algo mais: Eu sabia que Assassina/o no Oriente Expresso tinha de ser
nostalgia. Para mim, o mundo de Agatha Christie é predominante- positivamente alegre em espfrito. Em algumas coisas somos natu-
mente nostálgico. Até os títulos dela são nostálgicos. The Murder ralmente talentosos, em outras temos de aprender. Algumas coisas
ofRoger Acluoyd {que nome!), Assassinato no Oriente Expresso simplesmente não podemos fazer. Mas eu estava disposto a tomar
(que trem!), Morte no Nilo (que rio!) - tudo no trabalho dela este fiJme alegre, mesmo que tivesse de me ·matar e a todos os outros
representa um tempo e um lugar que eu jamais soube que existiam, para consegui-lo. Ninguém jamais viu alguém trabalhando tão
e na verdade fico imaginando se de fato existiram. Nos capftulos intensamente em algo destinado a ser leve de espirito. Mas aprencli.
subseqüentes espero ilustrar como o conceito de nostalgia afetou (Novamente, as especificidades serão tratadas em capítulos poste-
cada um dos departamentos que trabalharam no Oriente Expresso. riores.) Não acho que teria lidado tão bem com Rede de intTigas se
E no fim um livro quarentão de Agatha Christie acabou recebendo não fossem as lições que aprendi em Oriente Expresso.
seis indicações para o Oscar. Eu poderia percorrer a Lista dos meus filmes, dissecando as
Mas havia outra ruão para eu querer fazer o filme. Sempre razões por que os fiz. As razões se estenderam da necessidade de
achei que havia prejudicado dois filmes por dirigi-los com mão dinheiro ao fato de estar·envolvido com cada pedaço de meu ser,
muito pesada. Foram eles O grupo, roteiro de Sidney Buchman, como estive em Q& A -Sem lei, sem justiça. Todo o processo de
extraído do Livro de Mary McCarthy, e um filme pouco conhecido fazer filme é mágico, tão mágico, na verdade, que geralmente serve
que chamei Grotesca despedida, que Herb Sargent adaptou do como justificativa suficiente para trabalhar. Só fazer o filme é
romance de WaUace Markfield, To an Early Grave. EJes sit;nples- suficiente.
mente não foram feitos com suficiente leveza de espírito. Uma última palavra, porém, sobre por que digo sim ao filme A
Certamente O grupo teria se beneficiado de um toque mais e não ao filme B. Ao longo dos anos, os críticos e outras pessoas
leve de comédia em seus primeiros vinte e cinco minutos, de modo observaram que estou interessado no sistema judicial. É claro que
que sua seriedade mais profunda pudesse surgir lentamente. Uma estou. Alguns disseram que minhas raizes teatrais aparecem em
das principais personagens do livro, K.ay, sofria por levar tudo na função do número de peças que filmei. Claro que aparecem. Há
vida muito a sério. O menor dos problemas, aos olhos dela, tomavã- muitos filmes envolvendo pais e filhos. Houve um monte de filmes
se uma crise; a mais casual observação poderia mudar sua relação que falavam de pais e filhos. Houve comédias, algumas ruins.
com outra pessoa. Já para o fmal do filme, Kay estádebruçada numa outras melhores. assim como melodramas e um musical. Também
20 FAZENDO FILMES O DIR ETO R 21

fui acusado de ocupar todo o espaço, de não contar com um tema V'zdas em fuga: A luta para preservar o que é sensível e
absorvente que se aplique a todo o meu trabalho. Não sei se isto é vulnerável em nós mesmos c no mundo.
verdade ou não. O motivo por que não sei é que quando abro a O golpe de Jolrn Anderson: As máquinas estão vencendo.
primeira página de um roteiro, sou um cativo de boa vontade. Não Limite de segurQIJça: As máquinas estio vencendo.
tenho nenhuma noção preconcebida de que desejo que o conjunto Doze homens e uma senrença: Ouvir.
do meu trabalho seja sobre uma idéia determinada. Nenhum roteiro Rede de intrigas: As máquinas estão vencendo. Ou. se preferi-
tem de se encaixar num tema predominante em minha vida Não rem: A 1V não corrompe pessoas; pessoas corrompem pessoas.
tenho um. Um dia olharei para o meu trabalho ao longo dos anos e Serpico: Um retrato de um verdadeiro rebelde com uma causa.
direi para mún mesmo: "Ah, era nisso que eu estava interessado na O mágico inesquecível:O lar, no sentido do autoconhecimento,
época.'" está dentro de você (isto se aplicava ao brilhante filme de Garland
O que quer que eu seja, o que quer que o trabalho represente, e ao livro de L . Frank Baum).
tem deyir do meu subconsciente. Não posso abordá-lo de maneira Opeso de um passado: Quem paga pelas paixOcs e compromis-
cerebral. Obviamente isto é justo e correto para mim. Cada pessoa sos dos país?
déve abordar o problema da maneira que for melhor para si. :A gaivota: Por que todos se apaixonam pela pessoa errada?
Não sei como escolher trabalho que revele como é a minha (Não é por acaso que na última cena os protagonistas jogam cartas
vida. Não sei como é a minha vida e não a examino. Minha vida se em tomo de uma mesa, como se cada um tivesse péssimas cartas e
de'fmirá à medida que eu a for vivendo. Os filmes se definirão à agora precisasse de um pouco de sorte.)
medidaque eu os fizer. Desde que o tema seja algo que me interessa Um longo dia de viagem dentro da noite: Devo parar aqui. Não
naquele momento, é suficiente para me fazer trabalhar. Talvez o sei qual é o tema; sei apenas que a idéia, seja qual for, é inerente ao
próprio trabalho seja o que importa na minha vida. titulo. Às vezes um assunto surge e, como neste caso, é expresso
Tendo decidido, por qualquer motivo, fazer um filme, volto num texto tão extraordinário, é tio grandioso, tio envolvente, que
àquela ampla discussão critica: De que trata o filme? O trabalho não nenhum tema i.soladopodedefmi-lo. Tentar defini-lo impõe limites
a uma coisa que não deve ter limites. Sou muito feliz por ter tido um
pode começar enquanto seus limites não estio definidos. e esta é a
texto dessa magnitude em minha carreira. Descobri que o melhor
primeira etapa desse processo. Toma-se o Jeito do rio em que todas
meio de abordá-lo era perguntar, investigar, deixaro texto me falar.
as decisões subseqüentes serão canalizadas. •
Um pouco disto acontece em todo bom trabalho, é claro. Com
O homem do prego: Como e por que .criamos nossas próprias Prfncipe da cidade eu não fazia a menor idéia de como me sentia
prisões.
a respeito do personagem principal, Danny Ciello. até ver o filme
Um dia de cbo: As aberrações nio são as aberrações que terminado. Com Serpico eu fui sempre ambivalente sobre seu
pensamos que sio. Estamos muito mais ligados ao comportamento personagem. Ele às vezes era um pé no saco. Sempre se queixando.
mais escandaloso do que sabemos ou admitimos. Al Pacino me fez amá-lo. não ao personagem do roteiro. Á gaivota
Príncipe da cidade: Quando tentamos controlar tudo, tudo é totalmente ambivalénte sobre comportamento. Todos se apaix<>-
acaba nos controlando. Nada é o que parece. nam pela pessoa errada. O professor Medvedenko 81_1la Masha que
Daniel: Quem paga pelas paixões e compromjssos dos pais? ama Konstantin que ama Nina que ama Trigorin que pertence a
' Eles pagam, mas também pagam os filhos. que não escolheram as Arkadina que é amada rulmente pelo Dr. Dom que é amado por
paixões e os compromissos. Paulina. Mas nada disso impede que cada um tenha sua própria
22 FAZ E N DO Fl L M E S O DIRETOR 23

dignidade e seu próprio patos, apesar da aparente tolice de todos. A própria impressão sobre o detalhe. Nlo estamos em busca de
ambivalência é uma fonte para explorar cada personagem num consenso aqui. Estamos em busca de comun.icaçio. E às vezes
nível de profundidade cada vez maior. Cada pessoa é como todos chegamos ao consenso. E isto é emocionante.
nós. Certo ou errado, escolhi um tema para o filme. Como eu pego
Mas em Um Longo dia de viagem denJro da noite ningum é as pessoas que podem me ajudar a traduzi-lo para a tela? Abonfa..
como qualquer um de nós. Os personagens estio numa espiral remos as especificidades mais adiante, quando cada aspecto da
descendente de proporções épicas, trágicas. Para mim, Um longo realizaçJo de um filme for analisado. Mas há wnaabordagem geral
dia de viagem dentro da noite resiste a deitn.ições. Uma das coisas também. Por exemplo, no final da década de cinqOenta, caminhan-
mais belas que me aconteceram aconteceu neste filme: a última do pelos Cbamps Elysées, vi um anúncio em néon no alto de um
tomada. A última tomada do filme é de K.atharine Hepbum, Ralph cinema: Douze Hommes en Colere- ~~nFilm de Sidney Lumet. Doze
Richardson, Jason Robards e Dean Stockwell sentados em tomo de homens e uma senten.ça estava entlo em seu segundo ano. Feliz-
uma mesa. Cada um está perdido em sua fantasia intoxicante, os mente para minha psique e minha carreira, nunca acreditei que
homens na bebida, Mary Tyrone na morfina. Um farol distante fosse un Film de Sitlney Lumet. Nlo me entendam mal. Não é falsa
varre a sala com seu feixe de luz a cada quarenta e cinco segundos. modéstia. Eu sou o sujeito que diz ••copiem" c é isto que detennina
A câmera recua lentamente e as paredes da sala gradualmente o que passa na tela. Para quem nunca esteve num sei: depois de uma
desaparecem. Logo os personagens, sentados num limbo preto, se cena ter sido ensaiada no set, começamos a fLlmá-la. Cada vez que
tornam cada vez menores à medida que a luz bate neles. Fade out. filmamos fazemos uma tomada. Podemos fazer uma tomada ou
Depois de ver o filme, Jason me contou que lera uma carta de trinta do mesmo momento. Sempre que uma tomada parece
Eugene O'Neill em que ele descreve sua imagem de sua faml1ia satisfatória no todo ou em parte, dizemos "Copiem".lsto significa
"sentada na escuridão, em volta do tampo da mesa do mundo". Eu que a tomada será levada ao laboratório para sec revelada e copiada
nlo tinha lido aqueJa carta. Meu coração pulou de felicidade. Isso para que possamos examiná-la no dia seguinte. As tomadas copia-
é o que acontece quando se deixa o material dizer à gente como ele das constituem o filme terminado.
é. Mas o material tinha de ser ótimo. Mas o quanto sou eu o responsável? É o filme realmente un
Voca e eu podemos discordar. sobre o significado de um Film ck Sidney Lumefl Eu dependo das condições do tempo, do
determinado detalhe. Isto não é importante. Quem quer que estej a orçamento, do que a atriz principal comeu no café da manhã, por
fazendo o filme tem direito à sua própria interpretação. Gostei e quem o ator principal está apaixonado. Dependo dos talentos e das
admirei muitos fiJmesqueme pareciam tratardeoutracoisaque não idiossincrasias, dos humores e dos egos, das opiniões e das pe~
aquilo para que eu estava olhando. Em Um lugar ao sol, George oalidades, de mais de cem pessoas diferentes. E isto faz parte da
Stevens fez uma história de amor maravilhosa e muito romântica. realização do filme. Neste ponto nlo quero nem começar a analisar
Mas a ressónância do livro de Dreiser em que a história se baseava o estúdio, o financiamento, a distribuição, o marketing e assim por
· tomou-se para mim o centro do filme, embora eu nio o tivesse lido diante.
na época. Era realmente "Uma tragédia americana»: o terrível preço Então o quanto sou independente? Como todos os chefes- e no
que um homem paga por sua crença no mito americano. O impor- sei eu sou o chefe- sou o chefe somente até certo ponto. E param im
tante é que a interpretação do diretor resulte de suficiente convicção isto é o que é tAo estimulante. Sou responsável por uma comunidade
para sua intenção, seu ponto de vista ficar claro. Cada pessoa tem . da qual preciso desesperadamente e que também precisa muito de
então liberdade para concordar, rejeitar ou ser despertada para sua mim. É nisso que está a graça, na experiência compartilhada.
24 fAZENDO FJ LMES O DI RETO R 2S

Qualquer pessoa dessa comunidade pode me ajudar ou me prejudi- para o setup seguinte. (Setup é a preparayão da próxima tomada.
car. Por este motivo, é importante ter as pessoas mais criativas em Passar para setup seguinte é uma tremenda responsabilidade. Te-
cada departamento. Pessoas que podem nos desafiar a dannos o mos de desmontar todo da cena anterior, que pode ter exigido horas
máximo no trabalho, não c<>m hostilidade, mas em busca da de trabalho, talvez um dia ou até dias, para preparar. Se é o último
verdade. Claro, posso impor minha autoridade se um desentendi- setup numa determinada locação, a decisão é mais crucial ainda, já
mento se toma insolúvel, mas isto só como último recurso. E que estaremos indo em frente e talvez não possamos voltar.)
também um grande alívio. Mas a graça está nas concessões mútuas. Portanto di~ "Copiem" 6 minha maior responsabilidade.
A graça está em conversar com Tony Walton, o designer de Houve ocasiões em que mandei copjar a primeira tomada e fui
produção dePrincipedacidade, sobre o tema do filme e depois vê- adiante. Isto é perigoso, porque acidentes acontecem. O laboratório
lo chegar com a expressão daquele tema. Contratar bajuladores e pode arruinar a película. Certa vez houve uma paralisaçllo num
puxa-sacos é aviltar o filme e a mim mesmo. Sim,AJ PacinodesafJa laboratório de Nova York. Os cretinos simplesmente deixaram a
a gente. Mas só para nos tomar mais honestos, para nos fazer ir mais película no tanque. Um dia inteiro de trabalho não apenas do meu
fundo. Voca é um melhor diretor por ter trabalhado com ele. Henry filme, mas de todos os filmes rodados em Nova York naquele dia,
Fonda não sabia simular nada, de modo que se tomava um barôme- se perdeu. Uma vez a película estava sendo levada para o laborató-
tro' da verdade no qual a gente se mede e mede os outros. Boris rio numa caminhonete, que se envolveu num acidente. Latas de
Kaufmao, o grande fotógrafo do preto-e-branco, com quem fiz oito negativo exposto rolaram pela rua, algumas se abriram e as tomadas
filmes, contorcia-se de angústia e discutia se sentisse que um se perderam. De outravez, em Ogolpe deJohn Anderson, tínhamos
movimento de câmera el1l arbitrário e imotivado. · preparado o que seria um funeral de um gângster do lado de fora da
Deus sabe que nio estou querendo um set conturbado. Há Catedral de St. Patrick, nas ruas Mulberry e Hooston em Littleltaly.
diretoreS que pensam que têm de provocar as pessoas para obter o Eu pude sentir a tensão se formando. Alguns valentões começaram
melhor trabalho delas. Acho que isso 6 loucura. A tenslo nunca de repente a ficar melindrados com o modo como seus parentes
ajuda coisa alguma. Qualquer atleta pode dizer que a tensio 6 uma estavamsendoretratados.(Nloprecisodizerqueeraumavigarice.)
forma segura de atrapalhar. Sinto a mesma coisa em relaçlo aos Alan King interpretava um gângster no filme. Ele se postou bem no
filmes. Tento criar um ambiente bem descontnúdo noset, cheio de meio de um grupo de seis sujeitos particularmente entroncados.
brincadeiras e de concentraçio. Parece surpreendente, mas as duas Suas vozes Jogo ficar&~~\ mais altas. Finalmente eu ouvi um deles
coisas se combinam muito bem. É claro que os bons talentos têm dizer."Porquetcmosdeserumbandodedesordeirosotempotodo?
vontade própria e esta deve ser respeitada e encorajada. Parte do Também temos artistas!"
meu trabalho é fazer com que todos funcionem dando o meJhor de A1an: "Quem?"
si. E se contratei os melhores, pense no quanto o melhor deles é ValentAo: "Michelangelo!''
melhor do que o dos nlo tio melhores. Alan: "Já fizeram esse filme."
O centro do meu trabalho - o momento decisivo - ocorre Valeotlo: "É? Com quem?"
quando digo "Copiem,, pois é entlo que tudo por que venho Alan: "Chuckles Heston. Foi um fracasso."
trabalhando é gravado em definitivo. Como sei quando dizér isto? Mas a situaçlo era séria. O diretor-assistente veio me dizer que
Realmente não tenho certeza. As vezes fico em dúvida sobre uma tinha ouvido um figurlo do baiJTo falar em "pegar a porra do
tomada, mas mando copiá-la assim mesmo. Nio tenho de usá-la. Às negativo!" Nossas gangues s!o muito sofisticadas em Nova York.
vezessintotantacertezaquemandocopiarsóaquelatomadaepasso Assim, após cada tomada, separávamos o negativo e o entregáva-
26 fAZENDO FILMES O DIRETOR 27

mos a um aterrorizado assistente de produçlo, que discretamente o luzes vermelhas do 6ltimo vaglo quando o trem desaparece na
levava para o laboratório da Technicolor usando o m~ . escuridlo da noite.
Mas o que me leva a dizer "Copiem.. é completamente in.stin- Geoffrey Unsworth, o brilhante fotógrafo btitin.ico, tinha
tivo. As vezes digo isto porque sinto <(Ue foi wna tomada perfeita, levado seis horas para iluminar esta área eoonne. Quatro de nossos
que nlo conseguiremos outra melhor. As vezes porque está pioran- astros-lngrid Bergman, Vanessa Redgrave, Albert Finney e John
do a cada tomada. As vezes Dlo há escolha. A luz está indo embora Gielgud- estavam fazendo peças em Londres. Terminavam as
c no dia seguinte tem-se de filmarem Paris. Má sorte. Mando copiar apresentaçôes de sábado à noite, pegavam o avilo para Paris no
c espero que ningu~ veja a concessio. domingo pela maohl e tinham de estar de volta em Londres para as
A maior presslo na realização de um filme é quando se tem de sessões de segunda-feira."- tomada tinha de ser feita à noite, já que
fazer a fi.Lm.agcm numa única tomada. Isto aconteceu em Á.Ua.ui- n1o há muito mistério e nem um pouco de glamour num trem que
1JDio no Oriente Expruso. Imagine o seguinte: Estamos num galplo sai da estação à luz do dia. Além disto, tínhamos de esvaziar o
enorme de uma cstaçlo ferroviária da periferia de Paris. Dentro do galplo para a Ferrovia Nacional Francesa às oito da manhã de
galpão está um trem arquejante, resfolegante, com seis vagões. Um segunda-feira. Nlo podíamos ensaiar a tomada urna vez sequer,
trem inteiro! Todo meu! Nlo um trem de brinquedo! Um trem de
porque Geoff precisava do trem em posição na platafonna para
verdade! Fora montado com carros vindos de Bruxelas, onde a
fazer a iluminação de toda a cena. O final do galpio através do qual
companhia dos Wagon-Lits guarda seus vagões antigos e de
Pontarlier, nos Alpes franceses, ondeaFerrovia Nacional Francesa, o trem saia estaria aberto·para o exterior dos pátios de manobra. com
conserva suas locomotivas. Construímos em Londres um set da toda a moderna Paris por trás, o que era mais um motivo para não
cstaç1o ferroviiria de Istambul, que foi levado para Paris, e o tennos luz do dia.
colocamos no galplo, de modo que o galpio se tomou o tenninaJ de Peter McDonald é o melhor operador de câmera com quem já
Istambul dó Oriente Expresso. Trezentos extras estio reunidos na trabalhei. O operador de câmera realmente gira as rodas que
...plataforma do trem" e na "sala de espera". A tomada é assim: A ~tam a cimera em qualquer direçlo. Há também um ajustador
câmera sobre a Nike, uma dollymotorizada, de quase cinco metros. de foco; o trabaJho dele, obviamente, é manter o foco. Mas isto não
Está abaixada. Quando o trem parte em nossa direçlo, a cimera é tão fácil quando a câmera se move numa direçlo, o trem se move
avança na dolly ao encontro dele e ao mesmo tempo está sendo na outra, e você vai levar a câmera a fazer uma panorâmica sobre .·
levantada até mais ou menos a metade da altura do trem, cerca de as Letras (" Wagon-Lit"), onde é muito fácil ver se o foco não está
dois metros. O trem ganha velocidade vindo em nossa direção perfeito. Ele está trabalhando num diafragma de 2,8, o que toma o
enquanto ganhamos velocidade indo em direçio ao trem. No foco mais dificil ainda. Além disto, bá o homem que guia a dolly
momento em que o centro do quarto carro nos alcança. fazemos um para um objeto (o trem) cuja velocidade ele nunca viu, e um
close-up do sfmbolo da Wagon-Lit. É muito bonito, ouro sobre carpinteiro na tongue (o braço de contrapeso da grua onde a câmera,
fuódo azul. Enche a tela. Quando passa por nós, fazemos uma o operador da câmera, GeoffUnsworth, e eu estaremos sentados).
panorimica com a câmera a fim de seguir o símbolo da Wagon-Lit A umgue permite que a cimera seja levantada ou abaixada. A
até girarmos cento e oitenta graus e estarmos de frente para a coordenação entre estes quatro homens tem de ser perfeita. Peter
direçlo oposta. Erguemo-nos então até a altura máxima da grua, ensaia com eles várias vezes, mas ele está fazendo apenas uma
cerca de cinco metros, e estamos filmando o trem que se afasta de suposição, já que o trem nlo pode se mover enquanto Geoff está
n6~ ficando cada vez menor. Finalmente vemos somente as duas fazendo a iluminação.
28 FAZENDO FILMES O DIRETOR 29

Finalmente, são quatro horas da manhã e estou ficando nervo- outros US$ 7 milhões são para os custos de "produção"- ou seja,
so. Geoffestá acabando, os eletricistas estão correndo, todos dando tudo o mais: sets, locações, caminhões, aluguel de estúdio, equipes
o máximo de si. Às 4:30 Geoffestá pronto. Meu coração dá um pulo. de locações e de estúdio, fornecedores, honorários advocaticios
Agora sei que só poderemos fazer wna tomada, pois o céu vai (que são altíssimos), música, montagem, mixagem, aluguel de
começar a clarear às 5: I O. Não há como fazer o trem voltar ao pátio, equipamento, despesas de alojamento, decoração (mobiliário, cor- ·
pará-lonamarcaexataenospreparannosparaumasegundatomada tinas, plantas etc.). Os custos "de produção" são os ·custos da
em quarenta minutos. Além disto, muito do tráfego regular já terá produção física do filme. Sem o suporte de um grande estúdio, o
começado, de modo que alinha secundária não estará mais dispo- produtor vai a algumas ou a todas .as reuniões anuais em Milão,
nível para nós. Não há outra coisa a fazer senão ir em frente. Os Cannes ou Los Angeles e tenta vender os direitos de distribuição do
extras. em seus lugares., a locomotiva resfolegando, os corações filme a distribuidores individuais da França, Itália, Brasil, Japão-
disparados, rolamos a câmera. Eu grito; "Partida do trem." O todos os países do mundo. Se detém os direitos para a televisão,
assistente francas bilfngüetransm i te a ordem ao maquinista. O trem pode então vendê:-los pais por pafs. Direitos de videocassete.
começa a vir em nossa direção. E nós na direção dele. A tongue se Direitos de 1V a cabo. Deste modo, lentamente ele acumula os US$
e~e, levantando a câmera. O ajustador do foco já está começando tO milhões necessários para fazer o filme: US$ 2 milhões do Japão,
a mudar o foco para o logotipo da Wagon-Lit no quarto vagão. Ele US$1 milhão da França, US$ 75 mil do Brasil, US$ 15 mil de Israel.
vem em nossa ~ireção tão depressa que é dificil segui-lo com os Nenhuma oferta é pequena demais.
olhos, muito menos com a câmera. Peter movimenta a.câmera com Para este trabalho, porém, duas coisas são necessárias. Primei-
uma rapidez que me deixou feliz por ele ter insistido em que eu ro, o produtor deve ter um acordo americano de distribuição, uma
travasse meu cinto de segurança. O trem i.rrompe do pátio e garantia de que o filme será lançado nos Estados Unidos. A segunda
desaparece na noite. Peter olha para mim, sorri, faz um sinal de
necessidade é uma garantia de conclusão, que é exatamente o que
positivo com o polegar. Geoffsorri, olha para mim. Eu olho para a
o nome diz. Dada por uma companhia com amplos recursos
continuísta lá em baixo e com muita calma digo: "Copiem."
Outro elemento que me faz consciente das responsabilidades é
financeiros, a garantia de conclusão assegura que o filme será
o orçamento. Nlo sou daqueles diretores que dizem ''Dape-se a- tenninado. Se o ator principal morrer, se um furacão destruir o set,
companhia; vou gastar. o que for preciso". Sou muito grato a se um incêndio queimar o estúdio, a companhia garantidora da
qualquer um que me tenha dado muitos milhões para fazer um conClusão, tendo conseguido o din~eiro que puder da companhia de
filme. Eu jamais conseguiria levantar todo esse dinheiro sozinho. seguro, financiará o término do filme. Mas parte do contrato -e isto
.Trabalho no orçamento com o gerente de produção e no cronograma é padrão - determina que se a produção estiver atrasada no
com o diretor-assistente. Depois faço tudo que é humanamente cronograma e/ou tiver excedido o orçamento durante a filmagem,
possivel para me manter dentro desses limites. a companhia garantidora pode assumir o filme! Ela tem direito
Isto 6 particularmente importante em filmes que não são então a economizar da forma que quiser. Se a cena original se
financiados por um grande estúdio. Alguns das filmes que fiz foram passava no teatro lírico com seiscentos extras, a companhia pode
combinações de financiamento privado e da venda de "territórios". exigir que você rode a cena no banheiro dos homens do teatro. Se
A coisa funciona assim: Digamos que o filme está orçado em US$ você se recusar, ela pode demiti-lo. Se vócê pensou em fazer a
1Omilhões. Destes, US$ 3 milhões estão no que chamamos custos mixagem da trilha sonora em estéreo, a companhia pOde mandar
' de "criação": direitos autorais, diretor, produtor, escritor, atores. Os você fazer uma mixagem monaural, porque custa muito, muito
30 FAZENDO FILMES O DIRETOR 31

menos. Ela é a dona do filme nesse ponto. A remuneração dela, locação, completando cada parede. Imagine o seguinte: Uma sala
aliás, fica entre 3 e 5 por cento do orçamento do filme. tem quatro paredes- vamos chamá-Las parede A, parede 8 , parede
. Pergunto novamente: o quanto sou livre? Interessante é que C, parede D. Começando com a tomada mais ampla diante da
não me importo com limitações. Às vezes clãs até estimulam a parede A, continuo filmando todas as cenas em que a parede A é o
gente a fazer um trabalho melhor, mais imaginativo. Pode surgir na fundo. Depois passamos para a parede B e seguimos o mesmo
equipe técnica e no elenco wn estado de espírito que aumenta a processo. Depois a parede C e finalmente a parede D. A razlo disso
paixlo pelo filme, e isto aparece oa tela Em certos filmes trabalhei é que sempre que a câmera tem de mudar seu ângulo mais de 15
pelo mínimo do sindicato e os atores também. Fizemos Um longo graus, é necessário fazer nova iluminaçlo. flum inar é a parte que
dia de viagem dentro da noite desse modo. Fizemos isS<J porque maistomatempo(eportantoamaiscara)darealizaçãodeumfilme.
amáv~os o material e queríamos ver o filme pronto fosse como A maioria das reiluininações leva no mínimo duas horas. Quatro
fosse. Formamos uma cooperativa, Hepbum, Richardson, Robards, reilumi.nações levam um dia inteiro! Filmar diante da parede A.
Stockwell e eu, cada um de nós trabalhando pelo mesmo piso depois virar 180 graus para filmar diante da parede C, é geralmente
salarial. Dividimos os lucros (realmente houve algum lucro) em um serviço de quatro horas, metade de um dia de trabalho!
partes iguais entre nós. Custo total do ftlme: USS 490 mil. OHomem Logicamente os atores filmam fora da seqilência. Mas este é
do prego foi feito assim. Custo total: USS 930 mil. Daniel, Q&A - um dos beneficios do ensaio. Eu ensaio pelo menos duas semanas,
Sem lei, semjustiça, At~ os deuses erram foram todos feitos assim. às vezes três, dependendo da complexidade dos personagens. Nio
Eles estão entre os filmes mais satisfatórios do ponto de vista tínhamos dinheiro para fazer Doze homens e uma sentença. O
artístico que já fiz. Em outras ocasiões, como sentia que o filme orçamento era deUS$ 350 mil. Isso mesmo: US$ 350 mil. Quando
tinha pouco potencial comercial e estava grato pelo fato de o estúdio uma cadeira estava iluminada, tudo que acontecesse naquela cadei-
ter colocado dinheiro, fiz o inimaginável. Recebi menos dinheiro ra era filmado. Bem, nem tudo. Demos a volta na sala íris vezes:
do que meu "preço estabelecido", como aconteceu em Opeso de um uma vez para a luz norma.!, uma segunda vez para as nuvens da
passado. Nunca me arrependi disso. chuva se fonnando, o que mudava a qualidade da luz que vinha de
Descobri também que os atores estão dispostos a fazer esse tipo fora, e a terceira quando as luzes do alto foram acesas. Lee Cobb
de acerto se gostam do material, acham que é arriscado e sabem que discutindo com Henry Fonda teria obviamente tomadas de Fonda .•
todos vão trabalhar na mesma base. Além do elenco de Um longo (diante da parede C) e tomadas de Cobb (diante da parede A). Elas
dia de viagem dentro da noite, Sean Connery aceitou ganhar só o foram filmadas com sete ou oito dias de intervalos. Isto significava,
piso salarial nesse tipo de aventura. Nick Noite também, assim logicamente, que eu precisava ter uma lembrança emocional perfei-
como Timotby Hutton, Ed Asner, o brilhante designerde produção ta da intensidade alcançada por Lee Cobb sete dias antes. Mas é aí
Tony Walton. o excelente fotógrafo Andrzej Bartkowiack. As que os ensaios são inestimáveis. Depois de duas semanas de ensaio
vezes cheguei a pedir aos membros da equipe técnica que fizessem eu tinha em minha cabeça um gráfico completo de onde eu queria
.isso; alguns toparam, outros não. Mas adivinhe quem nunca topou. que cada nível de emoção do filme estivesse. Tenninamos em
Os motoristas. dezenove dias (um dia a menos do que previa o cronograma) e US$
Muitas das técnicas de economia que aprendi em filmes de 1.000 abaixo do previsto no orçamento.
baixo orçamento podem e devem ser usadas em filmes com orça- Tom Landry foi quem disse: tudo depende da preparação.
mentos normais. Muita economia pode ser feita, sem sacriflcio da . Detesto os Dallas Cowboys, e não sou muito empolgado por ele e
qualidade. Por exemplo, filmo uma cena, seja no estúdio ou em seu chapéu de aba curta. Mas ele acertou em cheio. Tudo depende
32 FAZENDO FILMES

da preparação. Será que muita prepara.çlo mata a espontaneidade?


De modo algum. Eu descobri queéexatamenteocontrário. Quando
sabe o que está fazendo, a pessoa se sente muito mais livre para 2 - O ROTEIRO:
improvisar.
Em meu segundo filme, Quando o espetáculo termina, uma OS ESCRITORES SERÃO NECESSÁRIOS?
cena entre Hemy Fonda e Cbristopher Plummer acontecia no
Central Park. Eu tinha rodado a maior parte da cena por volta da
hora do almoço. Interrompemos por uma hora, sabendo que teria-
mos somente umas poucas tomadas a fazer depois do almoço para
terminar a seqO&lcia. Durante o almoço a neve começou a ca.U.
Quando voltamos, o parquejá estava totalmente coberto de branco. Eu detalhei os motivos pelos quais disse sim ou não a um roteiro.
Isto significava, logicamente, que existia um roteiro.
Aneveeratiobonitaqueeuquisrefazertodaacena.FranzPlanner,
o operador, disse que era impossfvel porque estaríamos sem luz por Bem, no cinema todos t!m Óque no jargão da classe é chamado
volta das quatro horas. Rapidamente modifiquei a cena, dando a de período "quente... Isto acontece quando todo o mund~ quer voe!
Plummer uma nova entrada para que ele pudesse ver o parque porque seu último filme foi um sucesso. Se você teve doiS sucessos
coberto de neve; depois coloquei os dois num banco, filmei um seguidos, está fervendo. Três sucessos, e o que ouve é: "O que é que
plano geral e dois close-ups. A lente estava. bem aberta na última você deseja, amigo? É só dizer." Antes que ~ga '1Ioll~ood- o
tomada, mas conseguimos captar tudo. Como os atores estavam que é que você espera'r acho que deve examtnar a p~pna profis-
preparados e como a equipe sabia o que estava fazendo, aproveita- slo. Pelas minhas observações, o mesmo padrão se ventica na área
mos as condições do tempo e tenninamos com uma cena melhor. A editori8.t, no teatro, na música, advocacia, medicina, espo~ telo-
preparação permite o "acaso feliz" que no fundo todos nós estamos visio, tudo.
sempre esperando que aconteça. E aconteceu muitas vezes desde Durante alguns de meus periodos quentes, e mesmo em alguns
então: numa cena entre Sean Connery e Vanessa Redgrave na mais frios, um roteiro que chega de um estúdio vem geralmente
Istambul real em Assassbtalo no Expruso Oriente; numa cena acompanhado de uma carta que quase sempre contém a mesma
entre Paul Newman e Charlotte Rampling em O veredicto; e em frase: "É claro que sabemos que o roteiro precisa ser trabalhado. E
muitas cenas com AJ Pacino e vários funciotlários do banco em Um se você achar que o autor em questio nlo pode fazer isso, estamos
diadecilo.Jáquetodossabiamoqueestavamfazendo, praticamen- dispostos a contratar quem vd quiser." ~P-': fiquei~
te toda a improvisação terminou fazendo parte do filme acabado. com isto. É sem~ um mau sina.l. Para mim, mdtca, em pnmetro
lugar, que eles não t&n convicção sobre o que ~mpraram.
Assim- passemos aos assuntos específicos. Que taJ conversar-
O desprezo com que os escritores tem s1do tratados ~los
mos sobre escritores? estúdios ao longo dos anos é conhecido demais para ser anahsado
novamente aqui. Em sua maioria as histórias de horror sio verda-
deiras, como quando Sam Spiegel contava com dois autores traba-
lhando no mesmo filme em dois andares diferentes do P1aza
Athenée em Paris. Ou quando Herb Oardner e Paddy Chayefslcy,
que tinham escritórios contíguos na Sétima Avenida. 850, em Nova
FAZENDO FILMES O ROTEIRO 3S

York, receberam um dia ofertas idênticas para reescreverem o troca do controle comunal em que uma peça primeiro vai para as
mesmo roteiro. O produtor era estúpido demais ou estava preocu- mios de um diretor e depois passa pelas mios de um elenco, do
pado demais para perceber que os roteiros estavam sendo enviados cen6glúo, do produtor e por af afora. A resposta foi tocante. Ele
paraomesmoendereço,umparaasaJa625eooutroparaasala627. disse que adorava ver o que seu trabalho provocava nos outros. O
Os escritores datilografaram cartas idênticas, recusando a oferta. ~o podia conter revelaçôes, sentimentos e idéias que ele
Eu venho do teatro. Lá o trabalho do escritor é sagrado. jamais imaginou existirem ao escrever a peça. É isso que todos nós
Realizar a intençio do autor é o principal objetivo de toda a ~~· .
produçio. A palavra "intençio" é usada no sentido de expressar o Depois de termos concordado na resposta à pergunta importan-
ms»tivo de o autor ter escrito a peça. De fato. como determina o te "De que trata o filme?", podemos conversar sobre os detalhes.
contrato do Dramatists Guil~ o autor tem a palavra final em tudo Primeiro vem um exame de cada cena - em seqO@ncia, é claro. Será
-elenco, cenários, figurino, diretor- inclusive o direito de encerrar que essa cena contribui parao tema geral? De que modo? Co~.b~i
a peça antes de ela estrear se não está satisfeito com o que v6 no para a trama da história? Para o personagem? A trama da histona
palco. Sei de uma ocasião em·que isto aconteceu. Fui criado com o está avançando num crescendo detenslo ou drama?No caso de uma
conceito de que a pessoa que teve a idéia inicial, que passou pela comédia. está se tomando mais divertida? A história está avançan-
angústia de colocá-la no papel, era quem tinha de estar satisfeita. do com os personagens? Num bom drama, a linha em que os
Quando me encontro pela primeira vez com o roteiris~ nunca personagens e a história se mesclam deve ser indiscemfvel. Certa
iligo a ele coisa aJguma, mesmo se achar que há muita coisa a fazer. vez li um roteiro muito bem escrito com di!logos de primeira
Ao invés disto, faço-lhe as mesmas perguntas que flZ a mim: De que ordem. Mas~ personagens nlo tinham nada a ver com a trama da
trata esta história? O que foi que você viu? Qual foi a sua inlençiiQ?
história. Aquela história poderia ter acontecido com moitas tipos
Em condições ideais, se fizermos isto~ o que você espera que diferentes de pessoas. No drama, os personagens devem determinar
o público sentirá, pensará, vivenciará? Com que disposiç.lo você
a história. No melodrama, a história determina os personagens. O
deseja que as pessoas saiam do cinema?
melodrama faz da trama sua mais alta prioridade e tudo é subservi-
Somos duas pessoas diferentes tentando combinar nossos
talentos, e entio é importante que concordemos sobre a intenç.lo do ente à história. Para mim, a farsa é o equivaJente cômico do
roteiro. Na melhor das circunstinc~ o que surgirá é uma terceira melodrama e a comédia o equivalente cômico do drama. Mas no
intençlo, que nenhum de nós viu no início. Na pior das circunstân- drama a história deve revelar e elucidar os personagens. Em
cias, um processo angustiante de intenções opostas pode ocorrer, Prlncipedacidode,DannyCiellotinhaumdefeitofatalquetomava
que resultará em algo sem rumo, confuso ou simplesmente ruim se o fim do filme inevitável. Como homem, como personagem. ele era
desenrolando na tela. Conheci certa vez um diretor que sempre se um manipulador. Achava que podia manipular qualquer coisa e
jactava de ter uma fónnula secreta que imaginava poder ••introdu- tirar vantagem dela. O filme conta a história de um homem desse
zir" no filme. Provavelmente invejava o talento do escritor. tipo que entra nwna situação que ele não pode manipular. Ninguém
O primeiro, e acho que único, romance de Arthur Miller, poderia. Era grande demais, complexa demais, com demasiados
Focus, era, em minha opinião, tão bom quanto sua primeira peça elementos imprev lsfveis, inclusive outras pessoas, para que alguém
produzida, A.// My Sons. Uma vez lhe perguntei por que, já que era pudesse controlá-la. Inevitavelmente, tudo desabaria em tomo
igualmente talentoso nas duas fonnas1 escolhera escrever peças. dele. Ele criou a situação e a situaçlo o reduziu à expressão mais
Por que desistiria do controle total que um romance dá ao autor em simples. História e personagem eram uma coisa só.
36 FAZENDO FILMES O ROTEIRO 37

Penso que a inevitabilidade é a chave. Num dnuna bem-feito para que o namorado pudesse conseguir dinheiro para uma opera-
quero sentir: "É claro- era para isso que tudo se encaminhava.., E ção de mudança de sexo.Uma coisa bem ex6ticá para 1975. Mesmo
contudo a inevitabilidade não deve eliminar a surpresa. Não faz Os rapazes dtJ bcinda não tinha chegado nem perto daquele aspecto
sentido gastar duas horas com algo que se toma evidente nos davidagay.
primeiros cinco minutos. A inevitabilidade não significa Eu venho dé um ambiente operário. Lembro-me de freqüentar
previsibilidade. O roteiro ainda deve manter-nos desequilibrados, quando menino o Loew's Pitkin, em Pitkin Avenue, Brooklyn. Não
surpresos, entretidos, envolvidos e, no entanto, quando é atingido e.ram as pessoas mais sofisticadas que apareciam por lá nas noites
o desfecho, dar-nos ainda a sensação de que a história tinha de de sábado. Lembro-me de comentários rudes gritados do balcão
terminar daquela maneira. para Leslie Howard em Pimpinela Escarlate.
Da análise de cada cena passamos para um exame de cada fala. Como eu já disse, Um dia de cão era um filme sobre o que temos
A fala do diálogo 6 necessária? Reveladora? Está dizendo a coisa da em comum com o comportamento mais chocante, com "anonnali-
melhor maneira posslvel? Em caso de ~iscordãocia, geralmente dades". Este era um filme no qual eu queria que o momento mais
fico com a decisão do autor. Afina~ ele escreveu a fala. Não há coisa emocionalmente tocante acontecesse quando Pacino dita seu testa-·
mais embaraçosa do que um ator perguntar o significado de uma mento antes de se aventurar a sair do banco, onde tem quase certeza
fala e o diretor não saber a resposta. Isto me aconteceu uma vez, dé que será morto. O testamento continha uma frase bo.nita e real:
num ftlme chamado Garbo Tailcs. Derepentepercebi que não sabia ''E paraEmie, que eu amo como nenhum homemjamais amou outro
a resposta para a pergunta que o atorftZera. O escritor tinha voltado homem, deixo..."' Isto iria ser visto pelo mesmo tipo de público que
para a Califórnia. Eu me enrolei todo até achar uma embromação lotavaLoew'sPitkinnasnoitesdesábado.SóDeussabeoquepodia
qualquer sobre um aspecto do personagem que o ator estava vir daquele balcão. O objetivo de todo o filme era fazer aquela frase
empolgado em fazer. Mais tarde, passando os olhos num rascunho funcionar. Mas podiamos fazer isto?
do roteiro, percebi que um erro tipográfico se introduzira entre uma Com a concordância de Frank, no terceiro dia de ensaio eu disse
vers!o e outra. A fala significava exatamente o oposto do que tinha aos atores que estávamos Jjdando com um material que era sensa-
exp)jcado ao ator. Não que eu admitisse isso. cionalista por natureza. Normalmente, não fico preocupado com a
Em Um longo dia de viagem dentro da noite, usei o texto da reação do público. Mas quando se toca em sexo e ~orte, dois
peça. A única adaptação feita para a tela foi o corte de sete páginas aspectos da vida que atingem o mais fundo de cada um, não há como
de um texto de 177 páginas durante os ensaios. E cortamos porque saber o que o público fará. As pessoas podiam rir nos lugares
eu sabia que ia fiJmar aquelas partes em close-~ps. O uso de close- errados, assobiar, começar a tentar dar respostas à tela- qualquer
ups tomaria estes momentos mais claros antes. uma de uma centena de defesas de que as pessoas lançam mão
A experiência com Um dia de cão foi completamente diferente. quando ficam embaraçadas, quando o que está na tela está chegando
O roteiro baseava-se num fato real. O produtor, Marty Bregman, muito perto, ou quando elas estão vendo algo com que nunca ~
Pacino e eu tínhamos aceito um roteiro muito bom de Frank depararam antes. Eu disse aos atores que o único modo de impedtr-
Pierson. Estruturalmente pe.rfeito, com diálogos bons, mordazes, mos isto era retratar os personagens que eles dese~pe.nhavam tão
era divertido, compassivo e muito, muito enxuto. No terceiro dia de perto deles quanto possível, pegar de fora o mínimo possivel e não
ensaio fiquei nervoso com uma área que não tinha coisa algwna a dispensar coisa alguma do interior. Não haveria figurino. Eles
ver com a qualidade do roteiro ou ·dos ~tores. Aqui estava uma usariam suas própriàs roupas. "Quero ver Shelly e Carol e AI e John
I.
história que, na trama, trata.va de um homem que assalta um banco e.Chris ali"', eu disse. "Vocês estão tomando emprestado tempora-
38 FAZENDO FILME S O ROTEIRO 39

riamente os nomes das pessoas do roteiro. Sem caracterizações. Village. Eu assistià fita: John vestia seu uniforme do exército, Ernie
Somente vocês." Um dos atores perguntou se eles podiam usar suas um vestido de noiva. Atrás deles havia uns vinte sujeitos com
próprias palavras quando quisessem. Pela primeira vez em minha roupas feoiininas. Damas-de-honra. Eles foram casados por um
carreira eu disse "Sim". padre gay, que tinha deixado-4 igreja e posteriormente foi destituí-
Era um grupo fonnidável. Pacino os liderava com uma cora- do. A mie de John estava sentada na primeira fila. A aliança que
gem louca que só vi em duas outras ocasiões. Katharine Hepbum Iohn colocou no dedo de Emie foi feita com o aro de wna lâmpada
em Um longo dia de viagem dentro da noite e Sean Connery num de flash. O roteiro original tinha uma cena em que esta fita era
filme pouco conhecido que fizemos juntos, chamado Até os deuses mostrada na televisão. Os reféns no banco estio assistindo e vêem
e"am, assumiram também riscos extremos em seus desempenhos. pela primeira vez o amante de Sonny. •
E o ego de Frank Pierson era saudável o suficiente para que ele Devido às minhas apreensões sobre como isto seria recebido no
pudesse ver o que estávamos procurando. Não estávamos lançando Loew's Pitkin, achei que se eu reencenasse a fita no filme morre-
o filme na anarquia. Eu tinha mandado buscar equipamento de riamos. Nunca nos recuperaríamos. Aquelas pessoas do balcão
gravação para a sala de ensaio. Improvisamos. Cada noite, após o jamais se permitiriam levar Pacino ou o filme a ~rio novamente.
ensaio, as improvisações eram datilografadas e finalmente o diálo- Ficariam fora de controle- talvez uivassem de tanto rir. Por isso
go foi criado a partir destas improvisações. A maravilhosa cena no cortei a cena. Nem cheguei a filmá-la. Ao invés dis:so, coloquei uma
telefone entre Pacino e seu amante, desempenhado por Chris foto deEmie na TV, o que preservava o conteúdo da cena sem correr
Sarandon, fo.i improvisada no ensaio, sentados em tomo de uma um risco inaceitável.
mesa. Seu telefonema a seguir para a esposa foi feito a partir das No cnntrato de todo diretor há uma cláusula que diz que ele
improvisações de Al e das falas originais do roteiro que cabiam a filmará "substancialmente" o roteiro aprovado. Como a maioria
Susan Peretz (que fazia o papel da esposa dele). É um dos mais dos roteiros passa por muitas mudanças, a última versão apresen-
memoráveis catorze minutos de filme que já vi. Em três ocasiões tada antes de a filinagem começar é o "roteiro final". Se o estúdio
deixei as improvisações para o dia da filmagem : duas das cenas tiver alguma objeção, terá tempo de manifestá-la antes que tenha
entre AJ e Cbarles Duming como o policial encarregado da opera- início a filmagem das principais cenas.
ção; e a extraordinária cena de Pacino jogando dinheiro para a Com duas semanas de filmagem, o gerente de produção me
multidão e sentindo seu poder pela primeira vez, depois de uma vida procurou e disse que um dos altos executivos do estúdio, na
inteira de fracassos, a cena que termina com ele gritando ..Attica- Califórnia, queria conversar comigo. Eu disse que estava filmando
Attica". Estimo que 60 por cento do roteiro foram improvisados. e que ligaria para ele na hora do almoço. Um minuto depois o
Mas seguimos fielmente a construção de Pierson cena a cena. Ele gerente de produção estava novamente ao meu lado. "Ele mandou
ganhou um prêmio da Academia pelo roteiro. E mereceu. Foi parar a filmagem. Precisa conversar com você."
generoso e devotado ao trabalho. Os atores podem não ter dito Fui ao escritório da produção e peguei o telefone.
• exatamente o que ele escreveu, mas faJaram com a intenção dele. Eu: "Oi, o que há de tio urgente?"
O verdadeiro assalto a banco acontecera durante um perfodo de Alto executivo do estúdio: "Sidney, você nos eucrou!,'
nove boras. Não é preciso dizer que a cobertura ao vivo pela
televisão foi extensa. Um dos amigos do ladrão vendeu a uma
' No original euchnd, prct~rlto do verbo euchre, usado aqui na acepçlo de fXWIU a pdma,
estação localdetelevisãoum videoteipedeumcasamentosimulado ludibriar, derivado do substantivo euchrtt, que ~ o nome de um jogo de cartas norte-
entre John e Emie- os personagens da vida real- em Greenwich americano. (N. do E.)
FAZENDO FILME S O R O T E IRO 41

Eu jamais ouvira a palavra "eucrar,. Achei que ele queria dizer eram visualmente interessantes e foram representadas de modo
..ferrou". brilhante. OutrQ exemplo é a fala de tr& páginas de Nick Nolte em
Eu: "O que você quer dizer com eucrou7" Q& A - Sem lei, semjustiça, que dá forma a todo o seu personagem
Alto executivo do estúdio: •'Você cortou uma das melhores e e ao tema do filme. Usar Um longo dia de viagem dentro da 110ite
mais importantes cenas do filme." e Henrique V como exemplos pode ser um tanto injusto, mas por
Percebi. que estavam contando com aquela cena para criar outro lado as falas foram tio bem tratadas visualmente que conti-
notoriedade para o filme, que foi precisamente o motivo pelo qual nuam completamente satisfatórias num filme. Há algo mais tocante
eu a tinha cortado. Ponderei que tinham ficado duas semanas com do que afalafinal de Henry Fonda em As vinhas da ira? Pela simpl~
o roteiro final e que eu nio recebera nenhuma comunicação deles. beleza lírica, que tal a fala de Marlon Brando em Vidas em fuga? E
Não havia meio de recriar o casamento no teipe porque já tínhamos o resumo do c~o, feito por Albert Fioney, em Assassinato no
gravadoacenaemqueoteipeteriasidofeito.Eledesligounaminha Oriente Expresso se eStendeu por dois rolos (cerca de dezessete
cara. minutos).
Quando as pessoas do estúdio viram· a primeira montagem, Nos primeiros tempos da televisão, quando a escola do realis-
ficaram extaticamente felizes. O alto executivo do estúdio ficou mo da. "pia da. cozinha" dominava, sempz:e chegávamos a um ponto
-completamente agradecido, dizendo que agora entendia por que eu em que "explicávamos" o personagem. A altura dos doiB terços da.
tinha cortado a cena. história alguém enunciava a verdade psicológica que fazia do
Com exceçlo de dois casos, todo autor com quem trabalhei personagem a pessoa que ele era. Chayefsky e eu costumávamos
quis trabalhar comigo novamente. Acho que um dos motivos é chamar a isto a esçola dramática do "patinho de borracha". "Al-
porque amo o diálogo. O diálogo nlo é acinematográfico. Muitos guém certa vez tirou o patinho de borracha dele e é por isto que ele
dos filmes das décadas de trinta e quarenta que adoramos s1o fluxos se transformou num assassino perturbado." Esta era a moda na
constantesdediálogo. ÉclaroquenoslembramosdeJamesCagney époéa e para muito.s produtores e estúdios ainda. é.
espremendo umagrape.fruit no rosto de Mae Clarke. Mas será que Eu procuro sempre eliminar as explicações do tipo patinho de
isso evoca uma memória mais afetuosa do que "Here•s lookin'at borracha. Um personagem deve ser claro por seus atos correntes. E
you, kid"{"A tua saóde, beleza'')? Deus sabe que Cbaplin tentando seu comportamento à medida que o filme avança deve revelar as
comer milho num alimentador mecânico em Tempos modernos é motivações psicológicas. Se o autor precisa formular os motivos,
uma piada visual extraordinária. Mas acho que nunca ri mais do que alguma coisa estlerrada no modo como o personagem foi escrito.
quando, no final de Quanto 17Ulis quente melhor, Joe E. Brown diz O diálogo é como qualquer outra coisa nos filmes. Pode ser uma
a Jack Lemmon: "Bem ... ninguém é perfeito." muleta ou, quando bem usado, pode intensificar, aprofundar e
A verdade é que nio existe uma guerra entre o visual e o revelar.
auditivo. Por que nlo o melhor dos dois? Vou mais longe. Gosto de O que eu devo ao escritor? Uma investigação completa e depois
longas falas. Um dos motivos pelos quais o estúdio resistiu em fazer uma execu.ç io fiel de suas intenções. O que o autor deve a mim? O
Rede de intrigas foi porque Paddy Chayefsky tinha escrito pelo desprendimento que Fran.k Pierson demonstrou em Um dia de cão
menos quatro monólogos de quatro a seis páginas para Howard ou Naomi Fonerem Opeso de um passado. Naomi é uma escritora
Beale, interpretado por Peter Finch. E para completar. tinha dado sensíveJ, talentosa e original. Por algum motivo ela se encantou
uma fala muito longa a Ned Bcatty, chefe da maior empresa do com uma cena que para mim era sua única má idéia em todo o filme.
mundo, tentando levar Howard Bcale para o seu lado. Mas as cenas O rapaz, interpretado por Ri ver Phoenix, chega numa casa estranha,
1
FAZENDO FILMES O JlOTElllO 43

