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JURÍDICA E
JUDICIÁRIA
autora
EDNA RAQUEL HOGEMANN
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial Solange Moura; Roberto Paes; Gladis Linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
isbn: 978-85-5548-123-9
5. Questões Sócio-Jurídicas no
Mundo Globalizado 113
OBJETIVOS
• Conceituar o Direito na concepção sociológica;
• Estabelecer a distinção entre as normas de conduta em geral e as normas de Direito;
• Analisar a funcionalidade do Direito na vida social;
• Identificar o Direito como instrumento de controle social e compreender a norma jurídica
como forma de prevenir e compor conflitos;
• Compreender e criticar as diferentes formas de composição do conflito.
8• capítulo 1
1.1 Conceito sociológico do direito
1.1.1 Considerações gerais:
capítulo 1 •9
© LORRAINE SWANSON | DREAMSTIME.COM
© MICHAEL BROWN | DREAMSTIME.COM
10 • capítulo 1
e indivíduo – é que se encontra a sua razão de ser. Importante lembrar que
não somente as relações entre os indivíduos são objeto do direito, mas também
aquelas que se realizam entre o indivíduo e o grupo social, o grupo social e o
indivíduo e o grupo social em relação a outro grupo social.
• O direito do ponto de vista sociológico é um fato social. A Sociologia
Jurídica estuda o fato social em sua estrutura e funcionalidade, procurando sa-
ber como os grupos humanos se organizam, se relacionam e desenvolvem, em
razão dos inúmeros fatores que atuam sobre as formas de convivência.
“toda maneira de agir ou pensar fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma co-
erção exterior; ou ainda que, é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentan-
do uma existência própria independente das manifestações individuais que possa ter.”
(Durkheim, 1991, p. 1)
capítulo 1 • 11
1.2.2 A presença do direito na sociedade e as atividades de
cooperação e de concorrência
1. Preventiva
Valendo-se do disciplinamento social, estabelecendo regras de conduta so-
cial, direitos e deveres, o direito preocupa-se em evitar ou prevenir o conflito. O
direito assume então a função social de prevenir conflitos.
12 • capítulo 1
2. Função compositiva do direito
O conflito por vezes é inevitável, e necessário se faz solucioná-lo. E aí está
outra função social do direito: compor conflitos, solucionando-os. Isto quer
dizer que o direito identifica, arranja e resolve os conflitos que poderiam per-
turbar o equilíbrio e a ordem social.
3. Controle social
O direito é socializador em última instância. Só é necessário quando a con-
duta humana já se distanciou da tradição cultural aprendida pela educação,
pela moral e religião, e alcançou o nível do ilícito, ou do crime.
São um enunciado que estabelece a forma pela qual deve se orientar determi-
nada relação social, ou seja, uma relação entre duas ou mais pessoas. Nas rela-
ções intersubjetivas na sociedade podem ser encontradas as seguintes normas
de conduta: Norma jurídica, norma moral e norma de trato social.
capítulo 1 • 13
O direito é um conjunto de normas de conduta que disciplinam as relações
sociais, resultado das relações entre o homem e a sociedade.
Essa distinção é fundamental para que o legislador possa desempenhar com preci-
são sua função demarcando claramente os campos da moral, do jurídico e do trato
social, para poder proteger melhor as liberdades fundamentais do ser humano.
14 • capítulo 1
• Para os Marxistas - as normas de direito são oriundas do Estado, para ma-
nutenção da desigualdade entre as classes sociais.
capítulo 1 • 15
a) Estudo das normas jurídicas e dos efeitos sociais deles de-
rivados;
b) Estudo dos instrumentos humanos de realização da ordem
R. TREVES jurídica e de suas instituições;
c) Estudo da opinião do público a respeito do direito e das
instituições jurídicas.
Nas palavras do professor Cavalieri Filho (2010, p. 76), não há uma total con-
cordância entre os autores. Mas, para o sociólogo francês Emile Durkheim,
“um dos fundadores da escola sociológica do direito, seria objeto da Sociologia
Jurídica:
No primeiro item estaria incluído o exame das causas que determinam o sur-
gimento das regras jurídicas, dos fatos sociais que as suscitam, bem como das
necessidades que visam satisfazer. Somente quando as normas estão ajustadas
aos fatos é que poderão atender aos objetivos para os quais foram elaboradas.
No segundo item procurar-se-ia saber dos resultados decorrentes da exis-
tência da norma, isto é, se está ou não sendo aplicada, se há ou não estrutura
para isso etc.”
16 • capítulo 1
1.4 A sociologia jurídica e judiciária no
campo das ciências sociais
capítulo 1 • 17
possibilita saber-quais os limites para a atuação do direito esta-
tal e extra-estatal diante do sistema oficial de normas, na pers-
pectiva de sua inclusão social e, como, a partir do conhecimen-
PARA O to do cidadão do papel dos diversos instrumentos humanos
CIDADÃO ligados à Justiça, conseguir a facilitação do acesso à justiça
para que grupos excluídos da sociedade atinjam um grau maior
de cidadania.