..-.• ., pimo e começa a tocar uma sonata de Bedbovcn. s1o de grande auxilio. Podc-so ganhar muito dando-<se ouvidos a
PiPwlnwlte percebe que está scmdo observado por ama :Joyan da eles. Pacino nlo seexpr ime muito bem, mas tan um profundo senso
- idlde. No roteiro ele emcodavaadlocom um~~· da verdade. Se uma cena ou uma fala o abonoce eu lhe dou atençio.
Eçliquei a Naomi por que eu ICbava aquilo uma mi ida&. Provavelmet* ele esd certo.
Havia.a~a~açlo de ceder ao gosto do público: Veja, ele alo 6 de Mas os astros também podem destruir um roteiro. David
jaiD am imeledual; gosta de j~ como voc6 e eu. Bu tiDba visto a Mamet fez a primeira adaptaçlo de O Yertdicto. Um astro impor- ·
JDCIIU QeOa desde o tempo em que José Iturbi se divertia com11 tanle interessou-se por fazer o filme, mas daava que~ pasooa-
fle_clu elo piano em algum velho filme de Gloria Jean oa Jeanaae gem precisavade mais recheio. Istob vezes aip.ificaexplicaroque
M.lcDoaa1d cantavaswillg em Sala Franci8co, a cidDde dop«odo: deve sei SJ1enciado, uma verslo do pttinbo de bomlcha. O deselff-
~aomi lutou pela cena, por isso decidi mant6-la pua ver oomo pnrho deve dar recheio ao personagem. Marnet sempre deixa muita
ficavaaoenaaio.Quandocomeceiamontaraceaa,Riverpcquntou coisa pordizer. Ele quer que o ator~ corpo a isso. Assim se recusau
s.e podfamos cortarequoletrecbo. Ele• sentia falso toc.wrvlotlqllilo. •'... a ~to. Outro escritor foi contristado. Uma escritora. Brilhante
Vi Naomi empalidecer. Começamos a falar sobro o aauato. Rivor como era, ela simplesmente deu ao roteiro de Mamet o recheio que
mostrou•Naomicomgrau.desimplicidadeoàoriedadecomoaqullo faltava e ganhou uma gorda remuneraçlo. ·
comprometia eeu penonagem. (Era encantador ver um rçaz de O roteiro desandou. O astro perguntou entlo se podia trabalhar
dezesaete anos arpmoataDdo com uma escritora com o dobro de no ~iro com um terceiro escritor. fizeram cinco R!Visões adicio-
.ua i.dadfl,) Fínllm• sugeri quefiz6ssemos aceuaclurut.e.alpu nais. A essa altura havia um milblo de dólares em despesas com o
diu pera ver te havia algum valor nela. No fim do eoaio, Naomi
roteiro do filme. Os roteiros nlo paravam de piorar. O astro estava
8p'OXimou-se de mim. Disse nlo se importar te n tiveae de
aos poucos mudando a &úase sobre o personagem. Mam~ tinha
IICCliDOdar a QCIOa, ma quo Dlo podia suportar v« R..Mr 10 virando
do aveuo para faz6.1a fimcionar. Ela adomva a. cena, mas diuo criado um beberrlo que ganha a vida .pulando de uma causa
"'Vamos corti-la"'. medíocre para outra, até o dia em que vê uma clumce de salvação
Às vezes a relaçlo entre atores e auton1s &a rea1meate muito e, cheJo de~ resolve pep-la.
di&il. Como diretor tenho de ser muito cuidadoso aqui. Preciso de O astro cootinuava eliminando o lado desagradável do perso-
uns e outros. A maioria dos autores odeia atores. B c:omudoos astros nagem, tentando torná-lo mais simptiico para que o público se .·
slo fundamentai& para que um filme seja aprovado pelo est6dio. '"identificasse" com ele. Este 6outroclichaenganoso daescritapua
Alguns diretores t!m muito poder, mas ninguán tem o poder de um o cinema. Chayefsky dizia; "liA dois tipos de ecoa: a cena de alisar
dos grandes astros. Se o astro pedir, qualquer estíldio dospede o oc:aclwrroeacenadechuwocacbono.Oest6dioqucrsempreuma
autor em menos de trinta segundos - e o diretor também. aliú. cena de alisar o cachorro para que todos possam dizer quem ~ o
Quase sempre adianto o meu trabalho o mais possfve~ de modo que herói." Bette Oavis fez uma grande carreira chutando o cachorro,
_- • tipo de orise nunca surge. Chego a um acordo com o autorantes assim como Bogart. como Cagney (que tal Fúria sanguinária -
que um ator seja abordado, e geralmente discuto com o astro tudo aqJlele é um grande desempenho ou Dlo?). Estou certo de que o
sobre o roteiro antes de decidirmos ir em frente. Estas experlanciu público se identificou com Anthony Hopklns em O silincto dos
· vuiam. Em sua maioria os atores, apesardadc:clarlçiodeHitclleoclc. inoce.ntts tanto quanto se identificou com Jodie Foster. Do contrá-
alo extremamente brilhantes. Algunssio magnfficos em m.aú§ria de rio Dio teria havido o estouro de gargalhadas que saudAva a
roteiro. Sean Connery. Dustin Hoffinan, Jane Fonda, Paul Newman maravilhosa fala Wfenbo um velho amigo para jantar".
- -
44 fAZENDO F.ILMES O ROTEIRO

Quando recebi mais um outro roteiro de O veredicto, reli a tentar introduzi-la, eu a descartarei na sala de corte, de modo que o
versão de Mamet, que ele me dera meses antes. Eu disse que esforço será vio." Ela parou por wn instante, ·depois deu uma
filmaria se voltássemos àquele roteiro. Voltamos. Paul Newman o gargalhada. Dez minutos depois eu suplicava a ela que fizesse o
leu e teve início a correria. papel. Ela disse sim. Nunca tentou ficar sentimental no papel e
Às vezes é o autor que se reveJa uma verdadeira prostituta. Eu levou para casa um prêmio da Academia. Meu ponto de vista é que
estava fazendo um filme que precisava de um modo de falar bem é muito importante discutir essas questões previamente. Se o
articulado, vivo, cerebral, para fazer funcionar o diálogo do perso-. impulso termina num encontrão, pode-se então dizer a verdade
nagem principal. Outro grande astro se apoderou do roteiro e queria óbvia: "Este é um roteiro com o qual nós dois concordamos. Então
fazê-lo. Eu disse ao autor que embora o ator fosse fenomenal, eu não vamos fazê-lo."
tinha certeza de que ele poderia lidar com este tipo de diálogo. O Como se pode depreender, gosto de ter o autor nos ensaios. As
autor ficou lívido quando eu disse que ia pedir ao ator que lesse o palavras são cruciais. E em sua maioria os atores não são escritores;
texto para mim. Telefonei para o ator, disse-lhe que para o bem de tampouco o são os diretores. As improvisações em Um dia de cão
nós dois eu achava melhor que 'ISssemos o roteiro em voz alta. funcionaram porque eu queria que os atores usassem a si mesmos,
Marcamos uma data. sem caracterizações. Normalmente, uso a improvisação como uma
· Quando desliguei o telefone, o autor - que também era o técnica de-representar, não como uma fonte de diálogo. Se o ator
produtor do filme- aproximou..:se de mim num misto de espànto e tem dificuldade de encontrar a verdade emocional de uma cena,
ameaça. A ameaça venceu. Numa voz que teria feito um cheflo da uma improvisação pode ser inestimável. Mas isto é quase o limite.
máfia parecer um cordeirinho, o autor-produtor disse: "Voca sabe De modo geral os escritores estão tio acostumados a ser
que se o rejeitar o estúdio vài querer se livrar de voc6!'' O autor- deixados de lado que ficam até surpresosporeu qucri-los no ensaio.
produtor (chamamos isso de hifenizado) ia lutar para que o filme · Somente duas vezes o tiro saiu pela culatra. Uma vez o escritor se
fosse feito, mesmo à custa de arruinar o·que fora escrito. apaixonou pela atriz principal. E mostrava seu amor tentando fazb.
O ator leu, concordou que o papel n!o lhe era adequado e foi la sentir-se totalmente insegura. Esperava que ela lhe pedisse que
embora sem ressentimento. Na verdade, anos depois fizemos outro a ajudasse em seu papel à noite. Ela se queixou a mim e eu tive de
filme juntos. Mas nunca mais trabalhei com o autor. pedir a e) e que fosse embora. O segundo caso envolveu um escritor
Quando fizemos Rede de intrigas, Paddy Chayefsky sabia o que estava pronto a rentmciar a qualquer coisa que tivesse escrito
que queria. Depois de todal as dificuldades para conseguir que o para que o astro do filme pudesse contratá-lo na próxima vez que
fdme fosse aprovado, eu sabia que ele olo estava em condições de precisasse de alguém para reescrever alguma coisa. Se o astro fazia
enfrentar quaisquer revisões exigidas pelas estrelas. Eu ouvira uma pergunta simples, como "NIO estou certo de que a hora do dia
\
dizer, tam~ que Faye Dunaway podia ser difícil (Isto acabou está clara aqui", o escritor descia a escada, ouvíamos·o matraquear
sendo totalmente falso. Ela foi uma atriz desprendida, devotada, de sua máquina portátil, e voltava com a cena reescrita para se
maravilhosa.)Comosempre,seháumproblemapotencial,gostode passar numa fábrica de relógios. Tomou-se embaraçoso. Os atores
trazê-lo à tona antes de começarmos. Por isso marquei uma hora começaram a chamA-lo de ":vaoillo"..No fim· de uma semana eu
para ir vê-la. Atravessando a sala do apartamento de~ antes mesmo disse a ele que o roteiro estava pronto e que ele-podia ir. para casa.
de alcançá-la, eu disse: "Sei qual é a primeira coisa que você vai me Muitas das.minbas relações com escritores têm sido justamen-
perguntar: Onde está a vuJnerabilidade dela?.Nio pergunte. Elanio te o contrário disso. Meu respeito por eles crescia tanto durante o
~ nenhuma., Faye pareceu chocada. "Além do mais, se você perfodcr de nosso trabalho que eu os queria em todas as etapas da
FAZENDO FILME S O ROTEIRO 47

produção. Chayefsky, que também foi um produtor de Rede de no filme, nós nos sentamos juntos co~ o roteiro e fizemos cerca de
intrigas, era um talento formidável. Por baixo daquele exterior dez minutos de corte de diálogos, e isso foi tudo.
cômico havia ·um sujeito realmente muito engraçado. O cinismo Quando vejo alguns absurdos da nossa vida, dos tempos
dele era em parte estudado, mas uma saudável dose de paranóia grotescos que vivemos, fico sempre imaginando o que Paddy
também estavà presente em sua personalidade. Ele me disse que poderia ter feito desse material Ele teria tido muito sobre o que
Rede de intrigas só foi feito porque era parte de um acordo numa escrever. Sinto falta dele todos os dias.
açló jililicial móvida poi ele. Nlo sei se isso era verdade, mas eLe Outra experiência maravilhosa foi trabalhar com Edgar
era beügerante. Sua resposta aos conflitos era geralmente: "Posso Doctorow em Daniel. Há alguns anos fui convidado a Paris para
processar?" • wna retrospectiva de meus filmes na Cinémathêque.No jantar após
Era um homem que gostava apaixonadamente de seu trabalho a exibição, muitos diretores franceses se queixavam da falta de
e de IsraeL. Quando estávamos escolhendo o elenco, sugeri V anessa escritores. Comentei da maneira mais cordial possível que eles
Redgrave. Ele disse que não a queria. Eu disse: ''Ela é a melhor atriz talvez estivessem em falta. Devido à tolice em torno do auteur, com
do mundo de lingua inglesa!'' E ele: ''Ela é partidáriadaOLP."Eeu: o diretortodo-poderoso, de modo geral os autores que se respeitam
"Paddy, isto é colocá-la na lista negra. "Ele disse: "Não quando um resistiriam à idéia de se envolver com um filme. Eu disse que não
judeu faz isso com um gentio!' só tínhamos excelentes roteiristas na América como alguns dos
Ele obviamente entendia mais de comédia do que eu. Numa nossos melhores romancistas estavam interessados em escrever
cena em que Howard Beale entra no prédio com um ar de lunático, para o cinema. Doctorow, Bill Styron, Don DeLillo, Norman
falando sozinho dentro de um pijama e uma capa empapados de Mailer, James Salter e John Irving escrevem roteiros, originais e
chuva, o guarda diziaao abrir a porta: "Claro, claro, Sr.Beale.''Com adaptações de seus próprios romances. Edgar era um caso típico.
minha maneira desajeitada eu disse ao guarda que acolhesse Peter Ele fizera um roteiro de se11romanceThe bookofDaniel pelo menos
Finch em todo o seu desalinho e depois se mostrasse indulgente ao sete anos antes de conseguirmos o dinheiro para fazer o filme. Eu
dizer suas palavras. Paddy sussurrou no meu ouvido.num segundo: o li na época e acbei que era um dos melhores que já tinha visto.
"Isso é televisão. Ele nem deve reparar no outro." Ele estava certo, Durante anos sempre que era contratado para fazer um filme para
naturalmente. A fala teve o riso que merecia. Não teria sido um estúdio, apresentava Daniel como segunda opç!o. Finalmente
engraçado dita à minha maneira. apareceu um sujeito se~cional chamado John Heyman. É um dos
Mas na cena maravilhosamente bem escrita e interpretada em homens poderosos por trás do financiamento dos estúdios. Ele sabe
que William Holden diz a Beatrice Straight que está apaixonado por como financiar através de um banco britânico, registrado nas
outra. Paddy aproximou-se de mim com um comentário. Eu levan- Bahamas, que então manda o dinheiro para a Paramount Pictures
tei a mio e disse: "Paddy, por favor. Entendo mais de divórcio do num navio de bandeira panamenha, e de algum modo todos saem
que você." ganhando. Depois que começou a trabalhar sozinho, enviou-me um
Tivemos uma convivência magnífica durante o perfodo de roteiro que achei fantástico. e poT minha vez lhe mandei Daniel. Ele
ensaios e de filmagem. Não houve problema algum desde a primei- adorou. Finalmente [amos fazer o filme. .
ra leitura do roteiro até a estréia do filme. Paddy vinha ver os Doctorow vibrou, embora tenha ficado preocupado com a
copiões (quando examinamos o trabalho realizado no dia anterior) possibilidade de q11e o fiLme fosse prejudicado quando fosse entre-
e eu o convidava para ir à sala de montagem. Neste momento ele gue a um estúdio para a distribuição. Eu lhe disse que isto não podia
estava muito fel iz e recusava. Depois da primeira montagem feita acontecer, porque contratualmente me estava assegurada a monta-
fAZENDO FILME S O ROTEIRO 49

gem final. Isto significa que o que quer que eu entregue como sendo indagamos, duvidamos, ficamos cansados, estimulados ou depri-
o filme acabado nlo pode ser tocado em nenhum componente midos. Saímos em campo quando o filme estreou para fazermos
auditivo ou visual. Esta é a última coisa da qual qualquer estúdio publicidade dele. Apesar de seu fracasso de crítica e de bilheteria,
deseja abrir mão, daí ser tão difícil de conseguir. Eu teria direito à acho que é um dos melhores filmes que já fiz.
montagem final durante muitos anos d.esde.A..ssassinato no Oriente Geralmente não convido o escritor para ver os copiões ou para
Expresso.Naquelesanos,creioqueapenasunsdezdiretorestinham a sala de montagem, por motivos que exporei num capitulo poste-
esse direito. Antes de começarmos os ensaios de Daniel, Edgar me rior. Mas se é possível. quero que o autor veja a primeira montagem.
pediu para fazer a montagem final comigo. Expliquei que a monta- Nos primeiros cortes sempre é retirado algum tempo do filme. A
gem fmal é uma das coisas mais dificeis para um diretor conseguir maioria dos autores consegue ver as repetições em seu próprio
e portanto era preciosa. Disse-lhe também que os contratos dos trabalho. Devido à câmera, parte do que foi escrito pode se tomar
diretores se baseavam em precedentes. Se partilhasse a montagem claro mais cedo. E numa montagem final disciplinada qualquer
com ele, enfrentaria exigências lguais no futuro, e antes que me duplicação deve sair. O autor pode ser útil nesse prooesso.
desse conta disso, o que levara vinte filmes para conseguir desapa- Num certo sentido, um filme está sempre sendo reescrito. As
receria. diversas contribuições do diretor e dos atores, a música, o som, a
· Prometi-lhe, porém, que nada que ele desaprovasse apareceria câmera, a decoração, a montagem são tão fortes que o filme está
na tela. Isto era devido somente a ele, que é um dos nossos melhores sempre mudando. Todos estes fatores adicionam digressões, au-
romancistas, e eu sabia como TM hook of D(UJiel era caro a seu mentam ou c:funinuem a cl8fCZ8, mudam o espírito ou alteram o
coração. Ele tinha escrito o roteiro sem a menor garantia de que o equiltõriodahistória.É comoobservarumacol~deáguacujacor
filme seria feito um dia e agora, pela primeira vez, tinha de se vive mudando à medida que diferentes tintas são acrescentadas.
aventurarnumacolaboraçlo.EscnwerawnapeçaqueMikeNichols Acho que é importante para o autor compreender e~ de modo ideal,
dirigira mas que fora concebida como uma peça. Nlo fora uma desfrutar o processo. Nos filmes isto é inevitável e desde que a
adaptaçio de um trabalho anterior. intenção principal tenha sido mantida. os novos elementos devem
Edgar aceitou minha explicaçio e começamos a trabalhar. Ele ser bem-vindos.
esteve presente na escolha do elenco, nos ensaios e em todas as No inicio deste capitulo mencionei que nos melhores filmes
filmagens em que quis estar. No primeiro dia de filmagem, rodei a surge \UD& terceira intenção, que nem o escritor nem o diretor •
espantosa cena em que as crianças passam demloem mio por cima podem prever. Nlo sei por que isto acontece, mas acontece. Em
da cabeça da multidão num comício para levantar fundos para seus todo filme que fiz e que eu sentia que era realme.nte bom, um
pais. Eu tinha seis câmeras e cinco mil extras. Olhei para eJe pouco estranho amálgama foi alcançado que surpreendeu tanto o escritor
antes de rodar as câmeras. Ele estava chorando: Fora uma longa quanto a mim. Eesta a surpresa de que falou Arthur MiUer. É claro·
espera. que o propósito original está p~te. Mas todas as contribuições
. Ele estava ~resente na hora de ver os copiões. E eu lhe pedi que individuais de todos os diversos departamentos resultam num total
se Juntasse a mim na sala de montagem; foi a segunda vez na vida muito maior do que as partes individuais. Fazer filme parece muito
que fiz isto. O filme era difícil de montar porque tanto no livro com uma orquestra: ó acréscimo de várias harmonias pode mudar,
quanto no roteiro Doctorow tinha fraturado o tempo, de modo que aumentar e esclarecer a natureza do tema.
~ ~çOes passadas, presentes e fora de tempo dirigidas ao Neste sentido, um diretor está "escrevendo" ao fazer um filme.
pubhco estavam todas misturadas. Juntos discutimos, analisamos, Mas penso que é importante manter as palavras específicas. Escre- '
FAZENDO FILMES O ROTEIRO SI

ver é escrever. As vezes o escritor inclui orientações no roteiro. Dá vez. A montagem final é uma grande fonte de segurança: Posso
longas descrições de personagens ou de ambientes fisicos. Clo.u- eliminar uma cena ou uma fala que olo me agrada ou que não me
vps, planos gerais e outras instruçôes para a c4mcra podem estar tenha agradado desde o início. Isto acontcceú mais de uma vez. Mas
escritas no roteiro. Leio tudo isto cuidadosamente porque s1o n1o com freqüência. O diretor, porque diz "Copiem", tem muito
reflexos da intençlo do autor. Posso segui-las literalmente ou poder. Mas os resultados slo melhores quando não precisa usá-lo.
encontrar um meio completamente diferente de expressar a mesma
intençlo. .Escrever diz respeito a estrutura e palavras. Mas o
processo que estou descrevendo - da soma ser maior do que as
partes - , isto é modelado pelo diretor. Slo talentos clifereutes.
AJgwnas pessoas podem fazer as duas coisas, mWJ nunca
conheci ninguém que não fosse melhornwn.a do que na outra. Para
mim, Joe Mankiewicz foi sempre melhor escritor do que diretor.
John Huston foi um brilhante, talvez grande diretor que também
escrevia bem. É dificil falar de c:tiretores cujo idiomanlo sei falar.
Nunca esquecerei meu choque ao ver Zabriskie Point, o primeiro
filme de Antonioni em inglês. Eu sempre gostei do trabalho dele. Eu
a.inda gostava do que ele tinha feito como diretor, mas a linguagem
do filme era um problema real.
A maioria dos escritores que começaram a dirigir faeram isto
para proteger a integridade de seu trabalho. Tinham sido violados
tantas vezes por diretores que não tinham a menor i<k§ia do que
estavam fazendo que os escritores pegaram omegafone em autode-
fesa. Eu escrevi dois roteiros (Prlncipe da cidode. em colaboraçio
com Jay Presson Allen, e Q & A - Sem lei, sem jwtiça). porque
estava particularmente próximo das histórias e sentia que conhecia
o "som, dos personagens tão bem quanto qualquer um. Dito isto, eu
me considero um diretor, não um escritor. Há uma poderosa magia
em ser escritor que ainda me enche de espanto.
Finalmente devo confes.sar que a intimidade expressa com
relaçlo a escritores podia ser um pouco insincera da minha parte.
· Há ocasiões em que os escritores são um pé no saco. (Estou certo
de que muitos escritores sentiram o mesmo a meu respeito.) As
vezes pegaram o trabalho como um meio de ganhar uma grana
(como eu fiz), de trabalhar e não ficar parado (como eu também
faço). Estou bem certo de que se eu quiser um novo escritor no
roteiro, o estúdio ou o produtor me arranjará um. Mas s6 fiZ isto uma
ESTILO 53

são. Alguns contam uma história e nos deixam com uma impressão
e nos dão uma idéia. Outros contam uma história, nos deixam com
3- ESTILO: uma impressão, nos dão uma idéia e revelam alguma coisa sobre
• A PALAVRA MAIS IMPROPRIAMENTE nós mesmos e os outros. E certamente o modo como se conta a
história deve relacionar-se de alguma forma com o que a história é.
USADA DEPOIS DE AMOR Porque isto é o que é estilo: o modo como se conta uma
determinada história. Depois da primeira decisão critica ("De que
trata esta história?") vem a segunda decisio mais importante:
"Agora que sei sobre o quê é o filme, como devo contá-lo?"~ esta
Não faz muito tempo ü uma resenha do filme O pagamento finalf decisão afetará todos os departamentos envolvidos no filme que
dirigido por Brian De Palma. O crítico era admirador da obra de De está para.ser feito. •
Palma, como eu. E escreveu que o diretor tinha encontrado um Deixem-me dar vazão à minha raiva primeiro, porque assim
estilo visual ideal para a tragédia. Mas há um problema aqui. O não fica incomodando. Os criticas falam de estilo como de alguma
pagamento.final nlo é uma tragédia. Na mesma resenha o crítico coisa fora do filme porque precisam que o estilo seja óbvio. O
afumava que o filme era " uma obra convencional, de gênero", motivo por que precisam que seja óbvio é que realmente nlo vêem. ·
~crescentando que ~ealmente não há como considerar este ftlme Se o filme parece um comercial da Ford ou da Çoca-Cola, eles
uma obra coerente unificada" e opinando que o filme era um pensam que isso é estilo. E é. Está tentando vender alguma coisa de
••material tosco, comercial,. . que você não precisa e é estilisticamente feito com este objetivo.
Se De Palma encontrou "a técnica visual ideaJ para expressar Quando uma t~leobjetiva aparece, isso é "estilo". (Um~ teleobjeti-
a inexorabilidade incontornável da tragédia" no filme que é descrito va fotografa objetos ou pessoas que estão muito longe e as traz para
nas aspas anteriores, o que ele teria de encontrar para levar Édipo bem perto. Mas seu foco é tão pouco profundo que tudo atrás ou na
Rei ou Hamlet à tela? frente da pessoa ou do objeto fica tio distorcido que se toma
Minha discussão nio é com De Palma nem com o filme, mas irreconhecível. Mais sobre lentes depois.) Pelas exclamações:des...
com o critico. Ium bradas que saudaram Um homem, uma mulher, de Leloucb, era
. - Discussões de estilo como algo totalmente desligado do con- • possível pensarqueoutroJean.Renoirtinhasurgido. Uma historinha
teúdo do filme me deixam furioso. A fonna segue a função- nos romântica perfeitamente agradável foi proclamada "arte.., porque
· filmes também. Eu percebo que há muitas obras de arte que São tão era muito fácil identificar como algo que não era realismo. Não é
belas que não precisam de qualquer justificativa. E talvez alguns muito diflcil ver o estilo em Assassinato no Oriente Expresso. Mas
filmes nlo quisessem outra coisa senão ser belos, ou ser apenas um quase nenhum crítico reconheceu a estilização em Príncipe da
exercfcio ou experimento visuaJ. E os resultados podem ser extre-- cidade. É wn <los filmes mais estilizados que já fiz. Kurosawa,
mamente emocionaisporque só devem ser belos. Mas nlo comece- porém, reconheceu. Num dos momentos mais emocionantes de
mos. a usar tennos empolados como "técnica visual ideal da minha vida profissional ele me falou da "beleza" do· trabalho de
tragédia,. câmera assim como do filme. Mas entendeu beleza no sentido de
Fazer filme sempre gira em tomo de contar uma história. sua conexi'o orgânica com o material. E esta é a cone~ que, para
AJguns filmes contam uma história e nosdeixam com uma impres- mim, separa os verdadeiros estilistas dos decoradores. Os
S4 FAZENDO FILMES ESTILO

decoradores são fáceis de reconhecer. É por isto que os crfticos os leve, literalmente. (Havia razões para seu coração pesado.) E
adoram. Pronto! Passou meu acesso de cólera. aqueles para os quais ele era talhado, como, entre outros, Sindicato
Isto, é claro, faz surgir a questão do autew. O "estilo" de fulano de ladrões e Boneca de cante, estio entre os melhores filmes em
está presente em todos os seus filmes. Claro que está. Ele os dirigiu. preto-e-branco já realizados.
Uma das razões por que Hitchcock era tão merecidamente adorado Trabalhei com o mesmo fotógrafo nos meus dez últimos
era porque seu estilo pessoal era sentido de modo muito forte em filmes, Andrzej Bartkowiack, porque seu raio de açlo é incrivel-
cada filme seu. Mas é importante compreender por quê: Ele sempre mente amplo. Mas na minha lista secreta tenho quatro ou cinco
fazia essencialmente o mesmo filme. As histórias não eram as outros fotógrafos com quem desejo trabalhar caso chegue um dia a
mesmas, mas o gSnero era; um melodrama, com camadas de filmar certos roteiros. E por mais variado que tedha sido seu
comédia ligeira, interpretado pelos atores mais glamourosos que trabalho comigo, o trabalho de Andrzej assumiu uma dimensão
ele podia encontrar (também os mais comercialmente populares na bem diferente com John Hustoo em .A. honra do poderoso P,.izzi ou
época), fotografado quase sempre pelo mesmo operador, com com Joel Schnmacher em Um dia de fúria
música feita pelo mesmo compositor. A equipe de Hitcbcock estava Bom estilo, para mim, é o estilo que nlo se vê. O estilo de Ran,
disponivel para todos os filmes. Você tem razão, sim: havia um de Kurosawa, é totalmente diferente do estilo de' Os sete samurais
estilo prontamente identificável. Sua maneira de fazer era a mesma ou de Sonhos de Kurosawa. E contudo sio ce~ente filmes de
porque o que ele fazia era o mesmo. Isto não pretende, de modo Kurosawa. Estilisticamente,.A.pocalip.s-e e O Poderoso chsjão I eU
nenhum, ser uma critica. Eu sentia mais alegria vendo os filmes dele não têm nada em comum. No entanto, todos slo nitidamente obra
do que os de muitos dos chamados diretores sérios. Só estou
de Francis Ford Coppola. Uma fonte das grandes diferenças visuais
dizendo que com Hitchcock a forma também seguia a função. Ou
nesses filmes é o fotógrafo. Gordon Willis filmou o primeiro e o
talvez fosse o contrário. Talvez ele escolhesse os assuntos que
segundo Opoderoso chefão e Vittorio Storaro filmou .A.poca/ipse.
intensificavam sua força criadora, o que ele sabia ser seu "estilo".
Qualquer filme é por defmiçã.o uma criação artificial. É feito
Ent!o chegamos a outra teoria precipitada. "E Matisse? Sem-
pre se pode reconhecer um Matisse." É óbYio que se pode. É a obra
por pessoas que se reúnem para explorar uma história. As histórias
de uma pessoa trabalhando sozinha! Os diretores de filmes não assumem várias formas. Há.quatro formas principais de contar uma
trabalham sozinhos. Haverá uma diferença visual se trabalharmos história: tragédia, drama, comédia e farsa. Nenhuma categoria é
com o operador A ou o operador B, o designer de produção C ou absoluta. Em L'IIZeS da cidade, Chaplin passa de uma fonna a outra
designer de produção D. Tentei trabalhar no maior número possível comtantagraçaqueagenteouncaestáconscientedaformaquetem
de gêneros. Escolho operadores ou compositores da mesma manei- diante dos olhos. Além disso, há subdivisões no drama e na
ra que escolho atores: São adequados para este filme? Boris comédia. No drama há naturalismo (Um dia de clio) e realismo
Kaufman, com quem fiz oito filmes, era um grande ope.rador (Serpico). Na comédia há a alta comédia (Núpcias de escândalo) e
dramático. Fizemos filmes maravilhosos juntos: Doze homens e a baixa comédia (Abhott and Costello Meet You Name Jt). Alguns
uma sentença, O homem do prego, Vidas em.fuga. Mas quando era filmes deliberadamente contêm mais de urna forma. As vinhas da
necessário um toque mais leve, enfrentávamos problemas. Um ira é uma combinação de realismo e tragédia, Banzé no oeste uma
romance bobinbo que ftz.emos,Mulher daquela espécie, fracassou combinação de baixa comédia e farsa. Estes olo slo elementos
visualmente; O grupo e Grotesca despedida sofreram porque exatos, quantificáveis, e com muita freqüência se sobrepõem. O que
fotograficamente eram pesados demais. Boris não sabia ser mais eu sempre tento determinar é a área geral a que no meu entender o
56 FA ZE NDO FILMES ESTILO S1

filme pertence, porque o primeiro passo para descobrir o estilo é exemplo. Como eu disse, o quê desse filme era: Num mondo de
começar a estreitar as escolhas que terei de fazer. segredos, nada é o que parece. Mostrarei em capítulos posteriores
Quando começa esse desbaste, um fenômeno interessante como isto influiu sobre a câmera, os sets e o figurino, a montagem,
passa a acontecer. De modo nítido a produção começa a se tor- etc.,masparacomeçar,otemaeliminoucertasescolhasestilísticas.
nar mais estilizada. A crescente estilização pode revelar uma Mesmo sendo umahistória verldic~ não ia serum filme naturalista.·
verdade mais profunda. O martírio de Joana d'Arc de Carl Dreyer Por naturalista entendo o mais próximo da filmagem de um
é um exemplo perfeito. O filme foi feito dentro de um vocabulário documentário que se pode chegar num filme roteirizado. Aquela
muito limitado (sumamente estilizado). À medida que se reduzia a nlo era uma história estruturada de modo convencional, em que o
gama da linguagem visual, o filme adquiria implicações cada vez personagem principal vai de A a B a C, surgindo triunfante ou
mais amplas. Finalmente, um simples close-up de Falconetti no derrotado em termos absolutos. Na verdade, a ambigüidade do
último instante do sofrimento de Joana dizia tudo: guerra, morte, fjlme em todos os níveis e~ uma de suas coisas mais excitantes. Eu
religilo, transcendência. nem mesmo sabia como via o personagem principal: ele era um
Quanto mais limitadas e especificas eram as escolhas, mais herói ou um vilão? Nunca descobri antes de ver o filme terminado.
universais se tomavam os resultados. Os bons sujeitos eram maus sujeitos boa parte do tempo, e vice-
Pará ir literalmente do sublime ao ridículo, Hollywood geral- versa. Não era uma história de ficçio, mas seus problemas morais
mente pensa que universalidade significa generalizaçi.o. Há muito eram de uma dimenslo que poucos incidentes da vida real atingem.
anos eu queria muitíssimo dirigir o filme A té o último alento. Era Eu nlo estava certo se estávamos no território do drama ou da
um mundo que eu conhecia bem, adorei o roteiro e, principalmente tragédia. Sabiaquequeriaalgumacoisaentreosdoi~tendendopara
porqué envolvia a vida da classe méc:lia judia de Nova York, eu o trágico. A tragédia, quando funciona, nlo deixa espaço para
temia pelos judeus se eu não o dirigisse. Assim~ uma bela. manhã lágrimas. As lágrimas teriam sido fáceis demais naquele filme. A.
voei para a Califórnia para uma reunilo com Jack Wamer. Quando definiçio clássica de tragédia ainda funciona: piedade e terror ou
entrei na sala dele, vi croquis da colônia de férias judia de CatskiU temor religioso, che~ando à catarse. Este sentido de temor exige
Mountain, onde grande parte da açlo se desenrolava. Dick Sylbert, uma certa c:iistância. É dificil sentir temor religioso de alguém que
o designer de produçio, estava lá. Tfnhamos trabalhado juntos a pessoa conhece bem. A primeira conseqO&lcia foi a escolha do
muitas vezes. Os croquis davam a impresslo de que todo o local elenco. Se o papel principal de Danny Ciello fosse interpretado por
ficava em Beverly Hills ou Brentwood. Eu disse a Dick que nunca De Niro ou Pacino, toda a ambivalência desapareceria. Por sua
tinha visto um clube do circuito do borscht que se parecesse com natureza, os astros provocam a faculdade. de identi.ficaçio do
aquilo. Dick respondeu: "Bem, se vaca quer que pareça reaL." e espectador. V oca empatiza com eles imediatamente, mesmo que
interrompeu a frase. Neste ponto Jack Warner entrou. "Está vendo, estejam representando monstros. Um grande astro derrotaria o
Sidney", disse ele, "nlo queremos um filme para um público filme apenas com a publicidade. Escolhi um ator extraordinário
restrito. Queremos algo mais universaL" Eu disse: "Isso significa mas nlo muito bem conhecido, Treat Williams. Isto talvez tenha
que nlo teremos nenhum judeu no elenco, certo?" Eu estava de anuladooapelocomercialdofilme,masfoiaescolhacertadoponto
volta para. casa no avilo das tr&. · de vistadramático. Depois fui mais longe. Escolhi o maior número
Para mim. chegar ao estilo do filme acontece de uma de·tr& possível de caras novas. Se o ator tinha feito muitos filmes eu não
maneiras. Á5 vezes se dá por um processo de eliminaç.lo: Bem, não o usava. De' fato, pela primeira vez num dos meus fllmes, dos 125
é isto... nlo é aquilo ... Foi o caso de Principe da cidade, por personagens falantes escoJ.hj 52 "leigos", gente que nunca tinha
.58 FAZENDO FlLMES ESTILO 59

atuado antes.lsto ajudou muito em duas áreas: primeiro, ao distan- tamanho maior do que o natural. Para o pequeno papel do médico
ciar o público não lhe dando atores com os quais tinha associações; escolhj George Coulouris. Excelente ator, ele ainda assim despeja
e em segundo lugar ao dar ao filme um "naturalismo" disfarçado, dez litros de água num balde de cinco litros quando representa.
que seria lentamente erodido à medida que o filme passasse. Perfeito. Os astros ajudaram a tomar plausível o implausivel.
Numa verdadeira tragédia, Um longo dia de viagem dentro da Outro exemplo de percepção imediata foi Um dia de cão. Por
noite, segui o caminho oposto. Tínhamos de alcançar na produção causa do material então chocante. senti que minha primeira obriga-
as dimensões trágicas do roteiro. Eu queria não somente astros, mas ção era deixar que o público soubesse que aquilo tinha de fato
gigantes. Eles tinham de ser os melhores atores-grandes atores, se acontecido. Isto explica toda a cena de abertura do filme. Saimos
possfvel-e, além disso, ter grandes personas. Pensei imediatamen- com uma câmera escondida e filmamos todos os incidentes comuns
te em Katharine Hepbum para o papel fundamental de Mary que pudemos flagrar num dia quente de agosto. Quando ftnalmente
Tyrone. Meu primeiro encontro com Hepbum não correu bem. cortanios para Pacino, John Cazale e Gary Springer sentados num
(Mais detalhes depois.) Senti que ela éstava lutando para dominar carro diante de um banco, eles pareciam mais uma tomada de um
a situação, o que poderia levar a problemas durante as filmagens. grupo de pessoas naquele opressivo dia de verão em Nova York. O
Quando saíamos do encontro, Ely Landau, o produtor, perguntou se púbHco nem se deu conta de que a história tinha começado.
eu queria procurar outra pessoa. "Não", respondi. ''Ela é magnífica. O terceiro modo é um processo lento de investigação em que
Quando Mary Tyrone cair será como um carvalho gigante tomban- o estilo surge de uma reiteração constante do tema. Longas discus-
do. Eu enfrentarei todos os problemas que surgirem. Vamos com sões com o escritor, o fotógrafo, o designer de produção e o
ela." Ralph Richardson e Jason Robards também tinham persona- montador pennitem que o estilo, em certo sentido, "se apresente".
Lidades poderosas, a sustentar seus talentos brilhantes. O papel de Um dia de repente você sabe como fazer o filme.lsto aconteceu com
Dean Stockwell é pobre quanto à redação, mas visualmente Dean Daniel. Tema: Quem paga pelas paixões e compromissos dos pais?
era a personificação do jovem poeta torturado. E este foi o elenco. Os filhos, que nunca escolhem aquelas paixões e compromissos.
As vezes o estilo do filme se torna visível quando fecho o Além disso, o tempo estava fraturado. O roteiro saltava para a frente
roteiro após a primeira leitura: Esta é a segurida maneira - e a mais e para trás no tempo. Às vezes estávamos no presente, às vezes vinte
fácil- de decidir sobre um estilo. Assassinato no Oriente Expresso anos antes, depois cinco anos antes, em seguida de volta ao
é um exemplo. Lidávamos ali com um melodrama que tinha uma presente, depois quinze anos antes. O que lentamente "se apresen-
trama admirável. Mas também tinha de ter outra característica; tou" foi que se separássemos visualmente a vida dos pais da vida
nostalgia romântica. O que poderia ser mais nostálgico ou român- dos filhos surgiriam dois mundos. Conseguimos isto através do uso
tico do que um elenco somente de astros? Isto não se fazia desde de cor na decoração, filtros na câmera, andamentos na montagem.
muitos anos, embora tivesse havido muitos elencos estelares nas Darei detalhes disso em outros capítulos. O essencia~ por enquanto,
décadas de trinta, quarenta e cinqüenta. A trama era maravilhosa é que uma comple.xa série de conversas permitiu que encontrásse-
mas complicada. Assim, o que poderia fazer você ouvir com mais mos uma solução que deu peso emocionaJ a cada personagem,
atenção do que um "astro" dando as deixas? No fim contamos com resolveu a história em termos teniàticos e, ao mesmo tempo,
Sean Connery,lngrid Bergman, Lauren Bacall, Jacqueline Bisset, permitiu que o público soubesse onde se situava no tempo.
Vanessa Redgrave, Jobn Gielgud, Michael York., Wendy Hiller, Há muito mais a dizer sobre estilo nos filmes. Mas tenho de
Albert Finney, Richard Widmark, Rachei Roberts e Tony Perkins. deixar isto para os capítulos específicos que analisam os compo-
Mesmo os papéis secundários foram tratados como se fossem de nentes visuais e auditivos de um filme. Uma vez me perguntaram
60 FAZENDO FILMES

qual eraasensaçiode fazer um filme. Respondi que era como fazer


um mosaico. Ca.dasetup é como uma pedrinha. Você lhe dá cor,
forma, polimento, fazendo o melhor que pode. Você fará seiscentas 4 -ATORES:
ou setecentas delas, talvez mil. (Num filme pode haver facilmente UM ATOR PODE REALMENTE SER TÍMIDO:?
inúmerossetups.)Depoisvoc!literalmenteascolaeesperaqueisso
seja o que voe! pretendeu fazer. Mas se você espera que o mosaico
definitivo se pareça com alguma coisa, 6 melhor saber o que está
procurando quando trabalha em cada pedrinha.
Quando nos sentamos para ver os copiões, assistindo ao traba-
lho do dia anterior, o maior cumprimento que podemos dar uns aos Tentemos pôr de lado todos os conceitos anteriores a respeito de
outros é ..Bom trabalho. Estamos todos fazendo o mesmo filme." atores: irracionais, patetás, mimados, super-remunerados, obceca-
Isso 6 estilo. dos por sexo, egoístas, temperamentais etc. Os atores são.uma parte
importante de qualquer filme. Com muita freqüência são a razão de
nossa ida ao cinema. (Eu só queria que o teatro tivesse estrelas com
seguidores tão fiéis.) São artistas do espetáculo, e artistas do
espetáculo são pessoas complexas.
Adoro atores. Adoro-os porque são corajosos. Todo bom
trabalho requer auto-revelação. Um músico transmite sentimentos
através do instrumento que toca, um dançarino através do movi-
mento do corpo. O talento de representar é aquele em que os
pensamentos e sentimentos do ator são comunicados instantanea-
mente ao público. Em outras palavras, o "instrumento., que o ator
usa é ele mesmo. São seus sentimentos, sua fisionomia, sua
sexualidade, suas lágrimas, seu riso, sua núva, seu romantismo,
sua ternura, sua depravação, que estão ali na tela para que todos
vejam. Isto nlo 6 fácil. De fato, geralmente é doloroso.
Há muitos atores que podem fazer uma cópia da vida de modo
brilhante. Cada detalhe eStará correto, belamente observado e
perfeitamente reproduzido. Falta uma coisa,'porém. O personagem
não tem vida. Não quero a vida reproduzida lá na tela. Quero a vida
criada. A diferença está no grau de revelação pessoal do ator.
Mencionei anteriormente o quanto admiro o que Paul Newman
fez de sua vida. Ele. é um homem digno. É também um homem
muito reservado. Trabalhamos juntos na televisão no 'início da
década de cinqüenta e fizemos urna pequena cena juntos· num
62 FAZENDO FILMES ATORES 63

documentário sobre Martin Luther King, de modo que quando nos cor do cabelo e a forma das sobrancelhas, levar pontos atrás das
encontramos em O veredicto ficamos imediatamente à vontade um orelhas para esticar a pele em volta do pescoço. Tud<><isso antes de
com o outro. Ao fim de duas semanas de ensaio fiZ uma recapitu- começarem os ensaios. Foram aceitas ou rejeitadas com base só no
lação do roteiro. (Uma recapitulação é um ensaio que vai direto do físico antes que qualquer coisa ligada a emoções ou caracterização
princípio ao fim do roteiro, sem paradas entre as cenas.) Não houve fosse considerada. Isso deve ser humilhante. E para culminar,
grandes problemas. Na verdade, pareceu muito bom. Mas de algum sabem que quando chegam aos quarenta ou quarenta e cinco anos,
modo parecia um pouco insípido. Quando paramos no final do dia, há cada vez menos ofertas e não podem passar para papéis de
pedi a Paul que ficasse um instante. Contei-lhe que embora as coisas pessoas mais velhas como fazem os homens. Para Richard Gere aos
parecessem promissoras, não tínhamos realmente alcançado o quarenta e cinco anos ficar no fim com Julia Roberts de vinte e três
nível emocional que ambos sabíamos estar presente no roteiro de é perfeitamente aceitável. Mas tente o contrário.
David Mamet. Eu disse que a caracterização dele estava boa mas Eu teria detestado deixar a decisão de Paul para quando
que ainda não tinha se desdobrado numa pessoa de verdade. Havia estivéssemos rodando o filme. O resultado poderia ter sido o
algum problema? Paul disse que ainda não tinha as falas memori- mesmo, mas talvez não. O filme poderia ter sido muito mais
zadas e que quando tivesse, tudo fluiria melhor. Eu disse que não medíocre. Foi o período de ensaio que nos deu tempo não só para
achava que fossem as falas. A meu ver havia um certo aspecto do preparar os aspectos mecânicos do filme mas também para criar
personagem de Frank Galvin que faltava até então. Não queria a intimidade. necessária para revelações emocionais de caráter
invadir a privacidade dele, acrescentei, mas só ele podia escolher pessoal.
revelar ou não aquela parte do personagem e portanto aquele Eu geralmente promovo ensaios durante duas semanas. De-
aspecto dele mesmo. Eu não podia ajudá-lo na decisão. Morávamos pendendo da complexidade dos personagens, às vezes trabalhamos
perto um do outro e fomos para casajuntos. A viagem naquela noite mais tempo: quatro semanas em Um longo dia de viagem dentro da
transcorreu em silêncio. Paul estava pensando. Na segunda-feira noite, três semanas em O veredicto.
Paul chegou no ensaio e as centelhas voavam. Ele estava espetacu- De modo geral passamos os dois ou três primeiros dias em
lar. Seu personagem e o ftlme ganharam vida. tomo de uma mesa, falando sobre o roteiro. A primeira coisa a ser
Sei que a decisão de revelar a parte dele mesmo que o persona- estabelecida é, sem dúvida, o tema. Depois abordamos cada perso-
gem exigia foi dolorosa para ele. Mas ele é um ator dedicado e nagem, cada cena, cada fala. É mais ou menos igual ao tempo que
também um homem dedicado. E, para responder ao título do passo com o escritor. Reúno todos os atores principais nos ensaios.
capítulo, sim, Paul é um homem tímido. E um ator maravilhoso. E Às vezes um ator tem uma cena importante com um personagem
piloto de carro de corrida. E brilhante. que só aparece numa única cena do filme. Chamo o ator com esse
Se aquela revelação pessoal foi tão dolorosa para Paul, tente pequeno papel para um dia ou dois na segunda semana de ensaios.
imaginar o quanto deve ser dolorosa para as atrizes. Elas não são Lemos o roteiro.sem parar, da primeira vez, depois tiramos os dois
apenas solicitadas a atingir o mesmo grau de auto-revelação como dias seguintes para analisá-lo em seus componentes, terminando no
são, além disso, tratadas como mercadorias sexuais. Podem ser terceiro dia com outra leitura sem interrupção.
solicitadas a desnudar os seios e/ou as nádegas ou uns e outras. Uma das peculiaridades interessantes do processo é que a
Sabem que terão de perder cinco quilos antes de começar a segunda leitura sem interrupção, depois de três dias de ensaio,
filmagem. Podem ter colágeno bombeado em seus lábios, se geralmente não é tão boa quanto a primeira. Isto acontece porque os
submeter a lipoaspiração para retirar gordura das coxas, mudar a instintos dos atores os impulsionavam naquele primeiro dia. Mas o
64 FAZENDO FJLMES A TO R ES 65

instinto se desgasta depressa na representação por causa da repeti- avança sobre-os-nossorpés pode levar outros dois dias e meío.
ção. A natureza do cinema é a repetição. Assim é preciso recorrer Assim chegamos ao nono dia. Peço ao operador que venha assistir
a " ações" que podem estimular emoções para compensar a perda do a um ensaio. O escritor esteve presente o tempo todo. E se gosto do
instinto. Para isso 6 quo serviram õs dois dias de discussão. Em produtor, convido-o para o ensaio da câmera
outras palavras, começamos a usar a técnica. Quando chegamos No último dia de preparação fazemos um ou dois ensaios. É .
àquela segunda leitura, o instinto já foi gasto. mas ainda não claro que sempre ensaio em seqüência. É por isso que os filmes
tivemos tempo suficiente para encontrar todos os gatilhos emocio- nunca são rodados em seqüência. Acesso às locações, orçamento,
nais de que os atores necessitam. E é por isso que a leitura olo é tio a disponibilidade dos atores que fazem papéis menores, a proximi-
boa. dade das locações para que os caminhões nlo tenham de viajar
Nesse mesmo período vemos se é preciso reescrever alguma muito- muitas prioridades diferentes existem que fazem com que
parte do roteiro. Estamos começando a sentir se faltam transições a filmagem seja program~ de determinada maneira. Ensaiar em
no personagem ou na trama, se toda a informaçlo necessária é seq1l!ncia dá aos atores o sentido de continuidade, o "arco" de seus
transmitida de modo claro, se o filme é longo demais ou se o diálogo personagens, para que conheçam exatamente onde estio quando a
n1o é bastante vivo. Se há trabalho importante a fazer, o escritor filmagem começa, independentemente da ordem de filmagem.
pode desaparecer por alguns dias. Pequenas revi~ podem ser \ Howard Hawks foi certa vez solicitado a apontar o elemento
feitas na própria sala de ensaio. mais importante no desempenho de um ator. Sua resposta foi
No quarto dia começo a esboçar as cenas. Cada interior que "confiança". Em certo sentido, isto é realmente o que acontece
usaremos no filme foi demarcado com fita no chio em suas durante o ensaio: os atores estio ganhando confiança na revelaçio
dimensões reais. AB fitas slo decores diferentes, de modo que todos
de SWl5 individualidades. Estão aprendendo a meu respeito. Eu nlo
possam ver que espaços elas representam. Os móveis slo colocados
escondo nada. Se os atores nlo vAo esconder nada diante dacimera,
nos mesmos lugares em quo aparecerão nos sets reais. Telefones,
mesas. camas, facas, armas, algemas, canetas, livros, papéis- está eu nlo posso esconder nada diante deles. Eles t!m de poder confiar
tudo lá. Duas cadeiras lado a lado tomam-se um carro, seis cadeiras em mim, saber como eu os "sinto" e o que estão fazendo. Esta
um vaglo do metrô. Os atores estio de pé e o que se ouve é "Cruza confiança mútua é o elemento mais importante eo1re mim e o ator.
aqu.i''. "Senta nesta linha", "Sidney, eu ficaria mais à vontade nlo Trabalhei com Marlon Brando em Vidas em fuga. Ele é um
olhando para ela nesta parte". Encenamos tudo: perseauições. lutas sujeito desconfiado. Nio sei se ele ainda se dá a esse trabalho~ mas
(protetores de joelho, cotovelo e bacia sio obrigatórios), caminha- Brando testa o diretor no primeiro ou segundo dia de filmagem. O
das pelo Central Parte, tudo, seja interior ou exterior. Chamo isto de que ele faz é lhe dar duas tomadaS aparentemente idSnticas. S6 que
"botar as coisas em pé". O processo leva cerca de dois dias e meio. numa ele está realmente trabalhando com seu interior; e na outra
Depois recomeçamos do início, parando agora para ter certeza está apenas lhe dando uma indicaç6o de como erll a emoçlo. Af
de que cada movimento em cena decorre do que foi discutido em observa qual é a que voca decide copiar. Se o diretor copia a errada,
volta da mesa.. NAo enceno o que está na minha cabeça antes dos a "indicada", Marlon ganha a parada. E va.i assim até o fim ou toma
ensaios. Nem penso muito em como será o movimento da câmera. a vida.do diretor um inferno, ou faz as duas coisas. Ninguém tlml o
Quero veraonde o instinto dos atores os leva. Quero que cada passo d.ireito de testar as pessoas desse modo. mas posso entender por que
flua organicamente do passo anterior: da leitura para a eocenaçlo ele faz isto. Ele não deseja expor sua vida interior a algu6m que nlo
e a decislo de como rodar o filme. Esse procedimento de pára-e- sabe ver o quo ele está fazendo.
66 fAZEND O FILM ES ATORES 67

Ao mesmo tempo que estão aprendendo a meu respeito, estou roteiro exigisse que ele a matasse? Precisaria se relacionar com ela
descobrindo coisas sobre os atores. O que os estimula, o que detona criminosamente para fazer o papel? As coisas ficaram meio azedas
suas emoções? O que os aborrece? Como está a concentração deles? entre nós durante alguns dias.
Elestêmumatécnica?Quemétododeatuarelesusam?O"Método" O exemplo mais comovente de quanto de si mesmos devem os
tomado famoso no Actor's Studio, com base nos ensinamentos de atores passar para um personagem aconteceu em Rede de intrigas.
Stanislavsky, não é o único. Ralph Richardson, que eu vi dar pelo William Holden era um ator maravilhoso. Era também muito
menos três grandes interpretaçpes no teatro e no cinema, usava um experiente. Tinha feito sessenta ou setenta filmes na época em que
sistema completamente auditivo, musical. Durante os ensaios de trabalhamos juntos, talvez até mais. Notei que durante o ensaio de
Um longo dia de viagem dentro da noite, ele fez uma simples uina determinada cena com Faye Dunaway, ele olhava para todos
pergunta. Quarenta e cinco minutos depois eu terminei minha os lugares menos diretamente nos olhos dela. Olhava para as
resposta. (Eu falo demais.) Ralph parou um instante e depois disse sobrancelhas, para o cabelo, para os lábios, mas não para os olhos.
sonoramente: "Sei o que você quer dizer, meu rapaz: um pouco Eu não disse nada. A cena era uma confissão do seu personagem de
mais de ce//o, um pouco menos de flauta." Eu fiquei encantado, é que estava irremediavelmente apaixonado por ela, que eles v.inham
claro. E é claro que ele estavame gozando, dizendo que eu não fosse de mundos muito diferentes, que ele era muito vulnerável para ela
tão prolixo. Mas a partir daí falamos em termos musicais: "Ralph, e que portanto precisava da ajuda e do apoio dela. No dia da
um pouco mais de staccato." ''Um andamento mais lento, Ralph.'' fi.lmagem fizemos uma tomada. Depois da tomada eu disse: "Va-
Depois descobri que quando trabalhava no teatro ele tocava violino mos de novo, e Bil~ nesta tomada você faria uma coisa por mim?
no camarim como aquecimento antes de uma representação. Ele se Olhe firme nos olhos dela e não se afaste deles." Ele assim fez. E a
usava literalmente como um instrumento musical. emoção jorrou. É uma de suas melhores cenas no filme. O que quer
Outros atores trabalham com ritmos: "Sidney, me dê o ritmo que ele estivesse evitando não poderia mais ser negado. O período
disso.'' A resposta é "Dum-de-dum-de-dum-de-DUM"'. Ou que- de ensaio tinha me ajudado a reconhecer esta reticência emocional
rem a leitura das falas, uma técnica que outros atores detestam. nele.
Os atores estão também aprendendo uns sobre os outros. Estão É claro que eu nunca perguntei o que ele vinha evitando. O ator
se revelando uns aos outros, compartilhando, cada vez mais, seus tem direito à sua privacidade; nunca violo suas fontes intimas
sentimentos pessoais. Henry Fonda me contou que no primeiro dia conscientemente. Alguns diretores violam. Não há certo nem
de trabalho num filme de Sergio Leone teve de rodar uma cena errado aqui. Mas aprendi minha lição muitos anos antes, num filme
erótica com Oina Lollobrigida. Sem ensaio. Direto. Os atores chamado Mulher daquela espécie. Eu precisava das lágrimas de
diferem muito quanto a cenas de amor e sexo. Alguns fogem delas uma atriz numa determinada fala. Ela não conseguia produzi-las.
por timidez. A esposa de um ator com quem trabalhei não permitia Finalmente, eu lhe disse que independentemente do que eu fizesse
· que ele fizesse essas cenas. Eu sei que se surge um caso entre dois durante a próxima tomada ela deveria continuar a dizer a fala.
atores, geralmente começa ou no dia em que eu ensaio a cena de Rodamos a câmera. No momento em que ela ia dizer a fala, levantei
amor ou no dia em que a rodo. Um ator cujo nome não deve ser a mão e dei-lhe uma bofetada. Os olhos dela se arregalaram. Ela
revelado queria estar presente na hora de escolher a mulher que ia ficou aturdida. As lágrimas jorraram, em profusão, ela disse a fala
contracenar com ele. Quando perguntei por que, ele disse que tinha e fizemos uma tomada sensacional. Quando eu gritei "Corta,
de poder se relacionar com ela sexualmente se quisesse fazer as copiem!" ela atirou os braços à minha volta, me beijou e disse que
cenas de amor adequadamente. Então eu perguntei a ele: e se 0 eu era brilhante. Mas eu me sentia simplesmente abomináveL
68 FAZENDO FILMES ATORES 69

Mandei buscar uma bolsa de gelo.p araqueorostodelanão inchasse particulares, pessoal de maquilagem e cabeleireiro que não são
e tive a certeza de que nunca mais faria uma coisa daq11elas. Se nio melhores que seus colegas mas que recebem um salário quatro
podemos conseguir uma coisa por meio da habilidade artística, vezes maior. Muitos dos maq11iladores e cabeleireiros dos astros
diabos a levem. Encontraremos outra coisa q11e sirva tio bem empregamumjeitosutildeminarocampo,demodoqueoastroaos
quanto ela. poucos se torna dependente deles.· Tlldo isto é perigoso de duas
No capítulo sobre estilo mencionei que em Um longo dia de maneiras: custa muito dinheiro que nio aparece na tela; e mesmo
viagem dentro da noite eu queria Katharine Hepbum por causa de sem querer, os astros começam a ter uma sensaçlo de poder que
sua atuação como atriz, e de sua forte persona. O problema de pode estragar o trabalh_o deles.
integrar as próprias qualidades pessoais vigorosas com o persona- Hepbum mmca desceria a esse n1vel. Ela tinha sido, porém, um
gem que a estrela está interpretando é fascinante. Se temos um fator dominante em sua própria carreira. Isto aconteceu durante seu
grande astro, temos esta qualidade pessoal forte aflorando em cada período na Metro, nas décadas de trinta e quarenta. A maioria dos
desempenho. Mesmo quando se trata de um ator tio versátil como astros tinha um medo abjeto de Louis 8 . Mayer, menos Kate. Ela
Robert De N iro, o próprio De Niro se sobressai. Em parte porque ele às vezes criava seu próprio materiaL Nlo sei se encomendou a
se usa de modo brilhante. Como eu já disse, o único instrumento do Philip Barry que escrevesse Núpcias de escândalo para ela, mas
ator é ele mesmo. Mas acho que é mais que do isto. Há uma detinha os direitos. Quando nos encontramos pela primeira vez, em
misteriosa alquimia entre astro e público. Às vezes ela se baseia na Um longo dia tk viagem dentro da noite, ela estava morando na
beleza fisica ou no sex appeal do astro. Mas nio acredito que seja antiga casa de John Banymoreem Los Angeles. Passei pelas portas
só uma coisa. Certamente havia outras muJheres tão atraentes do que me parecia ser uma sala de estar de quinze metros de
quanto Marilyn Monroe ou homens tio charmosos quanto Cary comprimento. Ela se levantou na outra extremidade da sala e
Grant (embora nlo mwtos). AJ Pacino tenta adaptar sua apa16ncia começouaandarnaminhadireção. Tínhamostranspostometadeda
aos personagens- uma barba aqui, lliD cabelo longo ali - mas, seja distância quando ela disse: "Quando quer começar a ensaiar?"
como for, é o modo como seus olhos expressam wna imensa raiva, (Nada de "Olá" ou "Como vai?j "Dezenove de setembro", eu
mesmo em momentos de ternura que me impressiona e a todo o disse. "'Só posso começar dia vinte e seis". ela disse. " Por quê?",
mundo. Acho que todo astro desperta uma Sensação de perigo, algo perguntei "J>orque entlo", ela disse, "você saberia mais sobre o
incontrolável. Talvez cada pessoa do público sinta q11e é a única que roteiro do que eu."
pode controlar. domar. satisfazer a qualidade maior do que a vida Divertida. channosa, mas falava sério. Para mim estava tudo
que um astro tem. Clint Eastwood não é reaJmente o mesmo que bemseelasabiamaissobreopersonagem.Afinal,elaia·representá-
você ou eu. 6? Ou MicheUe Pfeiffer, ou Sean Connery, ou sei lo, e eu tinha uma porçiode outras coisas para pensar. Mas o desafio
lá quem. Nlo sei realmente o que constitui 11m astro. Mas a per- era inconfundível, e eu podia ver os percalços ao longo do caminho.
sona que surge diante de vod é certamente um elemento impor- O jeito era deixá-la em paz. Embora ela tivesse feito grandes
tantíssimo. papéis, nada poderia~ comparar a Mary Tyrone em complexidade
Corno eles geraJrnente slo a razão pela qual um filme consegue psicológica, exigSncia flsica. e emocional e dimensão trágica.
financiamento, os atores tendem a ser mimados. Detesta aqueles Durante os três primeiros dias de ensaio eu nio disse coisa algllma
trailers enormes. Já vi trai/ers que são verdadeiros ônibus adapta- a ela sobre a personagem de Mary Tyrone. Conversei muito com
dos. A cama é imensa. A TV tem antena parabólica retrátil Já vi a Jason, que fizera seu papel antes, com Ra.lpb e Dean e naturalmente
companhia de produção pagar cozinheiros particulares, secretárias falamos da peça. Quando acabamos a leitura geral no terceiro dia,
,
70 FAZENDO FILMES ATORES 71
.
houve uma longa pausa. E então, do canto da mesa onde Kate anos porque sabia que eles interfeririam no trabalho. Aquela é uma
estava, uma voz fraquinha disse "Socorro!" das grandes. '
A partir dai o trabalho foi emocionante. Ela perguntava, falava, Em Assassinato no Oriente Expresso eu queria que Ingrid
queixava-se. tentava, fracassava, acertava. Construía aquela perso- Bergmãn interpretasse a princesa russa Dragomiroff. Ela queria
nagem pedra a pedra. Faltava ainda alguma coisa à interpretação no fazer·a retardada criada sueca. Deixei-a interpretar a criada. Ela
ftnal da segunda semana. Hâ um momento no roteiro em que seu ganhou um (>rêmio da Academia. Toco neste assunto porque o
filho mais novo, tentando romper o atordoamento em que a deixava autoconhecintento é importante de muitas maneiras para um ator.
a morfina, diz a ela aos gritos que ele está morrendo de consumpção. Já mencionei como a improvisação pode ser uma ferramenta eficaz
Eu disse: c'Kate, eu gostaria que você lhe aplicasse um tapa com no ensaio como meio de descobrir c"rrio a pessoa realmente fica
toda a força possível." Ela começou a dizer que não podia fazer quando, por exemplo, está com raiva. Conhecer seus sentimentos
aquilo, mas a frase foi morrendo em sua boca. Pensou nisso durante permite que você saiba quando esses sentimentos são verdadeiros
uns trinta segundos depois disse: "Vamos tentar." E bateu nele. em contraste com o momento em que vaca os está simulando. Por
mais inseguros que estejam, quase todos os astros com quem
Olhou para a cara chocada de Dean e seus ombros começaram a
trabalhei têm um alto grau de autoconhecimento. Podem odiar o
tremer. Afundou-se na prostração amedrontada que era um aspecto
que vêem, mas eles se vêem, sim. E você pensava que toda aquela
tão importante de Mary Tyrone. A visão daquela Bepbum colossal
contemplação no espelho era só vaidade. Acho que é o
em tal estado era a personificação da representação trágica. Quando autoconbecimento que serve como elemento integrador entre a
os gregos diziam que a tragédia é para a realeza, estavam apenas persona natural do ator e o personagem que ele interpreta.
dizendo que a tragédia era para gigantes. Não houve mais Temos sorte neste pafs. Quase todos os nossos astros slo muito
represamento. Kate estava em ascensão. bons atores. E dos que não são, a maioria quer ser. Por isso muitos
No fim do ensaio, pouco antes da filmagem, reuni os atores para estudam interpretação quando não estão trabalhando. Muitos têm
lhes falar sobre meu sistema e meus hábitos de filmagem e para aulas de diferentes tipos na costa leste e na costa oeste. Em Londres,
saber se havia alguma coisa de que tinham necessidade durante a também, são ensinadas diferentes t6cnicas. Como Pau] Newman (o
filmagem que pudéssemos provi<tenciar. Nessa reunião eu disse a M6todo) consegue trabalhar com Charlote Rampling (sem nenhum
eles: ''E a propósito, vocês todos estão convidados a ver os copiões." método, mas maravilhosa); Alan King (boates) com Ali MacGraw
Quando íamos saindo, Kate me chamou para um canto. "Sidney", (nenhum treinamento formal); Ralph Richardson (Real Academia
disse ela, "eu assisti aos copiões de quase todos os filmes que fiz. Clássica) com Dean StockweU (uma versão do Método); Marlon
Mas não virei ver estes. Posso ver como você trabalha. Conheço o Brando (o Método) com Anna Magnani (autodidata)? Como con-
trabalho de Boris. (Boris Kaufman era o fotógrafo.) Vocês dois são seguimos que atores com experiências de vida e técnicas de
inteiramente honestos. Não podem me proteger. Se eu for aos representação totalmente diferentes pareçam estar fazendo o mes-
copiões tudo que verei é isto" - e pôs a mão sob o queixo e beliscou mo filme?
a pele ligeiramente bamba- "e isto"- e fez a mesma coisa debaixo A resposta é notavelmente simples, mas como todas as coisas
do braço- "e preciso de todas as minhas forças e concentração para simples, é ditlcil de realizar. Como na vida falar e escutar realmente
desempenhar meu papel., As lágrimas me vieram aos olhos. Eu um ao outro é muito, muito diflciL Na representação essa é a base
nunca tinha visto um ator com tamanho autoconhecimento e tal na qual tudo é construido. A essa altura eu tenho um discurso quase
dedicação, confiança e garra. Ela estava rompendo hábitos de trinta pronto que faço antes da primeira leitura do roteiro. Digo aos atores:
72 FAZENDO FILMES A TORES 73

''Vão até onde sintam que podem ir. Façam o máximo ou o mínimo empurrador da dolly perde a deixa. Quando isto acontece, o ator
que quiserem. Se sentirem a coisa, deixem que ela alce vôo. Não se passa por maus mom~ntos. Tendo "esvaziado" uma vez, ele agora
preocupem se é a emoção certa ou errada. Descobriremos. É para precisa se recarregar. O único meio de contornar o problema é
isso que servem os ensaios. Mas, no mínimo, conversem uns com filmartomadaatomadaporqueo"recarrega.mento"podeacontecer ·
os outros e ouçam uns aos outros. Nlo se preocupem com a perda a qualquer instante depois da Tomada 8 ou Tomada 1Oou Tomada·
do seu lugar no roteiro enquanto estiverem realmente falando ou 12. Eu tento dar ao ator algo novo a cada vez para estimular seus
ouvindo uns aos outros. Tentem captar o que vods acabaram de sentimentos, mas depois de algum tempo minha imaginação se
ouvir." Stanford Meisner foi um dos melhores professores de esgota.
repJeSelltaçlo do meu tempo. Com os estudantes iniciantes, ele Uma história resume todos os penosos problemas de que falei
passava o primeiro mês ou mês e meio reunindo-os para que nestecapítQ.lo.Aconteceuem Vidasemfoga.NumacenacomAnna
realmente conversassem e ouvissem uns aos outros. Nada mais. É Magnani, Brando tinha uma longa fala que continha um dos
o grande denominador comum onde os diferentes estilos e técnicas melhores textos de Tennessee Williams. Usando belas imagens ele
de representar se encontram. se compara a um pássaro que nunca consegue se sentir em casa em
Uma coisa fascinante aconteceu na primeira leitura do Assas- parte alguma da terra. Condenado a voar sem destino pelo mundo,
sinato no Oriente Expresso. Cinco estrelas do teatro inglês estavam não pousa nunca até morrer. Boris Kaufman tinha preparado
em cartaz no West End na época- John Gielgud, Wendy Hiller, complexas mudanças de iluminação. A lnz sobre as paredes do
VanessaRedgrave, Colin Blakely e R.acbel Roberts. Sentados com
fundo diminuía até que somente Marlon ficava iluminado, numa
espécie de limbo. Um complicado movimento de câmera também
eles estavam seis estrelas do cinema: Sean Connery, Lauren Bacall, fazia parte da tomada. ·
Richard Widmark, Tony Perkins, Jacqueline Bisset e Michael
Marlon começou a Tomada 1. Por volta de dois terços da fala,
York; lngrid Bergman e Albert Finney eram a ponte entre os dois ele parou. Tinha esquecido o restante. Começamos a Tomada2. As
mundos. Começaram a ler. Eu não conseguia ouvir coisa alguma. luzes não desapareceram corretamente. Tomada 3: Marlon esque--
Todos murmuravam suas falas tio baixinho que eram i:nawtfveis. ceu a fala exatamente no mesmo ponto. Tomada 4: Marlon parou
Finalmente percebi o que estava acontecendo. Os astros do cinema novamente no mesmo ponto. Até entlo, eu nunca fora além de
reverenciavam os astros do teatro; os astros do teatro reverencia- quatro tomadas com Marlon em coisa alguma. Tomada 5: O
vam os do cinema. Um caso clássico de terror do palco. Mandei movimento de câmera saiu errado. Tomada 6. Tomada 7. Tomada
parar a leitura e, dizendo que não conseguia·ouvir co~guma, 8. A memória de Marlon estava falhando no mesmo trecho. Já eram
pedi que fizessem o favor de falar \J!lS com os outros como se 5:30. Tínhamos passado da hora. Marlon tinha me falado de alguns
estivessem na casa de Gielgud para jantar. Jobn disse que nunca problemas pessoais que estava enfrentando na época. De repente
tivera convidados tio ilustres para jantar, e demos a partida percebi que havia uma ligação direta entre os seus problemas e a fala
A maioria dos bons atores tem seu melhor momento de filma- que ele nio conseguia lembrar. Tentamos de novo. Ele parou. Fui
gem cedo. Geralmente na Tomada 4 já destilaram o CU~e há de até ele e disse que se ele quisesse poderiamos suspender a filmagem
melhor neles. Isto é verdade sobretudo nas grandes cenas de até o dia seguinte, mas eu não queria que esse bloqueio aumentasse
emoçio. O cinema, porém, é um meio técnico. As coisas saem durante a noite. Achei que devíamos atravessá-lo de qualquer
erradas apesar dos preparativos. Uma porta bate do lado de fora do maneira, levasse o tempo que levasse. MarJon concordou. Tomada
set, o microfone aparece na tomada, o operador de câmera erra, o 12. Tomada 18. Estava ficando embaraçoso. Magnani, a equipe,
,
74 fAZENDO FILMES

todos nós estávamos angustiados por ele. Tomada 22. Nlo foi bem
para a câmera. Era quase um alivio quando o erro não era culpa de
Marlon. Fiquei conjeturando se devia dizer o que eu achava que o 5 -A CÂMERA:
estava incomodando. Decidi que seria uma violação pessoal grande
demais de uma confidência. Tomada 27, 28. Eu disse a Marlon que
SUA MELHOR AMIGA
já que eu tinha de cortar para Magnani de qualquer maneira,
podiamosfazerumpiclc:up. Pic/c:upéquandovodcomeçaumanova
tomada no ponto em que a outra foi interrompida. Marloo disse que
nio. Ele queria fazer tudo numa única tomada. O fUlAI da fala ficaria •
mais forte assim.
Em primeiro lugar. a câmera não pode responder. Não pode fazer
Finalmente, na Tomada 34. duas horas e meia depois de termos
perguntas estúpidas. Nlo pode fazer perguntas penetrantes que
começado, ele conseguiu. E admiravelmente. Quase chorei de
fazem voeS perceber que esteve errado o tempo todo. Ei. ela é uma
alfvio. Voltamos juntos ao camarim dele. Assim que entramos, eu
lhe disse que poderia tê-lo ajudado mas achei que não tinha esse
câmera/
direito. Ele olhou para mim e sorriu como somente Brando pode Mas:
sorrir, e ar a gente pensa que um novo dia surgiu. "Fico feliz por • Pode compensar um desempenho deficiente.
voc6 nlo ter ajudado", ele disse. Nós nos abraçamos e fomos para • Pode melhorar um bom desempenho.
casa. • Pode criar clima.
Tudo acerca de atores e representação no cinema está nessa • Pode criar feiúra.
história. O uso de si a qualquer custo, o autoconhecimento, a • Pode criar beleza.
confiança que um diretor e um ator têm de desenvolver um no outro, • Pode provocar emoção.
a devoção a um texto (Marlon nunca questionou as palavras), a • Pode captar a essência do momento.
dedicação ao trabalho, a arte. • Pode parar o tempo.
São experiências como esta que me fazem amar os atores. • Pode mudar o espaço.
• Pode definir um personagem.
• Pode proporcionar explicação.
• Pode fazer uma piada.
• Pode fazer um milagre.
• Pode contar uma história!
Se meu filme tem dois astros, sempre sei que realmente tem
três. O terceiro astro é a cimera..
Mecanicamente, uma câmera~ muito simples. Um carretel de
negativo virgem é colocado na parte dianteira. Um carretel de tra-
ção, que puxa o negativo exposto e enrola-o. fica na parte traseira.
No meio ficam as rodas dentadas que mantem a pelfcuJaesticada o
tempo todo. Elas rodam a uma velocidade constante, passando
76 FAZENDO fiLMES A CÀMERA n
pelas perfurações existentes no negativo, de modo que durante uma , LARGA
tomada a peUcula estA se movendo. No centro desse mecarusmo ,,
,,'
está uma lente. A luz atravessa a lente e impressiona o negativo. A ,,
câmera na verdade fotografou uma imagem parada. chamada ,'
,,'
fotogramL Depois que o fotograrna foi exposto. o mecanismo da ,,'
câmera começa a puxar o próximo fotograma para a posiç.lo atrás
,, ,'
da lente. Mas quando a peUcula se move um obturador se fecha e ,,
,'
impede que a luz atinja o negativo. Então o fotograma seguinte -
outra fotografia parada- é exposto. Slo vinte e quatro fotogramas
por segundo, dezesseis fotogramas para cada pé de filme. um p6 e
LENTES LUZ OBJETO
meio para vinte e quatro fotogramas. Quando projetados numa tela
por um mecanismo exatamente igual, parece que as imagens estio I·
em constante movimento, apesar de estarmos de fato vendo vinte e I
quatro fotos pa.radti por segundo. Ao olho humano o movimento
parece continuo. Como Jean-Luc Godard disse certa vez, filmes
"são vinte e quatro fotogramas de verdade por segundo". Como os
mecanismos de dedilhaçlo da maioria dos instrumentos musicais,
esta engenhoca simples, deselegante, pode produzir um resultado
estético profundo.
Hi quatro elementos básicps que atuam sobre a imagem
produzida na câmera. Primeiro, há a luz que existe antes mesmo de
penetrar na lente. Esta luz pode ser natural, artificial ou uma LONGA
combinaçlo de ambas. Em segundo lugar, há filtros e redes de cor,
.geralmente colocados atrás da lente, para controlar a cor e mudar a
qualidade da luz. Em terceiro há o tamanho da própria lente. Em
quartohiodiafragma,quedeterminaaqtantidadedeluzquepassa
pela lente e chega à película. Há outros fatores: o ângulo do
obturador, o material de que foi feito o negativo e fSSim por diante.
f1LME LUZ
Mas estes quatro elementos básicos slo suficientes por enquanto. OBJETO
A escolha fotogrüica mais fundamental que eu faço é que lente
usar para uma determinada tomadL As lentes variam numa enorme
gamaqucvaide9mllúnetrosa600milímetrosemais. Tecnicamen- ·-.......),
te denominamos as lentes da faixa menor de milimetros (9rnm, .. , ......_
.., ..,
14mm, 17mm, 18mm, 21mm) como lentes grao'lles angulares e as
de 7Smm para cima como teleobjetivas. Espero tomar isto mais .® ..,,
claro com os seguintes desenhos:
FAZENDO FiLMES A CÂMERA 79

A distância de onde a imagem se volta para a superflcie Os objetos parecem mais separados, especialmente objetos alinha-
gravadora (a película) é o que determina o número de miUmetros da dos do primeiro para o último plano. As linhas verticais parecem ser
lente. No desenho A observe que há muito mais espaço em cima e forçadas a ficar mais juntas no alto do fotograma.
embaixo do objeto fotografado do que no desenho B. A lente de As lentes mais longas (de 50mm para cima) comprimem o
35mm (A) abarca uma área significativamente maior do que a lente espaço. Os objetos que estio alinhados do primeiro para o último
de 75mm (B). A lente grande-angular (35mm) tem muito mais plano parecem mais juntos. Quanto mais longa a lente, mais perto
~·campo" do que a lente de 75mm. A lente de 75mm tem um tubo o objeto parece, tanto para a câmera quanto um para o outro. Estas
· longo desenhado nela porque precisa de mais distância em relação distorções sio tremendamente úteis. Por eXcemplo, se eu estivesse
àsuperficie gravadora. Teoricamente, dado todo o espaço de que se fazendo um travelling ou simplesmente panoramizando da direita
precisa, pode-se conseguir o mesmo tamanho de qualquer objeto para a esquerda, poderia criar a ilusão do objeto fotografado
fotografado usando-se uma lente maior mediante o simples recuo viajando a uma velocidade muito maior usando uma lente longa.
da câmera. Mas trocar de lente pela quantidade de informação que Como parece mais .Próximo, o objeto parece passar pelo plano de
a lente capta (seu "campo") é apenas um uso parcial de uma lente. fundo a uma velocidade muito maior numa lente longa. O objeto no
As lentes têm diferentes sensibilidades. Lentes diferentes contarão primeiro plano (um carro, um cavalo, uma pessoa correndo) parece
uma história de modo diferente. estar cobrindo um percurso maior mais depressa. Inversamente, se
Assassinato no Oriente Expresso ilustrou isto muito claramen- eu quisesse aumentar a velocidade de um objeto que se aproxima ou
te.Nocorpodofilmeaconteceramváriascenasqueseriamrecontadas se afasta de mim, usaria uma lente grande-angular. Isto porque o
no final do filme por Hercule Poirot, nosso detetive-gênio, usando objeto parece cobrir distâncias maiores quando se aprox:íma ou se
a recapitulação como parte de sua prova da solução do crime. afasta da gente.
Enquanto ele descrevia os incidentes, as cenas que tínhamos visto As lentes têm outra característica. As lentes grandes-angulares
antes eram repetidas como flashhacks . Somente agora, porque têm uma profundidade focal de campo muito maior-~:t quantidade
tinham adquirido um significado melodramático maior como pro- de espaço em que um objeto que se aproxima ou se afasta da câmera
va, apareciam na tela de forma muito mais dramática, vigorosa, fica em foco sem mudar o foco da lente mecanicamente. Também
gravada em traços firmes. Isto foi conseguido mediante o uso de isto pode ser de pde utilidade. Se eu quisesse me livrar tanto
diferentes lentes. Cada cena que seria repetida era ftlmada duas quanto possível do plano de fundo, usaria uma lente longa. O fundo,
vezes- a primeira vez com as lentes normais do filme (SOmm, mesmo parecendo mais próximo, está tão fora de foco que se toma
75mm, lOOmm) e a segunda vez com uma l~te grande-angular irreconhecível. Mas com uma lente grande-angular, embora pareça
(21 mm). O resultado foi que da primeira vez que vimos a cena, ela mais distante, o fund~ estará mais nítido e portanto mais reconhe-
parecia uma parte normal do filme. Vista da segunda vez, era cível.
rllelodramática, concordando com o drama da solução de um ·Às vezes, quando preciso de uma lente longa mas quero manter
assassinato. a imagem mais nítida, colocamos mais luz. Quanto mais luz, mais
As lentes têm características diferentes. Nenhuma lente vê profundidade de foco e vice-versa. A luz adicional nos dará
realmente o que o olho humano vê, mas as lentes que chegam mais maior profundidade de foco, compensando um pouco a perda de
perto são as lentes de meia distância, de 28mm a 40mm. As lentes profundidade que a lente longa criou. . .
· grandes-angulares (9mm a 24mm) tendem a distorcer o quadro; Isso fica ainda mais complicado. Já que a luz mtlut sobre a
quanto maior a lente, maior a distorção. As distorções são espaciais. profundidade de foco, o slop (a quantidade de luz que tem permis-
80 FAZENDO FILMES A CÂMERA 81

sio de passar através da lente) é muito importante. Cria-se o stop


abrindo-se ou fechando-se um diafragma montado na lente. A isso
chamamos opening up (deixar entrar mais luz pondo-se o diafrag- V'ulas em fuga, Boris Kaufman, fotógrafo. Pela primeira vez
ma em sua posição mais aberta) ou stopping down (fechar o tentei atribuir lentes aos personagens. O personagem de Brando,
diafragma de modo a permitir que a menor quantidade de luz Val XavierJ está tentando descobrir o amor a si mesmo e aos outros
alcance a pelicula). Ufa! como a única possibilidade de sua própria salvação. (Certa vez
· O objetivo destas explicações t6cnicas enfadonhas é informar perguntei a Tennessee Williams se o nome Val Xavier era uma
que os elementos fotográficos básicos - lente, diafragma, luz e versão camuflada de São Valentino, o salvador. Ele se limitou
filtros - são ferramentas maravilhosas. Podem ser usados não
.... ....· àquele seu sorrisinho enigmático.) .
apenas por necessidade mas também para alcançar resultados . Com uma lente longa, em virtude de sua menor profundidade
estéticos. Talvez eu possa ilustrar com alguns exemplos. de foco, a imagem tende a ser um pouco mais suave. De fato, usando
uma lente longa num stop bem aberto, um close-up pode mostrar os
Doze homens e uma sentença, Boris Kaufman, fotógrafo. olhos nitidos, mas as orelba8 e a parte detrás da cabeça ligeiramente
Nunca me ocorreu que rodar um filme inteiro numa única sala fosse fora de foco.Por isso tentei sempre que possível usar umalente mais
um problema. Na verdade, eu achava que poderia tirar vmtagem longa para Brando do que para qualquer outra pessoa em cena. Eu
c:tisto. Um dos mais importantes elementos dramáticos para mim era queria uma aura de delicadeza e suavidade em tomo dele.
a sensaçio de aprisionamento que aqueles homens deviam sentir O ~rsonagem .de Anna M.agnani, Lady, começa como uma
naquela sala. Imediatamente me ocorreu um "enredo de lentes". A mulher dura, amarga. Amedida que seu caso de amor com Vai se
medida que o filme se desenrolava, eu queria que a sala fosse desenvolve, ela se toma mais doce. Assim, à medida que o filme
parecendo cada vez menor. Isto queria dizer que eu iria aos poucos avançava, eu lentamente aumentava o uso de lentes longas sobre ela
passar a usar lentes mais longas com a continuação do filme. até qt4e, já perto do fim, a mesma lente foi usada para Lady e Val.
Começando com a faixa normal (28mm a 40m.m), pas~os para Ele havia mudado a vida dela. Ela estava agora no mundo dele.
Lentes de SOmm, 7Smm e 1OOmm. AJém disso, rodei o primeiro O personagem de Val começou e terminou o mesmo. O
terço do filme acima do nível do olho e depois, abaixando a câmera, personagem de Lady passou por uma transição. Para enfatizar a
rodei o segundo terço ao nível do olho e o último terço abaixo do progressão dela, já que estávamos usando a mesma lente para cada
nível do olho. Desse modo, já para o fi.In, o teto começava a um deles., acrescentamos redes ao lado dela. Uma rede é de fato uma
aparecer. Não apenas as paredes se fechavam; o teto também. A rede presa numa moldura de metal rígida que se encaixa atrás da
scnsaçlo de crescente claustrofobia ajudou muito a efevar a tensão lente, do lado de fora da câmera. EJa difunde a luz, suavizando mais
da última parte do filme. Na tomada final, uma exterior que a imagem. A rede deve ser usada muito sutilmente, em especial
mostrava os jurados deixando o tribuna~ usei uma lente grande- quando é entrecortadapor tomadas de um personagem que nlo tem
angular, mais larga do que qualquer lente que tivesse sido usada em rede. Há yários graus de rede, do leve ao pesado. No final do filme,
todo o filme. Também levantei a câmera para a posição mais Lady descobre que está grávida. Numa bela fala, ela se compara a
elevada acima do nfvel do olho. A intençio era literalmente nos dar uma figueira do jardim de seu pai que, uma vez morta, renasceu.
todo o ar, deixar-nos finalmente respirar, d\pois de duas horas cada . Boris usou tudo que pôde - Lente longa, redes, e ~s estágios
vez mais confinadas. ·diferentes de luz pesadamente enevoada- para dar a ela uma certa
FAZENDO FILMES A C ÂMERA 83
82

resplandecência. Recordando isso agora., acho que fomos um pouco Decidimos fazer todo o filme com três lentes grandes-angula-
longe demais, mas na época achei que estava ótimo. res: o primeiro terço com uma de 24mm, o segundo com uma de
Eu gostatia de fazer uma ligeira pausa para falar sobre luz. 2lmm, o último com uma de 18mm. Quero dizer tudo mesmo,
Evidentemente há mais controle sobre uma cena de interior, onde inclusive close-ups. Claro, os rostos ficaram distorcidos. Um nariz
o operador provê a luz artificialmente. Mas em exteriores é surpre- parecia ter o dobro do tamanho, a testa se lançava para trás. No fim,
endente ver quanto controle um bom fotógrafo consegue de fato. mesmo num close-up com a câmera a menos de trinta centímetros
Sevocêpassoualgumavezporum.aequipedecinemattlmando dos rostos dos atores, podia-se ver toda a cadeia ou enormes
nas ruas, talvez tenha visto uma lâmpada enorme derramando sua panoramas do deserto por trás deles. Foi por isto que usei aquelas
luz no rosto de um ator. Ela é o que chamamos are ou brute e emite lentes. Não queria perder o elemento critico do enredo e a emoção:
o equivalente a 12.000 watts. Sua reação foi provavelmente: O que esses homens nunca se livrariam da prisão ou deles mesmos. Era
há com esse pessoal? O sol está. brilhando e eles acrescentam aquela este o tema do fllme. Eu queria todo o entorno bem presente o tempo
luz enorme que obriga o ator a ficar com os olhos meio fechados. todo.
Bem, a pellcula é limitada de muitas maneiras. É um processo Voltando ao contraste, os exteriores eram filmados no deserto.
qufmico e uma de suas limitações é a quantidade de contraste que A luz era de cegar, o calor tlo violento que durante o dia nos
conseguecaptar.Podeseajustaramuitaluzouapoucaluz.Masnão desidratávamos por completo. Passados alguns dias perguntei a
pode absorver muita luz e pouca luz no mesmo quadro. Seao Connery se ele estava urinando. "Só de manhl'', disse ele.
É uma versão mais pobre de nossa própria vista. Tenho certeza. Quando chegávamos a um close-up e o ator não estava olhando
de que vaca já viu uma pessoa na janela num belo e claro dia de sol. para o sol, Ossie perguntava se eu queria ver o rosto do ator.
A pessoa fica como uma silhueta recortada contra o céu. Não Se eu dizia sim, os eletricistas traziam a lâmpada de arco vol-
conseguimos distinguir as feições dela. Aquelas lâmpadas de arco taico. Se eu dizia não, Ossie perguntava: "E os olhos?" Se sim, ele
voltaico corrigem o ccequilíbrio" entre a luz no rosto do ator e o céu cortava um pedaço de cartolina branca ou, se a câmera estava muito
brilhante. Se não as usássemos, o rosto dele ficaria completamente
perto do ator, tirava seu lenço, e usava-o como refletor, para rebater
preto. E uma lâmpada de arco voltaico faz piscar. (Aposto que você
para os olhos do ator a luz quente que vinha do céu.
pensava que todos aqueles heróis do faroeste tinham aquele olhar
De fato, nos primeiros tempos de cinema, antes que dispuses-
semicerrado naturalmente.)
Uma ilustração perfeita do uso do contraste é: sem de geradores portáteis, os operadores usavam os chamados
refletores- imensas pranchas revestidas de lâ.minas de prata, que
refletiam o sol onde o fotógrafo quisesse. Elas ainda são usadas hoje
A colina dos homens perdidos, Oswald Morris, fotógrafo. A, em dia quando o orçamento está apertado.
colina é a história de uma prisão do exército britânico no norte da
África durante a ll Ouerra Mundial. Só que o acampamento é para
soldados britânicos, enviados llara lá por problemas de disciplina Assassinato no Oriente Expresso, Geoffrey Unsworth, fotó-
ou comportamento criminoso. E um lugar brutal, cheio de punições grafo. Nosso objetivo aqui era a simples beleza flsica. Dois modos
sádicas que se destinam aabater o espírito de qualquer um que tenha de conseguir isto (entre muitos outros) são o uso de leDtes longas,
a infelicidade de estar lá. Querendo um negativo bem contrastado, para ajudar a suavizar toda a imagem, e a iluminação de fundo.
usamos a peUcula llford que raramente era usada porque os fotógra- Iluminação de fundo é um dos modos mais antigos e mais
fos a achavam contrastada demais. freqüentemente usados de fazer com que as pessoas pareçam mais
84 FAZENDO FILMES A CÁMER.A 85

bonitas. A luz é projetada por trás do ator na direção da nuca e dos brilho do que normalmente teriam. Este processo é chamado
ombros. A luz é de maior intensidade do que a que atinge o rosto do prej/ashing. ,
ator. Se vocêjá andou no bosque ao encontro do sol poente, ou olhou
para o sul da Quinta Avenida num dia ensolarado, estando num
ponto ligeiramente elevado, talvez recorde como as folhas ou a A. manhã segui71le, Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Aqui eu ·
avenida pareciam belas. Isso acontece porque elas estavam sendo queria o oposto exato de Chamada para um morto. Morar em Los
iluminadasportrás.AJuzdefundoémuitousadanos filmesporque Angeles era parte da influência debilitante sobre o personagem
funciona. TomouDietrich, Garbo, todas elas, ainda mais bonitas do vivido por Jane Fonda. Eu queria todas as cores exageradas:
quejáeram. · vermelhos mais vermelhos, azuis mais azuis. Usamos filtros. Atrás
da lente há pequenas ranhuras onde podem ser encaixadas molduras
de cerca de duas e meia por três e meia polegadas. Essas mol-
Rede de intrigas, OwenRo~ fotógrafo. O filme tratava de duras e ranhuras podem receber pedaços de vidro ou gelatina que
comJ.pçlo. Por isso corrompemos a câmera. Começamos com um são coloridos conforme as necessidades. Quando podíamos ver o
olhar quase naturalista. Para a primeira cena entrePeter Fincb e Bi!J céu, Andrzej acrescentava um filtro azul que cobria apenas o céu.
Holden, na Sexta Avenida à noite, acrescentamos apenas luz O céu ficava mais azul. Cada cor era reforçada deste modo. Certo
suficiente para conseguir exposiçlo. À medida que o filme.avança- dia, devido ao smog e às nuvens do crepúsculo, o céu tinha uma
v~ as posições da câmera tomavam-se mais rfgidas, mais formais. bruma alaranjada. Andrzej deixou a cena da cor de uma barraca de
A iluminação tomou-se mais e mais artificial. A penúltima cena - cachorro-quente Orange Julius. .
em que Faye Donaway, Robert Duvall e tras executivos da rede Esses filtros têm algumas desvantagens. Limitam o movimen-
decidem matar Peter Finch- é ilmninada como um comercial. As to da câme~ já que não se quer que o filtro do céu azul se espalhe
posições da câmera são estáticas e as imagens se assemelham a pelo prédio branco ou pelo rosto do ator. Mas usados com bom
fotos paradas.A câmera também se tomara uma vítima da televisão. senso podem ser muito úteis.
(Todas estas transições em lentes e em iluminação acontecem As gelatinas coloridas também podem ser usadas diante das
gradualmente. Não quero que os artificios técniços sejam vistos. luzes que iluminam oset. Muitos fotógrafos as usam constantemen-
Quando se espalham por um período de duas horas, acho que o te. Oswald Morris, com quem fiz três filmes, começou a técnica
público não percebe as mudanças que acontecem ':isualmente.) com Moulili Rouge, onde foi usada no filme todo. A vantagem de
usar gelatinas nas luzes é que objetos,ou determinadas partes do sei
Chamada para um morto, Freddie Young, fotógrafo. podem ser coloridas especificamente como destaques ou para
Tematicamentcera um filme sobre os desapontamentos da vida. Eu definir áreas. Usadas num set inteiro, podem criar uma atmosfera.
queria dessaturar as cores. Alcançar aquel~ tom melancólico, As gelatinas usadas na lente reduzem a quantidade de luze portanto
amortecido que Londres tem no inverno. F~die sugeriu preexpor influem sobre o stop. Usadas diante de luzes, o stop não é atingido
a pelfcula. Ela foi levada a uma sala escura antes de a usannos na ou pode ser CQmpensado por mais vatagem.
câmera e exposta muito rapidamente a uma limpada 4e sessenta
watts. O resultado foi que o negativo ganho. uma fina camada Prfncipe da cidade, Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Fotogra-
leitosa por cima. Quando foi exposto na cena real, quase todas as ficamente, este foi um dos mais interessantes filmes que já ÍIZ.
.
cores estavam bem menos vibrantes, com muito menos vida e ··Voltando ao seu tema (nada é o que aparenta ser), tomei uma
FAZENDO FILMES A CÂMERA 87
86

decisão: Não usaríamos as lentes médias(de28mm a40mm).Nada Como eu disse antes, a primeira obrigaçlo era deixar que o
devia parecer normal ou próximo do que os olhos viam. Peguei o público soubesse que este fato tinha realmente acontecido. Portan-
tema literalmente. Todo o espaço foi alongado ou escorçado, to, a primeira decisão tomada foi não usar luz artificial. O banco era
dependendo de se eu· usava grande-angular ou teleobjetiva. Um i Juminado por fluorescentes no teto. Se tinhamos de complementar
quarteirão da cidade tinha o dobro ou a metade do tamanho, a luz por causa de proble~as de foco, simplesmente acrescentáva-
dependendo da escolha da lente. Além disso, Andrzej e eu fizemos mos mais fluorescentes. Do lado de fora, à noite, toda a luz vinha
um roteiro de luz bem complexo. No início do filme o personagem de enormes spots da camioneta da Emergência da poUcia presente
principal, Danny CieUo, estava completamente consciente de tudo na cena. A luz que refletia do exterior de tijolo branco e vidro do
que o rodeava. À medida que os fatos se tomavam mais complexos, banco era brilhante o suficiente para ilUIJlinaJ-os rostos das pessoas
à medida que ele perdia cada vez mais controle sobre eles, sua crise que olhavam para o banco. A dois quarteirões dali, Victor colocou
moral se aprofundava. Ele sabia que estava sendo forçado a uma uma lâmpada para iluminar por trás a multidão que estava na
siruação em que teria de trair seus amigos. Seus pensamentos e esquina. A limpada foi colocada acima da iluminaçio real da rua,
ações tornaram-se mais concentrados nele mesmo e em seus quatro e isso deu à multidão uma iluminação de fundo natural. Dentro do
parceiros policiais. banco, quando a energia foi desligada, as luzes laranja de emergên-
No primeiro terço do filme tentamos ter a luz no plano de fundo cia automaticamente se ~nderam . Aumentamos estas luzes sim-
mais forte do que sobre os intérpretes no primeiro plano. No plesmente para termos luz suficiente para uma exposição.
segundo terço a luz do primeiro plano e do plano de fundo estavam E para as cenas improvisadas na rua e no banco usei duas e às
mais ou menos equilibradas. Para o último terço cortamos a luz do vezes três câmeras de mão para reforçara sensação de documentário.
plan.o de fundo. Somente o primeiro plano, ocupado pelos intérpre-
tes estava iluminado. Já no final do filme só os relacionamentos que Um longo dia de viagem dentro da noite, Boris Kallfman,
iam ser traídos importavam. As pessoas emergiam do fundo. Onde fotógrafo. Muitos críticos, de forma condescendente, chamaram o
alguma coisa acontecia não importava mais. O que importava era filme de "uma peça de teatro fotografada". Isso foi fácil de dizer,já
o que acontecia e a quem. que usei o texto da peça. Eu cheguei até à dissolvência em negro nos
Tomei outra decisão que me parece importante. Salvo uma fmais dos atos. A origem teatral era facilmente identificável.
única vez. não fiz uma tomada em que o céu fosse visíveL O céu Nenhum esforço foi feito para esconder isso. Mas os críticos foram
significava liberdade, liberação, mas Danny não tinha saída. A incapazes de ver uma das mais complexas técnicas de câmera e
única tomada que teve céu no quadro praticamente não tinha outra montagem de todos os filmes que eu fiz.
coisa além do céu. Danny está caminhando na Manhattan Bridge. Obviamente, estou muito orgulhoso dele comofilme. Aqui está
Sobe numa passarela acima dos trilhos do metrô que corre entre a principal razão: Se você tomasse um close-up de Hepburn.
árooklyn e Manhattan. Está pensando em suicídio. No momento é Richardson, Robards e Stockwell no Primeiro Ato e o pusesse num
sua única Liberdade possível, sua única liberação possível. projetor de s/ides e junto a ele projetasse um close-up daquelas
mesmas pessoas no Quarto Ato ficaria chocado de ver como elas
Um dia de cão, Victor Kemper, fotógrafo. Para este.ftlme eu parecem diferentes. Os rostos devastados, envelhecidos, exaustos
queria o oposto exato da estrutura visual rígida de Prfncipe da do final quase não têm nada a ver com os rostos compostos e limpos
cidade. do início. Nio foi somente a interpretação. Isto foi conseguido
88 FAZENDO FILMES A CÃMERA 89

também pelas lentes, pela luz, pela posição da câmera e duração das deixa envolver pela noite e as verdades definitivas e terríveis são
tomadas. (Montagem e direção de arte serão tratadas mais adiante.) proferidas.
No início do filme tudo era bastante normal. Tanto as lentes No geral foi um plano de lente, luz e posição de câmera mais
quanto a luz podiam ter sido usadas para um filme de Andy Hardy. complexo do que qualquer outro que eu tenha feito, e em minha
Transferi a primeira parte do Primeiro Ato para o ar livre e rodei- opinião isto contribui enormemente para uma interpretação singu- ·
a num dia de sol, de modo que essa viagem para dentro da noite lar do material
pudesse parecer mais longa ainda. Eu queria mais luz no início para
contrastar com a escuridão do final.
O veredicto, Aodrzej Bartkowiak, fotógrafo. O filme tratava da
Quanto à luz de interior, cada personagem era, sempre que
salvação de um homem, de sua Juta para se livrar do passado.
possível, iluminado de modo diferente - Hepburn e StockweU
· Eu queria a aparência mais '\telha, possíveL A direção de arte
sempre com uma luz frontal suave,Robards e Richardson com a luz
deu uma grande contribuição; e abordaremos isso depois. Mas a luz
centrada mas acima deles. À medida que o filme se desenrolava, a
foi muito importante.
luz sobre os três homens se tomava mais crua, mais severa. Este
Um dia eu levei uma bonita edição das pinturas de Caravaggio
padrão foirompidotemporariamenteqoando Stockwell e Richardson
para minha reunião com Andrzej. Eu disse: "Aodrzej, aqui está o
iniciaram suas árias líricas de auto-exame no Quarto Ato, quando
sentimento que estou procurando. Há algo de antigo aqui, algo de
cada um explora o que desejava em épocas anteriores e menos
um outro tempo. O que é?" Andrzej estudou as fotos. Depois, com
torturadas. A luz em Hepburn tomava-se mais suave, mais sutil, à
medida que o filme avançava.
seu charmoso sotaque polonês, definiu: "É o claro-escuro", disse
ele. "Uma fonte de luz muito forte, quase sempre localinda na
A posição da câmera também era importante visualmente. Para
lateral,nãonoalto.Eporoutrolado, nenhumaluz suavedepermeio,
os homens, começávamos no nível do olho e a câmera lentamente
somente sombras. De vez em quando ele usa a luz refletida de uma
baixava, até que em duas cenas importantes do Quarto Ato a câmera
fonte metálicano lado escuro." Indicou um menino segurando uma
estava literalmente no nível do chio. Para Hepbum, este padrio foi
bandeja de ouro. No lado sombreado do rosto do menino podia-se
invertido. A posição da câmera se elevava cada vez mais at6 que em
discernir uma leve tonal idade dourada. E foi isto o que Andrz.ej fez
sua penúltima cena no fun do Terceiro Ato eu estava usando uma
na iluminação do filme.
grua para subir ainda mais.
E, claro, as lentes: lentes cada vez mais longas sobre ela à
medida que ela se perdia em seu nevoeiro dominado pelas drogas, Daniel: Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Mais uma vez come--
lentes grandes-angulares cada vez mais potentes sobre os homens çamos com o tema: Quem paga pelas paixões e comprometimentos
à medida que seu mondo desmoronava em volta d~les. dos pais? Os filhos. Além disso, bá o complexo problema do tempo
No Quarto Ato havia duas cenas de clímax, umalm~ Stockwell (pular para a frente e para trás no tempo).
e Richardson~ a outra entre StockweiJ e Robàrds. Talvez pela Daniel é a história de um jovem que volta à vida. Baseada
primeira vez na vida eles tenham dito a verdade nua e crua do que vagamente na vida e morte de Julius e Ethel Rosenberg, conta a·
sentiam um pelo outro. À medida que as cenas se sucedem e a busca, por Daniel, de algum signifi~o na morte sem sentido dos
verdade se toma cada vez mais angustiante, as lentes 5etomam cada pais. Os pais pertencem àquele grupo de esquerdistas dos anos trin4
vez mais ~a câmera desce cada vez mais,~ luz se toma mais que se sentiam eternamente jovens, cujas vidas estavam cheias de
crua mas mais escura, enquanto toda a história dessas pessoas se idealismo e espe.rança, até que tudo ruiu, pessoal e politicamente.
90 FAZENDO FILMES A CÂMERA 91

Além disso, a innl dele tem um colapso nervoso e, incapaz de se sito de fazer o filme em primeiro lugar. Durante a filmagem, o
recuperar dos horrores de sua inflncia, mergulha lentamente na relacionamento mais estreito da maioria dos diretores é com o
morte. Eu pensava que esta era a história de um jovem que se fotógrafo. É por isso que a maioria dos diretores trabalha com o
desenterrava de seu próprio túmulo. mesmo fotógrafo ano após ano, desde que o estilo seja assegurado.
Devo fazer uma Ligeira pausa para outro comentário técnico. A consideração primordial param im, como é patente em todos
Os raios de sol e a composição química do filme de cinema não estes exemplos~ é que as técnicas derivam do material. Elas devem
formam um casamento feliz. Sem tratamento, qualquer cena diurna mudar quando o material muda. Às vezes é importante não fazer
rodada ao ar livre, debaixo de nuvens ou de luz solar, redunda num nada com a câmera. apenas manuseá-la direito. E igualmente
azul quase monocromático. Para compensar isto, c;olocamos um • importante para mim é que todo esse trabalho permaneça oculto.
filtro cor de âmbar na câmera. Isto-corrige aluz de modo que o filme Bom trabalho de câmera não são filmes bonitos. Ele deve aumentar
aparece com as cores normais intactas. Este filtro é chamado "85". e revelar o tema tão completamente como fazem os atores e
Quando filmamos numa locação interior com janelas que deixam a diretores. A luz que Sven Nykvist criou para tantos filmes de
luz do dia entrar, colocamos enormes folhas de 85 sobre as janelas lngmar Bergman está diretamente ligada ao assunto dos filmes. A
para conseguir a mesma coisa. luz de Luz de inverno é totalmente diferente da luz de Fanny e
Para Daniel Andrzej sugeriu que rodássemos todas as cenas Alexandre. A diferença de iluminação está relacionada com a
dos filhos adultos sem o 85. Isso dava a tudo uma palidez azul fria, diferença dos temas dos filmes. Esta é a verdadeira beleza da
fantasmagórica, inclusive os tons de pele. Para consistência nas fotografia no cinem.a.
cenas de interior, acrescentamos gelatina azul ãs luzes.
Os pais, por outro lado, presos .num passado idealizado, foram
tratados com o brilho âmbar do 85, que foi adicionado às cenas
deles, internas e externas. No início do filme usamos 85 duplo sobre
eles. À medida que Daniel lentamente volta à vida, começamos a
acrescentar o 85 a suas cenas. removendo-o das cenas do passado
com seus pais. Com os pais passamos do 85 duplo para o 85 simples,
para meio 85, para um quarto de 85. Nas cenas de Daniel acrescen-
tamos um quarto de 85, depois metade de 85, depois 85 inteiro.
Finalmente, numa cena perto do fim do filme, quando os dois
filhos visitam os pais na cadeia, voltamos àcornonnaJ. Daniel tinha
se purgado de sua dor obsessiva, e a vida podia agora recomeçar
· para ele.