FATO -
a Sociologia
Jurídica tem
o direito como
fato social
DIREITO
como fenômeno
juridico
NORMA – VALOR -
a Ciência do a Filosofia do
Direito se Direito dedica-se
preocupa ao direito em
com a norma seu aspecto
valorativo
18 • capítulo 1
1.5.1 Aspectos do fenômeno jurídico segundo a Teoria Tridimensional
do Direito
Essa teoria considera que o sistema jurídico tem três dimensões: justiça, vali-
dade e eficácia:
Porém, é importante apontar que essas três dimensões não estão isoladas,
mas se relacionam entre si. Assim, se por acaso uma sociedade considera uma
lei injusta, esta provavelmente será revogada ou permanecerá sem efeitos práti-
cos e, portanto, ineficaz. Dessa forma, o intérprete do direito não pode ignorar
que a falta de legitimação de uma lei em vigor pode levar à sua revogação ou
à sua ineficácia. Entretanto, o sociólogo e o filósofo do direito não são indife-
rentes ao tema da interpretação do direito positivo, uma vez que necessitam
conhecer o conteúdo das normas vigentes para poder analisar a realidade e a
idealidade do direito.
capítulo 1 • 19
Por exemplo, as leis sobre a família no Código Civil: cabe ao intérprete tra-
balhar com as respectivas normas indicando quais são as condições para o ca-
samento, segundo a lei em vigor; por outro lado, compete ao filósofo do direito
analisar a justificação e as consequências morais e políticas da instituição do ma-
trimônio e da filiação, e buscar uma avaliação sobre o significado do matrimônio
e da filiação , tal como é configurado por este mesmo direito; por fim, o sociólogo
do direito examinará o impacto social das previsões legais com relação ao casa-
mento e a filiação, buscando, por exemplo, analisar o grau de conhecimento e
de aceitação destas normas pela população, diante dos novos arranjos familiares
que se apresentam (uniões homoafetivas, famílias monoparentais, etc).
SOCIOLOGIA FILOSOFIA DO
CIÊNCIA DO DIREITO
JURÍDICA DIREITO
20 • capítulo 1
SOCIOLOGIA FILOSOFIA DO
CIÊNCIA DO DIREITO
JURÍDICA DIREITO
O conflito provoca o litígio e este, por sua vez, rompe o equilíbrio e a paz social.
Do ponto de vista do funcionalismo clássico a função do direito é a de resolu-
ção do conflito. Se o sistema social está caracterizado pela a coesão social em
relação a um número de valores básicos, então o direito tem como função o
restabelecimento da paz social e do equilíbrio, quando os conflitos de interes-
se os turbam. Assim, ainda que o conflito exista, será sempre produzido sob o
controle do sistema jurídico.
Atualmente é possível uma outra interpretação da função de resolução dos
conflitos. Isto porque, parte-se do pressuposto de que conflito é elemento per-
manente na sociedade, isto é, que a interação social é conflituosa por si só.
Assim, há que se admitir que o direito não resolve plenamente todos os confli-
tos extirpando-os do tecido social (no sentido funcionalista, fazendo com que
ele desapareça do contexto social). O que o direito pode pretender é um trata-
mento jurídico aos conflitos de interesses antagônicos que surjam. O direito
capítulo 1 • 21
apresenta ou comina regras, isto é, modelos de comportamentos próprios à de-
cisão que o conflito recomenda e às modalidades de acordo com as quais essa
decisão pode ser adotada.
Funcionalismo
O Dicionário de Ciências Sociais define o funcionalismo como:
a perspectiva utilizada para analisar a sociedade e seus componentes característicos
enfocando a mutua integração e interconexão deles. O funcionalismo analisa o cami-
nho que o processo social e os arranjos institucionais contribuem para a efetiva manu-
tenção da estabilidade da sociedade.
22 • capítulo 1
possibilita o exercício de coerção por particular, em defesa de seus interesses.
Ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse,
impondo-o à parte contestante e à própria comunidade que o cerca.
Atualmente, o exercício da autotutela encurtou-se, em consequência do for-
talecimento do Estado, autor das principais modalidades de coerção.
capítulo 1 • 23
1.7 Formas de resolução dos conflitos
Elencam-se como meios autocompositivos no Direito: a negociação individual
ou coletiva, a conciliação extrajudicial e a renúncia.
24 • capítulo 1
Jurisdição vem do latim "juris" e "dicere", que significa “dizer
direito”. Jurisdição é o poder/dever que o Estado tem para apli-
car o direito a um determinado caso que lhe é submetido para
apreciação pelas partes interessadas, com o objetivo de solu-
JURISDIÇÃO cionar conflitos de interesses e com isso resguardar a ordem
jurídica e a autoridade da lei, quando não há outra alternativa.