Todo filme que eu fi z teve esse tipo de atenção dada à câmera.


O trabalho com o fotógrafo requer uma colaboração tão íntima
como o trabaJbo com o autor e os atores. Tanto quanto eles, o
fotógrafo pode prejudicar ou consumar esplendidamente meu prop6-
O I R E Ç À O D E A R TE E F J G U R I N O 93

guarda-roupa e sets, mas câmera, efeitos especiais (o in~ndio de


AtJanta) e, finalmente, o trabalho de laboratório nas cópias de
lançamento. Hoje, o projetista de produção é um titulo mais
6 - DIREÇÃO DE ARTE E FIGURINO: fantasioso para diretor de arte.
FAYE DUNAWAY MANDA Tony Walton foi diretor de arte e figurinista de Assassinato no.
MESMO APERTAR A SAIA EM Oriente Expresso. Fizemos sete filmes juntos. Ele é n1o apenas
DEZESSEIS LUGARES DIFERENTES? formidável em seu trabalho como também dá uma contribuição
artística além e acima de seus departamentos. Respeito a opinião
dele sobre roteiro, escolha de elenco, montagem, trabalho de
câmera, todo$ os segmentos da feitura de um filme. Ele é a
A resposta é sim. Manda. E ela tem razão. Nada pode fazer com que personificação do que eu quero dizer quando falo em trabalhar com
os atores se sintam mais à vontade ou desconfortáveis do que as o melhor. Ele me faz traballiar mais e melhor.
roupas que seus personagens estio usando. A parte o conforto, Tivemos um problema interessante·no Oriente Expresso. Já
porém, as roupas contribuem muito para o estilo do filme. falei da luz de fundo como componente da fotografia glamourosa.
Quando Betty Baccall aparece pela primeirave:z.emAssassina- Mas precisa-se de espaço para a luz de fundo, e os compartimentos
to no Oriente Expresso está usando um vestido de veludo longo, cor de trem são pequenos. Tony tinha ido à B6Jgica para ver os galpões
de pêssego e cortado de viés com chapéu e egrete combinando. d.e depósito de Wagon-Lits, onde os antigos vagões eram guarda-
Jacqueline Bisset, em sua primeira aparição, usa wn vestido com- dos. Ao voltar contou que a realidade era mais glamourosa do que
prido azul de seda, um casaco da mesma cor com gola branca de qualquer coisa que ele pudesse conceber. Por isso desmontou os
anninho, e na cabeça um minúsculo toque com uma pena.. Ora, painéis interiores naBélgica, retirando a madeira dos vagões de aço
Tony Walton (que fez os figurinos) sabe que ninguém toma um trem em que estavam montados, e os enviou para a Inglaterra. Lá os
vestido desse jeito. Mas o que as pessoas vestem não vem ao caso. painéis foram colocados no chio e remontados em chapas de
De fato, o que as pessoas realmente usam quando embarcam num compensado, para que pudéssemos mover as paredes para dentro e
trem é a última coisa que teríamos levado em coosidéraçlo. O para fora em função das posições da câmera ou da luz. Montado um
objetivo era lançar o público num mundo que ele nunca conheceu compartimento, Tony começou a polir a madeira. Os pintores
- criar um sentimento de como as coisas eram glamourosas. Os poliamepoliam . OqueTonyeGeoffUnsworth,ofotógrafo,~
títulos de abertura estavam atrelados a isso. Eu filmei pessoalmente decidido era iluminar a superffciealtament&polida e deixar que seu
o cetim que serviria de fundo para os tftul<>s. Tony escolheu o estilo reflexo servisse de luz de fundo. Nlo era tão forte quanto a luz
das letras. direta, mas servia aos objetivos.
Eu disse antes que nlo há decisões sem importância num filme. ~queza e.ra a ordem do dia. Painéis de vidro Lalique, prata
Junto com a câmera, a direção de arte (os cenários) e o guarda-roupa verdadeira nas mesas, veludo nos assentos dos compartimentos.
slo os elementos mais importantes na criaÇão do estilo-em outras Como não conseguimos encontrar um restaurante bastante pompo-
palavras, do visual- do filme. Nos filmes de hoje em dia o nome é so para o filme, Tony converteu o mezanino de um antigo palácio
projetista de produção. Este nome surgiu·quando William Cameron do cinema em Londres num restaurante.
Nenhum detalhe foi deixado de lado na criaçlo de um visual
Menzies atuou como ""'.ietista
y•ow; de produçlo
.... •em E o wmto levou ...
Ble ficou encarregado de todo o aspecto visual do filme: nlo apenas • glamouroso. Qual creme de menta, o verde ou branco, ficaria mais
94 FAZENDO FILMES DIR EÇ ÃO D E ARTE E FI GU RIN O 95

bonito servido numa bandeja de prata? Nós nos decidimos pelo Príncipe da cidade teve mais de 125 locações, tanto internas
verde. Para a princesa Dragomiroff, dois pood/es franceses ou dois quanto externas. A seleção delas era importante para o projeto
pequineses? Os pequineses. Para uma carroça de verduras na visual do filme.
estação de Istambul, repolhos ou laranjas? Laranjas porque têm Muitos anos antes eu fora a Roma aprender com Carlo Di
melhor aparência quando caem no chão cinza escuro. E assim por Palma, o grande fotógrafo italiano. Eu precisava de ajuda no uso da
diante, Tony, Geoff e eu discutíamos longamente e depois decidí- cor. Carlomeensinou uma lição vital. Quando estávamos escolhen-
amos. Polindo cada azulejo. do locações em Roma, ele disse que o segredo estava em escolher
Tonyeeuadotamosabordagensdistintasem relaçãoaPrincipe o lugar certo para começar e depois mexer nele o menos possível.
da cidade. Eu já falei que-a luz passava de mais intensa no plano de Tendo de escolher entre dois exteriores ou interiores bons, fique
fundo para um equilfbrio entre plano de fundo e primeiro plano, no com o que já tem a cor certa, o que precise de menos alteração pelo
último terço do filme onde apenas o primeiro plano era iluminado. uso da luz. Pinte se for preciso, mas tente encontrar lugares que se
A direção de arte tinha sua própria progressão também. No início aproximem o mais possfvel do que você deseja. Elementar como
do filme, tentamos fazer o fundo o mais "movimentado" possível. parece, isto me abriu uma nova perspectiva e me orientou mais tarde
Na rua, muitos automóveis, pessoas, anúncios em néon (cuchos em Principe da cidade. Carlo admitiu que nem sempre era possfvel
fritos eram os favoritos). Se a cena se passava num escritório, as encontrar locações perfeitas..As vezes a estação do ano é imprópria
paredes estavam apinhadas de quadros de avisos e diplomas, ou não se consegue autorização. A logística pode tomar um lugar
bandeiras federais e locais penduradas em estrados. Enchemos de inadequado ou ele nlo está disponível quando o cronognuna exige.
gente as salas do tribunal e não demos instruções sobre o que vestir. Ele me contou um pouco envergonhado que certa vez reforçou com
Mas à medida que o filme avançava, apertamos as rédeas do visual. tinta o verde da grama para um filme que fez com Antonioni Mas,
Havia espectadores nas salas do tribunal~ mas todos usavam roupa disse, aquilo foi uma exceção.
azul escura ou preta, havia menos decorações na parede, ruas mais Um resultado natural da cuidadosa seleção de locação é que
vazias. E no terço fmal do filme, os sets, como o personagem quase sempre criamos uma palheta de cor para um filme. O
principal, estavam nus: nada nas paredes, ninguém nas ruas e, para veredicto fala de um homem caçado por seu passado. Ed Pisoni, ex-
uma cena de clímax no tribunal, nenhum espectador, somente os assister:tte de Tony, era o diretor de arte. Eu lhe disse que usaríamos
bancos de madeira vazios. Isto ajudava sutilmente a reforçar o apenas cores outonais, cores que dessem a idéia de tempo decorri-
crescente isolamento de Ciello, a perda do contato hu.rÍlano, à do. Isso imediatamente eliminou azu~ rosa, verde-claro e amarelo-
medida que ele traia um parceiro após outro. claro. Procurávamos marrons, castanhos-avermelhados, amarelos
Na última cena do filme Danny CieUo está se dirigindo a uma fortes, laranja queimado, os vermelhos borgonha, tons outonais. Os
classe de fonnandos da Academia de Polfc.ia. A locação escolhida sets do estúdio foram feitos nestas cores. Se nos decidíssemos por
foi uma sala de aula num anfiteatro. Por causa das fileiras elevadas uma locaçlo e ela tivesse uma cor indesejada, pedíamos autoriza-
dos assentos, os rostos se destacavam. Algumas pessoas usavam ção para repintá-la.
camisas azuis de policiais, outras vestiam casacos esporte e havia Phil Rosenberg é um excelente diretor de arte com quem
vestidos entre as policiais. Danny Ciello estava de volta enfrentan- trabalhei muitas vezes. Em Garbo Tallcs, um filme leve, esvoaçante,
do as conseqüências de seus atos: um confronto entre ele mesmo e Phil e eu decidimos que a palheta seria Necco Wafers. Channe era
uma nova classe de policiais, as próprias pessoas que ele tinha uma parte importante do filme. Para osjovens demais para Iem brar,
destruJdo. Necco Wafers eram uns biscoitinhos muito apreciados pelas crian-
96 FAZENDO FILMES D I REÇÃO DE ARTE E FIGURINO 97

ças. Dentro da embalagem havia talvez uns vinte e cinco biscoitos como o pecado eu não queria outra coisa seoio os prédios mais
em diversas cores pastel: verde bem claro, rosa, ocre, azul- modernos que pudéssemos encontrar. FeUzmente, estávamos ro-
esverdeado, branco. Eles me Lembravam um vilarejo às margens do dando o filme em Toronto, com sua imponente arquitetwa moder-
Mediterrâneo, um tom pastel empilhado sobre outro. na. Em pouquíssimo tempo Phil Roseoberg encontrou locações
Em Daniel a palheta era decisiva. Cada cor que era usada para suficientes para que pudéssemos fazer a nossa escolha.
os pais tinha de ser compatível com o uso intenso do 85 que dava Agoraquasetodos os operadores de câmera slo tio habilidosos
às cenas dos pais o brilho de âmbar dourado e quente, que procurá- que é dificil dizer se uma cena foi rodada no estúdio ou em locação.
vamos. As cenas com os filhos já adultos tinham de permitir uma Eu baseio minha decislo em dois fatores. Um é o custo. Como regra
ênfase no lado azul ou frio. Um marrom quente teria entrado em geral, se vou levar mais de dois dias para filmar a cena, mando
choque com o que queríamos conseguir com os filhos adultos e o construí-la no estúdio. Isso é habitualmente mais econômico,já qae
azul nos teria prejudicado nas cenas com os pais. levamos uma grande quantidade de extras e de equipamento para a
Em .A. manhllseguinte procurávamos extensões de cores vivas. . locaçlo. É claro que se o set é muito luxuoso ou tem detalhes muito
Nenhuma cor foi excluída, mas queríamos que uma única cor caros, pode ser mais barato filmar a cena em locação, mesmo que
dominasse cada cena. Os cômodos de Jane Fonda tinham várias leve mais de dois dias. Um segundo fator 6 se preciso de "paredes
tonalidades de rosa. No capítulo sobre o trabalho com a câmera eu móveis" ou não. Às vezes a cena exige movimentos complexos de
contei o que fazfamos com os filtros para intensificar a cor do céu. câmera ou, por causa das lentes longas, distância em rela.çlo ao
Quando vi o céu alaranjado nos copiões, foi tio chocante que achei próprio set. Neste caso tem-se de ir para o estúdio.
que o público precisaria de alguma preparaçio. A cena anterior- Um dia de cão apresentou um problemadificil. Já que boa parte
que eu felizmente ainda não tinha filmado - era numa lanchonete da ação acontecia dentro do banco, teria sido mais simples construir
ao ar livre. Mandei abrir guarda-sóis laranjasobreas mesas para que o banco no estúdio. Mas senti que seria melhor para a encenação e
a luz ambiente da própria cena adquirisse uma tonalidade alaranjada. acâmerasepudéssemosnosmoverlivrementeentrearuaeobaoco.
Para a seqü!ncia do título, encontrei uma série de paredes_ amare- Chegamos à ~luçlo perfeita. Encontramos uma rua excelente que
Las, vermelhas. marrons, azuis e fiz com que Fonda caminhasse tinha um armazém térreo que podíamos alugar. Construímos o
desanimadamente diante delas. Os prédios eram azul escuro, rosa banco dentro do armazém para que eu pudesse ter minhas "paredes
claro, qualquer cor forte. Los Angeles pode proporcionar um móveis" e ainda poder transitar constantemente entre a roa e o
suprimento infindável desse tipo de decoraçlo. • interior do banco.
Em outros filmes eu queria uma miscelânea. Para Q&A - Sem Nlo apenas Jocaçlo versu.J estúdio, mas locação versus loca-
lei, sem justiça e Um dia de cão tudo tinha de parecer acidental - ção pode influir enormemente sobre o custo do filme. Eu tento
nenhum planejamento, nenhum controle de cor. Nos dois filmes eu sempre manter minhas locações bem próximas umas das outras. O
disse ao diretor de arte e ao figurinista que não consultassem um ao motivo 6 simples. Se termino uma locaçlo, externa ou interior, às
outro. Eu nAo queria nenhuma relação entre os sets e o guarda- onze da manhã, passar para uma segunda locação em uma hora ou
roupa. O que acontecesse aconteceu. duas pode economizar muito dinheiro. Podemos pelo menos come-
' vezes, em lugar de escolher lJ.IDa
As ' palheta de cores, eu me çar a iluminação e fazer até algumas tomadas.
decidia por um estilo arquitetônico. Em O veredicto usamos uma Em Principe da cidade descobrimos um prédio extraordinário,
limitada selcçlo de cores e uma arquitetura mais antiga. Nenhum a antiga Alfindega dos Estados Unidos na baixa Manhattan. Tem
prédio moderno era visto no filme. Inversamente, em Tão culpado . cinco andares e um pátio intemo e ocupa todo um quarteirão da
'
91 FAZENDO FtLMES DIREÇÃO DE ARTE E FIGURINO 99

cidade. Estava vazio na época, desativado. A arquitetura do prédio Trade Center, não imaginávamos que o vento fosse tão brutal
era impressionante. No térreo, tetos com altura de quase seis quando era encanado entre aquelas duas torres. Elas formavam um
metros, lambris. tetos e consolos de lareira trabalhados, janelas com túnel de vento natural. Os chapéus dos modelos masculinos e
três metros de altura, revestimentos com painéis, pisos de ladrilho. femininos eram muito importantes para criar uma "atitude". Mas os
Subindo, cada andar era menor e mais simples- tetos mais baixos, chapéus não ficavam no lugar por causa do vento. Alfinetes não
menos ornamentação - até que os cômodos do último andar não adiantavam. Faixas na parte de trás da cabeça não funcionavam.
passavam de uma série de divisóriàs. Podíamos usar o prédio para Finalmente as faixas foram colocadas sob o queixo. Os chapéus
quase todas as cenas de escritório do filme. E precisávamos de ficaram no lugar, mas o visual foi arruinado. De coisas grandes a
muitos escritórios, oo ir-e-vir entre Washington e Nova York, pequenas, eu sentia o conceito sair pela janela A culpa era só
repartições federais, municipais e estaduais, escritórios policiais de minha. Eu simplesmente não tinha conhecimento técnico para
todos os escal~s. Cada escritório dava pela janela uma vista dominar todas as áreas, particulannente efeitos especiais. Mesmo
diferente porque o prédio tinha os quatro lados livres. Além disto, tendo à frente pessoas capacitadas, havia muitos setores que esta-
o pátio interno dava aos escritórios do interior do prédio um vam sozinhos. Eu podia ver a abordagem visual escapando de
conjunto novo de vistas pelas janelas. Encontrar doze escritórios no minhas mãos, feito água escorrendo por entre os dedos. Acontece.
mesmo prédio provavelmente nos economizou quatro dias de Falar sobre direção de arte em filmes em preto-e-branco é falar
filmagem. E isso é muito dinheiro. sobre algo extinto. Mas foi excitante enquanto durou. O trabalho de
As vezes um conceito cênico se perde na execução. A idéia que Dick Sylbert em O homem do prego foi soberbo. Este era um ftlme
eu tinha para O mágico inesquecível era que a realidade poderia se sobre como criamos nossas próprias prisões. Começando pela
transformar numa fantasia urbana. Usa.ríamos locações reais mas as própria casa de penhores, Dick criou uma série de celas: tela de
trataríamos de tal modo que elas se tornariam verdadeiramente arame, barras, cadeados, alarmes, tudo que reforçasse a sensação de
fantásticas. Mas fiquei desgostoso na primeira excursão para esco- aprisionamento. As loca.ções foram escolhidas com isto em mente.
lha de locação. Eu queria que o Leão Covarde fosse descoberto na Os espaços supostamente abertos dos subúrbios no início do filme
-onde mais?- Biblioteca Públic~ de Nova York, Rua Quarenta e eram cortados por cercas que nitidamente delineavam uma frente
Dois com Quinta Avenida. Tony Walton, Albert Whitlock e eu de 3 8 metros do terreno de cada casa. Para a importante cena em que
ficamos do outro lado da rua olhando para o prédio durante quatro Rod Steiger fala a Geraldine Fitzgerald de sua culpa de estar vivo,
horas. Whitlock é um renomado operador de câmera e um mestre encontramos um apartamento no West Side de Manhattan que dava
em efeitos especiais. Era perito em combinar fundos de cena para os pátios de manobra da ferrovia New York Central. Durante
pintada em vidro com ação real em primeiro plano."Albert, quando toda a cena pode-se ver e ouvir vagões de carga sendo desviados de
uma porta se abrir, podemos ver o céu atrás dela ao invés do interior uma linha para outra. Esse tipo de confmnação visual e auditiva do
do prédio?" perguntei. A resposta foi não. Toda idéia que eu tinha contexto de I)Ola cena é inestimável.
de fantasiar aquele prédio era, Albert me disse, impossível. Aos Em Vidas em fuga, também projetado por Sylbert, a ação
poucos meu coração sucumbiu. Finalmente decidimos construir o principal se desenrolava num armazém de tecidos. Discutimos,
cenário no estúdio. Então mais e mais trabalho de estúdio foi tentando colocar Brando contra planos de fundo leves,
acrescentado ao que tinha sido na origem um filme quase todo feito descongestionados. Dick projetou a loja de modo que seu segundo
em locação. A fantasia assumiu tal proporção que a característica andar fosse na cor creme. Abaixando a câmera, quase sempre
urbana se perdeu. Na seqüência mais cara, a ser filmada no World enquadrávamos Brando contra um fundo mais leve.
100 FAZENDO fiLMES

Esses elementos podem parecer pequenos, mas contam muito.


São uma parte necessária da unidade que cada produção exige. A
cor é altamente subjetiva. Azul ou vermelho podem significar 7 - RODANDO O FILivffi:
coisas totalmente diferentes para você e para mim. Mas desde que
minha interpretação de uma cor seja coerente, você acabará se AFINAL!
dando conta (subconscientemente, espero) de como estou usando
aquela cor e para que a estou usando.
Grande parte da direção de arte e da concepção do figurino
influi sobre o desempenho dos intérpretes. Quando Kate Hepbum
entrou no ser da sala de estar de Um longo dia de viagem dentro da Cenários, roupas, conceito de câmera, roteiro, elenco, ensaios,
noite, sorriu e disse: ''É de arrepiar de tão maravilhoso. Qual é a cronograma, financiamento, fl~xo de caixa, exames do seguro,
minha cadeira? Cada pessoa sempre cria apego por sua própria locações, cover seis (interiores que filmamos se o tempo estiver
cadeira." Ela tinha razão. Eu disse: "A cadeira de balanço é sua." ruim para uma externa), cabelo, maquilagem., testes, compositor,
Tínhamos imaginado esta pergunta. Ao lado da cadeira de balanço montador, sonoplasta, tudo já foi decidido. Agora estamos rodando
já estavam as revistas femininas da época e o tricô em que seu o ftlme, afinal.
personagem mal tocava. Eu contava com um excelente aderecista, Meu despertador tocará às sete. Virão me apanhar às oito, de
que tinha sempre a correspondência da casa dirigida ao persona- modo que tenho uma hora para o café, um bagel, The New York
gem. Os papéis de uma mesa eram específicos daquela pessoa e de Times e para preparar minha cabeça para o dia de trabalho. A esta
sua profiSsão. Quando o ator abria uma pasta numa cena de sala de altura, meu corpo está tão disciplinado que acordo cinco minutos
reuniões, os papéis da pasta eram sobre o assunio a ser discutido. antes do despertador tocar. Ponho meu robe e saio do quarto na
Essas coisas ajudam em muito a concentração do ator. Elas o ponta dos pés. Deixei calça jeans, camisa, meia, tênis no outro
colocam num mundo real, um mundo que existe além da página quarto para não perturbar minha mulher. Com o café corro os olhos
escrita do roteito. Em Uma estranha entre nós a coleção de objetos pela página l. O objetivo é chegar o mais depressa possível às
e documentos judaicos da casa do rabino era tio rica que tínhamos palavras cruzadas para que eu possa esvaziar a cabeça completa-
um segurança no sei para quando não a estávamos usando. mente e começar o dia novinho em folha. Uma segunda xfcara de
•Nada ajuda mais os atores do que as roupas que eles usam. Ano
café e estou pronto para abrir meu roteiro e ver a cena ou as cenas
marcadas para o dia.
Roth é uma fantástica cria~ora de figurinos. Ela pode pegar as
Frente a esta página está a folha de chamada (cal! shi!et). É de
roupas mais comuns do cotidi8Jlo e transformá-las em algum tipo um filme chamado Uma estranha entre nós(~ Stranger:Among Us,
de contribuição, tanto para o ator quanto para o filme. Em Negócios originalmente chamado Ciose lo Eden) . A história gira em tomo de
defamília, SC8ll Connery veio ensaiar depois deter estado comAM uma detetive que entra disfarçada na comunidade hassidica para
para uma prova das roupas. Parecia feliz. Perguntei-lhe como tinha encontrar um assassino. Melanie Griffitb interpretavaa detetive. O
sido tudo. "Ela é incrfvel.., disse ele. ''Acabou de me dar agora o assassinato envolvia o centro de diamantes, uma área com o
person~gem inteiro., Este é o maior cumprimento que um ator pode compri.mentodeumquarteirioemNovaYork,ondemuitoshassidim
fazer. E o equivalente a dizer "Estamos todos fazendo o mesmo trabalham. Embora eu esteja usando este filme como exemplo, o
filme." procedimentodescritonaspáginasseguintesseaplicaàmaioriados
· filmes que fiz..
102 FA ZI! NDO FILMe S RODANDO O FILME 103

fl1'LB atOU TO KDIK DAD a TBS . 10/U/91


D~ll S:n>DY LIJKI1' CALL SKD'f SIIOOT DATf: fU
CliV CALL: 1 :30A
Uft ot• uaatS / PDOTTt/orrB (71.1) .55.5·1234 CUil CALL : 8 : 30-' oiUC!'OI.: PIO e U IOOJII) : I : lOA SCDIC: 8 :30A
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P.A. S : Pll1 .1.~1 DUSSD: l'D D. liDICIIZ LUIICil: -
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c.o.• •
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: TRJDI : • •ft.ACJB •• • : VKDJfBSDÃY 10/23/ 91 : l'D T . Un.LT/.1 .IIUGD'f
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sacuaxn·. : '1'KIIf : : r /o a . XBAL • 6 : lOA
: UOI.M: : UT-x.ivnu ' S C.U 50. 12 : r/o K.SAJA e 7 : 30A
: DIT· DIAMOlfD CTa·.D ; UT- DILr ' I CAlt (USilOOT) 110.106 : P/0 l' .PO~ e 7:30A
··c.o./aosT aaos.··
: TBUISDAY 10/2l/91
: (LA't'Ba CALL ro ALLOV roa axcoDtC> : COift"'JJU ADVAIICI SCJIIU)OLJ:
: IJT· DIAMORD cn· D SC . 90,92 : f1XDAY 10/25/91
, u aar c:md'I.B'D: SC . I2 .106 : Ill'l' • LIAJI ' S aooii·D
: nrt- LIAJI ' S lOOH- D SC . ll,llA

(2)
WT CllüAC'l'D r/o Klo SBT
I 1 1 Me!aoie ~~iffitb I &ai.l J : P/f1 e 7A : 7:30A : 9A A folha de chamada é nossa bfblia. É o que vamos filmar
2 : lide 'l'h.el : Adel : P /0 e 6 : 30A : 7A naquele dia. Se não está na folha ~e chamada, nio precisamos.
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Numerei as seções aqui para facilitar a referência.
9 : lo ' aa X..vi : Maciel : IU'T e 7 : 30A 1t30A I 9A A Seção I é evidente em si mesma, menos Filmagem Dia#22
: 15 : .laa. . Otuaclo l fiAi : l'o~y lelcl. .~ad. : &PT e 7 : UA 7:15.\ 9A
: 16 : Cbda Collin. : C. lalclttuar i : llP'l' e 7 : 1.5A 7 : 1SA 9A
(Shoot Day#22). Isto significa que é o nosso vigésimo segundo dia
(3) de filmagem. Logo abaixo está crew ca/1:8: 30, o que significa que
a equipe técnica estará pronta para trabalhar ãs 8:30 da manhã.
PllOPS AIID SPBCIAL IMST&DCTIOIS
Shooting call (chamada para filmagem) às 9:00 significa que
·: STA.IIDIWS f 1.1. 4, 5 UT e S : UA : MON!Y . PATIX W~ . DISCMAN ,
JACI'Jn'
Andrzej tem cerca de meia hora para fazer a iluminação antes de
:' : Ol JBVKLS • UCIIPT &001:, 1KILY • S estarmos prontos para os atores.
: 5S I . G. UT e 7 : 30A : IIA.OG'& . BKtl.y. s CUI!I. TaANSMiftU.. Seção 2: A Descrição do Set (Set description) começa com
I TO IieCLU'DI: : !NVILOPI OI MOKIY .
: 2.5 · " COU RAVDS ' ' W/.2. lnterior- DiamondCenter- D. " D" significa "Dia". (Se fosse uma
CJWIOSS (UCALUD) cena noturna haveria um ''N''.) É seguido por uma breve descrição
I lO·CUS'l'ÓDU V/2 CJWIGliS
do conteúdo da cena. Segue-se o número da cena. No grande
cronograma feito antes de começar a filmagem, cada cena foi
numerada, segundo os números atribuídos no roteiro técnico defini-
104 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME JOS

tivo. Os números são consecutivos. (Uma cena longa pode conter trocam de roupa. Os clientes que aparecem em primeiro plano na
vários números.) Em seguida estão os números dos personagens, Cena 64 irio ocupar o segundo plano na Cena 58. "Props and
também segundo o cronograma geral, uma referência rápida aos Special lnstructions" lista todos os acessórios que serão necessári-
personagens que estariam trabalhando em determinados dias. {Os os para a açlo específica da cena. Isto nio se inclui na decoraçlo do
números aparecem denovonaseção 3.) Depois vem a contagem de set.
páginas. Os roteiros tknicos são decompostos até em oitavos de A Seção 5 relaciona a bom em que todos, menos os atores, são
página Geralmente tenta-se filmar três páginas por dia. Quarenta apanhados pelos motoristas ou se apresentam. "Stills" se refere ao
dias é o tempo normal para mn roteiro de 120 páginas de um filme fotógrafo que bate todas aquelas fotos emocionantes que você vê
simples. Os filmes com muitos efeitos especiais, cenas de batalha, nos cartazes dos halls dos cinemas. "P .A." (production assistants)
._ grandes cenas de dublês e multidões geralmente levam mais tempo. significa assistentes de produçlo. Os PAs são os quebra-galhos dos
"Locaçio" é evidente: o set é no estúdio. filmes, estudantes de cinema que trabalham duro e ganham pouco,
A Seçio 3 começa com o número do ·personagem, o nome do ou parentes do produtor que querem aprender sobre filmes. Bons
ator e o nome do personagem. "P/U" (pick up) Significa C(pegar". É PAs são uma dádiva dos céus e podem entrar para o sindicato depois
a hora em que os motoristas devem pegar os atores em casa. de álguns filmes. "Grlps" são maquinistas. "Carps" e "Dressers"
Embaixo •'RJT• (reporling time) significa "bom de apresentaçlo". são os carpinteiros e ajudantes de cenógrafo que trabalham nos sets
Estes atores nio serlo apanhados e devem ir por sua conta para o que estão sendo constroídosno mesmo palcO. •'Per D. Reseigne" diz
estúdio. "M/tY' (makevp) significa ~uilagem", a hora em que que eles estão subordinados ao chefe de construçlo, Dick.Reseigoe.
o ator deve estar na sala de maquilagem. "Ser significa que devem "Stunts: 0/C' e "Spec Eft: 0/C' significa que~ há trabalho de
estarnosetàs9:00, vestidos,maquiladoseprontos,paraafihnagem. dubla ou de efeito especial naquele dia. Observe que "Ccffee &"
A Seção 4 começa com os substitutos (stand-ins). Eles substi- está pronto em primeiro lugar.
tuem os atores enquanto a iluminaçlo está sendo preparada. Embai- A Seção 6 é também evidente em si mesma. Repetindo os
xo li-se " SS B.G. RPT 7:30A", que significa cinqüenta e cinco horários de apanhar o pessoal em "Transportation", destina-se aos
boclcground (figurantes de fUndo, expressão po1ida para os extras) motoristas, que ficam confusos se têm de ler muito.
que devem apresentar-se às 7:30 da manhl. Depois de serem Estou na po.rta da minha casa cinco minutos antes. Estou
examinados pelo diretor-assistente, suas roupas sio aprovadas pelo sempreadiantado.Acaminhonetaestámee~o. BurttHarris,
figurinista; depois de uma parada para o caf6 devem estarno local o diretor-assistente, eStá estirado no banco de tAs, uma garrafa de
para a iluminaçlo As 8:30. Os que fornecem as próprias roupas caf6 nas mãos, os olhos fechados. Dois quarteirões adiante, vejo
recebem uma bonific:açlo. O set 6 uma joalheria com muitos Andrzej pedalando em direção a nós furiosamente. Ele mora num
balcões. É por isto que dos 55~ s1o separados "2S servidores". barco no rio Hudson e vem de bicicleta até minha casatodos os dias.
Esses extras farto os vendedores atrás dos balcões e trinta clientes. Eu me preocupo sempre, especialmente com o tempo ruim. Uma
"W/2 changel"' indica uma mudança d& roupa que devem ter vez tive de substituir um fotógrafo durante a filmagem. É um
trazido. Voltando aos ntúneros das cenas, você vS três diferentes pesadelo. Um abraço em Andrzej e um resmungo para Burtt. Entro
números. As cenas acontecem em dias diferentes; por isso a troca no bânco da frente. Andrzej joga a bicicleta lá atrás e partimos.
da roupa. "(Recalled)" signifi~ que essas pessoas devem ser as Gosto de ir para o trabalho com o diretor-assistente e o
mesmas que trabalharam no dia anmior. Se tudo sai conforme o fotógrafo. Um de nós pode ter pensado em algo que tenha sido
planejado e conseguimos mais de uma cena, os clientes também ·omitido. Ou um novo problema pode ter surgido. Talvez Melanie
106 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 107

tenha ligado para Burtt à noite para dizer que achava que estava com cutters e nets? Um cutter é uma tábua ou lâmina opaca que
ficando resfriada. Podemos filmar em volta dela até sua voz voltar impede qÍle a luz bata em algum local onde o fotógrafo não queira
ao normal? Ou Andrzej pode dizer que tiveram um problema luz. Um net reduz a quantidade de luz. Cada cuJter ou net se apóia
quando estavam ajustando a luz na noite anterior. Vai precisar de num suporte, um tripé com barras que podem ser movimentadas em
mais meia hora. (Eu odeio isto. Gosto de pôr os atores a trabalhar qualquer direção para manter o cutter no lugar. Cada suporte
o mais próximo possível da hora marcada.) Problemas desse tipo precisa de um saco de areia para não cair caso alguém esbarre nele.
sempre surgem. Nio sio muito sérios. E todos esbarram. O simples detalhe de iluminar um set é compli-
A viagem até o estúdio 6monótona e calma. Andrzej lê o jornal, cado. Por isso demora tanto.
Burtt dorme, eu estudo o roteiro e penso. O motorista sabe que não • Os substitutos estão usando as mesmas cores que os atores
gosto de conversa ou do rádio ligado. O que interessa é o que usarão na cena. Se o substituto usar um casaco escuro e o ator
estamos fazendo. Isso precisa de concentração. Na noite passada aparecer de car.nisa branca, será preciso ajustar de novo a ilumina-
pensei num movimento de câmera durante a fala de Eric. Isso ção. Isto significa tempo. E tempo~ muito dinheiro.
significa que quando eu virar para filmar o perfil de Melanie vou Enquanto isto, Burtt e o segundo diretor-assistente estão
precisar de uma outra parede de fundo. Digo isso a Burtt. Ele posicionando os extras. "Voc! fica aqui." ''Você passa por ali." Eles
murmura "Tá" e sei que será feito. trabalham do modo mais silencioso que podemJ porque Andrzej
Chegamos ao estúdio. Umassistentedeproduçãoestáesperan- está sempre dando instruções aos eletricistas e maquinistas sobre a
do na porta. Ele diz "Sidoey chegou" em seu walkie-talkie. Faze- iluminação. Andrzej volta-se para o terceiro diretor-assistente e diz
mos isto com todo o pessoal essencial. Não queremos esperar que "Quin.ze minutos". O terceiro diretor-assistente apressa-se a dizer
se passem dez minutos para achar que alguém está atrasado. aos atores que estaremos prontos para eles em quinze minutos.
Andrzej vai parao café, Burttparaopalcodesom e eu caminho O trabalho de colocar os extras é vital. Com freqüência toda a
até a sala de maquilagem para dar bom dia aos atores. Geralmente realidadedacenapodeserarruinadaporcolocá-losmal. Vocêjáviu
nos abraçamos rapidamente na sala de maquilagem. Talvez diga isto uma centena de vezes. O astro sai do tribunal! Os r.nicrofones
que os copiões ficaram bons, mas não falo necessariamente dos são empurrados na cara dele! As câmeras estão clicando! E o caos?
copiões. Não quero que os atores es~rem um elogio automático. Por algum motivo não há ninguém entre o astro e a cimera
Elestêmdeconfiaremmim,eesbanjarelogiosdestróiosignificado cinematográfica. Ou alguém está bem na frente, mas é muito baixo.
deles. Arr!
Às 8:25 estou no set. Não sei como fazem os outros diretores, Em nenhum filme a multidão era mais importante do que em
mas raramente deixo o sei quando estão preparando a .luz. Em Um dia de cão. Tivemos um mínimo de quinhentas pessoas por dia
primeiro lugar, não há outro lugar onde eu gostaria de estar.· Em durante mais de três semanas. Antes de começannos, Burtt e eu as
segundo lugar, adoro observar como o fotógrafo ataca o problema. segmentamos em personagens individuais. Dezesseis comadres
·Cada um trabalha de modo diferente. Minha presença também é boa (bisbilhoteiras). que foram depois subdivididas: ''Vocês duas se
para as pessoas da equipe. Elas trabalham mais. O operador de conhecem. vocês quatro odeiam aquelas duas porque elas são boas
câmera está ensaiando com o maquinista da dolly? Deve estar. O demais em man-jongg. Estes seis estavam gazeteando. Estes seis
homem 4o foco fez suas marcações (as distâncias entre a lente e os adolescentes estavam matando auJa. Estes quatro chegam depois e
atores)? Às vezes, ao trabalhar com um diafragma muito aberto, ele ficam para ver a confusão em vez de ir ao cinema. Fizemos um
bmJ de marcar as distâncias com giz no chão. O maquinista é bom enorme diagrama de toda a área, colocando cada extra quando ele
101 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 109

chegava na cena. Um grupo de quatro caminhoneiros foi colocado papel, escovas, pentes. Se pareço um pouco mal-bumorado 6
num determinado canto. Mais tarde naquela noite. quando um porque geralmente essas pessoas não estão de fato "fazendo o
grupo de dezesseis gays do Vülagc chegou para fazer uma manifcs~ mesmo filme" que o restante de nós. A primeira obrigaçio delas 6
taçlodeapoioao personagem dePacino, os motoristasdecaminhlo com o visual das estrelas. Elas fazem o maior espalhafato, exage-
estavam na posiçlo certa para começar uma luta. A habilidade com ram as atenções, tornam-se aparentemente indispensáveis. E aJgu- .
que os extras foram dirigidos em .A lista de Schind/er 6 vital para o mas estrelas adoram isso. Afinal, se a estrela faz três filmes num
brilho daquele filme. Nio há decisões pequenas quando se faz um ano, a pessoa da maquilagem vai trabalhar perto de trinta e seis
filme. semanas. E seus salários, uma vez que essas pessoas são parte dos
Quando começamos realmente a rodar Um dia de CÕ(), conver- acessórios da estrela ou do astro. são escandaJosos: US$ 4.000 por
sei como os extras por mais de uma hora, do alto de uma escada. As semana durante trinta e seis semanas? Nada mau. E isto ainda lhes
pessoas que eles estavam interpretando foram explicadas a eles em deixa dezesseis seman.as livres para irem a Acapulco.
detalhe. Já que sabíamos quejamais conseguiríamos manter fora da A chegada dos maquilàdores e cabeleireiros é a dica para o
cena as pessoas que realmente moravam na vizinhança, fiZemos departamento de som instalar microfones nos atores, se for preciso.
com que os extras envolvessem as pessoas da vizinhança nas Num grande set, o microfone do boom pode nio alcançar todos os
situações. A participaçlo era tão grande na segunda semana de atores. Um microfone minúsculo 6colocado então em alguma parte
filmagem que nlo precisamos dizer a ninguém como reagir. As do peito. Tem um fio que se estende a um transmissor escondido:
pessoas faziam naturalm~ o que sentiam, c foi maravilhoso. em alguma parte do ator. Uma mulher usando roupasjustas podeter
Uma das l'llZ6es por que prefuo trabalhar em Nova Yorlc é que o microfone preso à parte interna da coxa. Durante a tomada, o
atores reais trabalham como cxtta.s. Eles do membros do Screen transmissor 6 ligado e envia um sinal de rádio que pennite ao
Actors Guild e muitos aparecem regularmente na Broadway e off- operador de som gravar o diálogo em seu receptor. Ocasionalmente
Broadway. Muitos já conseguiram papéis com falas. Em Los uma tomada se perde porque dois motoristas de táxi paquistanescs
Angeles os extras pertencem ao Screen Extras Guild, um sindicato ta~las estio passando pelo estúdio e captamos o transmissor
especial de pessoas que nlo fazem outra coisa scn1o trabalho de errado.
extra. Muitas vezes nem sequer sabem em que filme estio traba- Andncj está pronto. Osatoresestlo noset. O diretor-assistente
lhando. vem de todos os pontos do país, raspam a cabeça, vestem- grita "Sirene!" Uma sirene estridente que assustaria um bombeiro
se como Minnie Pearl ou Minnie Mouse - enfatizando qualqfter soa três vezes no PaJco e IA fora. Fazemos nosso primeiro ensaio.
atributo flsico que sentem que pode fazer com que sejam contrata- "Nio trabalhem", digo aos atores. "Apenas façam os movimentos
dos, querendo apeou um trabalho de 180 dias por ano. Se con.so-- e usem o volume que usarlo para testar o som."
guem aparecer numa tomada com menos de cinco pessoas., tornam- Não quero que os atores desperdicem emoçlo. Eles estio ali
se "especiais" e recebem um pequeno aumento no pagamento da para um longo dia, e quero que poupem suas emoções para a
diária. Set8m traje a rigor, isso consta de seus currfculosereceberlo tomada. Depois do primeiro ensaio temos sempre coisas a acertar.
um pagamento extra por um smoláng ou um vestido de baile. Slo Até agora toda a iluminaçlo foi feita na "segunda equipe" (os
chamados entlo "extras com roupa". Isso 6 deprimente. substitutos). Agora com a "primeira equipe" (os próprios atores) h6
Pod~so dizer que o momento da filmagem está perto agora, correções a fazer. lsto 6 normal e nenhum dos atores se importa.
porque os maquiladores e cabeleireiros chegam ao sei. lentamente. Entlo, como o ator se move num ritmo diferente do substituto, um
languidame.nte, carregando suas caixas de maquilagem, lenços de movimentodecâmeraterádeserajustado. Asdiferentescaracteris-
110 FAZENDO FlLMES RODANDO O PI .LME 111

ticas físicas dos atores também podem impor mudanças. Sean de olhar e "sentir" o ator. Muitas vezesJ durante uma tomada, o
Connery tem um metro e noventa de altura. Dustin Hoffman não. ritmo do ator muda radicalmente. Ele pode ir mais depressa ou mais
Tentar captá-los juntos numa única tomada apresenta alguns pro- devagar do que fez no ensaio. A câmera obviamente tem de
blemas. Eu tenho a tendência a filmar tudo ao nível dos olhos, mas acompanhar o ator. Eéestaaresponsabilidadedooperadordadolly.
estou falando do nlvel dos meus olhos. E sou da altura de Dustin (um Durante esses ensaios, estou constantemente dizendo aos ato-
metro e sessenta e sete). Por exemplo: "Sean, me dê um Groucho." res que não trabalhem para valer~ que apenas se movimentem até
Isto significa: Quer começar a abaixar o corpo antes de se sentar? que todos os problemas mecânicos estejam resolvidos. Como
Quando Sean se encaminha para nós, a câmera tem de subir para nossos ensaios vêm desde o tempo da Ukrainian Home, os atores
manter a cabeça dele na• tela. Devido à altura dele, isto pode estão bem preparados. Com freqüência acertamos na primeira
significar que a câmera está vendo acima do sei, filmando as luzes. tomada Muitas equipes de filmagem encaram a primeira tomada
Não queremos mexer nas luzes depois de tanto trabalho. E a menos como um ensaio geral. Eu tiro essa idéia da cabeça de todo mundo
que precisemos de um teto por motivos dramáticos, não queremos no primeiro dia. Na primeira tomada pego algo que nio envolve
um em cena. Sean faz o Groucho. A maioria dos atores experientes representação e é mecanicamente simples: Dustin Hoffinan cami-
pode fazer isto sem quebrar sua concentração. "Me dê uma pequena nha pela rua e entra no prédio. Eu grito "Corta!" e pergunto ao
banana naquele cruzamento da esquerda para a direita." Isto signi- operador de câmera: ~'Foi bem pra você?'' Ele diz: "Sim". Eu grito
fica: Quando estiver cruzando, afaste-se um pouco da câmera pelo "Copiem!" epassoparaasituaçãoseguinte. Todossabemagoraque
mesmo motivo que você nos deu o Groucho. Do contrário, filma- a Tomada 1 pode passar em duzentas telas neste Natal. Não é um
ríamos fora do set. A continuista pode sussurrar no meu ouvido: ensaio geral. É para valer.
"Ele está pegando a bebida um pouco atrasado." Quando falmamos Os problemas técnicos estão superados. Estamos prontos para
por cima do ombro dele ontem, ele pegou a bebida no in.ício da frase. uma tomada. Peço à maquilagem que "dê uma geral". Depressa
Se agora está pegando a bebida no fmal ela frase, terei problema Uma das coisas mais difíceis de ensinar a maquiladores e cabelei-
depois na sala de montagem quando quiser cortar da tomada de reiros é que a coisa decisiva em que eu quero que o ator pense é na
ontem para a de hoje. cena a ser representada, e não na sua aparência Na maioria das
Estas considerações técnicas são meros refinamentos e não vezes, quando se está pronto para rodar eles surgem com seus
problemas. A maioria dos atores se acostuma a isto depois de uns pentes, espelhos, escovas. Para alguns intérpretes esta é apenas
poucos filmes. Henry Fonda era mais preciso do que a continuista. mais uma consideração técnica, mas sei de atores que dispensam
Em Doze homens e uma sentença, a maravilhosa Faith Hubley era isso.
contioufsta e tinha anotado que o cigarro era acendido em tal e tal "Sirene!" Agora o palco está realmente em silêncio. "Rodan·
fala. Fonda disse que era na fala anterior. Fi 1m amos dos dois modos. do." O operador de som solta sua fita. Quando ela alcança a
Henry estava certo. velocidade, ele grita '"Velocidade''. O operador de câmera aperta o
Andrzej ajustou sua luz. Fizemos nossos Grouchos e bananas. botão. A câmera chega à velocidade desejada. O segundo assistente
Se a tomada tem um movimento de câmera complicado, eu a ensaio do operador de câmera levanta uma claquete, ou seja, um pequeno.
quantas vezes forem necessárias, até que o operador de câmera, o quadro-negro diante da câmera. Nele estão registrados meu nome,
dadolly e.o do foco estejam satisfeitos. Um bom operador da do/ly o nome de Andrzej, o nome do produtor, o nome do filme e (a única
é indispensável. Não é só uma questão de colocar a câmera na coisa importante) o número da cena e o número da tomada. Ele
posição correta-"atingir a marca''. Ele também precisa ser capaz grita: ..Cena Sessenta e oito. Tomada Um." E bate no quadro-negro
112 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 113

com uma peça de madeira presa ao seu topo por dobradiça A peça drando a imagem o tempo todo durante a tomada. Seu senso de
de madeira e o topo da claquete t!m listas diagonais. Ao bater no beleza ou drama, seu senso de ritmo, seu senso de composiçlo -
quadro-negro, a peça produz um sonoro clap. Na Inglaterra a pessoa tudo que é vital para a criatividade da tomada. Sua técnica tem de
que faz isso se chama clapper boy. As listas diagonais juntando.se ser praticamente subconsciente, porque quero que ele observe o
visualmente e o clap do áudio proporcionam uma marca de sincro- ator, nio os cantos do quadro. É invariavelmente verdadeiro que os·
niza.Çio para o filme e a trilha sonora. Neste momento as duas coisas melhores operadores de câmera fazem sua melhor tomada quando
sio entidades separadas. O montador sincroniza o fil:medesse~odo o ator está fazendo sua melhor tomada. Isso parece romântico mas
para o copiio do dia seguinte. faz parte da mfstica do cinema. Com Peter isso era verdade. Seu
Estou tão consciente da concentração do ator que às vezes olho era tão criativo que quando ele fazia sugestões sobre a
mando bater a claquete no final da tomada. Não quero que aquele composição de uma tomada a coisa saía sempre melhor do que o que
barulhento clap venha perturbá-lo no início da tomada. Descubro eu tinha em mente. {Certa vez tive um operador que, por qualquer
que usar a claquete no fim da tomada é útil para atores de pouca motivo psicológico, invariavelmente esculhambava a melhor to-
· experiência. O operador me faz um sinal afirmativo com a cabeça. mada do ator. Na quarta vez em que isso aconteceu eu o troquei por
Eu grito: "Ação!'' Exatamente como nos filmes. outro.)
Chegamos ao momento da verdade. Meu grito de "Ação!" diz Um personagem filmado em close-up está geralmente falando
tudo. Ação interna. Açlo externa. Interpretar. Fazer. Atuar é ativo, ou reagindo a uma pessoa ou mais. Então, para ajudar a manter a
é fazer. Atuar é um verbo. realidade e a concentração, gosto de contar com o ator ou os atores
Assinalei antes como é pequeno o controle que o diretor exerce que estão fora da cena reunidos em tomo da câmera para trabalhar
sobre certas áreas vitais. Uma delas é a operação da câmera. com o ator que está sendo filmado. Evidentemente isto era obriga-
Mencionei Peter McDonald, o operador de.Assassiirato no Oriente tório em Doze homens e uma senJença. Às vezes o ator fora de cena
Expresso. Peter era uma espécie de gênio em seu trabalho, além de não trabalha realmente com o ator em cena. Ele pode ter medo de
ser um mestre tecnicamente. O operador conta com duas manivelas gastar a emoçlo se sua parte ainda não foi filmada. As vezes é uma
para controlar o movimento da câmera. Uma move a câmera para forma sutil de sabotagem. Visitando um sei um dia. vi a estrela
cima e para baixo, a outra de um lado para outro. Um bom operador dando de fora da cena as deixas para um ator diarista (um ator
consegue mover a câmera em linha reta num ângulo perfeito de 45 contratado por dia para um papel pequeno). A a~ sentada num
grausdaesquerdainferiorparaadireitasuperior.MasPetererabem banco alto, nem olhava para o ator. De fato, a atenção dela estava
mais habilidoso. Ele sabia pregar uma caneta no quebra-luz da lente voltada para o seu crochê. Isto pode criar maus eflúvios num set.
de forma que ela se projetasse à frente da câmera. Depois punha Sempre que vejo isto aconteçer ajo imediatamente falando com o
uma folha de papel num atril ao alcance da ponta da caneta. E atorforadecenademodogentiloufirme,confonnesejanecessário.
escrevia o nome de qualquer pessoa no papel. Isto escancara uma área importante. Quando o ator está sendo
Mas olo era só seu esplendor técnico. Muitos operadores o têm. filmado olhando para alguém que está fora de cena, pode, obvia-
Quando uma tomada é complicada, o fotógrafo ou eu podemos mente ver mais além todo o estúdio às escuras. Chamamos a isto a
mostrar aoopefadoroenquadramentode abertura e o enquadramento "linhadevisl.o"doator. .lssopodeenvolverosdoisladosdacâmera.
de fechamento. Podem9s dizer que quando a câmera se mover No in.stante em que começamos a rodar, qualquer diretor-assistente
queremos ver isto ou aquilo {"Mostre o copo de vinho sobre a mesa bem treinado dirá.: "Saiam da linha de visão, por favor". Se William
durante o movimento''). Mas basicamente o operador está enqua- Holden está fazendo amor com Faye Dunaway, não quer ver um
114 FAZE·NDO FILMES RODANDO O FILME llS

motorista tomando café por trás dela. Nlo quer ver nenhuma outra abrupto. Se em algum ponto da tomada minha conceotraçlo se
pessoa olhando para ele a nlo ser Faye, embora ele tenha grande quebra, ~i que alguma coisa saiu errada. Entlo parto para outra
poda' de concentração. Já que a maioria das equipes nJo entende tomada. As vezes, em tomadas especialmente~ fico tio envol-
isto, "Saiam da linha de vislo" torna-se um refrio constante. vido que paro de "fazer" a cena e apenas observo reverente o
A tomada 1 acabou. Vi alguma coisa de que n1o gostei. Quero · milagre da boa intcrpre~o. Como eu já disse, há vida ali. Quando
fazer de .novo. O mesmo processo.~ Sessenta e oito. Tomada ela flui assim, eu digo "Copiem". É cansativo? Pode apostar que
Dois." "Claquete." "Açlo!n A tomada 2 está bem. "Vamos fazer sim.
mais uma., Vou até o ator com uma nova sugestl.o, só para ver se Uma das cenas mais diffceis de representar com que já me
isto estimulará um desempenhoturpreendente ou maisespontlneo. deparei foi em Um dia de cãc. Decorridos mais ou menos dois
ÁB vezes di~o: "Beleza. Copiem. Agora, só de farra, faça c que vier terços do filme, Pacino dá dois telefonemas: um para sua "mulher'
à cabeça." As vezes o ator pede outra tomada. Eu sempre topo. e amante homem, que está numa barbearia do outro lado da rua, e
Metade das vezes o ator se sai melhor. Às vezes, se eu sinto que o o segundo para sua esposa "verdadeira", que está em casa.
ator está lutando com a cena, digo "Copiem", mesmo que n1o Eu sabia que a cabeça de AI iria a mil se pudéssemos fazer isso
tencione usar a tomada. Faço isto como encorajamento. Quando os numa única tomada. A cena se passava à noite. O personagem
atores ouvem "Copicmn, sabem que se sa1ram bem e relaxam. lsto estava no banco fazia doze horas. Tinha de pam;er cansado,
os libera para algo mais espontâneo. exausto. Quando estamos cansad.os assim, as emoções fluem mais
Gostaria de tentar expUcar o processo por que passo quando facilmente. E era isto que eu queria.
digo "Copiem". Afinal de contas, este é o motivo pelo qual estamos Havia um problema imediato. A câmera carrega apenas mil pés
fazendo tudo isto. Obviamente, certas tomadas num filme não de filme. Isto equivale a pouco mais de onze minutos. Os dois
exigem nada além de perfeição mecânica. Nio estou pensando telefonemas duravam quase quinze minutos. Resolvi a q~estlo
nelas. Estou pensando em tomadas que envolvem personagens, ou colocando duas câm~ perto uma da outra,.as lentes o mais perto
pontos críticos da trama, ou momentos altamente emocionais. possfvel fisicamente. E claro que as duas lentes eram as mesmas,
Primeiro, me coloco o mais perto possível da lente. Às vezes me 55m~ como me lembro. Quando a câmera l tivesse usado cerca de
sento na dolly, bem debaixo da lente. Ou me enfio atrás do ombro 850~rodariamosacimera2enquantoacâmera 1aindacstivesse
do operador de câmera. Assim, não apenas estou o mais perto rodando. Eu sabia que haveria uma inserção da esposa em alguma
possível do ponto de vista da lente como estou também fora da linha parte do fúrne.que ia acabar, o que me permitiria cortar para o filme
de visio do ator. da câmera 2. Mas AJ teria interpretado os dois telefonemas de modo
Aí vem a parte dificil. Pouco antes de rodarmos, faço wna continuo, como acontéceu na vida real.
rápida verificação mental do que acontece imediatamente antes Eu queria aconcentraçlo de AJ em seu ponto máximo. Esvaziei
.daquele momento que estamos prestes a filmar e do que vem em o sete depois, um metro e meio atrás da clmera. coloquei telões
seguida. Entlo me concentro no que os atores estio fazendo. A pretos para que até mesmo o restante do set ficasse vedado. O
partir do momento em que os atores começam a trabalhar, eu contra-regra tinha ligado os telefones, de modo que os atores fora
interpreto a cena com eles. Digo as falas mentalmente, sinto seus de cena pudessem falar nos fones do outro lado da rua e AI os
movimentos e sinto suas emoções. Me coloco na cena como se eu escutasse de verdade em seu telefone.
fosse eles. Se a câmera se move, pelo canto do olho estou observan- Mais uma coisa me ocorreu. Uma das melhores maneiras de
do a lente para ver se o movimento foi mecanicamente tranqOilo ou acumular emoção é passar o mais depressa possível de uma tomada
116 FAZENDO FlLM ES RODANDO O FIL M E 117

para outra. O ator começa a segunda U!mada no nível emocional que exaustão. olhou em volta desesperado. Depois, por acaso, olhou
atingiu ao final da primeira tomada. As vezes nem corto a câmera. diretamente para mim. As lágrimas escorriam pelo meu rosto
Digo baixinho: "Nio cortem a câmera. Todos de volta As posições porqueelemedeixaraemocionado.Seusolhossefixaramnosmeus
iniciais e vamos lá. Ok, do início: Ação!" A propósito, eu sempre e ele rompeu em lágrimas, depois despencou sobre a mesa onde
digo "Ação" de acordo com o clima da cena. Se é um ~omento tinha se sentado. Eu disse: "Cortai Copiem I" e dei um salto. Aquel&
suave, digo"AçAo" num tom que dê para os atores me ouvrrem. Se tomada é uma das melhores interpretações que já vi no cinema.
6 uma cena que exige muita ene~a, grito "Açlo" como um A fala de Peter Finch, "Estou completamente louco e nio vou
sargento comandando um exercício. E como um maestro dando o mais aceitar isso", em Rede de intrigas foi feita quase do mesmo
tempo de compasso. modo. Naquele filme foi mais fácil, porque a fala durava apenas
Eu sabia que uma segunda tomada significaria uma séria cerca de seis minutos; eu precisava apenas ter uma segunda câmera
interrupçio para AJ. Teríamos de~ uma das câmeras. pronta. Nada de recarregar..Nenbum tempo perdido entre as toma-
Recarregar a câmera pode ser extremamente desmotivador. Os das.NametadedafalanaTomada2Peterparou.Eieestavaexausto.
magazines estio guardados geralmente na sala escura, que sempre Eu nlo sabia então que ele tinha um problema de coração, mas não
ficalooge.AJémdisso,acoberturadacâmera(Bamey), queusamos insisti em outra tomada. B foi assim que saiu o filme acabado: a
para reduzir o ruldo da cAroera, tem de ser retirada; a câmera tem de primeira metade da fala vinha da Tomada 2, a segunda metade da
ser aberta; e o filme tem de passar por todas aquelas pequenas Tomada 1.
engrenagens. Todo o processo, feito em alta velocidade, leva de De volta ao nosso dia de filmagem. Comecei com a tomada
dois a ds minutos, tempo suficiente para A1 esfriar. Por isso mais aberta diante da parede A, como já descrevi. Agora passo a
levanteiumatendapretaparataparasduascimeraseoshomensque fazer' tomadas cada vez mais fecliadas diante da mesma parede.
as operavam. Fizemos dois orificios para as lentes. E mandei o Quando terminar tudo que pode ser feito na parede A, vou para a
segundo assistente do operador de câmera (h' tr& homens numa parede B. Tento arrumar a ordem das tomadas de modo que
equipe de cimera: o operador, o controlador de foco e o segundo tenhamos de mover a posiç.io básica da câmera o menos possfvel.
assistente) botar no colo um magazine extra de filme para o caso de Quanto menor o movimento, mais depressa estamos prontos,
precisarmos. porque a reiJuminaçlo leva menos tempo. Claro que nem sempre
Rodamos. Quando a câmera 1 atingiu 850 pés, ligamos a isto é possível. O ator poderia andar pela sala da parede A para a
câmera 2. A tomada terminou. Foi maravilhosa. Mas alguma coisa parede B. As vezes marco uma cdla em que a cAroera fica no centro
me mandava repetir. A clmera 2 tinha usado apenas cerca de 200 dasalaetemdefazerumapanorâmicade360graus.Todasasquatro
pés. Eu disse baixinho: "AJ, voltemos ao início. Quero fazer de paredes aparecem na tomada enquanto o ator se move. Estas
novo."Eiemeolhoucomoseeuestivesselouco.EJetinhadadotudo tomadas s1o muito dificeis de iluminar. Pode-se levar quatro ou
de si e estava exausto. Ele disse: "O quê?Voc!está brincando." Eu cinco horas para iluminar uma tomada de 360 graus, às vezes um dia
disse: "AJ,pre.ci.ramos. Rodem a câmera.'' inteiro. Katharine Hepbum teve uma tomada desse tipo em Um
Rodamos acArnera 2. Ela tinha cerca de 800 pés. Enquanto isto, longo dia de viagem dentro da noite. Ela dava duas vo.ltas pela~
por trás da tenda, sem que AJ visse, recarregamos a clmera 1. faJando cada vez mais freneticamente enquanto caminhava. Bons
Quando a cimera 2 tinha usado 700 pés (cerca de oito minutos da Kaufman levou quatro horas para iluminar a cena. Tive outra cena
tomada), ligamos a cAmera 1 recarregada. No final da segunda assim em Q&:A - Sem lei, sem justiça, quando um jovem guarda-
tomada, AI nlo sabia mais onde estava. Terminou a fala e. em total livros recitava resultados de eleições para uma sala cheia de
111 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 119

políticos. Em O grupo fizemos o contrário. As moças de O grupo três. É uma boa proporção. Os atores se aquecem e melhoram
reuniam-se periodicamente para tomar café e fofocar. A reunilo quando trabalham mais. Mas h! muito trabalho e eles podem fazer
podia ser na casa de alguém ou numa cafeteria. A cada vez havia uma pausa. Muitos almoçam e. já que amudança da parede vai levar
quatro ou cinco delas em volta de uma mesa. Eu queria ligar estas mais de uma hora, têm a oportunidade de tirar um cochilo. Pelo
cenas visualmente. A câmera dava uma volta de 360 graus em tomo menos espero que estejam dormindo.
da mesa, filmando as moças. Mantivemos o movimento de câmera Quando o assistente do diretor avisa que é hora do almoço, vou
rápido para dar a estas cenas um espfrito leve. alegre~ já que as para o meu camarim. Meus tendões de Aquiles doem um pouco,
moças eram sempre uma fonte de alegres lembranças dos tempos pois fiquei de pé cerca de quatro huras. Acho dificil me sentar no sei.
de escola para os personagens envolvidos. Há muito tempo parei de beber café a manhã toda. Um bagel com
Um dos mais complexos trabalhos de iluminação foi a primeira manteiga cai muito bem por volta das onze horas. Na Inglaterra o
tomada dentro da sala do júri em Doze homens e uma sentença. A aprendiz de fotógrafo traz uma bandeja de chá para o fotógrafo e a
tomada dura quase oito minutos. Ficamos conhecendo todos os equipe da câmera, para o que é chamado de elevenses. Com o chá
doze jurados. A tomada começa sobre o ventilador. o que terá vem um prato cheio de salsichas, plezinhos fritos (fritos na gordura
importância mais tarde no filme. e num ponto ou noutro muda para das salsichas) cobertos com manteiga rançosa, cebola, bacon gor-
um plano médio de cada pessoa. Fiz isto numa grua. A base da grua duroso. É uma delícia! Está vendo como se passa bem quando se faz
tinha treze posições diferentes a percorrer no pequeno sei. O braço um fllme?
onde ficava a câmera tinha onze posições para a direita e a esquerda No meu camarim, alface, tomates, ovo cozido duro e umas
e oito posições para cima e para baixo. Boris Kaufman precisou de
fatias de presunto ou de peito de peru esperam por mim. Esparramo
sete horas para iluminar a tomada. Nós a fizemos na Tomada 4.
maionese na alface, acrescento presunto e tomate dentro da folha de
Se vou fazer uma volta muito grande, indo da parede A para a
alface, enrolo e como. Termino minha "refeição" em cinco minu-
parede C, tento programá-la para a hora do almoço. Geralmente, a
equipe de montagem (quatro maquinistas, dois carpinteiros) vai tos. E depois vou dormir durante cinqüenta e cinco minutos.
almoçar uma hora antes de nós. Na hora em que paramos, geralmen- Adormeço pouco depois de me deitar, uma técnica que aprendi no
te entre 11 :30 e 13:30, eles já estão de volta e podem fazer a exército durante a 11 Guerra Mundial. E também. depois de todos
mudança. Eles recolocam a parede C e retiram a parede A. É mais estes anos, acordo um minuto antes de tenninar a hora do almoço
complicado do que parece. Tudo tem de trocar de lugar - cadeiras, e volto para o set. ·
mesas de maquilagem, o boom do som, o carrinho da câmera; Com as paredes trocadas, é hora de uma nova arrumação. Os
decorações (cortinas, prateleiras, quadros etc.) - sai da parede A e atores são chamados. Geralmente est!o sem a indumentária e a
tem de voltar para a parede C. A pintura, o estuque, ou o papel da maquilagem precisa de retoques em razão do que fizeram na hora
parede é danificado pelo movimento constante e tem de ser conser- do almoço. Começamos pela movimentação para a nova tomada.
tado. Se partes do teto têm de ser deslocadas, as antigas têm de ser Novamente eu digo a eles que não trabalhem a pleno vapor.
removidas e as novas postas no lugar. O piso fica imundo durante Verificamos se todos os acessórios estão em seus lugares. Depois,
a filmagem e tem de ser varrido. Os trilhos da dolly tam de ser com os dublês observando cuidadosamente, repassamos a tomada,
retirados. Cada lâmpada precisa ser desligada. O cabo principal de só que para a câmera desta vez. Jâ escolh i a lente e na realidade
força tem de ser recolocado no lado oposto do set. observo a ceoa, operando eu mesmo a câmera. Não sou bom nas
A interrupção é geralmente bem-vinda. A iluminação levou manivelas, mas também não sou ruim. Se a câmera se move durante
uma hora ou uma hora e meia, mas filmamos duas horas e meia ou a tomada, marcamos as posições da câmera com fita no chão. Às
120 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 121

ve.zes há oito ou dez movimentos de câmera numa tomada, de modo com um bom Brunello, e cama às nove e meia. Mentalmente
que os movimentos precisam ser numerados no chio. As mudanças recapitulo o dia. Consegui o que queria? Preciso de alguma cober-
da altura da câmera também são marcadas. AJém disso, os locais tura extra? Há alguma coisa que eu queira filmar novamente? Não
onde os atores vão descansar sio marcados com fita, uma cor saio de casa durante o período da filmagem. Às vezes minha mulher
diferente de fita para cada ator. Os dublSs tomam posiçlo para que e eu recebemos alguns amigos íntimos para jantar numa noite de
Andrzej possa iniciar a iluminação, e os atores voltam aos seus sexta-feira. Sábado, dia de folga, ainda não me desligueido trabalho
camarins para se aprontarem. da semana. Não é um dia de muito descanso. Mas domingo - com
A tarde passa depressa. A quantidade de trabalho feitO num dia a ajuda das palavras cruzadas e do acr6stico do Times e, no outono,
depende de muitos fatores. Contudo, desde que os atores não do futebol na TV - relaxo um pouco.
tenham tempo de se sentirem entediados, considero que foi um bom Se tudo isso dá a impresslo de trabalho muito pesado, acredi-
dia. tem que é mesmo. .E quanto à fêitura do filme, esta tem sido a parte
Por volta das tr!s horas, o escritório da produção envia uma fácil de rodar. Estivemos no estúdio. Tivemos total controle. Nlo
cópia da folha de chamada do dia seguinte. Verifico até onde houve transtorno. Tudo isso desaparece quando trabalhamos em
ch~guei na filmagem planejada para aquele dia. Se acho que vou locação.
fazer mais do que o programado, ou menos, no restante do dia, Tente imaginar o seguinte. Em Uma estranha entre ná!, uma
mando alterar a folha de chamada. Se os atores podem dormir mais das cenas culminantes é uma filmagem no coração do bairro do
quinze minutos de manhl, quero que durmam. diamante de Nova Yorl4 na Rua· Quarenta e Sete. Durante a
Às quatro e meia tomo cuidado para n.lo iniciar uma seqüência filmagem, três táxis batem; outro carro tem o pára-brisa arrcben1a-
ou tomada que nlo possa acabar.~ cinco e me~ que é nossa hora do e bate na grade traseira de mo caminhlo. Os bandidos então
de saída. Aquela tomada repetida que fiz com Brando em Y'lda.s em tomam à força um quarto táxi..Melanie Griffith arrebenta-lhe o
fuga foi uma exceçlo só porque achei que estarfamos com tudo pára-brisa, o táxi sobe na calçada e vai de encontro à vittine da
pronto, como era de hábito, na Tomada 1 ou Tomada 2-. Posso joalheria que reproduzimos no estúdio.
sempre passar do horário, mas nlo passo a menos que isto seja Em circunstâncias normais, considerando o d.ificil c perigoso
absolutamente essencial. Para começar, dei duro o dia todo, e estou trabalho dos dublês, os efeitos especiais do pára-brisa sendo qu~
cansado.Osatorestamb6m.Asequipest6:nicasestioacostumadas brado, e a movimentaçio de cento e três extras, reservaríamos três
a muitas horas extras, de modo que n.lo cofncçam a perder a ou quatro dias para filmar a seqüência. A seqUSncia exigiria
eficiência antes de trabalhar do2e horas. Tento encerrar as filma- · sessenta e sete setups, e fazer vinte setups por dia 6 um trabalho
gens do dia por volta das cinco da tarde, mas procuro antecipar fantástico. Raramente fazemos vinte no estúdio, onde tudo está sob
ammjos para o dia seguinte antes de dispensar os atores. se 6 um o nosso controle.
trabalho particularmente difici~ a equipe pode ficar até um pouco · Mas tínhamos somente um dia para filmar toda a seqü!ncia. B
mais tarde e dar um bom avanço na iluminação para a manbi tinha de ser no domingo, porque precisávamos de todo o quarteirão
seguinte. Se as paredes tam de ser mudadas, os maquinistas ficam .· e pagar uma compensaçlo a todas as joalherias do quarteirlo pelo
mais um pouco para fazer isto. dia teria sido financeiramente impraticável. Dentro de oadajoalh~
Depois é a vez dos copiões, em seguida a caminhoneta (é bom ria, o espaço geralmente é sublocado a outros joalheiros, o que
que o meu motorista esteja na porta da frente com o motor ligado) significaria pagar mna compensaçlo destas a duzentos e cinqüenta
e casa. Um cochilo de meia hora, uma chuvei~ jantar às oito, proprietários individuais. Mesmo se quiséssemos gastaro dinheiro,
122 FAZENDO FILMES RODANDO O FlLME 12.3

a filmagem num dia de semana olo teria dado certo. Há uma rebatedores, suportes e todas as ontras coisas necessárias para a
impressionante rede de segurança particular no quarteirlo. Há filmagem.
incontáveis milhões de dólares em mercadoria nas lojas e nos Usei três câmeras. Isto significava que eu podia fazer três
cofres. Nenhum caminhão pára e simplesmente descarrega ou tomadas em cada setup. Isto reduziu o n6mero de tomadas a vinte
carrega.· Se o caminhão não está programado, n!o tem permissão e duas mais uma, ainda um trabalho enonne. Tínhamos luz do dia
para parar, mesmo que esteja entregando hagels às quatro ou cinco às 7 horas da manhã. Lógico que começamos a trabalhar enquanto
cklicalessens do quarteirão. E os caminhões em sua maioria não ainda estava escuro. Um trilho de rravellingfoi instalado no único
estio entregando hagels. Além disso, toda loja está ligada a um local que não seria visto nas cinco primeiras tomadas (quinze
sistema automático de a.lamte que abre e fecha os cofres em setups). Os extras chegaram às se~ já vestidos e maqnilados. lsto
horários predeterminados. Isto não pode ser alterado sem a autori- era em si mesmo um grande trabalho, porque muitas pessoas
zação das muitas companhlas que fazem o seguro das lojas. Quando daquela rua são hassidim. Estes são os judeus nltra-ortodoxos que
fomos escolher as locações pela primeira vez, éramos quatro. usam barbas e tranças. Suas cabeças são geralmente cobertas por
Descobrimos depois que a segurança particular nos tinha DOtado e fedoras ou chapéus de aba larga. Costuramos as tranças diretamente
fotografado no primeiro dia em que caminhamos pelo quarteirão. nos chapéus para não ter de aplicá-las individualmente.
Quatro sujeitos caminhando lentamente para lá e para cá dos dois Às 8 horas o diretor-assistente colocou os extras em posição.
lados da.rua, parando diante de cada loja e conversando, tirando Chamei os principais e ensaiamos toda a seqUência uma vez- sem
fotosedepoisseguindoseucaminho-essaoloéumaimagem bem- dublês, é claro, mas com os dublês de motoristas fazendo a pé suas
vinda na Rua Quarenta e Sete. partes.
Como o conseguimos? Aindanlo estou certo. À3 cinco da tarde Tivemos muita sorte. O dia ficou bem encoberto. Enquanto
de sábado todos os lojistas, como sempre fazem, colocaram suas aquilo durasse, teriamos uma suave luz uniforme. Poderíamos
jóias nos cofres. Os cofres se trancaram automaticamente às 18:30. ftlmar em qualquer direção e a luz seria a mesma. Isto era tremen-
Dentro de cada loja, um pequeno exército de nossos decoradores damente útil com três câmeras. Se tivéssemos um dia ensolarado,
substituiu as jóias verdadeiras por jóias falsas montadas em pape- teríamos de usar luz complementar (pelos motivos já explicados).
lão. Eles tinham de terminar às 18:30, hora em que os alarmes da Além disso, quer me agrade ou não, o sol fica se movendo. A luz às
maioria das lojas soariam automaticamente. Um grupo de oito horas é muito diferente da luz ao meio-dia. Os prédios projetam
decoradores teve problemas, mas o proprietário da loja foi form1- sombras e reflexos diferentes. "Casar" a luz em diferentes tomadas
dável. Como ele gostava de cinema e como lhe demos US$ 2.500, feitas em horários diferentes com três câmeras teria sido quase
ele telefonou para a companhia de segurança e a companhia de impossível, e as tomadas que não casam viram um caos na hora em
seguro, e elas atrasaram o sistema de alanne em quinze minutos. que se juntam.
Então nossos caminhões começaram a se movimentar pela rua. Num ponto não tivemos sorte. Normalmente a parada do
Os caminhões das produções cinematográficas sio conhecidos Pulaski Day sobe a Quinta Avenjda partindo da Rua Cinqüenta e
porque têm os logotipos das companhlas locadoras que nos fome- Sete para a Oitenta e Seis. Por algum motivo, naquele ano ela
cem equipamento. Tiveram de ser disfarçados como caminhões começou na Rua Quarenta e Dois. Isto significava que os alegres
normais, que trafegam na rua. Eu queria nossos caminhões na rua poloneses, com as roupas típicas ondulando, as bandas estridentes
da filmagem porque simplesmente não teríamos tempo para correr tocando "Barril de Chope", estariam passando pela nossa esquina
ao outro quarteirão em busca de película nova, luzes, cabo, na Rua Quarenta e Sete com Quinta Avenida. Colocamos dois
124 F A ZE NDO FILM E S RODA N D O O FIL ME l2S

caminhões grandes no final do quarteirão para que bloqueassem a 'fl!LI CLOD TO KDD DA'fl: : St111DAY 10/6/ 91
DIOC'tO& ltDIID UJXft CALL SDII'r 811001' llATf: 11
vista dos eslavos que passavam. Mas eu sabia que o som seria inútil AIS'!' Dn ILU&IS/PDIOrTX / SiaTJI (718)5.55 · 123~ CUW OALL: I : OOA
e que teríamos de adicioná-lo depois. Eu me senti grato porque I'IIOO'rDIO CALL: I : 204
nenhum dos meus parentes de Varsóvia, aquecidos por alguns 1ft J!UCUl"l'lOM ICZRU CBAI.ACTD PÃGJIS LO<:ATIOII
tragos deslivovitz, decidiu virver se precisávamos de alguma ajuda. : lrl'·DIAIIOIID 8 TOU ' 111 1 , 2.6 , 15 , 16 , 01lt. 1- 7/ e : UD ft .
ComeçamosafiJmar·porvoltadas 8:45. Tenninamosàs 14:30 n -D
' 'SBOOT OUT caASR ' ' 06X , X.016J : ( Batv. 5~h • 6th
daqueJa tarde. Conseguimos até tirar meia hora de almoço à mna da l
: Avuu. .)
tarde. Dormi vinte e cinco minutos. : ar· DU!l'Olm S'fOU ' 91 1. 2.6 7/ e
Na página seguinte está a folha de chamada daquele dia. Veja ft·D
I '' IM&ARILY ~'r cor · ·
a quantidade de detalhes. A seção 2 contém a anotação de. que o
departamento de publicidade teria uma equipe nos filmando en- : I l nKI l'Dlll:'!'S :
: U'r •DUXOJID SftDT·D U 1 , 2,3 . 9
quanto filmávamos a cena. O departamento de publicidade faz uma : U'r- D~ STaDT- D 45 1. 2,4, 5
coisa chamada K.it para a Mfdia Eletrônica de cada filme. Fornece : 1XD4S 1.PT TO ltl COumt OJ 47'!'11 ' 6ft AW .
o fi:I21erial para todas aquelas fascinantes matérias promocionais : BOLDnrG AIU: 1211 62'11 AVB./'LtND COlfCOUR.O '

que você vê no noticiário das seis, prometendo levar você "para trás [1]
das câmeras de um grande filme... Observe também que temos de
: JI!ICIZU ADVISD XLBCTIO!fiC PUSS riT aD II1LL D OI' S'ftD:D:
filmar a seqüência chova ou faça sol. : ••• • üSOl.U'I'JILY MO VIS ITOU O& crozsn WITIIOOT JOBII S'U.aD'I Un.ov.u.• • ••
Na seção três, o X ao lado dos números indica os dubl~ e os
personagens que eles estio substituindo. A letra X sem um número : • • • • • • •TaiJCEB LOAD Df CBI SA.!UIJIAY &VDI~C'l' . 5'rll- • • • • • •
: 11111 I 1 1 11 1 11 1 1 111 MO COVD - • · I&DI Ol. SIIID 11 1 1 1 li f 111111 11 I
indica o coordenador de dub~~ a quem os dublas se reportam.
Na seção 4, o item "Acessórios e Instruções Especiais" é [2]
interessante. Observe "múltiplos pára-brisas", para o caso de nlo CAIT c::ll.f.J.4CTD P/ U tUU SZ'f
filmarmos na Tomada 1 e portanto precisarmos de um novo pára- : Kalania Ori~fitb
1 : llldly I P/ U e 6:SOA : 6 : 45A ~ 1 : 20A
: kic Tb&l I .t.del : P/ 0 e 6 : l.SA I 6 : 3a.t. 1 : 204
brisa. Também instruções para remover a caixa de correio e os 2
: VIM
'
avisos de No Parktng(Esta.cionamento Proibido) porque poderiam
3 : L41a l.ic:h&rdacm • a.lllle

prejudicarosdubl&.Aiémdisso- oqueétriste-, umaambul.incia, •


: Ki.a Sax a
5 : 'fracy Poll-
: L41ah
: Mara
l
: W/lf
wl•
6 : Joha Pallkow I Z..rina : P /D e 7.t. I 7 115A : I : ZOJ.
coisa prática, operacional Onde há trabalho de dubiS tem de haver t : ... . . . lATi I lla4all l wl•
wna ambulância. 15 : J ... • Gan4olfini : '!0,. llald ..uri : 1lPT e 7 ::SOA ! 7:3a.t. : I : ZOA
"Stun~s: 0/C' na seção 5 significa que não há ~ublês, porque : 16 : Cltria Çolli.na I Cll~u k14uni : arr • 7 : 00A : 7 : 00A : 1 : 20A
I 01 : JAU'l PARAI.AZZO : ft . JW.. ' DaLI'
os dublês foram mencionados na seçlo 3. Ao contrário dos moto- : 06 : an o sn.vza I ST. JIIt. ' LrltD'
ristas, os dublSs nio precisam ter suas instruções repetidas. : I : JACIC GILL I ft.DIL ~ 'TOiff ' : PIO • 7 : !a.t. I

: Ol : D.-r A.IB1.LO ,Ja. : ST.IIIt. 'CDll'


Por causa da pressão do tempo, aquela filmagem no domingo
envolveu muitas pessoas. Mas todo trabalho de locação exige uma ' uu :
:
: ABY OII.L
: 'fOJIY LUCCI
: ft .ftDG fl
: 8'1'. TIIUG f2
: 3J I IIICI: Gu.GULIO : JIO't DOG IWI
equipe imensa. Mesmo um filme pequeno, de orçamento apertado" : u : IIL1. AJIGIJOS I IIJI . CAa DUVDfl
como Opeso de umpa.uado, precisou das seguintes coisas para um - 5X : P11II. IIIJ:LSOII : IID. CAa DU'1Df2 I

dia de locação: um caminhão platafonna, um carn inhioelétrico, um I 6J : JOJa. D.AMD. : TAl.! C.U DUVD
I 7X : tAUL nt:OS% : PDUD.IAJI fl
' I IX : GD.af DWITT : rS'DU'l'UAJI ta
fl : TIJ) : PKDUft.LUt h
126 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME

tos~ tirar minha soneca da hora do almoço. Cada camper exige


1 IT~IJI f1,2,6 . aPT e 7:SOA : Cü..OIOAIII JODI,UIID JIOU.IU , um motorista para dirigi-lo, por isso tenta-se reduzir o número de
I IIIILt" I GOII , aAMDCUI'JI.IIUt.'l'Il'U
••• • • • • • • • • • • • • • • •• · · • • • • • • • 1
campus ao mínimo. Acrescentem-se as três caminhonetes que
; lOS J .O.IPT e 7A : VI11DntKLD8, ROPUJIO J.AGI , 'l'JIUGS'
I '10 IaCLUDB: 10-'l'IDCit DKLIVDT '1/D/ : GUIIS levaram os atores para a locação. Se bá extras e a locaçio fica fora
: U•IIÀIIDlX aü1&8/20 ·SIOIIT8DU/ , VDICI.U , c:a.u1 un . ura VÃll. da cidade, como em O peso de um passado, um ônibus deve
: 50· 8110PPD8/4·D&l.1VUY IOYS /~· COPS : 2· PAJIIL ftUCl, 2·PAIDD CAU .1.·
I DAIE CQLOUJ) CWl.l · Wift Cü , l·
transportá-los. Cada ônibus tem espaço para quarenta e nove extras.
: 5 J . C. arr e VI M : 4U''DHU'Oil ftDCit , 1·tilr.ICI CAU. Devem ser usados até cento e vinte extras que slo membros do
: TII1JÇ CAa . I.DU CU , SCIDOl. UI
: '10 DICLDDB: 5 • U.:U COU sindicato; se a multidlo desejada for maior, pode-se usar gente do
I VAI.DtoU : KLIOW • 1111! PADB 1'01
: IIIIL'f • local. E há ainda o honey wagon, quatro sanitários portáteis insta-
: LOCA!'IOlfS : ACC&SS '10 ALL DOOU 0.1 lados num caminhlo. Já chegamos a doze ca.m.iDhões, o que
: IIIODJIU.S,COirftOL ftAJIIC.GUUID
: UIID'R IIAILIOX 6 ' 110 tAUIIIG' SI~ . significa não apenas doze motoristas mas também problemas de
: PlACfiCAL A.KIII:ILAJICZ estacionamento. E acrescente um chefe dos motoristas e um assis-
tentedochefe.Coloqueaindaumoudoisdi.retores-assistentesetrês
(4] ou quatro assistentes de produção. Ponha mais duas caminhonetes
C1BW CALL: 8:004 para transportá-/os. Há mais seis seguranças, dois por turno, três
DiaSCTOR: P/U e 7 :304 80Ullll: I :OOA SCDfiC: I : OOA turnos se você vai passar a noite naquela locaçlo. Acrescente dois
.UST DD : 71304/6:SOA G&Il'S: a:OOA IIADUl : 6 : OOA a quatro guardas locais de folga para controlar o tráfego se se está
lc:&IP'f: I : OOA n.QJ'I : I : OOA 114.Ia : 6 : OOA
CAII'DA; I: OOA D.BC'l: I:OOA VAIJltoU : 6 : OOA usando ruas ou barreiras policiais.
8'fi1,L8 : I 1 OQ.t. ~• = PD o.Dftloam conu •~ anr • 64 Além disso, quando na locaçio, também usamos uma turma de
1' . 4 . 1 : PD. J'.PDOTTI DUSSD.: PD C. UIJIIt LDJICB:
maquinistas. Num filme pequeno a turma de maquinistas compre-
HVII'rS: o/c StBC B%: O/C VDIBO : -
ende dois eletricistas e dois carpinteiros. Eles chegam antes de nós,
[.5] quefonnamos a equipe de filmagem. Dependendo da quantidade de
ftAlQPOil'l'A'I'IOlt luz de que a locação precisará, eles chegam um, dois, às vezes três
t'D. 'f. UI LI.'f I J' . lftJCliM
: MOKDA'f 10/7/91 I
dias antes de nós. Instalam as lâmpadas principais. ~ minuto
I DIT•XLAIISlWf' 8 - D sc.:u ( POSSUUU I • • • • • • • • • • • • • • • • • • · ••

t Il' IIO'f Cota'I.B'r'B • '1'BliX : : P/U S.LUKET e ' 7: 30A economizado por meio dessas providências significa horas poupa-
; SC , 45 , 59,45A,451.4SC.22.14(N) : r/o M. GalrFITB • 6 : 30A das quando chega a numerosa equipe de filmagem.
: P/ 0 &. TKAL e 6: 1SA
: TUKSD~ 10/8/91 : P/U J. P~ e 74 Em Prfncipe da cidade, tivemos 135 locações. Tínhamos um
: lU ·llUB llOIIZ 6 ST . • D : P/U J. CILL e 7: 30A cronograma de 52 dias. Isto significava que tínhamos em média
: IC.l7 pt.l7Apt.37.54pt ,51 .53pt . 73
I • ••• ••••••••••··•••••••
mais de duas locações por dia! Além de uma turma de maquinistas,
sendo quatro eletricistas e três carpinteiros, tínhamos uma equipe
[6] de limpeza. Terminada a filmagem, dois eletricistas e dois carpin-
teiros chegavam para retirar as luzes, já que a tunna de maquinistas
caminhão de acessórios, um caminhão gerador, um caminhão para estava trabalhando na locação seguinte. Além do mais, se uma
maquilagem e penteados e dois campers. Campers são camarins parede tinha sido repintada, tínhamos de lhe restituir a cor original.
portáteis para os atores. Cada um contém tras compartimentos para Não mencionei o fornecedor da alimentação. Se queremos
que três atores possam compartilhá-lo. Usei um dos compartimen- limitar a duração do almoço a uma hora, é essencial que a comida
128 FAZENDO FILMES RODANDO O FILME 129

esteja pronta quando suspendemos os trabalhos. A hora do almoço deu que nunca estivera num filme onde o que era planejado era
só começa oficialmente quando o último homem da fila da equipe realmente executado. No segundo dia ele não estava mais ali.
tiver sido servido. Se você faz uma parada para almoço de apenas Filmagem à noite é mais dificil ainda. Tudo terá de ser ilumi-
meiahora,aequiperecebemais.Ofomec:edortambémnosmantém nado artificialmente. A turma de maquinistas 6 geralmente acres-.
abastecidos de café e sopa quente no frio e de bebidas geladas e cidados eletricistas da equipe de filmagem pelo menos quatro horas
melancia no calor. antes de a noite cair. Isto acontece porque os cabos têm de ser
Você pode ver como os números começam a subir. Em Opeso estendidos das luzes para os geradores. Como os geradores fazem
de um passado, um filme pequeno, tenninamos com cerca de muito ~o, eles geralmente são colocados bem longe dosetpara
sessenta pessoas na locaçio, sem contar o elenco. Em Príncipe da que não mterfiram no departamento de som. É muito mais fácil e
cidade, cerca de cento e vinte. Um grande filme de ação facilmente se~o estender os cabos de dia, quando ainda se pode enxergar.
duplica esse tamanho da equipe. E se muitos extras estio envolvi- Muitas semanas de filmagem à noite deixa todos exaustos, inclusi-
dos, aumentam os serviços de penteado, maquilagem, alimentação ve a equipe. Nio se pode realmente dormir durante o dia, ou eu nio
e contra..regra, e podemos chegar a centcmas de pessoas na equipe. posso. Mas há uma maravilhosa intensidade na filmagem noturna.
Em meus filmes, todos esses problemas organizacionais são Depois das onze horas, a vizinhança vai dormir. E aqui, no meio da
tratados duas a tr6s semanas antes da filmagem. Levo os chefes de escuridlo, um grupo de pessoas está "pintando com luz", criando
todos os departamentos - acessórioss eletricidade, carpintaria, algo.
cenografia, assist!ncia ao diretor, locações, dublês (se forem usa- FilmamosAgaivotana Suécia. Construfmos a casa de Madame
dos), motoristas,- no que chamamos viagem de inspeçio. Visita- Ark:adina numa clareira da floresta, junto a um lago. Houve ápeni.s
mos cada locaçio. Discutimos onde os caminhões vão estacionar, · uma noite de filmagem. Gerry Fisher, o fotógrafo, disse-me que
que limpadas serlo usadas, onde serão colocadas, o que precisa ser fizesse uma longa pausa para o jantar, já que ele precisaria de cerca
redecorado ou repintado para o visual do filme. Se é um filme de de uma hora e meia para acabar a Huminaçlo depois que a noite
época, antenas de televislo e aparelhos de ar condicionado têm de caísse. Os fotógrafos s6 podem acertar a iluminaçio quando está
ser removidos e depois recolocados. Para isto, é claro, temos de completamente escuro. Uma ho:ra depois de a noite cair fui para o
obter permisslo das pessoas que moram no lugar. Em Daniel, um set. A estrada levava a uma colina. Quando o carro chegou ao ponto
filme de época, os postes de iluminação tiveram de ser substituídos. mais elevado, vi abaixo de mim um pequeno diamante, concentra-
Todos fazem muitas anotaçees para que tudo seja seguido religio- do, incandescente. T.to à sua volta era escuro, exceto esta bela
samente. explosio de luz, onde estava iluminado o set. É uma visão que
A. manhiJ seguinte foi o único filme que rodei em Hollywood. sempre lembrarei: pessoas trabalhando tio duro, todas fazendo o
Não estávamos filmando num grande estúdio. Usamos uma equipe mesmo filme, criando, literalmente, uma imagem no meio de uma
técnica <kfreelanars. Na viagem de inspeção reparei que o chefe floresta no meio da noite.
dos motoristas nlo estava fazendo anotações. Imaginei que ele
tivesse uma boa memória. Mas quando cheguei na locação no
primeiro dia de filmagem os caminh~ estavam estacio~os
exatamente no lugar para onde as câmeras estariam voltadas na
primeira tomada. O assistente de direçlo chamou o chefe dos
motoristas e perguntou que diabo tinha acontecido. O chefe respon-
COPIOES 131

mesma luz. Mais tarde um çuidado maior sed tomado na cópia


final; mas por enquanto a velocidade é a maior prioridade.
8- COPIÕES: É sempre um momento excitante mas atemldor. Ossie Morris,
o fotógtafo britin.ico, disso-me que mesmo depois de ter feito
A AGONIA E O ÊXTASE ceotenas de filmes, cruza os dedos cada vez que as luzes se apagam
na sala de projeção e c:omcça a passar o copiio.
Entramos em pequenos grupos, amstaDdo os pés, porque
tNJbamos de ter outro duro dia de filmagem. Chegamos em horas
• diferentes porque viemos em transportes diferen1es. Primeiro che-
gam o diretor-assistente, a continulsta. o fotógrafo, o operador, o
Na Tecbnicolor em Nova York, no segundo andar de um prtdio operador de foco, o técnico de som, o diretor de arte, o figurioist:a.
caindo aos pedaços, cercado de sexy shops, há uma pequena e feia O montador e o primeiro assistente do montador j' estio lá, tendo
sala de projeção. Dá para cerca de trinta pessoas. A tela nlo tem trazido o filme e a banda sonora. Muitas vezes o segundo e o terceiro
mais de quatro metros e vinte de largura Geralmente a luz dos assistentes do diretor também v6m. Às vezes o eletricista-chefe
projetores 6 forte no centro da tela e fraca nos lados, fornecendo gosta de vir, ou o operador da dolly, se houve algum trabalho
uma imagem desigual. O sistema de som 6 para o som o que duas especialmente diflcil com a dolly no dia anterior. M.aquilador e
latinhas e um cordlo Slo para o telefone. Morty, o projecionista, cabeleireiro.vem se houve algum problema ou mudança. Geral-
reclama ht anos, mas sem qualquer resultado. Quando o ar condi- mente sentam-se perto da porta, porque chegam tarde.
cionado está funcionando, os diálogos ficam inaudfveis. Se o ar Os dedos cruzados de Ossie nlo slo de modo algum raros. Há
condicionado não tiver sido ligado pelo menos meia hora antes de mais superstiçlo nesta sala do que num vestiirio de um time de
chegannos, o cheiro de comida se mistura ao odor de produtos beisebol numa final Se estou filmando no inverno, uso o mesmo
qufmicos do laboratório, que fica no andar de cima. O cheiro de suétertodos os dias. Sempre me sento na primeira fila, de modo que
comida vem do restaurante do térreo. Mesmo antes de o restaurante a tela parece maior. É proibido levar comida. O montador à minha
alugar o espaço, a sala cbeiravaapomida. Chinesa. Nlo sei por qo!. direita. O fotógrafo na fila de tris e uma cadeira à minha esquerda.
O banheiro dos homens é distante. Está sempre trancado, para que Onde as pessoas se sentam nesse primeiro dia 6 onde devem se
os vagabundos da rua nio entrem ali pararoubar a gente. Morty tem sentar para ver o resto do filme. Nenhuma a.heraçlo.
a chave, que fica presa a um longo e pesado pedaço de madeira. É Por algum motivo os produtoreS e os executivos do estúdio se
aqui que assistimos ao traballío do dia anterior. Depois de todo sentam na última fila. Estou convencido de que ~ porque detestam
aquele esforço, ~ aqui que venho assistir ao trabalho do dia anterior filmes e desejam ficar o ma.is longe poss(vel da tela. Talvez seja
e tentar avaliar como nos salmos. porque o telefone geralmente fica nos fundos, embora ninguém
O laboratório, a fim de que possamos ver o trabalho o mais telefone enquanto passa o copilo.
depressa possível, faz uma cópia rápida, sem detalhes de luz. A Alguns atores nunca aparecem. Detestam se ver. (Eu já. disse
maioria dos filmes rodados na cidade manda seus negativos para que a auto-exposi9lo era dolorosa.) Henry Fonda nunca~~~ um
este laboratório, onde eles recebem o banho qufmico. Apesar de copilo em toda a sua carreira. Na verdade, ele raramente assistia ao
condições de filmagem muito diferentes escolhe-se uma luz m~dia filme antes de ter saído de cartaz há pelo menos um ano. Mas em
para impresslo e todas as cópias positivas slo feitas com essa Doze homens e uma sentença ele era também o produtor, por isso
132 FAZENDO FILMES COPIOES l33

tinha de ir. Depois de termos assistido ao copião do primeiro dia, ele e


minha paixão mesmo assim julgar realisticamente se consegui-
se curvou para a frente, apertou meu ombro, sussurrou "Brilhante" mos o que queríamos? É dificil. As vezes, durante a tomada, eu
e saiu para nunca mais voltar. Pacino sempre vem. Senta-se na estava plenamente convencido de que ela era perfeita. Mas na hora
lateral, sozinho, e uma calma gélida toma conta dele. Ele é muito de ver o copilo, aquela mesma tomada me deixa com um pouco do.
duro consigo. Se sente que não esteve bem, pede para refilmar, se gosto amargo do desapontamento. Ás vezes durante outra tomada,
possível; invariavelmente a cena sai melhor. Às vezes os atores posso sentir que talvez eu tenha aceito algo menos do que esperava.
usam os copiões de modo autodestrutivo. Sentem-se mal com sua E no copião está maravilhoso. Ás vezes no setpensei que a Tomada
apa.r!ncia O menor sinal de bolsas debaixo dos olhos podejogá-los 2 foi melhor do que a Tomada 4, e acabo desc~brindo no copilo que
num acesso de depressão. Quando vejo isto acontecer, peço-lhes o oposto é que é verdadeiro. Isto não acontece com freqtlência, mas
que nlo apareçam mais. Isto geralmente faz surgir uma crise acontece. Acho basicamente que faço a mesma coisa que faço
pequena, mas estou disposto a ser muito duro nisso. Alguns atores, quando estou filmando: participo da cena a que estou aSsistindo. Se
por contrato, têm o direito de assistir aos copiões. minha concentração se rompe, algo está errado.
Na verdade, os atores nio do piores do que muitos dos Ver os copiões é muito, muito dificil. Muita gente nlo sabe
técnicos. Os copiões provocam muita vaidade. Quase todo mundo como vê-los ou o que buscar ali. Às vezes uma tomada foi copiada
está concentrado em seu próprio trabalho. Jâ vi projetistaS de porque eu quero um breve momento dela. Mas sou o único a saber
produção chegar quase às lágrimas porque uma emenda onde duas disto. Os montadores devem ser capazes de v~ los de modo constru-
paredes se juntavam não fora repintada com perfeição. Ninguém tivo. Eles precisam ter uma conexlo tanto com o material quanto
mais vai perceber aquilo, mas este será o primeiro assunto com o
com o diretor, e ainda assim manter sua objetividade. Às vezes têm
cenógrafo na manhã seguiu~ para ·ter certeza de que nlo vai
de suspender o jqlgamento. O montador nem sempre pode perceber
acontecer de DO)U)~ Está certo. Os técnicos de som sofrem com a
transferêneia: No set eles gravâm com uma fita de um quarto de que fiz uma cena deste m~o porque tencion.o executar a cena
polegada. Ela tem de sertransferida para uma fita de 35mm para que anterior ou a posterior daquele modo. E ainda não filmei esta outra
tenha sincronismo com o filme. Isto é feito numa ~casa de transfe- cena. Isto só fará se~tido quando as duas cenas estiverem juntas.
rência". Se o técnico da casa de transferência for descuidado, Você também precisa observar seu próprio estado interior com
obtém-se má transferancia que altera a qualidade:do som. ÀB vezes muito cuidado quando vai ver um cop~. Talvez a filmagem de
o técnico dacasa de transfer6ncia é ortativo·e filtra os altos ou baixos hoje nlo tenha ido muito bem. voca está cansado e frustrado. Entlo
ou reduz ou aumenta o volume da gravação original e o técnico de atira tudo isso ~bre o ~alho de on~ ao qual voe! estâ
som fica louco. B novamente ele está certô. aSsistindo agora. Ou talvez v~ tenha super@do um grande proble--
Em outras palavras; estamos ali para ver se o que pretendíamos ma hoje e por isso está exultante e dá crédito demais ao ~o de
acabou realmente na tela. Essa é a nossa primeira prioridade. E ela ontem.
requer uma estranha combinaçio de gostar do filme e ser brutal- O primeiro dia de ftlmagem de O mágico inesquecível foi um
mente honesto sobre soas falhas. dos mais dificeis que já tive. Estávamos no Wprld Trade Center. A
O bom trabalho nasce da paixlo. Quando chego àquela sala, iluminação do enonne sei consumira três noites e aoonstruçlo tinha
não posso de repente fingir que sou objetivo. Nlo sou. Como um levado três semanas. Para a cena de Dorothy chegando à Cidade
rebatedor vendo a bola se aproximar, eu rezo. Quero que dê certo. Esmeralda tivemos de trocar a cor de todo o set de verde para ouro
Mas tenho de ter muito cuidado enquanto assisto. Como manter e depois para vermelho.
FAZENDO FILMES COP106S l3S

No dia da filmagem, os dançarinos trabalharam ao compasso New Jersey, um pesadelo burocrático. Mesmo com a ajuda de dois
de um click track. Click track é um metrônomo eletrônico que dá senadores federais, só a muito custo conseguimos as quatro noites.
aos dançarinos a batida exata do tempo da orquestra. Além disso, Eu disse: "Ossie, tentaremos. Temos de terminar a seqü!ncia. Se
ouvem as marcações- 'CUm-dois-três-quatro-cinco-seis-set:e--oito"', sobrar tempo, refilmaremos tudo o que pudermos."' Ossie e eu
"Dois-dois--três-quatro-cinco-seis-sete--oito"', "Três-dois-ris-qua- tínhamos feito quatro filmes juntos. Éramos fntimos. Nós nos
tro-cinco-seis-sete-oito.,, etc. - de modo que os dançarinos sabem abraçamos e levei-o de carro para casa. Mas nlo nos foi possível
exatamente onde devem estar coreograficamente. Para o copiao, o conseguir da Port Authority o dia extra de que precisávamos. S6
montador tinha substituído o click track pela trilha da grav8910 da pudemos refilmar uma das tomadas. Por isso na montagem final
orquestra. reduzi a seqüência vermelha o mais que pude.
Por ser o primeiro dia dos copiões e como há muitos outros Infelizmente, estouramos o tempo naquele filme. Com tempo,
departamentos num filme musical, a sala de projeçlo estava lotada. a maioria dos problemas técnicos pode ser resolvida. Mas num
Nio estávamos ná sala de projeção da Tcchnicolor. Era uma sala filme chamado Child's Play aconteceu algo muito mais grave.
muito maior, com excelente som. Child's Play fora um sucesso na Broadway. Era um drama gótico,
Quando apareceu a primeira tomada, a orquestrairrompeu nos de mistério, de assassinato, passado numa escola paroquial de
seis alto-falantes. A tomada estava espetacular, uma tomada geral meninos. Como peça tinha uma eficácia fantasmagórica e teatral
de sessenta e quatro dançarinos num ponto alto da coreografta. que funcionava. Mas por volta do terceiro dia de copiões, percebi
Levadas pelo irreprimível e maravilhoso Joel Schumacher, que que me enganara por completo. O que eu vira no roteiro e em toda
~eraoroteiro,aspessoascomeçaramavibrareabaterpalmasl a fase de pré-produção simplesmente nio existia O que quer que
À medida que as tomadas se sucediam crescia o entusiasmo. tivesse funcionado nele como peça permanecia no teatro. O que
Parecia a noite de estréia de My Fair Lady na Broadway. Mas antes parecia assustador agora parecia totalmente inofensivo. Um
mesmo assim meu coraçlo estava apertado. Sempre que uma extraordinário melodrama gótico no palco se tomara um mistério
tomada pegava qualquer coisa na seqüência vermelha, revelava um banal com uma resolução telegrafada. Não podia se transferir para
centro forte, branco onde a lâmpada fora colocada. Podíamos ver a a tela- ou pelo menos eu não conseguia fazê.- lo. O que era pior, eu
fonte da tuz, uma das proibições básicas da iluminação. não era capaz de determiná-lo. Eu não sabia qual era o problema, e
Quando os copiões tenninaram, as pessoas deixaram a sala de por isso não podiayesolvê-lo: Tudo o que eu sabia ·era que a coisa
projeção transbordando de alegria. Sentado ali, podia me dar conta era uma tapeação, hão iria funcionar. E eu tinha mais sete semanas
de Ossie Morris atrás de mim, imóvel em sua poltrona. Tony de fi Imagem pela frente. E o pior de tudo era o fato de que eu era o
Walton, o diretor de arte, e Dede Allen, a montadora, também nlo diretor. Assim não podia dizer a pessoa alguma. Se havia qualquer
se moviam. Eu me voltei para Ossie. Ele estava com a cabeça nas esperança de salvar um filme em apuros, todos precisavam da
mios. "Meu equilíbrio estava errado. Eu devia ter usado unidades confiança do diretor. Eu não queria destruí-la.Não havia outra coisa
menores e aberto mais. Assim não teríamos aqueles pontos fortes." a fazer senão morder o lábio pelas próximas sete semanas e tentar
Sua voz era quase sufocada pelas lágrimas. "Podemos refilmar as fazer o filme parecer o mais profissional possível.
seções vennelbas?", ele perguntou. Eu sabia que tínhamos apenas Outro filme, cujo nome prefiro não revelar, tinha três astros
quatro noites no World Trade Center. Tinha sido incrivelmente muito poderosos. Mas no segundo dia de filmagem comecei a
dificil conseguir permissão para filmar lá, em primeiro lugar. O perceber que faltava à atriz principal a ternura que seu papel exigia.
Trade Center é administrado pela Port Authority ofNew York and Ela simplesmente não possuía isso como atriz ou como pessoa. Br:a
136 FAZENDO FILMES COP10ES 137

formidável com raiva; tinha humor. Mas se lhe pediam que mos- sam com grande controle e pré-planejamento. Mas naqueles filmes
trasse afeição, mínima que fosse, pela pessoa que contracenava em que esse sentimento surgiu nos copiões, eu pouco a pouco
com ela, insinuava-se em sua representação uma falsidade que abandonei muitas idéias que havia formado antes de começar a
ficava logo evidente, especialmente porque sua atuação era, sob filmar. Confio em meus impulsos momentâneos no set e vou em
outros aspectos, tio real e verdadeira. Minhas impressões no sei frente com eles. Se planejei um trdllelling para tal e tal cena, filmo-'
foram confirmadas nos copiões quando foi projetada a primeira a de outro modo no dia. Eu não faria isto arbitrariamente. Mas se o
cena suave. Falei com o montador. Minha impressão seria correta? instinto me mandou fazer a tomada de outro modo, eu o sigo, sem
Ele se esquivou um pouco mas admitiu que a cena nlo era tio dúvidas ou medos. E os copiões corroboram que o filme está
instigadora como o restante do trabalho dela tinha sido. assumindo vida nova. Mas é bom que esta vida nova exista mesmo,
Refilmei a parte dela na cena. Disse-lhe que houvera um do contrário você acaba se estrepando, perdendo o que tinha em
problema no laboratório. Nenhuma diferença. Como o filme era mente e não alcançando a maravilha que julgou ver nos copiões. Os
basicamente uma história de amor, eu sabia que estávamos em copiões podem enganar - e às vezes enganam.
dificuldade. Minha mente saiu em disparada. Como eu poderia Acho que estou falando de auto-ilusão. Em qualquer esforço
compensar a dureza da moça? Lentes? Filtros? Música? Acabei criativo, acho que isto é absolutamente necessário. O trabalho cria-
tentando tudo. tivo é árduo, e aJgum tipo de auto-ilusão é necessário para que se
Mas até terminar o filme nunca máis fui ver os copiOes com um possa ao menos começar. Em primeiro Jugaré preciso acreditar que
coraçlo leve. Uma parte fundamental daquele filme iria ficar para tudo dará certo. E muitas vezes não dá. Já conversei com romancis-
sempre i.rtealizada. Embora continuasse empenhado, mantinha
tas, maestros, pintores s.obre isto. Infalivelmente, todos admitiram
uma objetividade deprimida. ·•
que a auto-ilusão era importante para eles. Talvez uma palavra
Há outro tipo de experiência nos copiões. Não acontece com
melhor seja ..crença". Mas eu tendo a ser um pouco mais cético
tanta freqüência porque trabalho de primeira classe Dlo acontece
com freqüência. Mas às vezes sentimos que alguma coisa maravã,. sobre isso, de modo que uso "auto-ilusão".
lbosa está acontecendo. Jâ escrevi que há ocasiões em que um filme Os perigos são óbvios. Todo bom trabalho é auto-revelação.
adquire um terceiro significado, uma vida própria, que nem o Quando nos iludimos, terminamos sentindo que fomos muito toJos.
diretor nem o autor sabiam que estava lá. Geralmente este sentido Você mergulhou na piscina, mas nlo havia água lá dentro. Buster
de que algo especial está ocorrendo acontece no final da segunda ou Keatqn perfeito.
inicio da terceira semana decopjões. Chega-se cadanoite com mais Outro grande perigo naauto-iluslo é que ela facilmente conduz
e mais expectativa. A08 poucos desiste-se de qualquer expectativa à pre.tensão. "Meu Deus nós (ou eu) fizemos (ou fiZ) isso?" E o cara
sobre o que se vai ver. A gente apenas se recoSta com uma espécie começa a acreditar que é mesmo bom. Este é o sentimento mais
de confiança silenciosa, sabendo que o que se vai ver será surpre- perigoso de todos. Acho que quase todos nós nos sentimos uns
endente mas correto. Esta sensação cresce ao longo das duas impostores. Em algum ponto a impostura nos agarra e nos expõe
primeiras semanas, e depois você se entrega a ela. Aconteceu em exatamente como somos: ignorantes, furões e charlatães. Não é um
Um dia de cão e Principe da cidade, entre alguns outros. sentimento totalmente destrutivo. Tende a nos manter honestos. O
Quando esta mágica acontece. o melhor que SO-podo fazer é sair outro .lado da moeda, porém, o sentimento de que possuímos o
do caminho do filme. Deixe que ele diga a você como agir dali em trabalho, que ele s6 existe por nossa causa, que somos o meio de
diante. Ach~ que está bem claro agora que meus fihJ:tes se proces- transmissão de alguma mensagem divina, é loucura. Na verdade, é
138 FAZENDO FILMES COPIOES 139

isto o que acontece com Howard Beale (Peter Fincb} em Rede de isso em conta. Nem o público, a nio ser pelo ingresso que paga.
intrigas. Tento ver a coisa pelo outro Lado: E se eu estiver certo? Entlo
HA outras regras para se assistir a um copilo. A primeira é poderia conseguir outro trabalho. E isso me dá uma oportunidade
nunca confiar no riso. O fato de as pessoas estarem rindo, batendo de estar certo ou errado novamente. E voltar a trabalhar na melhor
com a cabeça no assento da frente porque a tomada é muito ocupaçio do mundo.
engraçada, não significa coisa alguma. Esta tomada ainda terá de
ser colocada entre outraS duas tomadas, uma antes e outra depois.
Além disso, as pessoas que estão assistindo aos copiões sio do
ramo. A realidade delas não tem nada a ver com a realidade de um •
público que está vendo um filme pela primeira vez. O riso delas é
o equivalente do que os comediantes de boates chamam "piadas da
banda"-piadas que fazem rir os músicos que trabalham láatrás mas
que são muitas vezes inexpressivas para o público que está sentado
ali na frente.
Segunda regra: Não deixe que a dificuldade de fazer uma
tomada leve você a pensar que a tomada está boa. No filme
concluído ninguém na platéia sabe que ela precisou de três dias para
ser iluminada ou de dez pessoas para movimentar a câmera,
deslocar as paredes ou qualquer outra coisa
A terceira regra é o contrário: Não deixe que uma falha técnica
destrua a tomada. Obviamente, qualquer erro mecânico põe em
risco a realidade do filme. E esses erros devem ser eliminados no
futuro. Mas é preciso ficar de olho no impacto dramático da
tomada. Há vida ali? É isto que importa.
E a quarta regra? Quando em dúvida, veja a cena novamente
um ou dois dias depois. Mande o montador tirar fora:e identificação,
demodoquevocê não saiba se é a Tomada2 ou 3 ou 11 ,porque você
podia estar sob o peso de sentimentos que o acompanham desde o
momento em que você fez a tomada.
Finalmente resta ainda uma qllest!o básica relacionada com o
exame dos copiões: Como você pode saber quando a tomada está
realmente boa? Eu honestamente não sei. Se você assiste aos
copiões cerebralmente, mantendo-se à distância, pode estar errado.
Se você se "empolga", pode estar errado. Assim chegamos à
situação em que eu vivo desde o momento em que decido fazer o
filme: posso estar errado. E dai? Este é o risco. Os críticos não levam
A SALA DE MONTAGEM 141

filmedemanhã,depoisoutroàtarde-todaalogísticadecronograma
etc., elaborada pelo departamento de produção.
9 - A SALA DE MONTAGEM: O montador môntava o filme enquanto ele ia sendo rodado.
Quando a primeira montagem estava pronta. ele mostrava-a ao .
SOZINHO AFINAL montador-chefe, que sugeria mudan9QS. Aí o filme era mostrado ao
produtor. Depois que as mudariças sugeridas por ele tinham sido
incorporadas, mostravam o copilo ao vice-presidente encarregado
da produção. Finalmente todos eles entravam na sala de projeção
para mostrá-lo ao chefe do estúdio. Então o filme tinha uma pré-
estréia (levado para um cinema fora da cidade, e mostrado a um
Durantemuitos anos, o clichê sobre a montagem era: "Os filmes são púb_lico) e, dependendo da ieação, era remontado e submetido à
feitosnasalademontagem,.Issoébobagem . Nenhummontadord~
pós-produção final, supervisionada pelo departamento de pós-
filme jamais coloca alguma coisa na tela que nio tenha sido produção. Se o diretor era um favorito do estúdio, geralmente
filmada. comparecia à pré--estréia. O roteirista? Esqueça,.o. Quando penso
Contudo, há razl5es para esse clich~. Nos anos trinta e quarenta, nisto, acho assombroso que tantos filmes bons tenham sido feitos.
os diretores raramente faziam a montagem de seus filmes. O A partir deste sistema, certas regras, não apenas de montagem
sistema de estúdios era totalmente departamentalizado. Havia um mas também dé filmagem, foram estabelecidas pelo departamento
departamento de montagem, que tinha seu montador-chefe a quem de montagem. Por exemplo, toda cena tinha de ser "coberta". Isto
todos os montadores se reportavam. O montador-chefe via o filme significava que era obrigatório que uma cena fosse filmada como se
montado antes mesmo do diretor. De fato, o diretor não podia ver segue: uma ampla "tomada mestra". geralmente com a cimera
seu filme enquanto este não estivesse totalmente acabado. O diretor estática, de toda a cena; um plano médio da mesma cena; por cima
provavelmente estava longe, rodando outro filme. Naquele tempo, do ombro dele para ela (toda a cena); por cima do ombro dela para
os diretores contratados por um estúdio faziam quatro ou cinco, às ele (toda a cena); uma tomada solta e isolada dela; uma tomada solta
vezes at6 seis filmes por ano. Como todas as outras pessoas do e isolada dele; um close-up dela; um close-up dele. Desse modo,
estúdio, eles eram simplesmente designados para uma nova tarefa qualquer trecho de diálogo ou qualquer reação poderiam ser elimi-
assim que tenninavam a que estavam fazendo. As vezes o diretor "ados. Portanto, "os filnies são feitos na sala de montagem".
era designado ~um filme uma semana antes de começarem as Obviamente, os diretores mais bem-sucedidos tinham um pouco
fllmagens. O departamento de arte tinha preparado os sets e mais de liberdade, mas não muito. O montador-chefe cuidava de
escolhido as locações, se houvesse alguma. O departamento de todos os copiões, e se achasse que uma cena nlo tinha sido
elenco tinha formado o elenco a partir do conjunto de intérpretes adequadamente coberta, geralmente recorria ao vice-presidente
contratados pelo estúdio. O departamento de câmera tinha designa- eucarregado da produção, ou mesmo ao chefe do estúdio, que então
do o fotógrafo, o departamento de figurino designado o figurinista, mandava rodar o material adicional. E o diretor filmava.
etc. O diretor çntrava numa operação totalmente pr6-selecionada e Além de destruir qualquer originalidade na feitura de um ftlme,
assumia dati por diante. Joan Blondell uma vez me contou que esse sistema também submetia os atores a um verdadeiro inferno,
quando ela c GJenda Farrell tinham contrato com a Wamer Bros., devido às repetições intermináveis da mesma cena e à aparente
freqüentemente faziam dois filmes simultaneamente. Faziam um importância de tirar uma baforáda do cigarro na mesma fala em
141 FAZENDO FILMES A SALA DE MONTAGEM 143

cadaum dosoitoingulosde cimera. E cada um destes ângulos teria, num estúdio de áudio. Chamamos a isto "dublagem., ou loopingpor
'claro, várias tomadas. Se um ator ..dessincronizasse"- isto é, motivos que explicarei depois.
desse a baforada na fala errada - , a continufsta anotaria isso no Quando eu disse anteriormeme que o montador-chefe podaia
roteiro, que era postmormente enviado para a sala de montagem. ir direto ao chefe do estúdio, nlo estava exagerando. Nos mos triJJta
O montador muitas vezes desp1ezava uma tomada com uma atua- e quarenta, a MGM sozinha produzia mais de duzentos filmes por
çlo superior porque seu trabalho seria facilitado se usasse uma ano. Isto queria dizer que M.argam Booth, a montadora-chefe, via
tomada em que a açio do cigarro se "encaixasse". lrving Thalberg e Louis B. Mayer com muito mais freqüancia do
Eu digo sempre à continufsta para checar comigo se o ator que qualquer produtor oo diietor. Ma.rgaret Bootb era uma pessoa
dessincroo.izou. Tenho uma idéia muito nftida de como vou mbntar notáveL Era brilhante e .incansáve~ e adorava filmes. Nlo sei se
uma cena enquanto a estou filmando. A dessincronizaçlo pode n1o fazia outra coisa na vida. Tomou-se montadora~befe quando
ser importante. Se tiver dificuldade mais tarde, posso quase sempre Irving Thalberg dirigia o estúdio.
contorná-la com um pouco màis de trabalho, vendo fotograma Thalberg era considerado um g!nio, embora eu n1o faça idéia
por fotograma entre a tomada anterior e a subseqüente até encontrar se era ou nio. Ele e Bootb projetavam o filme sem parar. Quando
o fotograma que se ajuste. estavam satisfeitos com o copilo geral, marcavam a pró-estréia do
~ mesmas limi~ aplicavam-se ao som. Uma das regras filme. Thalberg decidia entlo o que tinha de ser refeito. Mas
que se impuseram foi a que proibiaa superposiçlo.lsto significava, refilmar nio era nenhum problema. Todos os set.s eram guardados
por exemplo, que numa cena onde duas pessoas estavam gritando no estúdio, nio eram desmontados enquanto nio fosse dado o OK.
uma com a outra, um intérprete não podia falar ou "sobrepor-se", Se fosse preciso reescrever, o roteirista estava sob contrato e oo
enquanto o outro ainda estivesse falando. De fato, nos close-vp.J, os estúdio, assim como o diretor. Se por algum motivo n1o estivessem
atores tinham de deixar uma pequena pausa entre as falas de cada disponíveis, outros podiam substituí-los. Os atores estavam todos
WJt. para que o montador pudesse montar a trilha sonora. Obvia- sob contrato e portanto disponíveis. Se estivessem trabalhando em
mente, isto tomava dificil dar vida a uma cena que exigia um outro filme, nJo haveria problemL Lembra-se de Joan Blondell e
andamento rápido. Esta regra foi criada para tornara vida mais fki I Glenda Farrell? Contaram-me que mais de 60 por eento de Marujo
para os montadores. intrépido, um bom filme com SpencerTracyeFreddieBartholomew,
Hoje em dia nós geralmente montamos a trilha sonora do modo foi refilmado. Mesmo que nio seja verdade, n1o importa. Podia ter
que queremos. Só que isso dá mais trabalho. Temos de achar o corte sido refHmado. Por inteiro. Acho que o sr. Thalberg tinha um ótúno
Dlo apenas no fotogra.ma mas com &equencia no orificio da grinfa. princípio. Faça o filme, mostre-o, refaça-o se for preciso. Eu
Há quatro orificios por fotognuna.; por isso temos de ir para a frente gostaria que pudéssemos fazer isto hoje em dia.
e para trú muitas vezes para encontrar o lugar certo de cortar. Mas Eu tenho um lugar especial para Margaret Bootb em meu
• isso pode ser feito. Um bom Lugar para fazer um corte de áudio 6 coração. Quando eu estava filmando A colina dos homensperdidos
numa consoante oclusiva, um p ou um b. Um s funciona bem. A na Inglaterra em I964, ela ainda era montadora-chefe da MGM. Na
maioria das consoantes funciona como o ponto em que se pode 6poca devia estar com quase setenta anos ou at6 mais. A MGM era
casar duas trilhas de áudio diferentes. As vogais s1o mais difíceis, um aJvo constante das manobras de grupos de controladores e, se
porque raramente estio na mesma altura e po<te..se perceber a nlo me falha a memória,jám udara de dono três vezes em dois anos.
diferença na emenda ou no corte. Finalmente, por mais que eu Margaret era a única pessoa que sabia que filmes a Metro estava
resista a isso, sempre posso pedir ao ator que venha refazer a fala rodando e em que estágio se encontravam. O estúdio enviou-a à
144 F A ZE NDO FILMES A S ALA DE MONTA G EM 145

Ingl.aterra para ver os três filmes da Metro que estavam sendo concentração. Quando termino~ disse: "Você tem razlo. Manto-
rodados lá. A colina dos homens perdidos estava no estágio de nha como está. É um bom filme." Safmos todos juntos da sala de
copilo final e os outros dois ainda estavam sendo rodados. Ela montagem, indo em direções opostas. Thelma e eu fomos ao agente.
determinou que qualquer cópia que existisse dos tres filmes lhe Estávamos extasiados, sabendo que agora o estúdio deixaria o filme .
fosse exibida, a partir das oito horas da manhã seguinte. Veja bem, em paz. *braçados. conversamos animadameote sobre a pessoa
elatinhaacabadodecbegardaCalifómia.Eraumamulherdeidade, fenomenâl do mundo do cinema que era Margaret Booth.
eoitodama.nhierameia·noite no horário da Califórnia. Ela nio nos Naquela noite, por volta de dez e meia, Thelma ligou. Com voz
convidou, a mim e Thelma Connell~ montadora de A colina dos t:mnula, me contou que Miss Bootb tinha telefonado e dito que
homem perdidos, para a projeçlo) mas disse que nos veria à uma da queria ver o filme novamente às oito da manbl Meu coraçlo ficou
t.a.rdc. apertado. Os filmes sio cheios de batalhas que a gente pensa qt_Je
À uma em ponto ela entrou na sala de montagem. Ela disse: ganhou mas que tem de enfrentar o tempo todo.
"VocA está com 2:02" - o tempo de duraçlo do ftlme. ~Quero o Ela viu o filme outra vez. Resmungando, disse: "Deixe como
filme com menos de duas horas." Eu nio fazia a montagem naquela estA" e me pediu que a levasse at6 o carro.
época. Perguntei-lhe, educadamente) se achava que o filme estava Entramos no sagulo. Bu lhe perguntei por que assistiu ao filme
longo em algum lugar especial~ "Niol ",ela disse. "É um belo filme novamente. Ela disse: "Ontmn, quando vaca c Thelma iam andando
e uma montagem correta. Mas corte dois minutos, ou eu corto." pelo saguão, pensei que estivessem rindo de mim." Eu parei Nio
Disse isso e foi embora. podia acreditar no que acabava de ouvir. Eu disse: "M.argaret, .eu
Fiquei em pin.ico. Uma vez que o estúdio põe a mio num filme. discuto com vod. Mas de modo nenhum tentaria engani-la."
n1o b.i como saber o que vai sair dali. Pode começar com "dois Ela começou a chorar. "Eu sei", disse ela. "'Vod nlo ~um
minutos'' mas acabar irTeconbecfvel. lbelma e eu nos sentamos deles. Estou tio cansada Todos aqueles sujeitos- ela pode ter dito
diante da moviola (a máquina de montagem) e passamos todo o ' bastardos' -brigando pelas sobras deste estúdio. Nenhum deles
filme novamente. Eocontnunos um corte de trinta e cinco segundos sabe coisa alguma ou liga para os filmes. E eu sou a {mica que sei
e era tudo. Na manhl seguinte. às dez e meia, Margaret estava de o que está sendo filmado e o que estad pronto para lançamento na
volta na sala de montagem. Eu lhe disse o que tínhamos cortado, Púcoa ou no Natal E todos mentem para mim enquanto despejam
acrescentando que pensava que qualquer corte adicional estragaria em cima de mim mais e mais deci.sOes. E nlo tenho ajuda. E agora
o filme. '"Quetal...r e ela me:ocionou uma tomada. Apresentei meu : tenho de partir para a fodia. Temos mn filme ~ com problemas e
r,
cootra·argumento. ''Que tal oatomada em que... e ela meocionou sou eu que tenho de resolver. Ontem l noite me senti tio cansada
outra tomada. Sua memória do filme erafantástica. Apontou sete ou E pensei que vod e Thelma estavam me enganando também."
oito momentos, sempre perfeita sobre onde a tomada ocorria, o que Abri a porta do carro dela. Beijei·a no rosto. Ela disse ao
acontecia na tomada, como seu inicio ou fim poderia ser podado :- motorista: "Aeroporto de Heathrow." Foi a última vez que a vi.
e ela assistira ao filme somente uma vez. A cada sugestão eu dava Como tudo o mais nos filmes. a montagem ~ um trabalho
minhas razões para manter a cena como estava. Finalmente ela técnico com importantes ramiticaçlSes artisticas. EmbOra seja ab--
disse: "Projete para mim." surdo acreditar que os filmes sio "feitos" na sala de montagem, eles
Passamos o filme na moviola. É preciso sentar num banco alto certamente podem ser dcstrufdos ali. Tantas concepções errôneas
por causa da altura da tela, que tem apenas oito polegadas de existem sobre montagem, particularmente entre os criticas. Li que
largura. Ela se sentou no banco duro e alto, observando com total um certo filme foi "belamente montado". Nio hA meio de saber
146 FAZENDO FILMES A S ALA DE MONTAGEM

quanto um filme foi bem ou maJ montado. Pode parecer mal Quando começamos a filmar Serpico, logo depois do feriado
montado, mas por causa da mA qualidade da filmagem pode de fato do Quatro de Julho, a data de estnia do filme já fora marcada: 6 de
parecer um milagre da montagem que a história ainda faça sentido. dezembro. Este é um prazo incrivelmente curto para filmar, montar
Inversamente o filme pode parecer bem montado, mas quem sabe e fazer toda a pós-produção (som, música, primeira cópia). Seis
o que ficou no chio da sala de montagem? Do meu ponto de vista, meses de pós-produçlo é um cronograma apertado. Três meses é
somente ris pessoas sabem o quanto a montagem foi boa ou má: o insanidade. Mas nlo tinhamos escolha. lriamos filmar em julho e
montador, o diretor e o fotógrafo. Eles slo os únicos, em primeiro agosto e tenninarfamos tudo o mais em setembro, outubro e
lugar, que sabem tudo que foi filmado. PormelborqueDomlniodo.s novembro. Pela primeira vez em minha carreira a montadora estava
bárbaros pareça (e parece fantástico), nlo sei quem fez o qu~ na "fazendo a montagem atrás der mim". Quando eu terminava uma
montagem. Pode-se presumir um profiSsionalisoJ.o básico na filma- seqüência, Dede começava a montá-la assim que recebia a última
gem e aquele filme foi belamente filmado. Mas melodramas e tomada. Até entlo, eu sempre pedira ao montador para esperar até
filmes de perseguiçio nio sio dificeis de montar se se conta com o que eu tivesse tenninado a filmagem e estivesse na sala de monta-
material básico. Nossa velha definiçio de melodrama ainda se gem. mas dessejeito nlo atenderíamos i data de estréia. Depois dos
sustenta: tomar acreditável o inacreditável. Portanto, como em tudo copiões, Dede e eu nos sentávamos e conversávamos durante uma
o mais no filme, a história 6 a primeira prioridade. Monte-o pela hora. Eu explicava minha escolha de tomadas e Dede fazia suas
história, mas como parte da forma do melodrama, monte-o do modo anotações. "Esta cena é sobre o primeiro momento em que ele sente
mais surpreendente, mais inesperado, que puder. Trate de manter o medo, Dede. A ênfase deve ser em ..." Depois ela ia t:raba.lhar. Com
público desorientado, mas nlo a ponto de dei:x.ãr que a história se o prosseguimento da filmagem, as seq08ncias filmadas se acumu-
perca. Em geral os montadores empreendem essa tarefa montando lavam mais depressa do que Dede conseguia montar. Ela começou
o filme num ribno muito sltJCcato, usando trechos de quatro, cinco a passar algumas seqU8ocias para seu maravilhoso assistente,
Richie Marks, de modo que em essência havia dois montadores
ou seis~ (um pouco mais de dois a quatro segundos). Mas tenho trabalhando atrás de mim.
vistobomsuspensecriadopormeiodeumatomadalonga,lentaque
Quando fmalmente concluí a filmagem, fui diretamente para a
termina com a mocinha num close-zlp e uma mio subitamente vindo sala de montagem. Muitas seqQ!ocias que Dede tinha montado
tapar-lhe a boca Se o diretor nãofez a tomada longa, lenta, ela nio realizavam minhas intenções melhor do que eu poderia ter feito.
pode ser criada na sala de montagem. Outras) em particular aquelas sobre as mu lhcres com quem Serpico
Numa resenha de um ftlme que Dede Allen tinha montado o estava envolvido, precisavam de extensas revisões na montagem.
critico escreveu que ela era uma brilhante montadora e que tinha um Possivelmente isto acontecia porque essas cenas nio eram as mais
estilo reconhecível. Se por acaso Lesse a critica, Dede ficaria bem escritas e nlo tinham a força melodramática das cenas de
· extremamente angustiada. Ela é uma brilhante montadora. Mas policia. Qualquer que fosse a razão, remontamos as seqil8ncias o
orgulha-se de fazer o que o filme e o diretor exigem dela. Orgulha- melhor que pudemos e cum primos o cronograma. Mas em todos os
se de que os fi lrnes que montou para George Roy HilJ sio totalmente momentos sob uma pressão terrível, a devoçlo de Dede ao trabalho
diferentes dos filmes que fez para Warren Beatty ou dos que ela e era o que vinha em primeiro lugar. E este é o "estilo Dede Allen".
cu fizemos juntos (Serpico, Um dia de cão e O mágico inesqueci- A primeira coisa que noto quando entro numa sala de monta-
vel). Ela quer que o filme, e não Dede Allen, apareça. Ela é gem é como ela é silenciosa. Fazer filmes é sempre tio barulhento.
desprendida. Ela "faz o mesmo filme". No estúdio, enquanto filmamos num sei estlo montando outro.
148 FAZENDO FILMES A SALA DE'MONTAGEM 149

Uma porta se abre e ouve-se aquele ruído ensurdecedor das serras tomadas largas que os precederam. Em Principe da cidade, quando
nas oficinas de carpintaria; os martelos em constante uso; o barulho Ciello pensava em suicídio, a presença do céu tinha muita impor-
de sacos de areia caindo; o zum-zum da conversa dos extras; o tância porque o céu olo aparecera antes no filme. Em O veredicto,
barulho de pregos sendo arrancados; os gritos dos eletricistas a transição mais importante do filme era iluminada pelos close-ups
quando ajustam suas lâmpadas. Na locação, 6 claro, os sons s!o o de Paul Newman examinando uma foto tirada com Polaroid. Ele ·
pandemônio nonnal das roas. tinha tirado a foto da vitima e acompanhava a revelação. À medida
Mas agora, na sala de montagem, que silêncio abençoado. f:lá que a foto ganhava vida, também ele se animava. Eu podia sentir
at6 um tapete no chão. A aprendiz está realizando o ente<liante o presente irrompendo ~ um homem que, até então, ficara
trabalho de registrar os números da borda do filme. Ela geralmente preso nos detritos do passado. Foi a intercorrência da revela-
tem um rádio portátil, sintonjzado baixinho numa estação de ção da Polaroid e dos close-ups de Newman que tornou palpável
mllsica clássica ou dejazz. No passado eu podia ouvir o confortante a transição.
ruído da moviola enquanto o montador revia uma tomada ou uma Em nenhuma parte foi o impacto de imagens justapostas mais
seqü!ncia. Mas agora, com a montagem eletrônica, até este som evidente do que em O homem do prego. Sol Nazerman, o persona-
desapareceu. · gem princip~ está passando por uma profunda crise quando se
Quandotiroosobretudo,começo a sorrir. Estou muito feliz por aproxima do aniversário da morte de sua família num campo·de
estar aqui. E se o filme envolveu muito trabalho duro de locaçã9, concentração. Imagens comuns de sua vida diúia fazem-no lem-
estou cansado e portanto aprecio bastante a calma deste lugar. brar-se cada ve-z mais de suas experiências no campo de concentra-
Nenhuma pergunta. Paz. Sossego. Um tempo para refletir, conside- ção, por mais que se esforçasse para bloqueá-las. Ao contarmos a
rar, reexaminar, descobrir e entrar num mundo técnico totalmente história de sua situação dificil,lidávamos com dois problemas: Um
novo que pode completar e reforvar a razlo original para se fazer o era chegara uma resposta para a pergunta central: Como a memória
ftlme. trabalha? Além disso, como a memória trabalha quando a estamos
Para mim, há dois elementos principais na montagem: justapor negando, lutando contra sua penetração em nossa consciência?
imagens e criar ritmo. Encontrei a resposta analisando meu próprio processo mental
Às vezes uma imagem é tio significativa ou bela que pode quando alguma coisa com que eu nio queria lidar vinha se impor ao
captar ou iluminar nossa pergunta original: De que trata este filme? presente. Depois de pensar muito, percebi que o sen~ento repri-
Em Assassinato no Oriente Expresso a tomada do trem deixando mido continuava voltando em jorros cada vez mais longos até que
lstambultinhaestacaracteristica.Possuía:todoomistério,glamour, finalmente emergia por completo, dominando, assumindo o con-
nostalgia, ação que eu desejava que todo o filme tivesse. trole de todo o pensamento consciente.
Mas num filme cada tomada é precedida ou seguida de outra Agora, o segundo problema era como mostrar isto em termos
tomada. É por isto que a justaposição de tomadas é uma grande cinematográficos. Eu sabia que quando esses sentimentos foram
ferramenta. Nas lutas angustiadas e reveladoras de Um longo dia de estimulados pela primeira vez, chegaram em pequenos intervalos
viagem dentro da noite, as tomadas foram ficando cada vez maiores de tempo. Mas pequenos como? Um segundo? Menos? A opinião
à medida que pai e ftlho se viam dizendo um ao outro cruéis e feias reinante na época em que o cérebro n1o poderia reter ou compreen-
verdades reciprocas. No ápice da hrta, dois close-ups extremos der uma imagem que durasse menos de ~s fotogramas, um oitavo
encerravam a cena; os quadros eram tio estRitos que testas e de segundo. Eu não fazia idéia de como se havia chegado a essa
queixos se perdiam. O impacto dos close-ups dobrou devido às cifra, mas Ralph Rosenbloom, o montador. e eu decidimos nos
1-'0 FAZENDO FILMES A SALA DE MONTAG E M 151

divertir com isso. Nlo tenho certeza, mas não creio que cortes de gramas do vaglo do trem, ele substituía quatro fotogramas do vagão
tr6s fotogramas tivessem sido usados antes. Eu havia tentado, em do metrô ,e assim por diante ~ que o vag1o do metrô se tomou o
outros filmes. cortes breves de dezesseis fotogramas (dois terços de do trem. A medida que aumentava a intensidade, Naz«man corria
segundo) e oito fotogramas (um terço de segundo). para outro vaglo do metrô para fugir da lembrança. Feito um louco
Numa seqO&cia, quando deixa a loja à noite, Nazennan passa abria com viol6ncia a porta do comunicaçlo, e cortivamos para o
por uma cerca atrás da qual uns meninos estio batendo em outro. vaglo abarrotado do trem, passando daí pera terminar toda a cena
Imagens de um parente apanhado pelos cães junto a uma cerca de do jlaslrbac!. Nio havia fuga para ele. O que tomou a seqOincia
campo de concentraçlo começam a se juntar em sua mente. Adotei mais visualmente emocionante foi que eu filmei o vag1o do metrô
a regra de reconhecimento dos três fotogramas e fiz o primeiro corte • e o vagão do trem numa panortmica de 360 graus. Com a câmera
oos quatro fotogramas (por segurança) do campo de coocentraçlo, no centro de cada vaglo, demos uma volta completa com ela.
um sexto de segundo. Originariamente eu pretendera fazer no Assim~ quando juntamos as duas tomadas, conseguimos casar o
segundo corte uma imagem diferente, de maior duração, talvez seis mesmo arco do círculo. O filme estava sempre em movimento,
ou oito fotogramas (um quarto a um terço de segundo). Mas tanto no passado' quanto no presente.
descobri que isto produzia cedo demais um efeito evocativo dema- A essa altura estávamos tio confiantes na técnica quo marca-
siado nítido. Raciocinei que se usasse a mesma imagem durante o mos a transiçlo metrô/trem num pedaço de papel e deixamos para
tempo de evocaçlo poderia reduzir o corte a dois fotogramas (um ·
o assistente o trabalho fisico. E houve muito trabalho físico.
doze avos de segundo). Mesmo que as pessoas nio entendessem a
Naquela época, juntar dois fotogramas significava que uma fita
imagem da primeira vez, entenderiam depois que ela fosse repetida
transparente devia ser colocada sobre cada fotograma, ligando-o ao
duas ou tras vezes. Eu agora tinha a soluçAo técnica para as
lembranças subconscientes que penetravam à força na consci&lcia que vinha antes e ao que vinha depois. Mas quando vimos a
de Nazerman. Se a imagem seguinte fosse muito mais complexa. eu seqüência pela primeira vez numa tela grande, sentimos que tínha-
me sentia livre para repeti-la em cortes de dois fotogramas tantas mos conseguido. Nio a alteramos desde a primeira vez em que a
vezes quantas fossem necessárias a.tÇ tomá-la clara. Como a cena montamos.
continuava, eu podia alongar as imagens para quatro fotogramas, Um ano depois de lançado o filme, todo comercial de tevê
oito fotogramas, dezesseis fotogramas e assim por diante numa parecia estar usando a técnica. Chamavam montagem " subliminat'.
progressão matemática até que elas se impusessem e o flashbaclc Minh.as desculpas a todos.
pudesse então ser visto por inteiro. O segundo elemento mas igualmente crucial da montagem é o
Atkrucaatingiusuareali7Jlçãomáximanacenadocllmax,em andamento. Toda emenda num filme altera o ponto de vista, porque
que Nazerman está viajando num vagão do metrô. Pouco a pouco todo corte usa um ângulo de câmera diferente. As. vezes pode
· o vaglo do metrô se transforma no vagão do trem que levou sua simplesmente saltar de um plano geral para um plano médio ou para
família para o campo de extennlnio. Toda a transição se estendeu um close-up no mesmo ângulo. Mas o ponto de vista mudou. Pense
por um perfodo de um minuto. Começando com cortes de dois em cada corte como a batida de um metrônomo visuaL De fato,
fotogramas, gradualmen~e substituí um vaglo pelo outro. Em muitas vezes seqUBnoias inteiras sio cortadas num ritmo que vai
outras palavras, quando eu fazia um corte em dois fotogramas do acomodar a partitura musical que será acrescentada depois. Quanto
vaglo da ferrovia, ele substituía dois fotogramas da tomada mais cortes, mais rápido fica o andamento do filme. É por isso que
no vaglo do metrô. Quando eu usava um corte de quatro foto- os melodramas e as seqU&lcias de perseguiçlo usam tantos cortes.
152 FAZENDO FILMES A SAL A DE MONTAGEM 153

Assim como na música, o andamento rápido geralmente significa montagem. O uso de tomadas sem interrupção, sem interposições,
energia e excitamento. é planejado cuidadosamente no inicio, antes de a filmagem come-
Contudo, acontece uma coisa interessante. Na música, tudo, de çar. Seformostrarumalongatomadasemcortenofilmeterminado,
umasonataa uma sinfonia, usa mudanças de andamento como parte é bem provável que eu queira movimento de câmera Isto significa
básicáde sua forma. Tipicamente, uma sonata em quatro movimen- que quero uma base onde possa me mover livremente. No mêu
tos mudanlo apenas seus temas musicais em cada movimento, mas primeiro encontro com o diretor de arte, pelo menos quatro meses
também seu andamento em cada movimento e às vezes até dentro antes de entrar na sala de montagem, já estou pensando nos
de cada movimento. Da mesma forma, se um filme for montado no andamentos da minha montagem fmal. Posso não usar integralmen-
mesmo an.damento em toda a sua duração, parecerá muito mais te a tomada sem interrupções. Posso cortA-la. Mas se n1o a tiver
longo. Não importa se estão sendo usados cinco cortes por minuto filmado nlo posso criá-la na sala de montagem.
ou cinco cortes a cada dez minutos. Se o mesmo ritmo é mantido do Tendo usado uma tom!Ufasem cortes na Cena Ae/ou B, começo
princípio ao fim, começará a parecer cadavez mais len.to. Em outras a pensar em alterar o andamento na Cena C. Não é dificil justificar
palavras, é a mudança de andamento que sentimos, não o próprio · isto. Quando coloquei a câmera em sua posição originalmente, fiz
andamento. a mim mesmo a pergunta: O que eu quero ver neste momento do
Poralgum motivo, ainda me lembro que fiz 387 setups em Doze roteiro e por quê? Agora, na sala de montagem, eu me faço a mesm.a
homenseumasentença.Maisdametadeiaserusadanaúltimameia pergunta. É fácil achar uma razão para cortar do homem para a
hora de filme. O andamento dos cortes foi se acelerando ·de modo mulher. De fato, com bons desempenhos, às vezes é doloroso nio
constante durante o filme, mas entraria num galope nos últimos ver os dois juntos, o rosto todo, num determinado momento.
trinta e cinco minutos aproximadamente. Este andamento crescente Portanto, dependendo do andamento de que a cena precise em
ajudou muito a tornar a história mais emocionante e a deixar o relação ao filme como um todo, posso cortar na frente ou atrás tanto
público mais consciente de que o filme estava se comprimindo quanto eu quiser.
ainda mais no tempo e no espaço. Além de um senso de mudança de andamento entre duas cenas,
Em Um longo diadeviagemdentrodanoite descobri que podia penso na mudança de andamento ao longo de todo o fihne. Os
usar diferentes andamentos de montagem para reforçar persona- melodramas geralmente se aceleram em seu andamento porque as
gens. Filmei sempre Katharine Hepburn em tomadas longas, sem histórias exigem uma crescente impresslo de excitamento e de
interrupçlo, para que na montagem a impressão do legato de suas • tensão. Mas em muitos filmes,já quase no final, eu quis desacelerar
cenas nos ajudasse a mergulharem seu mtmdo narcotizado.Nós nos as coisas, para dar ao público, assim como ao filme, tempo para
moveriamos com ela para o seu passado, para sua viagem noite respirar. Isto não é nada fora do comum. A clássica última tomada
adentro. O personagem de Jason Robards foi montado de modo do melodrama romântico, um lento recuo e um movimento ascen-
exatamente oposto. A medida que o filme se desenrolava, tentei dente da câmera. 6 agora um clichê. Pense em Casablanca. Bogart
montar as cenas dele num ritmo staccato. Eu queria que ele se olha para Raios: "Louie, acho que este é o começo de uma grande
sentisse errático, desarticulado, descoordenado. Os personagens de amizade." Enquanto eles se afastam, de costas para nós, a câmera
Richardson e StockweU foram tratados em funçlo do sentido do sobe e recua. Nossos dois cínicos, agora a caminho de se juntarem
andamento do filmi! e não dos personagens. aos Franceses Livres, ficam cada vez menores na tela. Fade ou/.
Em filmes em que n1o uso o andamento para caractcrizaçlo, J::.embro-me de uma série de filmes da 20th Century Fox que usaram
tenho o cuidado de mudar continuâmente o ritmo do filme na essa tomada, acrescentando a ela a mesma música. Havia sempre a
FAZENDO FiLMES A SALA DE MONTAGEM ISS

sensação do "saxofone solitário" ou "trompete solitário" enquanto · nps. No dia seguinte voltei à sala de montagem e restaurei dois
o detetive caminhava para~ tendo resolvido o caso mas perdido minutos e meio dos quatro e meio que tínhamos cortado. Jamais
a garota, enquanto o resto da cidade dormia. Posso cantar para v oca saberei se o que eu temia sobre a cena do testamento aconteceria.
o tema musical ainda hoje. Mas sei que tomar o filme um pouco mais lento não o prejudicou.
Pode haver outras razl:Ses para retardar o andamento de um De tudo que mencionei até aqui, é evidente que o pré-planeja-
filme. Em Um dia de cão toda a questão do filme foi reslUllida mento se estende à fase de montagem .também. Contudo, uma das
quando Pacino fez seu testamento quando faltavam cerca de tr6s delicias da sala de montagem 6 que às vezes a montagem pode
quartos do filme. Ali o tema nos tocou: "Bichas,. olo slo as criaturas .ajudar a transformar uma cena que não esteja funcionando numa
estranhas que imagiru6nos que sejam. Temos muito mais em que funcione. Isto geralmente implica encurtá-la. Outras vezes,
comum com o comportamento mais escandaloso do que estamos uma mudança de ênfase pode tomar uma cena mais interessante.
dispostos a admitir. Era essencial que a cena em que ele ditava seu Como excedem fisicamente o tamanho natural das coisas, os filmes
testamento fosse calma, suave, tocante. tendem a tomar o caráter de uma cena ou de um personagem mais
No curso da montagem fomos lentamente comprimindo o claro mais cedo. Em Daniel, Daniel está à procura de uma explica-
filme, fazendo tomadas mais curtas, eliminando tudo que fosse ção razoável dos cataclismos que atingiram sua vida: a execução de
irrelevante. Na primeira metade do filine, no que pensávamos que seus.pais em S ing Sing e o colapso mental da irmã Havia duas cenas
fosse a montagem final, nós a encurtamos em cerca de quatro em que Daniel visita a irmã num hospital psiquiátrico. A segunda
minutos e meio. É muito tempo num estágio final de montagem. cena, em que ele carrega a agora catatônica irmã pelo quarto, não
Não tínhamos encurtado nada na segunda metade. foi tão tocante como eu tinha esperado. Acabei descobrindo que não
Passamos o filme. Dede Allen e Marty Bregman ficaram havia nada de errado com a cena. O problema estava no modo como
satisfeitos e quiseram "fechar" o filme: encerrar a montagem e a primeiracenaentreeles tinbasidomontada: acenatinha enfatizado
enviá-lo ao departamento de som para as etapas finais de pós- Daniel. Conseqüentemente, a segunda cena n!o proporcionava
produçlo. Mas eu não estavasatisfeito. Paramos do lado de fora da nenhuma nova revelação sobre ele. Parecia redundante. Depois que
sala de projeção na Broadway 1600, perto de um cinema pomô, a primeira cena foi remontada para enfatizar a dor da irmã, as duas
discutindo. Eu achava que a primeira,metade fora acelerada demais. cenas funcionaram muito melhor. A innã estava bastante comovente
Nlo que tivéssemos cortado o personagem ou comprometido a na primeira cena, e ainda tínhamos algo de novo a descobrir sobre
força do filme. Mas a primeira metade estava pesadamente melo- Daniel na segunda.
dramática. Um assalto a banco é, por natureza, um evento emoci- Isto levanta um ponto importante. Eu disse antes que não há
onante. Cortando quatro minutos e meio, preocupava-me que decisões pequenas quando se faz um filme. Em parte nenhuma isto
houvéssemos imprimido um andamento melodramático ao filme, o se entende melhor do que na montagem. Um dos milagres da
. que poderia fazer com que a segunda metade parecesse, em contras- montagem cinematográfica é como uma mudança no rolo 2 afeta
te, mais lenta. E se isto acontecesse, a cena em que o protagonista alguma coisa no rolo 1O. (Um filme de uma hora e cinqüenta
ditava o testamento, a parte mais lenta do filme, poderia parecer minutos se compõe de onze rolos: dez minutos por rolo.) Nunca se
interminável. Estas coisas estão sempre em relação umas com as pode perder de vista o relacionamento de corte a corte e rolo a rolo.
outras; nunca estão sozinhas. Geralmente, durante a montagem, projeto três rolos de uma
Conversamos cerca de meia hora, ali na rua, enquanto táxis, vez, assim que acabo de montá-los. Vendo como ficam numa tela
cafetões, freqüentadores do cine pomô e transeuntes passavam por grande, faço minhas anotações. Se são extensas, volto atrás e tomo
156 FAZENDO fiLMES A SALA DE MONTAGEM LS7

a trabalhar nos rolos imediatamente. Se as mudanças slo insignifi- que A lista de Schindlertivesse um s6 minuto a mais. Mas Tomates
cantes ou técnicas, espero pela minha segunda rodada. Tento ser verdesfritos?
equânime em minhas projeções de cada lote de três rolos, de modo Uma primeira montagem com mais de tr& horas pode real-
a n1o me deter num lote mais do que em outro, a não ser que haja mente prejudicar um filme. No desespero de encurtar o tempo, as.
problema num lote em particular. Somente o montador e eu pausas dos atores desaparecem, os travelings são reduzidos à
assistimos a essas exibições. Neste ponto, nio quero opiniões de metade. tudo que nio é essencial à trama é atirado pela janela. O
fora. É cedo demais. tamanho excessivo é uma das coisas que com mais freqüência
Sabendo que a maioria dos filmes não merece ter mais de duas resulta na destruição do filme na sala de montagem.
horas, raramente passo dos quinze rolos (duas horas e meia) em Terminamos a primeira montagem. Agora, antes de projetar-
minha primeira montagem. As cenas não são montadas frouxamen- mos o filme inteiro pela primeira vez, nós o revisamos ainda uma
te. Tento ser o mais rigoroso possível com cada cena. Se não está vez. Faço minhas correçõCs a partir das notas tomadas quando
de acordo com o andamento, nio posso dizer se a cena está fun- examinamos os lotes de tres rolos. Quero incluir cada cena, cada
cionando como deveria. fala do diálogo e cada tomada na primeira montagem, embora já
Antigamente costumavam fazer uma primeira montagem "lon- tenha uma idéia de que falas ou mesmo cenas podem ser eliminadas.
ga••. Isto tamb6m era feito por amor à paz e harmonia. Um das mais Quero dar uma oportunidade a tudo. Mas quero que cada cena tenha
repetidos cüob6s do cinema é: "Ficará muito melhor qWl}'ldo você a menor duração possfvel que eu sinta que pode ter no momento.
tirar dez [ou vinte ou trinta] minutos.., Sabendo que este comentário Um dia levanto os olhos. Conclufmos o esboço da montagem.
Agora vem o primeiro teste importante, que põe à prova nossos
· era inevitável, os montadores deixavam para fazer o acerto final
depois que o chefe do departamento, o produtor e o ch~e de nervos: ver o filme inteiro. Seja qual for o entusiasmo ou o
desespero que a gente sente, vamos descobrir qual dos dois é
produção tivessem visto o filme. Desse modo, cada pessoa podia
justificado. Toda a auto-ilUSio, boa ou má, vai nos levar a outra
sentir que tinha dado uma verdadeira contribuiç.io pedindo para
auto-ilusão potencial, também boa ou má. Será que ali pela metade
cortar dez minutos. Oito minutos bastavam quando cada pessoa nos
o fil.me bambeia, parece lento? O filme 6 tio emocionante quanto
escalôes ascendentes da companhia visse o filme. Isso deixava
eu esperava, ou tio violento? A abertura funciona? E o final? As
ainda seis minutos para cortar quando o chefe do estúdio fosse perguntas, e portanto os temores. n!o t8m fim.
assistir. Advinhe o que ele dizia? Certo. O montador retirava os seis Antes de projetar o filme, quero passar pelo menos vinte e
últimos minutos, e o filme estava agora com duração adequada à quatro horas Longe dele. Não quero estar cansado ou fora de meu
pré-estréia, e cada pessoa achava que tinha salvado o filme. ritmo normal; e como normalmente vejo os filmes à noite, marco a
Nunca entendi por que os diretores apresentam uma primeira projeção para as oito ou oito e meia. Nio como nem bebo coisa
cópia de três horas. Quase sempre isto significa que terlo de cortar alguma antes. Se o roteirista está disponfvel, peço-lhe que venha. O
pelo menos um pé em cada três, já que a maioria dos estúdios exige produtor. O compositor. Minha mulher. E um pequeno e dedicado
um tempo de projeçlo inferior a duas horas. O principal motivo para grupo de especialistas: cinco ou seis amigos que me conhecem e
isto~ econ8mico, pois os estúdios e os exibidores querem um certo conhecem meu trabalho e querem bem aos dois. Haverá muito
número de sessões por dia. E na maioria dos casos devo dizer que tempo para opiniões objetivas, para nlo falar nas hostis, depois. É
concordo com eles. Filmes sio muito poderosos. É melhor que se importante também que as pessoas do grupo de especialistas
tenhamuitoadizcrquandosequerpassardasduashoras.Nioacbei conheçam as t6cnicas de fazer filme. OpiniOes gen~ricas ajodam até
ISS FAZENDO FILMES A S-\·LA DE MONTAGEM 159

certo ponto. Mas 6 melhor ouvir alguém dizer: "Sabe aquela parte causoo?""Isso está claror. "Vods ficaram entediados?" "Ficaram
na altura dos quannta minutos, em que ele sai andando e tentando comovidos7' Isso prossegue por um bom tempo. A verdade é que
se decidir? É desneussária. Se você conseguir o lapso de tempo de quase sempre posso "sentir" o que eles pensam do filme quando
que precisa de outro modo~ pode eliminá-la., E com certeupode- nossos olhos se encontram assim qutr as luzes se acendem imedia-
se obter o lapso de tempo de outra maneira. Nem é preciso fazer uma tamente depois da projeçlo.
tomada de ponteiros rodando num relógio ou dissolver de um Mas fimdamentalmenteessa projeçlo era para.mim. EM gostei?
cinzeiro vazio para um cheio. Pode-se encontrar um modo original Passei seis meses, nove meses, um ano, buscando algo que significa
de fazer isto e cortar qualquer trecho que seja redundante. alguma coisa para mim? E fui bom o suficiente em meu trabalho
Gosto de me sentar sozinho durante essa primeira projeçlo. para colocar isso na tela?
Mais uma vez na primeira fila Como a trilha sonora está apenas
esboçada, o montador normalmente senta-se na fila de trás "con.du-
l.indo,. as cenas (usando um controle de volume para aumentar as
partes de diálogo que estejam baixas ou diminuir as mllis altas). Às
vezes, quando há longas partes silenciosas, introduzimos uma trilha
musical contemporânea tirada de uma gravaçlo.comercial.
Como sempre, chego lá cedo~ Os membros do grupo de
especialistas nunca chegam atrasados. Mudaram com o passar do
tempo. FaitheJohn Hubleycostumavam vir.EBob Fosse. E Robert
AJanArthur. Phyllis Newman vem. EHerb Gardner. Betty Comden
e Adolph Green vem. Nora Ephron. Ann Roth. Tonye Gen Walton.
E Piedy, minha mulher. É essa a turma. Devo-lhes muitos agrade-
cimentos pela boa e verdadeira ajuda ao longo dos anos. Atraves-
saram alguns maus momentos. Cem vez fiz um filme para David
Merrick, Clrild's Play. Entre outros problemas, estávamos indeci-
sos sobre como tenniná-lo, de modo que filmei dois finais diferen-
tes. Passei os dois na primeira projeção. Quando as luzes se
acenderam, Merrick gritou desdenhosamente de lá dos fundos: "É
só isso?" Eu respondi: ccPcrgunteneste tom de voz outra vez e eu lhe
quebro a cara, seu merda." Como todos os fanfarrões, ele tnltou de
ir embora.
Mas passaram por bons momentos também. Às vezes um ou
dois disseram as palavras mágicas "Nio mexa em nada". É preciso
ouvir com muita atençlo. Eles não querem ser destrutivos, mas a
gente espera deles a verdade. Muitas vezes saímos para jantar
depois. Boas massas, bom vinho. E eu faço todos os tipos de
perguntas, grandes e pequ.enas. "Qual foi a sensaçlo que isso
O SOM DA MÚSI C A 161

instrumento da orquestra é gravado separadamente, é possivel


quase reorquestrar recorrendo à gravação das trinta e duas ou
1O - O SOM DA MÚSICA: sessenta e quatro pistas originais.
·O SOM DO SOM Trabalhar no cinema é o compromisso fatal que os compósito-
res assumem. Em troca de ótima remuneração, eles aceitam compor
para uma forma que nunca poderá pertencer a eles. A música,
inequivocamente uma de nossas maiores form.as de arte, deve estar
subjugada às necessidades do filme. Esta é a natureza do cinema.
Mesmoquepossadominarporcompletoemcertospontos,afunção
Se o clichê que diz que os filmes são feitos na sala de montagem é da música é primordialmente de apoio.
falso, aquele outro clicb!, "Vai ficar melhor quando acrescentar- A única partitura cinematográfica qúe eu ouvi que pode se
mos a música"', é verdadeiro. Quase todo filme melhora com uma sustentarsozinhacomoobramusicaléa"BatalbasobreoGeJo",de
boa 1rilha musical. Para começar, a música é um meio rápido de Prokofiev, do filme Os cavaleiros de fe"o (ou Alexandre NevskJ).
atingir as pessoas emocionalmente. Ao longo dos anos, a música de Ouvi dizer que Eisenstein eProkofiev conversaram sobre ela muito
cinema desenvolveu tantos clichês próprios que o público imedia- a
antes de filmagem ter início e que boa parte da composição
tamente absorve a intençlo do momento: a música lhe diz, às vezes começou antes das filmagens. Supostamente, Eisenstein chegou
até antecipadamente. Em geral esse seria o sinal de uma partitura mesmo a montarparte da seqüência para acomodar a partitura. Não
ll1Ímt mas mesmo as partituras ruins funcionam. faço idéia se essas histórias são verdadeiras. Mesmo quando ouço
Quando a partitura é previsfvel, quando duplica na melodia e a música em disco hoje, começo a me lembrar da seqüência
no arranjo a ação que aparece na tela, nós a chamamos de miclcey- visualmente. Os dois, música e filme, estão indelevelmente liga~
mDUSing. A reffrincia é obviamente à música dos desenhos anima- dos: uma grande seqüência, uma grande partitura.
dos,qucduplicatudo,atéJerrybatendoemTom. Osfilmescomtais Acho que isto pode ser uma das indicações da boa música de
partituras provavelmente nlo slo prejudicados por elas. A possibi- cinema: a imediata lembrança dos elementos visuais do filme a que
lidade é de que a música nlo seja o único clicb! do filme, que a música dá apoio. Mas algumas das melhores partituras que já ouvi
seguramente está cheio deles. nlo podem ser lembradas d~ modo algum. Estou pensando na
Muitas vezes nlo é nem culpa do compositor. Depois do magnífica partituradeHoward Shorepara O silêncio dos inocentes.
~teirista acho que os compositores de cinema sio violentados com Quand.o vi o filme, não a ouvi Mas a sentia sempre. É o tipo de
mais freqüência que qualquer um. Todos pensam que conhecem partitura que tento conseguirna maioria de meus filmes. Com todas
alguma coisa de música e querem dar palpite na partitura. Se o as indicações ao Oscar que meus filmes receberam em várias
compositor surge com algo original demais-ou seja, alguma coisa categorias, somente a partitura de Ricbard Rodney Bennett para
que os produtores ou o pessoal do estúdio nunca ouviram antes-, Assassinato no Oriente Expresso recebeu uma iodicaçio na área de
a partitura pode ser jogada fora. Já vi produtores obrigar um música. Mas foi o único filme que fiZ no qual eu queria que a
montador de música a cortar sinais de entrada, rearranjá-los, partitura brilhasse. Comojá deve estar claro agora, acho que quanto
elim.inar partes de arranjos e também arrasar uma partitura até menos o público tiver noçio de como conseguimos um efeito,
tomá-la irreconhecivet Hoje em dia, quando praticamente cada melhor será o filme.
FAZENDO FILMES O SOM DA MÚSICA 163
162

Sentei com meu grupo de especialistas no restaurante de Patsy, Se o compositor foi contratado antes de começar a filmagem,
perguntando a eles o que achavam depois de terem visto a primeira talvez compareçapara ver os copiões. Ele é sempre convidado. Mas
montagem. Agora vou voltar à sala de montagem e começar a ou antes da filmagem ou depois de vermos a primeira montagem
remontar. Algumas daquelas falas do diálogo de que n.io gostei slo sentamos e conversamos a fim de decidir a pergunta fundamental:
cortadas. Às vezes toda uma cena é retirada. Às vezes quatro, cinco Que função a trilha deve ter? Como ela pode contribuir para a
cenas, um rolo inteiro, é apagado. (Ficou claro antes.)Alguma coisa pergunta básica "De que trata o filme?"
estava se arrastando nos rolos 4, 5, 6, 7. Quarenta minutos se Passamosentloparaasalademontagemparaoquechamamos
arrastando. Isto é sério. Talvez possamos rearranjar alguns elemen- de "sesslo de marcaçlo". Vemos o filme rolo a rolo. Dou ao
tos, reconstruir um pouco. Comecemos a história desse persona- compositor minhas impressões sobre onde ~into que a música é
gem um pouco antes. Isto ajuda a reavivar o interesse. Esse necessário, e ele faz o mesmo. Isto resulta num esboço preliminar.
Agora o revisamos cuidadosamente. Será que o compositor tem
desempenho está tão bom que não precisa desse tempo todo.
espaço suficiente para expor as idéias musicais de modo claro? Se
Aquele desempenho está tio ruim que não deve ter tanto tempo.
uma transição musical tem de acontecer, teremos espaço suficiente
Em outras palavras, estamos montando no verdadeiro sentido
para ela? Com freqüência nos melodramas, compositores e direto-
da palavra. Estamos, confiantemente, melhorando-o. Quando ter-
res combinam o que chamamos de "ferroadas". Estas são as breves
míno a segunda vez e a terceira, assisto de novo. Algumas das
e abruptas explosões orquestrais que acompanham a tomada do
pessoas do grupo de especialistas podem estar lá, mas aumento o vilão irrompendo pela porta. Duram alguns segundos. Supõe-se que
público um pouco, talvez dez ou doze pessoas. Mas eu as escolho elas assustam o público. São hoje em dia um clichê tão sovado que
cuidadosamente, porque ver um filme nesta forma não é fáci l. O em minha opinião nlo assustam mais ninguém. Às vezes a música
filme está arranhado, até rasgado em alguns lugares.Nenhum efeito é introduzida para nos sustentar numa "dissolvência", no apareci-
óptico (dissolv8ncias,fade outs, efeitos especiais) foi usado. E a mento gradual de uma nova cena sobreposta a uma anteriorpara nos
trilha de áudio em particular é difícil. Os diálogos n.io foram mostrar uma mudança de locação ou passagem de tempo. Nova-
equalizados, e em algumas tomadas não se consegue entender o que mente, a música deve durar cerca de vinte segundos. Detesto esses
está sendo dito. Como o diálogo nas locações externas nlo foi tipos de entradas. Gosto de me certificar de que toda entrada da
regravado (chamado looping). aquelas cenas slo especialmente músicadispõedetemposuficienteparadizerefazeroqueseespera
dificeis de ouvir. Faltam os efeitos sonoros. E, é claro, falta compor que ela diga e faça. Decidimos sobre o que desejamos que seja a
e colocar a música. contribuição da música para o filme. Dentro da própria entrada deve
Uma vez que estamos satisfeitos com a montagem, marco duas haver tempo suficiente para. fazer com que a idéia da entrada
reuniões importantes, uma com o compositor, a segunda com o funcione. Breves explosões melodramáticas ou transições de uma
. montador de efeitos especiais. O compositor foi convidado para a cena para outra simplesmente enchem o ar de som inútil e portanto
primeira projeção. O montador de efeitos especiais veio para a se- reduzem a eficácia da música quando ela é realmente necessária.
gunda projeção, e todo o departamento de efeitos sonoros (número Depois do esboço preliminar, voltamos ao filme. Agora passa-
que vai de seis a vinte pessoas, dependendo da complicação do mos a ser bem específicos sobre onde a música entra e onde ela
trabalho) compareceu à terceira. Formam geralmente um público acaba. Ajustamos o tempo ao fotograma. O ponto de entrada é
terrível. Estão à escuta de sons que somente um cão pode ouvir e particularmente importante. O deslocamento de algum fotogramas,
temem a quantidade de trabalho que os espera. ou alguns pés, pode fazer a diferença que mostra se a entrada
164 FAZE N DO FILME S O S OM DA MÚSI C A 165

funciona ou não. Este processo consome dois ou tlês dias. Às vezes antigo. O tema do Harlem, em contraste, seria percussivo, com
se o compositor é um pianista realmente bom, como Cy Coleman, muitos metais, ardente no sentimento- contendo o mais moderno
podemos instalar um piano pequeno na sala de montagem e impro- som de jazz que pudesse ser criado.
visar melodias. entradas e o apoio geral para a cena. Comecei a·procurar um compositor. Primeiro me aproxime\ de
Como eu já disse, não quero miclcey-mousing. Quero que a John Gage. Ele tinha lançado um disco na época chamado 'I'hh-d
partitura diga alguma coisa que nada mais çlo filme esteja dizendo. Stream, música clássica tratada com ritmos -e instrumentaçlo de
Por exemplo, em O ve,.edicto quase nada era revelado sobre o jazz. Ele não estava interessado em fazer partitura para cinema.
passado de Paul Newman. Num ponto há uma indicação de que ele En1ãomeencontreicomGilEvans,ograndecompositorearranjador
passou por um divórcio turbulento e era o bode expiatório do mal- de jazz moderno, mas achei difícil negociar. Em seguida me
afamado escritório de advocacia do sogro. Mas nlo dizíamos nada aproximeí de John Lewis, do Modem Jazz Quartet, mas senti que
sobre sua juventude ou i.nfància. Eú disse a Jobnny Mandei que ele realmente não gostou do filme quando o viu.
queria o som profundo, solene de uma inflncia religiosa: escola Então alguém sugeriu Quincy Jones. Eu conhecia um pouco de
paroquial, coro infantil na igreja. Ele foi possivelmente wn acólito. sua obrajazzistica graças aos discos que ele fizera com uma grande
Como o filme tratava da ressurreiçlo desse home~ ele devia ter orquestra numa viagem à Noruega. Nós nos encontramos. Foi amor
tido U.ma criação religiosa; assim teria de onde cair. O filme podia à primeiravista.Ainteligênciaeoentusiasmodeleeramjnspiradores.
então ser sobre seu retomo à fé. A funçio da partitura era propor- Descobri que ele tinha estudado com Nadia Boulanger em Paris, o
cionar o estado de graça do qual era possível cair. que significava que sua base clássica era sólida. Ele me deu outros
O homem do prego tinha a partitura mais complexa.~m que já discos seus, muitos em selos obscuros. Ele nunca fizera uma
trabalhei. Na cena de abertura, Sol Nazenilan, um refugiado judeu partitura para cinema, mas isto o tomava mais interessante ainda
da Alemanha, está sentado num quintal suburbano, tomando sol. A para mim. Com muita freqüência, devido à natureza do trabalho, os
irmllbe pede um empréstimo para que ela e sua famOia possam compositores desenvolvem seu próprio conjunto de clichês musi-
passar as férias na Europa naquele veria. Para Nazennan, tudo na cais quando já fizeram filmes demais. Achei que sua falta de
Europa é uma cloaca. Ele diz: "Europa? Que eu me lembre aquilo experiência de cinema seria um trunfo. .
lá fede." A seqO!ncia seguinte mostra-o na direção de um earro na Mostrei-lhe o filme. Ele o adorou. Começamos a trabalhar.
cidade de Nova York, indo ~ sua loja de penhores no Harlem. Falar sobre música é como falar sobre cores: a mesma cor pode
Estas duas cenas estabelecem a conc~o da partitura. Antes eu significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas Quincy e
disc que O homem doprego era sobre como e por que construimos eu descobrimos que estávamos literalmente falando a mesma
nossas próprias prisões. No inicio do filme, Nazerman está envolto linguagem em música. Elaboramos uma trama musical que era
em sua própria frieza. Tentou desesperadamente nlo sentir emoção quase matemática em sua precisão. Da mesma forma que a transi-
alguma e conseguiu. A história do filme é como sua vida no Harlem ção do vagão de metrô para o vagAo de trem transitamos
derruba o muro de gelo de que ele tinha se cercado. gradativamente do tema europeu para o predomínio total e defini-
O conceito da partitura era "Harlem triunfante!"- que a vida, tivo do tema do Harlem. Na metade do filme eles estavam igual-
dor e energia de sua vida lá o forçaram a ter sentimentos novamente. mente equilibrados.
Eu decidi que queria dois temas musicais: um representando a Era uma partitura magnífica e as sessões de gravaçlo foram as
Europa. o outro o Harlem. O tema euroP.eU tinha de ser clássico em mais emocionantes a que já assisti. Como era a primeira partitura
sua natureza, preciso mas um pouco suave~ uma sensaçlo de algo para cinema de Quincy, a banda que se formou para ele era do
166 FAZENDO FILMES O SOM DA MÚSICA 167

mesmo nfvel de AIJ-Star Jazz Band da Esquire. Dizzy Gillespie, mudava à medida que os arranjos mudavam. A maioria dos compo-
John Faddis (uma criança na época) no trompete, Elvin Jones oa sitores encomenda a outros os arranjos. Mas estes o próprio Quincy
bateria, Jerome Richardson no leod sax, George Duvivier n~ fez. Novamente, uma grande contribuição.
baixo... os nomes se sucediam no estúdio de gravação. Dizzy Falei sobre a partitura de Ricbard Rod.ney Bennett para Assas-
acabava de voltar do Brasil e para um momento da música sugeriu sinato 110 Oriente Expresso. Em nosso primeiro encontro, Ricbard
um ritmo que nenhum de nós, inclusive Quincy, jamais ouvira me perguntou que som eu ouvia na cabeça parao filme. Eu disse que
antes. Ele teve de cantá-lo com cacarejos, gluglus e oclusões glotais estava pensando em Carmen Cavallaro ou Eddic Duchin estilo anos
até que a seção rítmica pudesse aprendê-lo. Quincy parecia o mais trinta; uma vcrslo realmente boa do chá dançan~ baseada forte-
feliz dos homens. tnenteno piano c nas cordas. Ele nlo s6 criou uma partitura de piano
Geralmente, quando terminamos a gravação de uma passagem, como executou-a na sessio de gravaçlo. Rich&:d é um pianista
paramos para ouvi-la com um olho no filme. Mas o nível de maravilhoso. Reconstituiu o estilo Cavallaro com perfeição. E
execução inspirada dessa banda era tão alto que eu disse a Quincy quando ouvi o primeiro ensaio e pen:ebi que o tema do trem estava
que não a intetTOmpesse. Ouviríamos tudo no final do dia. Ninguém em tempo de valsa, senti logo que estávamos a caminho de uma
sequer exigiu o intervalo obrigatório de dezminutos ao fun de cada partitura perfeita.
hora. Tocamos sem interrupção. Ao final de cinco sessões de três Num ponto Ricbard sugeriu musicar uma cena que eu achava
horas ao longo de dois dias, tocamos a música enquanto víamos o que não deveria ter música. Na sessão de gravação, ele tocou-a para
filme. Constatou-se de imediato: Quincy dera uma grande contri- mim. Nós a gravamos e escutamos na projeção do filme. Ele estava
buição ao filme. certo.
Como tantas vezes acontece quando se encontra uma alma Quando não consegui encontrar um conceito musical que
gêmea, fLZemos mais três filmes juntos. A partitura de Quincy para acrescentasse alguma coisa ao filme, nlo usei uma partitura. Os
Chamada para um morto foi outro triunfo musical. Baseado numa estúdios odeiam a idéia de um filme sem música. Isto os assusta.
novela de John le Carré, o filme conta a história de um triste e Mas se a primeira obrigação de Um dia de cão era dizer ao público
solitário agente da contra-inteligência da chancelaria britânica. Sua que aquele fato tinha realmente acontecido, como justificar a
mulher o trai constantemente. No decOrrer do filme, seu protegido, música entrando e saindo? A colina dos homens perdidos também
que ele treinou em espionagem durante a TI Guerra Mundial, passa foi feito num estilo naturalista, de modo que nenhuma partitura foi -·
a traí-lo profissional e PeSSOalmente, iniciando um romance com usada. Em Rede de intrigas receei que a música interferisse nas
sua mulher. piadas. À medida que o filme se desenvolvia, as falas se tornavam
Os dois mundos retratados no filme, o mundo da espionagem cada vez mais Longas. Ficou claro oa primeira projeção que qual-
e o amor quase masoquista que esse homem sente por sua mulher, quer música entraria em choque com a grande quantidade de
· fonnavam o conceito básico para a partitura. Mas desta vez, ao diálogo. Novamente nio houve partitura.
invés de dois temas, Quincy criou apenas um: uma canção de amor Serpico nio devia ter tido uma partitura, mas inseri catorze
dolorosamente bela, cantada por Astrud Gilberto. Contudo, à minutos para proteger o filme e a mim. O produtor era Dino De
medida que o filme evoluía, ela pouco a pouco se transformava Laureotiis. Dino é um tremendo produtor da velha escola, um
numa das mais emocionantes partituras melodramáticas que eu já batalhador incansável que sempre consegue financiamento para os
ouvi, demonstrando a força e a importância dos arranjos musicais. filmes, por mais descabelada que seja a idéia. Seu gosto, porém,
O tema continuava o mesmo, mas todo o seu significado dramático tende a ser um pouco operístico, mesmo para mim. Discutimos
168 F A Z ENDO FJLM ES O S O M DA M ÚS J C A 169

muito. Dino ameaçou levar o filme para a 11á.lia, onde eu tinha .chamado Bob James que se sentiria feliz de ir ao seu encontro na
certeza de que seria colocada uma partitura como um tapete de estrada quando fosse preciso. Eu faria as sessões de marcação com
parede a parede. Eu não tinha poder sobre a montagem final naquela Bob, que depois cuidaria do arranjo da música e conduziria as
época e Dino poderia ter feito exatamente como queria. sessões de gravação. Todos terminamos felizes. Dino teve seu
Felizmente, li na imprensa que Mikis Theodorakis, o maravi- compositor de prestígio, eu acabei tendo apenas catorze minutos de
lhoso compositor grego, tinha acabado de sair da prisão. Ele tinha música (incluindo os cinco minutos da música de crédito), Bob
sido preso por atividades polfticas esquerdistas pelo governo J{lllles conseguiu seu primeiro serviço para o cinema e Milcis iniciou
ultradireitista da Grécia. Quando o alcancei em Paris, fazia menos sua excursão com um pouco mais de liquidez do que quando
, de vinte e quatro horas que ele tinha safdo da prisão. Expliquei a chegou.
situação, contando-lhe meu desacordo com Dino. Disse que setinha Príncipe da cidade propwiha-se provocar uma impressão de
de haver alguma partitura, eu preferiria que ele a fizesse. Por sorte, tragédia nessa história de um bomem que pensava poder controlar
ele ia voar para Nova York. no dia seguinte a fim de ver seu forças que acabariam por controlá-lo. Também aqui escolhi um
empresário sobre uma turnê de concertos. Eu lhe disse que tínhamos compositor que não tinha feito uma partitura para cinema antes:
umasaladeprojeçio,demodoqueelepoderiaverofilmeassimque Paul Chihara Conceitualmente, Danny Ciello iria ser tratado
chegasse. Ele foi direto do aeroporto Kennedy para ·a sala de sempre como um instrumento: saxofone. Ao longo do filme, seu
projeção. O avião dele atiasou e a projeção começou à lima-e vinte som iria tomar-se cada vez mais isolado. até que finalmente tres
da madrugada. notas do tema original, tocadas no sax. eram tudo que restava da
Quando o filme terminou, ele olhou para mim e di~ que o música.
adorou mas que o filme nlo devía ter música. Eu falei de novo no Os músicos americanos estavam em greve, de modo que fui
meu problema. Salientei que Dino ficaria empolgado em ter um forçado a ir a Paris gravar a música. Resisti o máximo que pude.
compositor do prestígio tie Mikis fazendo a partitura, nem que Mas o pobre Paul não pôde nem colocar os pés no estúdio de
fossem apenas dez minutos. Com os títulos de abertura e de gravação. Se ficassem sabendo disso em Nova Y ork, ele seria
encerramento consuniindo cerca de cinco minutos de músjca, expulso do sindicato imediatamente. Eles estavam de olho nos
restaria muito pouco para o corpo do filme. Ressaltei ainda que ele e~túdios de Londres e de Paris em especial. Paul estava aterroriza-
poderia ganhar um bom dinheiro. Eu sabia que ele deveria estar do. Elevinha de uma longa Juta. Tony Walton o tinha recomendado,
duro depois de tanto tempo na cadeia. Ache.i que estava sendo muito e eu admirara sua partitura paraA tempestade, composta para o San
esperto. Franclsco Ballet. Aqui estava ele em seu primeiro filme, indo
Mik.is foi mais esperto ainda. Sacou do bolso uma fita cassete. cômigo para o estúdio de gravaçlo, mas impedido de entrar.
E disse: "Escrevi esta pequena canção há muito tempo. É uma Durante o almoço, eu o via do outro lado da rua, olhando para nós
encantadora,melodia popular que poderia servir para o filme. Acha como um faminto diante (ia vitrine de uma padaria. Toda noite eu
que eu conseguiria setenta e cinco mil dólares pore la?" Eu disseque lhe levava um cassete do trabalho do dia. Felizmente, George
tinha certeza que sim. Sua partitura para Nunca aos domingos ainda Delerue estava regendo. Ele conhecia e apreciava a obra clássica
era tocada ,~mbora por Muzak. Ele disse que havia outro problema. de Paul. Nenhum compositor jamais teve um intérprete mais
Ia excursionar com sua orquestra e não poderia ver o filme nova- devotado.
mente nem voltar para a marcação, os arranjos e as sessões de O que torna meu trabalho tão infinitamente interessante é que
gravação. Eu lhe disseque conhecia um jovem e excelente arranjador todo filme requer urna abordagem própria. Príncipe da cidade tinha
170 FAZENDO fiLMES O SOM DA MÚSICA 171

quase cinqüenta minutos de música. Um longo dia de viagem dentro mente no espírito e no significado do filme. Aqui estava um filme
dD noite era também um filme que espero tenha alcança.do.dimen- sobre racismo, consciente e subconsciente, que governa muito do
sOes trágicas. A abordagem musical era exatamente a oposta. André nosso comportamento. Rubén gravou acançio de novo, adequando
Pnwin escreveu uma partitura para piano simples, levemente a interpretaçio à intensidade do filme. Depois construiu uma
dissonante, que foi usada muito moderadamente. No final do filme, partitW'a inteira baseada na melodia da cançio.
Mary Tyrone, totalmente drogada, vaga pela sala, abre um antigo Outro componente vital da força acústica de um filme s1o os
piano de armário e, doloridamente, com os dedos cheios de artrite, efeitos de som. Não estou falando das batidas de carros e das
toca uma composição. A princfpio soa como um típico estudo para explosões de um épico de Stallone ou Schwanenegger. Estou
piano. Depois reconhecemos que se trata da simples e despojada falando do uso brilhante do som em, por exemplo, ÃpOCalipse, que
peça para piano que Previn escrevera e fora tocada intermitente- tem o mais imaginativo e dramático uso de efeitos sonoros que já
mente ao longo do filme. Acho que não havia mais de dez minutos vi em qualquer filme. Em segundo lugar, bem perto, estáA lista de
de música num filme que durava mais de tr& horas. Schindler. Nunca fiz um filme que exigisse efeitos sonoros tão
Duas outras partituras merecem ser citadas. Como tudo a rebuscados. Isto acontece em parte porque muitos dos meus·filmes
respeito de Daniel, a partitura era fácil de conceber e dificil de têm muito diálogo, o que nos obriga a reduzir os efeitos sonoros a
executar. Esta foi a única vez em meus filmes que usei música que um mínimo.
já existia. Eu sabia desde o início que queria usar os discos de Paul ~ediatamente depois da sessão de marcação com o composi-
Robeson. Ele era perfeito para a época. Era apropriado politicamen- tor, tenho meu segundo encontro, uma sessio com o editor de som
te, já que é num concerto de Robeson em Peeksil~ Nova York, que e todo o seu departamento. Se possível, tentamos chegar a um
um dos personagens principais passa por uma experibcia traumá- conceito para os efeitos sonoros. Nlo sei o que foi discutido sobre
tica. Mas que canções e onde colocá-las? Graças ao método do Apocalipse, mas um conceito estava evidentemente em ação: criar
ensaio e erro, a partitura encontrou sua forma. A primeira cançlo, uma experiência extraordinária em matéria de som, partindo do
"'Ibis Little Light of'Mine", só apareceu na metade do filme. Foi realismo dos sons de batalha. Em Prlncipe da cidade, começamos
reprisada no final, quando Daniel, restituído à vida, participa de com o máximo de som possível, depois fomos reduzindo à medida
uma grande manifestação antiguerra no Central Park. Só que dessa que o filme prosseguia. Nos interiores das locações, há sempre uma
vez foi tocada e cantada num arranjo mais moderno de Joan Baez. ambiência externa que invade o ser. Acrescentamos sons do exte-
Para o funeral da irmã de Daniel, ''There's a Man Going Round, rior às locações de interiores (bate-estacas, ônibus, buzinas de
Taking Names" funcionou maravilhosamente. A montagem teve carros) no início do filme. Depois fomos lentamente reduzindo
de ser alterada para acomodar as gravações já terminadas, uma vez esses sons até filmarmos os interiores definitivos com o mfnimo
que as mudanças que nos permitiram fazer nelas eram muito possível de som do exterior.
.limitadas. Pudemos cortar um estribilho, mas nada mais além disso. Às vezes um som podetransmitirumsutil efeito dramático. Em
Dois outros discos de Robeson foram usados, inclusive seu magní- Serpico, quando Pacino ia na ponta dos pés até o patamar perto da
fico "Jacob's Ladder". porta de um traficante de drogas que ele estava prestes a prender, um
Para Q&A - Sem lei, semjustiça, que se desenrolava em grande cão latiu num apartamento vizinho. Se o cão o ouviu, o traficante
parte no Harlem espanhol, com o clímax em Porto Rico, pedi a tam~ poderia ouvi-lo?
RubénBla.des para fazer a partitura. Ele fizera uma gravação de uma Novamente examinamos o filme rolo por rolo, pé por pé. Muito
cançlo que escreveu chamada ''The Hit". Ela se encaixa perfeita- do trabalho é puramente técnico. Como todo esse trabalho, tanto
172 FAZ EN DO FILME S O SOM DA MÚ S ICA 173

interior quanto exterior, é feito na locação. usamos microfones Em A colina dos homens perdidos, pedi ao editor de som para
altamente direcionais. Seu alcance é de cerca de sete a quinze graus. deixar uma cena em completo silêncio. Quando ele projetou-a de
O motivo é que queremos captar o diálogo com o mfnimo possível novo para mim, ouvi o zunido de uma mosca: "Pensei que tivésse-
de som de fundo ..Quando passamos para o estúdio, ficamos com os mos combinado que esta cena seria silenciosa'', eu disse. Ele
mesmos microfones. porque a qualidade do som mudaria demasi- respondeu: "Sidney, se você consegue ouvir uma mosca, então o ·
ado drasticamente se adotássemos os microfones normais de estú- lugar é realmente silencioso." Uma boa lição.
dio. Isto geraria muito trabalho extra mais tarde, porque teriamos de O editor de som de Assassinato no Oriente Expresso contratou
equalizar os dois tipos diferentes de microfones. Assim, grande "a maior autoridade mundial" em sons de trens. Ele me trouxe os
parte da discusslo gira em tomo de acrescentar passos, ou o ruído sons autênticos não apenas do·Oriente Expresso mas do Flying
de alguém sentando num sofá, ou o rangido de uma cadeira quando Scotsman, do Twentieth Century Lmúted, de cada trem que tivesse
alguém se levanta, e assim por diante - sons que se perdem por conseguido alguma reputaçlo. Ele trabalhou durante seis semanas
causa dos microfones altamente direcionais. Todo este som acres- somente nós sons de trens. Seu momento maior ocorreu quando, no
centado tem de ser feito de alguma fonna, em preparação para as inicio do filme, o trem partiu da estação de Istambul. Tivemos o
versões estrangeiras do filme. O diálogo será dublado pelos diver- vapor, o sino, as rodas e até incluímos um clique quase inaudfvel do
sos distribuidores estrangeiros. mas somos obrigados a fornecer instante em que o farol se acendeu. Ele jurou que todos os efeitos
todos os efeitos sonoros de fundo e a música. eram autênticos. Quando fomos para a mixagem (o ponto em que
O editor de som distribui os rolos entre as pessoas do departa- juntamos todas as trilhas sonoras), ele arrebentava-de expectativa.
mento de som. Este grupo leva os rolos de 1 a 3, aquele de 4 a 6, e Peta primeira vez, ouvi o incrível trabalho que ele tinha feito. Mas
assim por diante. Cada grupo geralmente compreende um editor, eu tinha ouvido também a magnffica partitura de Richard Rodney
um editor-assistente e um aprendiz. Mas o editor de ~m é respon- Bennettparaamesmacena. Eu sabia que uma das duas teria de sair.
sbel pelasupervisio geral. Um trabalho normal de sonopJastialeva Não poderiam funcionar juntas. Voltei-me para Simon. Ele com-
de seis a oito semanas. Obviamente, filmes maiores precisam de preendeu. Eu disse: "Simon, é um ótimo trabalho. Mas afinal
mais gente e mais tempo.
ouvimos um trem sair da estação. Nunca ouvimos um trem sair da
Mesmo que nenhum conceito geraltenha sido articulado, gosto
estaçlo no tempo de ris-por-quatro." Ele saiu da sala e nunca mais
dos efeitos que reforyam o valor dramático de mna cena. Em O
o vimo~ovamente. Eu toco nisto para mostrar como é delicado o
homem do prego, Sol visita uma mulher que ele sempre rejeitou. É
o aniversário do dja em que ele e sua fa:mJ1ia foram colocados em equilíbrio entre efeitos e música. Geralmente, gosto que um ou
caminb~ de gado para serem levados para os campos de concen- outrofaçaotrabalho.Àsvezesumaumentaooutro.Àsvezes, como
traçlo. Ela mora num moderno coÕjunto de prédios que dá para o neste caso, nlo.
pátio de bma ferrovia mais além. Na locação podia-se ver o pátio Os efeitos sonoros também desenvolveram seus próprios olich&
da ferrovia. Introduzimos os sons de um pátio de manobras de uma ao longo dos anos. Pode haver UJ11a cena noturna no campo sem
ferrovia, os sons de locomotivas, de vagões sendo desviados e grilos? Um elo latindo ao longe? Que tal um bate-estacas numa
chocando-se entre si. O som perde sua nitidez quando continua tensacenaurbana?Lentamenteoprogressoestáeliminandoalguns
durante algum tempo. Usado por trás de toda a cena e apresentado clichês. Os telefones de um escritório já não tocam; ronronam. Os
num nfvel muito baixo,~ pouco perceptível. Mas está lá. E acho que computadores substituiram as máquinas de escrever, o fax, o tele-
acrescenta algo à cena. tipo. Tudo se toma mais silencioso e incolor. Os alarmes dos carros
174 FAZENDO FILME S

são uma grande ajudà. mas são tão aborrecidos na tela quanto fora
dela.
Tudo se toma criativo se a pessoa que faz o trabalho também 11 - A MIXAGEM:
é. Isso é verdade também para alguma coisa que parece tio A ÚNICA PARTE MONÓTONA
mecânica quanto os efeitos sonoros.
DA FEITURA DO FILME

A vida tem. um meio cruel de equilibrar prazer e sofrimento. Para


compensar o prazer de ver Sophia Loren todas as ma:nhis, Deus
pune o diretor com a mixagem.
A mixagem é onde juntamos todas ai trilhas de som para fazer
a trilha sonora final do filme. É um trabalho que pode ser deixado
para os técnicos de som, mas isso tem seus perigos. Por exemplo,
já vi mixadores elevar o nfveJ do áudio de uma cena ou momento
silenciosoeabaixaronfvelde6udiodeumacenaoumomentobaru-
lhento. O resultado é que as nuances de um desempenho foram
niveladas ao ponto da monotonia. Euj!disse diversas vezes que um
técnico pode ajudar ou prejudicar.
A sala de mixagem é geralmente bem grande. Tem uma tela
grande, cadeiras acolchoadas, talvez uma máquina de tliperama
para passar o tempo enquanto as trilhas sonoras slo trocadas.
Alguns diretores gostam de dardos, outros lançam moedas contra a
parede. A sala 6 dominada por um console que lembra alguma coisa
ligada ao quartel-general do Comando AéreoEstratégico em Omaha.
O console contém sessenta e quatro canais. Cada canal tem sua
própria trilha sonora instalada nele. Cada canal também tem muitos
equalizadores. Equalizadores são pequenos diais que podem variar
a saída tonal de cada canal. Os equalizadores podem reduzir ou
realçar as altas freqüências, as freqüências médias ou as baixas
freqO~ncias de cada trilha. Com algum equipamento adicional,
podem até eliminar freqüências. As trilhas são divididas em três
seções: diálogo, efeitos sonoros, música. Geralmente só introduzi-
mos as trilhas musicais depois que tudo o mais do rolo está mixado.
Começamos pelo diálogo.
176 FAZENDO FILMES A MlXAGEM 177

Dependendo do modo como o diálogo original foi gravado, Digamos que temos seis trilhas de diálogo. Trilha A: do ator.
podemos ter de quatro a doze ou mais trilhas de diálogo. Se há dois Trilha B: da atriz. Trilha C: o loop do ator. Trilha D: loop da.
personagens numa cena que foi filmada numa locação de interior, atriz. Trilha E: voz de uma empregada longe da câmera. Trilha F:
suas trilhas podem ser bem diferentes. Por exemplo, o personagem uma voz no telefone. Sento-me lá com o editor de diálogo~ indo e
que fica perto da janela pode ter muito mais som de tráfego e do vindo namesma frase, às vezes na mesmapalavra, retirando ruído,
exterior em sua trilha do que o personagem que está nomeio da sala. equalizando tonalidade, equilibrando. É uma cena de quatro minu-
O som externo tem de ser reduzido naquela trilha e às vezes tos. São 360 pés. Levamos talvez duas horas para equalizá-la, às
acrescentado à trilha do outro ator. Chamamos a isto "equilibrar" as vezes mais. Durante as duas horas, teremos passado pelos mesmos
duas trilhas. Nas externas, estes problemas são mais graves. O lado 360 pés de sete a vinte vezes e mais, tornando tudo mais limpo, mais
da cena do ator foi filmado de dia num horário diferente da cena da claro, mais brilhante.
atriz. Assim ele terá rufdode ônibus, britadeiras e de apitos ao meio- Depois passamos aos efeitos sonoros. Os microfones altamen-
dia. A trilha dela nlo terá nenhum destes sons. Mas terá pombos, te direcionais que usamos sio excelentes para diáJogo, mas agora
caminhões e ribombos de metrô. Estas duas trilhas têm de ser cada roçar de roupa tem de ser reforçado, cada passo dado. Às vezes
equalizadas c equilibradas. . inserimos novos passos porqueos originais t!m demasiado ruído de
Mesmo no estúdio, as trilhas saem com qualidades de som fundo e portanto, no balanceamento, seremos forçados a acresccm-
muito variadas. O lado da atriz foi filmado numa parte do set onde tar ruído de fundo nas outras trilhas, tomando toda a cena mais
havia teto; na parte dele não havia. As duas trilhas serão barulhenta. Estes sons naturais acrescentados slo chamados Foleys
marcadamente diferentes e agora têm de ser equalizadas em quali- e o editor responsável chama-se editor de Foley.
dade tonal. nio em ruído éstranbo. Isto é feito com aqueles diais Cenas de violência, sejam batidas de carros ou batalhas ou
pequeninos que sutilmente acfescentam ou subtraem freqOências, incêndios, podem usar todos os sessenta e quatro canais ou até mais.
das muito baixas às muito altas. Uma batida de carro simples pode ter facilmente doze trilhas de
Quando as trilhas sio inaproveitáveis ou unia palavra nio está efeitos sonoros: vidro quebrando, metal se rompendo, metal se
clara, fazemos um /oop. O ator vai a um estúdio de gravaçio. A cena contorcendo, pneus no asfalto, pneus estourando (duas trilhas),
ou fala é colocada num loop de repetição. O som original é captado impacto (três trilhas, uma delas iniciada um fotograma depois para
num fone de ouvido. O ator então diz a fala no silêncio do estúdio, que possa ter "eco"), portas de carro se abrindo (duas trilhas), UQl
tentando obter exata sincft>nia labial. O editor encarregado do loop efeito geral de batida para dar corpo ao som básico. A 6ltima ouvida
se thama editor de ADR (Automatic Dialogue Replacement - num volume muito baixo, permitindo que os sons específicos
substituição automática do diálogo). dominem.
Geralmente tento evitar o loop. Muitos atores nlo conseguem Cada um desses efeitos terá de ser equalizado, os níveis de
retomar o desempenho, porque o processo é muito mecânico. Mas volume ajustados, e depois gravado. Hoje em dia, muitos dos
alguns atores são brilhantes no loop e podem até melhorar seu efeitos são pré-gravados em CDs digitais, o que supostamente
desempenbo. Os atores europeus são particularmente bons nisso. economiza tempo. Mas é melhor ter um excelenteeditordeefeitos,
Na França e na Itália costumam filmar sem sincronização de som porque uma vez postos no CD, os efeitos ficam fechados ali. Pode-
e repetir toda a interpretação em loop mais tarde, no estúdio. Fico sefacilmente mudar o local onde eles acontecem, mas é mais dificil
constantemente assombrado com a capacidade imensa que t&n os mudar o próprio efeito. Reparei que com todo o avanço técnico, as
atores de se ajustarem às exigências técnicas. mixagens cada vez demoram mais. Quando eu comece4 um rolo
111 FAZENDO FILMES A MIXA G EM 179

inteiro tinha de ser mixado numa única gravaçlo. Se wn erro fosse Quando foi acrescentado o estéreo, todas as trilhas foram
cometido em 880 pés, tínhamos de voltar ao inicio e começar tudo automaticamente duplicadas. O processo estereofônico dividia 1O
novamente. Ensaiávamos o dia todo e geralmente faziamos a por cento do som entre os canais dos alto-falantes esquerdo e direito
gravaçio no fim do dia. Mas acabá.~os um filme em doze a e direcionava 90 por cento para o alto-falante do centro. Aquelas
catorze dias. Agora quatro semanas de JDJ:Xagem ~o tempo normal. proporções eram para uma simples cena de diáJogo em interior.
Todo avanço técnico traz novos problemas. Desde que surgiu Podíamos expandir o som para 33 por cento em cada alto-fa.laute ou
0 Dolby, o t6cnico de Dolby tem de alinhar o ~pamento Dolby dominar com o esquerdo, mudar para o do centro, depois para o
corretamente ou todo o rolo tem de secrefeito. O SiStema Dolby sur- direito em cenas sonoras maiores e mais complexas (a diligência
giu por causa da gravaçlo de música A fim de.ter m~ co~trole, os movendo-se da esquerda para a direita; embora blo haja nada de
engenheiros de música começaram a usar matS e maJS m1crofones errado com o som de No tempo das diligências de 1939, quando
na sess1o de gravaçlo. Estive em sessões em que cada instrumento todo o som provinha de um alto-falante colocado atrás do centro da
tinha seu próprio microfone! De certo modo isto quase elimina a tela).EmUmdiade cDomaotivemoscuidadosafidelidadedirecionaJ,
necessidade de um maestro, porque a dinâmica da gravaçio pode
com uma multidão reunida no lado esquerdo do quarteirão e outra
ser ajustada na mixagem (reduzindo as trinta e duas trilhas existen-
multidão no lado direito. O som de cada multidlo vinha sempre do
tes a quatro ou seis no final). O engenheiro pode aumentar o volume
mesmo alto-falante.
das cordas aqui, um flautim ali, dar brilho ao piano para que o som
Nestaépoca,éclaro, oprocessoDolbyestava·noauge."Surroond
deste se sobressaia.
O único problema com cada microfQD.e gravando em sua Sound" foi adicionado. Agora tínhamos três alto-falantes atrás da
própria fita era que acabávamos com dezesseis, trinta e duas ou tela, mais dois no lado esquerdo do cinema e dois no lado direito.
sessenta e quatro fitas separadas! Como resultado, podia-se ouvir Um segredo muito bem guardado sobre tudo isto 6 que você só ouve
um som agudo (chamado tape hiss "apito da fita"). O apito era o equilíbrio correto se estiver oo centro do cinema. À direita ou à
causado pelas cabeças magnéticas de todos os gravador:es ~do esquerda, os alto-falantes de cada lado tendem a dominar. Num
as fitas. Quando Koussevitzky estava gravando com a Sinfômca de filme mal mixado, uma porU que se fecha pode soar, para quem
Boston, havia quatro ou cinco microfones, colocados sobre seções estiver sentado numa das laterais do cinema. como um can.hio
gerais da orquestra, com outro microfone para.~tar toda a orqu~ disparando. Num cinema mal conservado, ouvi zumbido de 60
tra. Todos os microfones alimentavam uma un1ca fita. Nio havta ciclos nos alto-falantes quando nenhum outro som saía através
tape hiss. Mas agora, com o número de microfones variando de deles. A corrente alternada básica de 110 volts movimenta os
dezesseis a sessenta e quatro, era fatal que houvesse. O processo elétrons a 60 ciclos. Se um transfonnador está próximo da fonte de
Dolby simplesmente pegou todas as fitas e as suprimiu, de modo energia (e todos os alto- falantes têm transfonnadores), os 60 ciclos
·que o tape hiss se perdeu nas freqüências mais altas. Logo, nos produzem um zumbido audível. Estalos, produzidos por sujeira na
filmes, devido a problemas de equalização entre música gravada cabeça de som, também podem ser ouvidos. Estive em cinemas em
pelo processo Dolby e gravações de som sem ser pelo processo que a codificação que direcionao som para diversos alto-falantes
Dolby, tivemos de começar a usar Dolby nos diálogos, mesmo funcionou mal; por isso uma loucura de vozes me chamava de todos
sendo usadas apenas uma ou duas trilhas. Depois tivemos de os lugares, menos de onde estava a boca. Ah, o progresso. O que
acrescentar o processo Do1by às gravações dos efeitos sonoros. É a costumava custar cerca de S por cento das despesas com produção
história da cauda abanando o cachorro! e equipe técnica de um filme está agora em pelo menos 1Oporcento.
180 FAZE N DO FILMES

E subindo o tempo todo. Vamos ver o que acontece com os custos


agora que as mixagens ctigitais estão sendo usadas.
Muito disto surgiu porque os estúdios, em sua incessante busca 12 - A PRIMEIRA CÓPIA:
do mercado jovem, estavam tentando emparelhar com a qualidade
da música gravada que a garotada estava comprando- uma busca VEMAÍO BEBÊ
inútil, em minha opinião. Os jovens vão ver um filme por aquela
experiência ou ouvem um disco por aquela experiência.
O único prazer na mixagem surge quando a música é acrescen-
tada. De repente, o esforço maçante parece valer a pena. Veja bem,
sentados na sala de mixagem, projetamos o filme pé a pé, pelo
menos setenta e cinco ve~, geralmente mais. Tudo que se refere Novamente uma sala e~ura. Quantas horas, quantos dias passei em
ao filme toma-se incrivelmente enfadonho. Minha cena favorita salas escuras, vendo este filme? Sentado junto a mim está o
parece-se agora com alguma coisa estrelada por Chester Morris cronometrista. Ele trabalha para a Technicolor. Suatarefaé "mapear''
como Boston Blackie. Paul Newman virou Tom Mix (não houve acópia:final do filme. Explicarei o processo um pouco mais à frente.
intenção de trocadilho), e Jane Fonda pode muito bem ser Zasu Os cronometristas são pessoas muito ocupadas. Este veio no
Pitts. Se os nomes não são conhecidos, vá até sua locadora de vídeo vôo noturno, aterrissando no aeroporto Kennedy às seis e meia da
favõrita e peça os filmes falados mais antigos. manhã. Nós nos encontramos na sala de projeção às oito e meia. Ele
Mas a música começa a dar vida ao filme..Nossas sessenta e volta no avião das quatro da tarde para Los Angeles.
quatro trilhas originais foram reduzidas na mixagem a seis: cordas; Ele tem diante de si o café e um bolinho de amora. Para esses
madeiras; metais; ritmo (sem percussão); percussão; e piano, sujeitos não há bagels. Eles são todos George Gentile. Sobre o
celesta, harpa. Mas espere! Não posso ouvir a palavra "C~:~Ipado"! console há um bloco de anotações. Sob a tela encontra-se um
quando o primeiro jurado a proferiu. Demos duro para tomar a contador de metragem. O homem fará suas anotações, rolo a rolo,
palavra clara, equalizá-la. O oboé, que tem muitas freqüência$ no usando o contador: esta tomada está muito escura, aquela muito
mesmo registro da voz humana, é o réu. Tentamos elevar o volume clara, esta muito amarela, aquela muito vermelha, muito azul,
da palavra. Isso parece forçado. Deve ser o leve susswro que foi. muito verde, há muito contraste, pouquíssimo contraste, está muito
Abaixamos as madeiras, mas aí ouvimos a orquestra sumir. Se ao embaçado (uma combinação de cor errada e densidade e/ou con- '
menos pudéssemos abaixar o oboé para aquela única palavra. E é traste errado) e assim por ctiante. Cada cena, cada tomada, cada pé
claro que podemos. Voltamos à gravação das trinta e duas trilhas de fihne é analisado, revisto. Fico sempre espantado com a memó-
originais. A exatamente 121 pés, 6 fotogramas depois da entrada, ria do filme que estes cronometristas têm. Dias e semanas mais
abaixamos o oboé em 2 decibéis (decibel: uma unidade de volume tarde, num telefonema entre nós, menciono que o close-up de
de som). Concluímos a nova mixagem. Ouvimos "Culpado"! Dustin na frente do armazém coreano ainda está muito azul, e ele
perfeitamente. E isto só levou cerca de quatro horas, ou setenta e se lembra da tomada e exatamente onde está no rolo. Seu olho é
dois jogos de fliperama. - extraordinário. Ele vê um sutil amarelo geral que está tirando o
vigor fotográfico de toda uma cena. É a primeira vez que noto isto.
Mas agora que ele me indicou, não posso ver nenhuma outra coisa
Tudo começa a parecer amarelo.
112 FAZENDO FILMES A PRIMEIRA CÓPIA 113

O processo de copiagem em cores é complicado. Tentarei é a verdadeira cauçlo para o emprMtimo bancário que financiou o
explicar da melhor fonna que puder. Basicamente, o negativo em filme.
cores contém as três cores primárias: vermelho (chamado magenta . ~ copiagem em co~. pode anular ou aumentar muito do que
no laboratório), azul (chamado ciano) e amarelo. Exceto com o fot feito na fotografia onginaJ. Por exemplo, descteVi o que querí-
processo chamado p~-jlmlring, que é raramente usado (eu o amos fazer com a cor em Daniel. Tudo no passado de Daniel foi
mencionei antes ao faJar em Chamada para um morto), a maior feito com filtros, transformando sua infincia com os pais em tons
parte das vezes nada 6 feito ao negativo entregue pelo fotógrafo. O dourados, afetuosos e protetores. Tudo em sua vida presente era
laboratório o revela segundo um conjunto padrão de fónnula.s. azul, já que em e~ncia ele se enterrara com seus pais. À medida
• É na copiagem do positivo que as variações se tomam • que o filme avançava e Daniel lentamente voltava à vida. sua
possíveis. ex.ist!ncia presente adquiria mais calor, mais vida e portanto uma
• Quando volta à Cal if6mia, o cronometrista senta-se diante de tooal.idade fotográfica mais natural. Seu passado se tomava menos
um analisador de cor computadorizado chamado Hazeltine. Coloca âmbar à medida queeletomavad.istAncia e resolvia adore o conflito
o negativo na máquina e v8 uma imagem positiva do filme num que o passado nele evocava. No final, as cores do filme eram
monitor de tevê. Como a cor eletrônica é bem diferente da cor completamente naturais. O passado e o presente de Daniel eram
qu1mica, o julgamento desse homem é vitaJ. Acrescentando ou agora um só. Ele voltara à vida.
retirando amarelo, azul ou vermelho, ele pode variar o equilíbrio de Era decisivo que a cronometragem final da Cópia seguisse o
cores quase ao infinito. Também pode clarear ou escurecer a cooceitodafotografiaoriginal.Muitodoqueéfeitooacimerapode
imagem (chamamos a isso "densidade,). Ele foi instruído por mim ser desfeito no laboratório. Se a uma cena "azuJ" (o presente de
Daniel) tivessem sido acrescentados amarelo e vermelho na
e/ou pelo fotógrafo sobre o que desejamos obter visualmente.
copiagem, ela poderia ficar muito "normal". O mesmo poderia
QuandoelesentequealcançounoHazeltineaquiloquecorresponde
acontecer às cenas cor de "ouro, ou "imbar" (representando o
ao que queremos digita isto na fita do computador que vai controlar
passado de Daniel) se a elas fosse acrescentado o azuJ. Isso oio era
o tempo de duração das luzes da copiagem. Por exemplo, ele pode
apenas uma questio de clima.. Os jlmhbod=t de soa vida passada
concluir com Amarelo: 32; Magenta (vennelho): 41; Ciano (azul): apareciam durante todo o filme. A forte identificaçlo de cor
37. A fita 6 transferida para a máquma cronometradora. Sobre um também permitia que o público soubesse em que época estávamos.
rolo de filme positivo nio exposto, a fita instrui uma luz branca a O cronometrista tinha de saber claramente qual era a nossa inten-
atravessar três prismas de amarelo, magenta e c iano exatamente nas ção, pois·do contrário poderia ter estragado todo o estilo do filme.
proporções de tempo e na densidade que o cronometrista digitou na Tudo que o fotógrafo, o projetista de produçio e eu fizemos
fita: 32, 41, 37. E é por isto que ele 6 chamado cronometrista. O para criar um estilo visual 6 afetado pela cronometragem. Como
positivo vai então direto para o banho qufmico, assim como iria na acon1eceu durante toda a realização do filme, mais uma vez Uin
• fotografia, e obtém-se a cópia positiva -que chamamos de primeira técnico é vital para seu sucesso ou fracasso. Phil Downey, dà
cópia. TecbnicolornaCalifómia- eraumptazertrabaJharcomele.LJ"'I::I-
Alcançado o equilíbrio correto das cores, um interpositivo 6 de dois minutos de conversa, ele podia traduzir a iotcmc:ikf~M­
feito a partir da primeira cópia. Depois um intemegativo 6 feito a cronometrag~m do filme. Acho que nunca precisei de
partir do interpositivo. Todas as cópias que vão ser exibidas nos tentativas com Pbil para conseguir a cópia correta. PotrUíirll"
cinemas slo feitas do intemegativo. O negativo original vai para um John SchJesinger ce~ vez me disse que teve de ex:.llliiii•
cofre. É extremamente valioso. De fato, às vezes o negativo original cópias de Perdidos na noite antes que o
184 FAZENDO F ILMES

Há um grande perigo ni~. A primeira cópia deve ser feita do


negativo original. Cada vez que o negativo é manuseado, há risco
de receber poeira e ser danificado. O dano é quase impossfvel de 13 - O ESTÚDIO:
reparar. Entro em pinico cada vez que o negativo 6 tocado. John
deve ter ficado louco. TIJDO PARA ISTO?
Amedida que acaba cada cópia na Califórnia, Phil a envia para
mim. Eu lhe telefono com minhas anotações. Na terceira cópia sei
que a seguinte será ela.
Como posso descrever a emoção de assistir à primeira cópia
pela primeira vez - sua bel~ sua limpeza? É impressionante
como a cópia de trabalho ficou suja com o passar dos meses, mas Não sou "antiestúdio". Como disse no infcio do livro, sou muito
agora está limpa e nova. As dissolvências estio no filme agora, as grato por alguém me dar os milhões de dólares necessários para
cenas de noite parecem noite: os vermelhos. os azuis e, quando a fazer um filme. Mas para mim, e penso que para outros diretores,
Õensidade está correta, os negros! Um dos sinais de uma boa cópia há enorme tenslo na entrega do filme. Talvez isso se d~va ao fato
é a riqueza dos negros. Cada filme parece uma obra-prima quando de que este ~ o primeiro passo do filme no seu caminho para o
a primeira cópia é vista pela primeira vez. · público. Mas o verdadeiro motivo, penso eu, é que depois de meses
Resta um último teste. Quando terminamos a mixagem, a trilha de controle rfgido, o filme está agora nas mlos de pessoas junto às
sonora existia numa faixa da trilha magoéti~ tal qual a trilhado seu quais tenho muito pouca influ&cia.
cassete, só que muito mais larga. Nós a chamamos, muitd natural- Nio sei o que faz um sucesso. Acho que ninguém sabe. Nio sio
mente, de trilha mago~ Agora deve ser transferida para o filme, os astros. Meu próprio filme Negócios de /amfliD foi estrelado por
para o que chamamos de trilha óptica, a fim de que ela tambáD Dustin Hoffmao, Sean Coonery e Matthew Broderick. Um fracas..
possa ser casada com a primeira cópia. A trilha magoáica passa por so. O mesmo aconteceu com hhlar de Hoffinan e Wam::n Beatty.
um "olho" eletrônico que transforma os impulsos magnéticos da Kevio Costner e Clint Eastwood em Um mundo perfoilo o1o
fita em J*lrOes visuais num pedaço de filme negativo. Agora tiveram sucesso, mas Eastwood sozinho se deu bem em Na linha de
combinamos o negativo óptico com o ioterncgativo visual; assim a jogo~AB ~ias do sucesso de bilheteria em relação aos astros
trilha sonora sed impressa na primeira cópia. Se sua densidade está • slo infinitas. E contudo os salários de determinadas estrelas cmrti-
ruim, o som pode ser afetado. Levo a primeira cópia de volta ao nuam cresceodo, a ponto de que muitos dos honorários delas
est6dio de som. Coloçamos a trilha magnética mixada final num poderiam financiar um filme inteiro.
cao.al e a primeira cópia, com sua trilha óptica, em outro. Aciona- Nem é o g!oero. Os we3tems estavam em baixa até que .Dança
mos as duas juntas, passando de uma para outra para nos certificar- com lobos se tomou um sucesso e depois outros sete se seguiram.
mos de que nenhuma qualidade de áudio se pcnleu na passagem do Os filmes sobre beiSebol estavam fora de cogi:taçlo até Sorte no
magn~co para o óptico. Um pouquinho sempre se perde, mas elas amor. Depois tivemos uma série deles. No momento, os filmes
devem ser id!ntica.S. policiais estão fora de moda, mas isto também vai mudar.
Nlo h! mais nada a fazer agora. O filme está pronto. É hora de Nos anos trinta e quarenta os estúdios controlavam o financi-
levar o filme para o estúdio. amento, a produçio, a distribuição e a exibiçJ.o dos filmes. A
maioria dos estúdios possuia seus próprios cinemas, que exibiam
l86 FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 187

progran;tas duplos, dois filmes em cada sessão. O cartaz era mudado estúdios da propriedade dos cinemas. Acrescentem-se o
uma vez por semana, o que significava que cada cinema exibia merchandising- os brinquedos saídos de PaTque dos dinossatD'os,
quatro filmes por semana. A MGM, fazendo duzentos filmes por para só citar um exemplo - , os parques temáticos construidos a
ano, consegUia manter seus cinemas cheios somente com sua partir dos filmes de grande sucesso e a propriedade, pelos estúdios,
pr~uçio. Não havia meio de medir o sucesso financeiro de cada
de estações de tevê a cabo. E as páginas financeiras estio cheias de
filme, já que os contadores podiam alocar o quanto quisessem da matérias sobre fusões entre estúdios e redes de televisão. Toda esta
receita a cada filme do programa duplo. A menos que toda a sessão enorme receita se baseia nos filmes que os estúdios produzem. Um
não fizesse sucesso, cada filme poderia se tomar lucrativo pela mega-sucesso pode produzir receita subsidiária de um bilhão de
alocação do estúdio. Em 19S4.a ~uprema Corte dete~ou que os
dólares. É aí que os grandes astros realmente têm valor. Com todo
estúdios se desfizessem dos seus cinemas sob a alegação de que a
este potencial, os estúdios estão compreensivelmente ávidos para
propriedade dos cinemas lhes dava um monopólio inaceitável. No
tentar levar cada filme a um público cada vez maior. Não há nada
final dos anos cinqüenta e em toda a década seguinte muitos
de errado nisso. Só que a maioria dos filines não consegue fazer isto.
estúdios ficaram numa situação precária. Houve um momento em
Não são bastante bons nem bastante ruins.
que a 20th Century-Fox teve de cancelar um fllme que estava
Como em tantos outros aspectos da vida americana, a sonda-
prestes a começar por falta de recursos. Eu ia começar o fllme em
março, mas o grande lançamento da Fox no Natal, Alô Dolly! tivera gem do público é um dos fatores dominantes na distribuição dos
uma bilheteria fraea. Isso mostra como seu fluxo de caixa andava filmes. Quando o filme é entregue ao estúdio, a primeira coisa que
fraco. O fLlme cancelado era The Confessions of Nat Tumer, eles providenciam é uma pré-estréia. É claro que o estúdio já
baseado no livro de BiU Styron. assistiu ao filme. Alguns executivos dizem claramente o que
Muitos estúdios combateram a televisão o quanto puderam. acham, outros tergiversam. Mas qualquer discussão sobre mudan-
Mas aos poucos perceberam o enorme potencial financeiro que lhes ças é adiada para depois da pré-estréia.
erá oferecido. AlgunS dos estúdios mais abalados financeiramente A maioria das pré-estréias é feita com a cópia de trabalho e uma
começaram a vender suas velhas filmotecas para as redes de trillha musical e sonora temporária. Para obter uma primeira cópia,
televisão. Depois outras fontes de receita tomaram-se possíveis o negativo de cada tomada usada no filme deve ser cortado. E
com a televisão a cabo. embora possamos fazer quase qualquer mudança que quisermos .-
Hoje em dia é novamente diflcil para as empresas cinematográ- depois que o negativo foi cortado, há um bloqueio psicológico, uma
ficas perder dinheiro, embora elas ainda consigam. Os chamados sensação de conclusão para os estúdios em relação a cortar o
direitos subsidiários agora lhes proporcionam grande proteção a negativo. Como resultado, esta importante pré-estréia é feita muitas
seus investimentos: videocaSsetes, televisão a cabo, televisão.gra- vezes com uma cópia de má qualidade que está suja e arranhada,
. tuita, exibição nos vôos das companhias aéreas. E logicamente os uma trilha musical constituída por trechos de discos e seleções da
direitos internacionais fora dos Estados Unidos e Canadá represen- discoteca do estúdio e, um som que não é adequado. Os estúdios
tam cerca de 50 por cento da receita bruta total. E cada país tem seus sustentam que não há diferença real do ponto de vista do público
direitos de vídeo, o que aumenta a receita. Além disso, muitos dos entre uma pré-estréia assim e uma pré-estréia com uma primeira
estúdios voltaram a ser donos de cinemas. No meu modo de cópia. Um executivo me disse que promovera uma pré-estréia com
entender, eles se contentam com menos de 50 por cento para não a inserção de um pedaço de celulóide onde estava escrito em letras
violar a ordem da Suprema Corte de separar a propriedade dos brancas sobre fundo preto: cena faltando. Disse que o público riu
188 F A ZENDO FILMES O ESTÚDIO 189

e continuou a gostar do filme. Eu lhe disse que esperava que ele melodrama, o filme está em dificuldade. Nas comédias, mudar o
mantivesse a cena fo~ já que obviamente ela oio era necessária. timtng de uma tomada de reaçio pode fazer toda a diferença se as
Assim estou sentado numa sala de projeção de primeira classe, piadas funcionam. Mas os dramas puros, acho que estou mais bem
provida de confortáveis poltronas estofadas e dos mais modernos infonnado. Posso estar errado. Talvez seja arrogante. Mas fui
sistemas de som e projeçlo. Vim de avião para estar aqui quando os trabalhar para realizar uma idéia. Se estou errado, preciso da·
executivos projetarem o filme pela primeira vez. Geralmente uma organização de Irving Thalbergpara consertar o erTO: sets, figuri-
pré-estréia já foi marcada para aquela mesma noite ou a seguinte. nos, atores, tudo de que necessitarei para refazer de 5 a 50 por cento
Estio presentes o chefe do estúdio, às vezes o chefe de toda a do filme. E finalmente há alguns filmes sobre os quais estávamos
companhia, o vice-presidente encarregado da produção, seu assis- todos errados, da idéia ao roteiro e à execução. Eu estava errado, o
tente (geralmente uma mulher), a assistente dela (que eu jamais escritor estava errado e o estúdio estava errado por financiar o filme,
encontrei antes), o chefe de distribuição, seu assistente, o chefe de em primeiro .lugar. Nlo há como corrigir isso.
publicidade, o chefe de marketing, a pessoa que fará o trailer, os O motorista da limusine me apanhou, com tempo à beça
produtores e duas ou tr& pessoas cujas funções nunca descobri. sobrando antes da pré-estréia, marcada para as sete horas, num
• Depo~s de algumas piadas forçadas, as luzes se apagam. As proje- subúrbio de que nunca ouvi falar. Não conheço o trânsito da
ções quase sempre começam na hora. Califórnia, mas todos me previnem sobre ele. Como nunca fiquei
No fim da projeção há silêncio. O chefe do estúdio ou o chefe preso num engarrafamento, sempre chego ao cinema trinta minutos
de toda a companhia geralmente diz alguma coisa polida e anima- antes.
dora. Ninguém procura briga em público. O pessoa) de distribuição, Quando cheguei, já havia uma fila. As pessoas foram recruta-
marketing e publicidade sai rapidamente. Comunicarlo suas im- das em sua maioria nos shopping centers. Alguém lhes ~guntou
pressões ao chefe do estúdio mais tarde. Nós outros passamos para se queriam assistira um filme estrelado por Don Johnson e Rebecca
a sala de reun.ilo. Pode haver um prato de sanduíches, ou frutas e De Mornay. Um breve resumo da trama também foi divulgado.
água Evian. O chefe do estúd,io é a primeiro a falar. Depois os Representantes do grupo de pe~sa que conduzia a pré-estréia
comentários descem a cadeia de comando, até que alguém que eu estavam por ali.
jamais vi antes está dando uma opiniio. Há uma notável unanimi:. Na fila, todos os grupos demográficos estio representados,
dade, pois todos assumem o ponto de vista expresso primeiramente dependendo da classificaçlo prevista. Este filme terá certamente
pelo chefe do estúdio. Eu nunca ouvi uma opinilo divergente do um "R"; assim não há ninguém com menos de dezessete anos.
lado do estúdio. A5 categorias oficialmente designadas são: Homens 18-25, MuJhe...
Veja bem, acho que este processo de esperar que o chefe do res 18-25, Homens 26-3S, Mulheres 26-35, Homens 36-50,
estúdio dê sua opinilo nlo é exclusivamente um hábito das compa- Mulheres 36-50, Homens acima de 50, Mulheres acimJt de 50. É
nhias de cinema Nunca estive numa reunião de alto nível na tudo muito politicamente correto: alguns afro-americanos, alguns
General Motors, mas aposto que tudo funciona do mesmo jeito. latinos e latinas, ásio-americanos. Nunca vi nenhum nativo ameri-
Mas nada é decidido em definitivo. Estão todos esperando a cano. Em Opeso de umpa~sado o chefe de produção decidiu-se por
pré-estréia daquela noite ou da seguinte. Acho que as pré-estréias uma platéia inteira de adolescentes, porque o astro era o mágico
podem ter sesventia para certos fihnes. Numa comédia ou melodra- River Phoenix. um ídolo dos adolescentes. Pouco importa que a
ma, por exemplo, o público é parte do fLlme. Com isto quero dizer história falasse de radicaiS dos anos 60 que estavam em fuga por
que se as peSsoas não riem na comédia ou não se assustam com o causa do bombardeio de um campus. Nlo havia meio de alguém
190 FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 191

com menos de vinte e cinco anos saber que esse tipo de gente
existiu. O roteiro de Naomi Fo~er era muito complexo. enyolvendo
n1o apenas o relacionamento do garoto com os pais. mas também
I Enquanto isto, lá no saguão, os executivos do segundo escalão
do estúdio começam a chegar. Novamente as piadas forçadas. Um
ritual está em andamento. O último a chegar, tri.ota segundos antes
o relacionamento dos pais do garoto com os pais deles. O chefe de do ftlmc começar, é o mais alto executivo que vem para a pró-
produção tinha um astro adolescente; portanto, no seu modo de ver. estréia.
isto significava um público adolescente. O barulho no cinema é enorme. O público está sentado ali há
A fila avança para entrar no cinema em grupos de trinta por vez, vinte minutos. As pessoas j6 comeram, beberam e foram ao banhei-
controlados por funcionários do grupo de pesquisa. O público ro. Sio muito sofisticadas a respeito de pré-estréia. VIO a muitas.
totaliza entre quatrocentas e cinqüenta e quinhentas pessoas. Gente Algumas vieram &n grupo e se sentaram juntas. Muitas vezes slo
com pranchetas e lápis cone de um lado para o outro. Trabalham
turbulentas porque sabem que as pessoas que fazeram o filme estio
para o instituto de pesquisa.
ali. Saboreiam seu momento de poder. Se o filme corre bem, elas se
Estou muito adiantado; por isso tenho tempo de observar o
acalmam. Do contrário, espere só.
público que entra no cinema. Independentemente da faixa etária,
todos parecem inimigos. Eles vieram de short, camiseta e tênis. Os As sete horas ou um minuto depois, um jovem bem apessoado
penteados parecem feitos para impedir a visão de quem esti~er desce o corredor central e páradiante da tela. Polidamente agradece
sentado na fileira de trás. Velhinhas de asilos de Sherman Oaks ao público por ter vindo. Se é uma cópia de trabalho que vai ser
misturam-se a qu$1'entões cujas barrigas de cerveja se dobram por projetada, alertapara sinais de sujeira e arranhões. FreqUentemente
cima dos shorts. Percebo que estou tenso. Antes disso, eu havia fala de uma "obra em andamento". Também fala da importância
pedido ao motorista da limusine que desse uma volta pela redonde- dos questionários porque "as pessoas que fizeram o filme" querem
za para que eu pudesse sentir a atmosfera. As casas bem cuidadas co~ecer as reações da platéia. Isto transforma todos os presentes
e os gramados limpos parecem não ter nada a ver com os cretinos em .críticos e deixa-os deleitados, j6 que agora sabem que suas
que esperam a vez de entrar. re89áeS afetarão o produto final. Ele conclui com um alegre
Entro no saguão. O cheiro de cachorro-quente esturricado e "Aproveitem o filme" e sobe de volta o corredor. As luzes se
batata frita e pipoca rançosa domina 9 ambiente. Os balcões de apagam e o filme começa.
doces e salgados são requintados. Videogames colocados em volta Um dos momentos mais importantes em qualquer filme é o
do sagu.1o são energicamente manipulados por garotos de doze final. O pessoal da pesquisa fica ansioso demais para pegar o
anos. público antes que este se dirija para a porta. Por isso é muito comum
Vejo o montador. E le chegou ontem à noite e passou o filme que durante os últimos trinta segundos do filme um bando de
com o projecionista hoje de manhã. Checaram os nfveis de som e sujeitos tome conta do corredor ainda escuro, os braços cheios de
se certificaram de que os projetores estavam em boas condições. questionários, os dedos segurando pequenos lápis. A entrada da
Ele me disse que o projecionista gostou do filme. Eu me sinto música oo fmal -destinada a dar ao público um estímulo emocional
melhor. Neste ponto, qualquer apoio é bem-vindo. - nunca se completa. O projecionista foi instruído pelo grupo de
Vinte minutos antes da hora marcada para começar o filme; o pesquisa a começar a acender as lâmpadas cinco segundos antes do
cinema está cheio. Duas fileiras do fundo foram reservadas para o fmal e a baixar a trilha sonora para que o nosso exército possa gritar
pessoal do estúdio. No meio do cinema dois lugares foram reserva- das laterais do cinema: "Porfavor, fiquem em seus lugares. Estamos
dos para mim, embora eu tenha vindo sozinho. Gosto de me sentar distribuindo questionários. Agradeceríamos que vocês preenches-
bem no meio. Posso ter uma n09lo melhor e sentir o público. sem." Blá-bl6-blá, como diria Mamet.
L92 FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 193

Sou o primeiro a surgir oo corredor e entrar no saguão. Os importante, se nlo mais, é a porcentagem que " definitivamente"
executivos estão agrupados na última fila. Lentamente o público recomendaria o filme a outras pessoas. lsto é considerado um forte
começa a sair. Entrega seus questionários. Alguns ainda estão _ indício de que o filme contará com boa propaganda "de viva vor',
sentados tentando cuidadosamente expressar seus sentimentos. principal ingrediente de uma iniciativa comercial bem-sucedida.
Depois de mais óu menos dez minutos restam apenas umas Os '~números'' podem detenninar uma coisa: data de lançamento, ·
vinte pessoas. Este é o "grupo de amostragem?', formado por número de cinemas e, o que é mais importante, orçamento de
pessoas selecionadas antecipadamente pelos pesquisadores. São, publicidade. A publicidade custa uma fortuna, tanto nos jornais
co~ o se pode imaginar, demogra.ficamente diversificadas. quanto, especialmente, na televisão. Meia hora depois, um execu-
O líder do grupo convida os integrantes a passar para as duas tivo é chamado ao telefone e volta com os números anotados num
primeiras filas. Os executivos passam para a quarta fila a fim de guardanapo.
ouvir os comentários, que vão começar. No dia seguinte vem um relatório. O detalhe é impressionante.
O Uder do grupo agradece a todos e pede que cada um diga seu Todos os questionários que o público preencheu foram contados e
primeiro nome. Depois pergunta quantos acharam o filme "exce- analisados. Aqui.está uma lista do que foi dito nos questionários.
tente'',em seguida "'muito bom",depois "bom",." regular'\ "fraco". Excelente, Muito Bom, Bom, Médio, Fraco; Definitivamente Re-
Eles respondem a cada categoria levantando a mio. Segue~ se uma comenda. Provavelmente Recomenda, Provavelmente Não, Nio
discussão sobre o que gostaram no filme e o quanto gostaram. Recomenda; Desempenhos, personagem por personagem, inclusi-
Então vem a grande pergunta. Ele diz: "Do que vocês não ve o desempenho dos coadjuvantes; Personagem Mais Apreciado,
gostaram no filme?" Às vezes há uma pausa incômOda. Ai alguém - Personagem Menos Apreciado. Depois na rubrica "Elementos": O
sugere uma coisa, depois outro fala, mas em momento algum há um Ambiente, A História, A Música, O Final, A Açlo, O .Mistério, O
frenesi devorador; tendo o corpo do filme como repasto. Há · Ritmo, O SuspenSe. Depois seleções de adjetivos: Divertido, Per-
desacordos, discussões. As personalidades mais fortes dominam. sonagens loteressantes, Diferente/Original, Bem Interpretado, Muito
As pessoas que gostaram de tudo não tê.m o que dizer e portanto Lento em certas Passagens. Depois vêm os "Comentários Espontâ-
ficam sentadas quietas. neos.,': O Final (observe a superposição), Confusões, Partes Lentas.
Cada comentário está sendo ab&Orvido pelo pessoal do estúdio. Em seguida (sei que isso parece interminável): Cenas Mais Apre-
Mais tarde, muitas conversas começam com: "Voca sabe, isso veio ciadas, Cenas Menos Apreciadas. E cada uma destas categorias é
à tona no grupo de amostragem e eu sempre ach.ei que era um decomposta em porcentagens: Homens com menos de 3('. com 30
problema."Não importa que apenas uma pessoatenha feito aquele e mais; Mulheres com menos de 30, com 30 e mais; Brancos, Não
comentário. O assunto.é tratado como se todo o grupo expressasse Brancos, Negros, Hispânicos. (Estio defasados em matéria de
a mesma objeção. Toda'opinilo, pór mais extravagante que seja, nomes politicamente corretos.) Também, como estimulo estatísti-
ganha peso, e as sugestões sobre o que precisa ser ajeitado estão co final, porcentagens sobre Bom & Violento, Entediante/Chato,
diretamente relacionadas com o que os executivos ouviram na Não é Meu Tipo de Filme, Muito Bobo/Estúpido, Confuso, Muito
discussão do grupo de amostragem. Violento.
· V amos depois a um restaurante das proximidades para comer Diante dessa agresslo, as discussões sobre o que deve ser
e beber. Mas a noite está incompleta. Os "números" ainda não consertado, mudado, encurtado ou refeito podem se tomar
chegaram. Os "números" s1o as porcentagens do público que surrea:listas. Um produtor certa vez me perguntou se poderíamos
classificaram o filme de "excelente" e "muito bom". Igualmente cortar todas as cenas " Menos Apreciadas" e deixar apenas as " Mais
194 FAZeNDO FILMES O EST Ú DIO 195

Apreciadas''. Algumas observações sio literalmente obsce~: Talvez alguns filmes tenham sido ajustados pelas mudanças
"Ele tem pinta de bicha." "Eu gostaria de fodê-la." feitas em conseqO!ncia de "Pesquisas de Público Recrutado". Nio
Nlo faç'o idéia da correlaçlo que há entre os ')aúmeros" e o sei, porque o sr. Farrell nio me dirá. Muitas vezes, depois de feitas
conseqOente sucesso financeiro de qualquer film.o. Uma vez per- mudanças~ os filmes sio novamente mostrados em pré-estréia. Os
guntei a Jeo Farrell, cuja organi:zaçio~ o National R.esearch Group, "números" sobem ou descem ou permanecem onde estio. Mas fico
realiza a maior parte desses testes, se ele nio tinha uma análise desta imaginando quantos filmes foram prejudicados. Quantos filmes
informaçlo vital. Quase todos os grandes estúdios recorrem a ele, passaram por mudanças djtadas por "Pesquisas de Audiência" e
de forma que a essa altura deve haver centenas de filmes em perderam o que tinham de qualidade ou individualidade? Jamais
arquivos. Mas nlo. Ele disse que nio tem tal análise. l>e fato, no saberemos.
inicio do relatório sobre público está impressa a seguinte ldvertin- Finalmente, porém, é um modo inacreditável de tra_halbar. Por
cia(estasslopalavrastextuais):"'Deveficarentendidoqucosdados que espero até que o filme tenha sido rodado e todo aquele dinheiro
oriundos das pesquisas de reação do público nlo slo necessaria- tenha. sido gasto? Por que nlo começar "pesquisando" o roteiro que
mente .previsores de sucesso de bilheteria ou da possibilidade de foilidoporumgrupodeamostragem?Porquenloescolheroelenco
comercializaçlo de um filme, e nlo podem avaliar a quantidade de por meio de votação? E os copiões? Depois de ver os copiões de
público potencial Embora a pesquisa possa fornecer informaçlo cincooudezfilmes,poderiammedizerquetomadausar.Aprimeira
sobre o quanto o filme satisfaz a um público interessado em vê-lo montagem provisória? Ah. .alguns estúdios já promovem pré-
(possibilidade de exibição), nio deve ser usada para medir a estréias com elas.
quantidade de público potencial, isto é, não pode avaliar o nível de Tentei examinar minha própria atitude. Afinal, em sua maioria
'desejo de ver' dentro do amplo mercado de freqOentadores de os chefes de estúdios nlo sio idiotas. Talvez haja alguma coisa que
cinema (possibilidade de comercialização)." Então pra que diabo eu posso aprender com este novo método. Nestes últimos anos eu
serve isso? apresentei em pré-estréia e conseqOentemente alterei os seguintes
É claro que os filmes olo slo o únicoproduto sujeito à pesquisa filmes: Os donos do poder, .A manhã seguinte, Neg6cios tkfamUia,
de mercado e de público. As pesquisas infestaram todas as áreas da Uma estranha entre nós e Tao cu/podo como opecado. Nunca usei
vida nacional. Mas nio consigo imaginar Roger Ailes terminando pré-estréias antes. exceto para &de tk intrigas. Fizemos a pré-
um relatório para George Buscb ou Ronald Reagan com "Porém, estréia dele para averiguar a respeito das gargalhadas. Estavam
não posso lhe dizer como as pessoas vão votar". todas lá e mais algumas. Salvo pequenos cortes, não tocamos num
E na poUtica, onde tenho certeza de que é tomado muito fotograma. Fora Rede de intrigas, nunca fiz pré-estréias de qual-
cuidado porque há muita coisa em jogo, os erros são constantes. Na quer de meus filmes que tenha sido sucesso, de crítica e/ou comer-
campanha das primArias de 89, quase todas as pesquisas para as cial. Não quero ser injusto. Nunca fiZ pré-cstreia de muitos fracas-
pri,márias do Partido Democrático estavam erradas. Na última sos também. Mas nunca consegui resolver os problemas de um
eleição da Inglaterra, os Conservadores não deveriam vencer. Em filme fazendo mudanças que fossem indicadas pelas pré-estréias. E
Israel, nenhuma pesquisa sequer indicou a extensão da vitQria em busca de um sucesso, fiz mudanças depois de longas conversas
trabalhista. De fato, esperava-se que o Likud ganhasse ·a éleiçlo, com executivos do estúdio que tinham analisado exaustivamente os
ainda que por pequena margem. Quando tento combinar essas questionários e os resultados do grupo de amostragem. Tentei. Não
*nicas de pesquisa com algo tio efêmero como o gosto do público, funcionou. TaJvez fosse eu. Talvez nada pudesse ter ajudado o
~ filmes evocam, tudo se desfaz à minha volta. filme. Não sei.
196 FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 197

Quase sempre as mudanças que todos buscam ocorrem por bicicletas, As vinhas da ira, Quanto mais quente melhor, Cidadão
volta do final. Quando um filme não está indo tão bem como Kane e Intolerância, Roma, Cidade aberta, Ran, Inimigo público e
deveria, a maioria das pessoas procura uma ou duas cenas finais Casab/anca, Rel(quia macabra, Contos de lua vaga, Rashomon,
cüferentes como solução do problema. O motivo é Atração fatal. Fanny ê Alexandre. Preciso continuar? Quantos mais podiam ser
Fiquei sabendo que no filme original Glen Close se matava. Depois acrescentados? Como poderemos um dia conciliar esta arte e '
que esse final foi reprovado na pré-estréia, foi filmado um novo gigantesca máquina de dinheiro que é preciso mobilizar para fazer
ftnal em que Anne Archer baleava Glen Close. Os resultados do mesmo um pequeno filme hoje na América? Não sei.
teste deram um salto e o filme se tomou um grande sucesso Os conflitos não param aí. Fiz uma vez um filme chamado .A.
comercial. Mas na maioria dos casos aJterar o finaJ nlo resolve o colina dos homens perdidos. É um bom trabalho. É a história de um
problema, porque os filmes em sua maioria não·são muito bons. campo de prisioneiros britânicos durante a II Guerra Mundial, mas
Sem os direitos subsidiários, a maioria dos filmes perderia dinheiro. os prisioneiros são soldad~s ingleses que se ausentaram sem licença
O sucesso comercial não tem relação com um filme bom ou ruim: ou foram apanhados vendendo mercadorias no mercado negro ou
Bons filmes tomam-se sucessos. Bons filmes tomam-se fracassos. cometeram outros crimes enquanto estavam de unifonne. Passa-se
Filmes ruins dAo dinheiro, filmes ruins perdem cünheiro. O fato 6 na prisão, localizada no deserto do Norte da África. É um filme
que ninguém sabe realmente. Se alguém soubesse, acertaria sem- violento, rude, que nunca deixa os limites do campo, a não ser numa
pre. E houve dois que acertaram. Graças a um talento incrível, Walt rápida cena num café e numa cena secundária no quarto do coman-
Disney sabia. Hoje Steven Spielberg parece saber. Não cügo isso em dante. Fisicamente, foi o filme mais brutal que eu já fiz. No fim eu
sentido pejorativo. Acho que Spielberg é um diretor brilhante. E. T. estava exausto.
é um filme soberbo e A lista de Schindler é excelente, em minha Muito depoi-s de terminada a provação de fazê-lo, fui ao
opio.ilo. Mas embora eies sejam os dois únicos em quem posso escritório do distribuidor para ver os anúncios do dia da estréia.
pensar que realmente lançaram sucessos, é interessante notar que . Consistiam em um desenho de página inteira de Sean Connery, a
mesmo Spielberg nio pode automaticamente fazer o que quiser boca escancarada como se gritasse de raiva. Acima de sua cabeça.
(talvez seja por isso que ele está organizando sua própria compa- num "balão de pensamento" saldo das histórias em quadrinhos,
nhia) e que Disney sofreu duros golpes comerciais quando a UPA bavia·o desenho de uma dançarina do ventre. NAo me pergunte por
entrou em cena com um novo estilo de desenho animado que o fez quê. Ele estava com-raiva da dançarina do ventre? Mas havia mais.
parecer antiquado. O sucesso ef!mero de General McBoing Boing • Transversalmente, no alto do anúncio, em grandes letras brancas,
e de Mr. Maggoo fez com que o estilo de desenho animado de lia-se: "Coma, Senhor!" Eu nio podia acreditar nos meus olhos.
Disoey parecesse ultrapassado. A solução de Disney foi criar um Mesmo que isso tivesse qualquer coisa a ver com o filme - e não
programa para a televisão que lhe permitiu salvar seu estúdio. . tinha-, não fazia o menor sentido. Era a insanidade gritante.
Do que estamos realmente falando aqui? Estamos falando de Naquela noite, durante o jantar, e.u literalmente rompi em
uma fórmula que produziu O martfrio de Joana d'A.rc, Zéro de lágrimas. Minha mulherme perguntou o que estava errado. Eu disse
Conduite, O poderoso chefão I e ll, Abismo de um sonho, Luz de que estava apenas muito cansado de lutar. Tinha lutado pelo roteiro,
inverno. Estamos falando de Fogo de ouJono, Os me/Jwres anos de pelo elenco correto, depois tinha lutado com o calor do deserto, a
nossQ8 vida8. Estamos falando de Une partie de campagne, As exaustão, as regras britânicas sobre extras. Eu me sentia feito
férias do Sr. Hulot, A lista de Schindler, Owo e maldição, A Margaret Booth, que tinha lutado comigo sobre o mesmo filme. E
· ai,Amarcord e 8 ~.Cantando na chuva, Dumbo, Ladr~s de agora eu estava lutando contra wn anúncio idiota.
191 FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 199

E é disso que se trata quando se faz um filme: lutar. Nlo me muitos anos, antes de adquirir a Universal Pictures, a MCA era a
lembro do último bom anúncio que eu vi Talvez tenha sido para A mais poderosa as'ncia de talentos do ramo. Dois de seus clientes
coçoda ao Outubro Vermelho, há cinco anos mais ou menos. eram Marlon Brando e Montgomery Clift. Quando ambos estavam
Certamente a publicidade dos filmes 6 entediante e banal compara- sendo desesperadamente Rquisitados para là dewe.s YenCidos, a
da com outros negócios; a pasta dentifrícia Colgate nlo a toleraria; MCA supostamente impôs seu craeote Dean Martin para o terceiro
muito menos a mM ou a Ford. Os uailus nos cinemas, um papel.do filme. F..mboraj' fosse um nome, ele alo era nem de longe
elemento importante quando começam a pesquisar o fator "desejo o ator que os outros dois eram. Mas quem leva um, leva todos.
de ver", estio cheios dos mesmos seios, beijos e explosões que Para ser justo, devo mencionar que ouara compenh:ia toma sua
vidlos uma semana antes. Os cartazes de frente dos cinemas, os decisio de dar sinal verde para um filme estritamente com base no
piqueniques da imprensa e da tevê quando cem pessoas voam para roteiro e no orçamento. Depois consegue os melhores astros que
tomar café com astros e diretores, as entrevistas feitas para a tev6 pode conseguir. No geral, ela freqOentemente é mais bem-sucedida
a cabo "nos bastidores" - tamanha imbecilidade me causa dor de do que o estúdio que aposta no astro,
dente. E o dinheiro gasto nisso é horripilante. A propósito, todos os A decislo de optar pelos as1ros tem alguma validade porque a
anúncios de TV, cartazes, anúncios impressos, até o título do filme, presença deles aumenta significativamente o valor dos direitos
slo testados, todo o "público pesquisado" e, é claro, analisado subsidiários jt mencionados. Mas por outro lado, o aumento do
dmnograficamente. E no entanto, apesar de todos esses testes, por custo do filme é enorme quando mn grande astro está envolvido, e
que a maioria dos filmes alçançaresultados precários no lançamen- nãoapenasporcausadosalário.Umbomebemconhecidoatorcom
to? Se tudo que anuncia o filme foi testado, pelo menos os negócios quem trabalhe~ mas cujos filmes nunca foram espccialmet* bem-
do dia da estréia devem ser bons, antes que se inicie a propaganda sucedidos, pediu e recebeu beneficios que oneraram o orçamento
de viva voz. Mas a maioria dos filmes fracassam comercialmente em USS 320 mil. É muito dinheiro que olo vai aparecer na tela. O
no primeiro dia. filme terá de faturar mais US$ 1.200.000 para pagar aqueles USS
Além das pesquisas que determinam a distribuiçlo do filme, 320mil A conta é mais ou menos esta; O estúdio fica com USS 600
alguns executivos abandonaram outra área de sua responsabilida- mil deste total, os donos dos cinemas ficam com os outros
de. Um estúdio que eu conhC9Q nio dará sinal verde a um filme a US$ 600 mil. Cópias e anúncios andam agora tlo.caros que muitas
menos que tenha como astro Tom Cruise ou seu equivalente. Isso vezes custam tanto quanto o filme. Assim os US$ 600 mil do estúdio
tem dois efeitos imediatos. Primeíro, os salários dos astros vão às são cortados ao meio. Isto é que paga as limusines, a secretária, o
nuvens. E como os astros de primeira grandeza estio ganhando dez cozinheiro, o trailer, o maquilador, o cabeleireiro, as roupas do
a doze milhões por filme, os salários dos atores coadjuvantes pequeno astro. Com grandes astros os beneficios podem dobrar e
aumentam proporcionalmente. Dois a três milhões de dólares não triplicar. Sberry Lansing deu ao astro, ao diretor e ao produtor de .A
j incomum agora para um ator que ganhava US$ 750 mil por filme. firma um Mercedes-Benzparacadaum (o modelo de US$100mil)
O custo médio de um filme eleva-se US$ 25 milhões e ainda está quando o filme se tomou um grande sucesso de bilheteria. O motivo
subindo. O segundo efeito é que as agências que representam os alegado foi que ''eles todos tinham trabalhado muito". Tenho
astros estio automaticamente numa posição mais poderosa. O certeza de que trabalharam. Mas supostamente o salário de Tom
resultado~ que "pacotes" sio criados pelos agentes dos astros. O Cruise foi de US$ 12 milhões e o de Sidney Pollack de USS 5
pacote incluirt co-astro ou co-estrela e diretor, todos eles, é claro, milhôes ou US$ 6 milhões. Nio sei quanto o produtor embolsou.
pertencentes à mesma ~ncia. Isto não é nenhuma novidade. Há mas _certamente todos parecem ter sido adequadamente pagos por
FAZENDO FiLMES O ESTÚDIO 201

seu trabalho. Se eu fosse um acíonista, ficaria furioso com o j untaram na busca da grana de qualidade. Vestigios do dia foi um
centésimo de centavo tirado dos meus dividendos. Menciono tudo filme da Columbia;A lisi/J de Schiruiier da Unive~. Filadélfia foi
isto porque os chefes de estúdios levam vidas muito confortáveis. da Tri-Star; Six Degree~ of Separation, MGM Em nome do pai
Os salários variam deUS$ 1,5milhão a US$ 3 milhões por ano, mais foi distribuído pela Universal; A época da inocência foi fmaociado
opções de ações, e os beneficios são de primeira ordem: jatinho, e distribuído pela Columbia.
suítes de luxo quando precisam ficar em hotéis, o Concorde para a Suponho que essas tendências devem me fazer sentir otimistá.
Europa se o jatinho não está disponfvel, limosines e todas as outras Mas na verdade não fazem. Já vi essas modas antes. Com um
coisas que parecem glamurosas quando lidas nas colunas sociais. pequeno sucesso, as companhias menores tendem a querer se
Se, no início, a decisão deles de realizar um filme depende da expandir. Isto significa que desejam passar seus filmes em maior
disposição dos grandes astros de fazê-lo e se, terminado o íllme, número de cinemas. E isto quer dizer que terlo de procurar as
todas as decisões acerca de revisão, distribuição e publicidade do grandes. A Miramax já fez acordo com a Buena Vista, que é de
mesmo filme são confiadas a grupos de pesquisa, em que consiste propriedade da Disney. Amedida que crescem, suas despesas de
realmente a responsabilidade desses executivos? As decisões mais distribuição também aumentam. E nessa altura ainda serio capazes
fundamentais foram tomadas JKI'O eles. de apostar emAdeus minha concubindl Espero que sim. O histórico
Além do mais, até onde sei, nenhum chefe de estúdio morreu dos independentes não é encorajador.Há poucos anos, aDDL (Dino
pobre. Mas muitonoteirisbt.s, atores e diretores morreram pobres, De Laurentis), Vestron, Lorimar, Corsair, Carolco e Cannon tenta-
sim, inclusive D. W. Griffitb. ram se estabelecer como companhias independentes de financia-
Por causa dos direitos subsidiários e da prevista explosão do mento e/ou distribuição. Todas desapareceram ou foram absorvi-
aluguel de filmes para a televislo por vinte e quatro horas;os filmes das pelos grandes estúdios.
fazem parte agora da highway da informação, ao mesmo tempo A necessidade de mais filmes para abastecer a crescente
multinaciooal e um importante trunfo empresarial da América. necessidade da TV.a cabo está supostamente prometendo mais
Sendo já um dos nossos produtos que mais geram divisas, os filmes escolha, mais produção, mais espaço para novos talentos. Mas isso
têm um efeito radicalmente positivo sobre nossa balança de paga- acontecerá algum dia? Acho que nlo. A erosão do poder das redes
mentos. Eles hoje fazem parte da estrutura econômica do mundo. - ABC, CBS e NBC- provocada pelas novas companhias a cabo
É de esperar que a necessidade de mais e mais filmes seja ainda nlo melhorou a qualidade da programaçlo em nenhum setor
proveitosa para a produçlo independente e a realização de filmes da televisão.·Apesar de alguns bons especiais na HBO e na Tumer
destinados a públicos menores mas mesmo assim lucrativos. Já a Broadcasting. a qualidade geral da TV a cabo e da TV gratuita
produçlo inglesa de .filmes parece estar renascendo depois de mn continua afundando cada vezmaiscomoum pé na lama. Quanto aos
perfodo em que se reduziu a quase nada. Mmha adorável lavande- canais "culturais", quantas jaguatiricas lambendo as crias você
ria, Meu pé esquerdo, Em nome do pai, Retorno a Howards End, pode ver numa semana?
Vestfgios do dia, Henrique V tiveram todos excelentes receitas em O logotipodaMGM, famoso pelo leio rugindo, também exibe
relaçlo a seus custos, e além disso foram belos filmes. Miramax, o lema An Gratia Artis ("A Arte pela Artej. A ironia disso agora
Fine Line, Savoy, Gramercy sio novas companhias distribuidoras duplicou. Primeiro, a arte tinha de dar dinheiro. E agora tem de
que estio tentando se estabelecer mediante financiamento e aqui- satisfazer ao National Researcb Group.
sição de direitos de distribuição de filmes de qualidade. Elas foram Os filmes se tomaram uma parte vitalmente importante de
tio bem-sucedidas que em 1993 os grandes estúdios também se imensos impérios financeiros. E parece que estatendência continu-
FAZENDO FILMES O ESTÚDIO 203

ari a crescer. Assim, o que é que os filmes têm que compele o 'Iht! diretamente relacionada com os ftlmes de qualidade. Os filmes que
New York Timu a publicar a listados dez fi1mes de maior bilbetaia são obras de arte~ que criam esse interesse, mesmo que não figmem
toda terça-feira? E agora o Daily News de Nova Yorle e o New York com muita freqilência na lista das dez maiores bilheterias.
Pon a competirem para publicar amesmainformaçlo um dia an1e:s? Meu trabalho é cuidar de - e ser responsável por - cada
Por que é que o festival de Caones em maio, que nada mais 6do que fotograma de cada filme que faço. Sei que no mundo inteiro há
uma glorificada convençlo de vendas, obtém cobertura mundial de jovens tomando dinheiro emprestado aos parentes e economizando
uma festa de duzentas e cinqQmta mil dólares mootada para a mesada para comprar suas primeiro cimera.s e fazer seus primei-
Scbwarzeneggcr ou Stallone? Por que é que eu posso literalmente ros filmes estudantis, alguns sonhando com fama e dinheiro. Mas
passar um ano inteiro indo a um festival por mas, começando em alguns sonham descobrir o que importa para eles, e dizer 11 si
Nova Deli em janeiro e tenniDando em Havana em dezembro? Nlo mesmos e a quem quiser ouvir: "Eu me interesso." Alguns deles
s1o apenas as receitas. As fusOes que acontecem ao longo da querem fazer bons filmes.
"hlglrwayda informaçlo", ou Sonye Matsushitamonopolizandoo
mercádo de software, representam impérios financeiros muito
maiores do que o faturamento de cem milhões de dófares de um
filme. Acho que é porque o cinema é a única forma de arte que usa
pasOOJ para registrar algo que é literalmente maior do que a vída.
Os discos nlo fazem isto, nem os livros nem qualquer forma de arte
em que eu possa pensar. Atençlo para as palavras operantes: forma
de arte.
Finalmente os filmes slo uma arte. Acredito que nenhuma
combinaçlo dos filmes de maior bilbeteria atrairia a atençlo que os
filmes consoguem sem o trabalho de Mareei Camé, IGng Vidor,
Federico Fellini, Luis Buflue~ Fred ZinDemann, Billy Wilder, Carl
Dreyer, Jean-Luc Oodard, Robert AJtm~ David Lean, George
Cukor, William Wellman, Preston Sturgcs, Yasujiro Ozu, Carol
Reed, John Huston, Satyajit Ray, Orso11 Welles, Jean Reooir,
Roberto Rossellini. John Ford, Wtlliam Wyler, Vrttorio De Sica,
Martin Scorsese, lngmar Bergrnan, Akinl Kurosawa, Francis Ford
Coppola, Blia Kazan, Michelangelo Antonioni, Jean Vigo, Frank
. Capra, Bernardo Bertolucci, Emst Lubitsch, Buster Keaton, Steven
Spielberg e tantos outros. Estas sio as pessoas que tomaram os
filmes uma forma de arte, que levaram os ftlmes a uma pista de mão
dupla. Ao mesmo tempo que Batman, o retomo fatura quarenta
milhOes de dólares no fim de semana de seu lançamento, Mmha
liida de cachorro leva quatrocentas e vinte pessoas a rir e chorar em
um pequeno cinema. A quantidade de atenção dada ao cinema está
FlLME S DIRIGIDOS POR SIDNEY LUMET 2DS

Prince ofthe City (1981)- Prfncipe da cidade


De.atJrtrap ( 19&2) - Armodülta mortJJJ
Filmes dirigidos por Sidney Lumet The Jltrdict {19&2) - O wrediclo
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Garbo Ta/b (1984)
Po"Ner {I 985)- O! donos da poder
The Moming A/ler ( J986) - A manh6 seguinte
Rwrning on Empty ( 1988) - O peso de um pas1odo
Famüy Business (l 989)- Neg6clos defamUia
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That Kind of'WOINZII (1959)- Mullwr doquela espécie
TM Fut;tttv. Klnd {1960)- Jfidal ~mfoga
A Jliewfrom the Bridge (1961)-Panoramavisto dapont~
Long Day '1 JOtl/7'ley lnto Nlght (1962)- Um longo dia de viagem denlro
da noite
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Tha Pawnhroú:T (1965)- O ltomat do prego
rM Hül ( 196S) -A colina dolltofMIU perdido.f
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Mllr~ on lhe Or•ltl Expnu (1974)- Assassinato no Orilml~ Expruso
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EqvJu (1971)- Eqw.r .
TNt w.u (1978) - o .ufp:o ~ntuq~~«lvel
.hut Ttúl,.. What Y011 'Wallt {1980)
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Projeto de coleçoo: VIVIon W(tef
Coordenoçoo edltoc1ol: José Lourenlo de Meto

o d1illlo selo, Melvyn Brau Fazmdoft/mu, Sidney Lwnct


Clmlmtdo ffD chuva. Peta' WoUcn
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Carlos Avdlar O piano. Jane Campioo e Kate
Rocco • #JLiinrldO$, Sam Robdie Pullingcr
No Ulfi/JO das diliglncitU. Edward PuJp Ficlion, Quentin Tanmtino
Buscombe Qu.olro ctUtDftert/08 e um fr,IMrol.
UM~ Saulo Pereira de Mello Riclwd Cwtis
CidtJd4o Kmw. Laura Mulvey Aceto jütal, David Rabe
L 'Ata/QIW, Marlna Wamer Razdo e len8lbiUdadt, Emma
O wuJgtco tJ. Oz. Salman Rushdie Thompson
0 Boulnard do criiM, JUI Forbes Grarrtk lwltl, Allison Andc:rs, AJo.
xandre Roc:kweU. Robert Rodrl-
guez. Qucntin Tarantino
Um drink no inferno, Quentin
Dt2t:ri.tJç4DG01'0fiiÜO. OocComparato Tarant:ino
A 1fllliJvr • o cínetJttJ, E. Ano K.aplan Terra utrongdra.. Daniela Tbomasl
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Por ikfllro do moda, or&. Shari Cãu tJ. alugu.J • Amot' à qwima-
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