Por isso deve ser considerado como forma secundária de re-
solução de conflitos.
Importante demarcar que o processo judicial cada vez mais se revela como um fator de
acirramento de ânimos e não de pacificação. A decisão, unicamente como um comando,
coloca as partes nas posições de vencedor e vencido, ganhador e perdedor, vitorioso e
derrotado, não promovendo a paz almejada, razão pela qual, a própria sociedade busca
formas não judiciais do modelo de composição jurisdicional para a solução dos conflitos.
EXEMPLO
Segundo matéria publicada no site do Conjur (http://www.conjur.com.br): “De acordo com
projeção feita pelo Conselho Nacional de Justiça, deve chegar à marca de 114,5 milhões o
número de processos em tramitação na Justiça brasileira em 2020 se a quantidade de ações
continuar superando a capacidade do Poder Judiciário de julgar.
A previsão é de que 36,37 milhões de novas ações judiciais sejam propostas em 2020.
Ainda segundo a entidade, um estoque composto por outros 78,13 milhões de processos
chegará ao início do mesmo ano sem julgamento. Os dados foram apresentados no VIII En-
contro Nacional do Poder Judiciário”.
Enquanto isso, a União Europeia promove ativamente modos de resolução alternativa de
litígios («RAL») como, por exemplo, a mediação, obrigatória desde 2012. A Diretiva «Media-
ção», que diz respeito à mediação em matéria civil e comercial, de maio de 2011, está agora
sendo aplicada nos Estados‑Membros europeus. Para saber mais consulte o link: https://e-
justice.europa.eu/content_eu_overview_on_mediation-63-pt.do
capítulo 1 • 25
1.8 Monismo, pluralismo jurídico e o direito
além do estado
Nas sociedades de tipo complexo como as atuais que se distinguem seja pela
desigualdade e exclusão social e econômica (como é o caso do Brasil), seja por-
que existem diferentes grupos sociais com identidade étnica, cultural, religio-
sa, etc, coexiste um grande dilema sobre como ser tratado legalmente e sobre
os sistemas de autoridade, políticas e procedimentos, que estejam à disposição
ou não dos indivíduos para requisitar e regular a vida social. Nesse sentido, há
dois pontos de vista que enfrentam doutrinariamente estas questões:
26 • capítulo 1
de funcionamento, as quais ultrapassando o caráter de simples regulamen-
tos adquirem o alcance de verdadeiras regras jurídicas. O advento do Direito
Alternativo busca resgatar a possibilidade transformadora do jurídico, colocan-
do-a a serviço da libertação, naquelas sociedades marcadas pela desigualdade
e pela exclusão social.
capítulo 1 • 27
Assim, esse novo pluralismo jurídico se relaciona a questões sobre ao efei-
to da lei na sociedade, ou mesmo, o efeito da própria sociedade sobre as leis
existentes, no sentido da construção de uma relação mais complexa e interativa
entre formas oficiais e extra-oficiais de sistematização do Direito.
O pluralismo jurídico encanta os juristas atuais, que não se preocupam
mais com o direito oficial posto somente pelo Estado e sua pretensa de abstra-
ção, generalização e universalidade.
Esse novo pluralismo pretende indicar que existem vários campos de ema-
nação do direito que não apenas o Estado, ou seja, que o direito não se reduz
apenas à lei. É possível vislumbrar, então, quatro esferas de intervenção:
28 • capítulo 1
Dois anos depois, regressou a Coimbra e durante um breve período foi assistente da
Faculdade de Direito. Em finais dos anos 1960, partiu para a Universidade de Yale com
o objetivo de se doutorar. A sua tese de doutoramento, publicada pela primeira vez
em português em 2015 (Direito dos Oprimidos, Almedina), é um marco fundamental
na sociologia do direito, que resultou do trabalho de campo centrado em observação
participante numa favela do Rio de Janeiro.
(Disponível no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Boaventura_de_Sousa_Santos)
GRUPOS MINORITÁRIOS
O termo grupos minoritários é amplamente utilizada na sociologia, sendo mais que
uma distinção numérica, existem muitas minorias. Ex.: pessoas altas, magras, baixas,
porém estas não são minorias segundo o conceito sociológico, minorias são um grupo
inferior numericamente e estão em desvantagens sociais se comparados com a grande
parte da população majoritária, sendo objeto de preconceito de tal grupo dominante, tal
comportamento reforça a ideia de lealdade e de interesses comuns. Por isso quando
a expressão “minoria” é usada pelos sociólogos não é em caráter numérico e sim a
posição subordinada do grupo dentro da sociedade, pois o termo minoria expressa a
situação de desamparo, os membros deste grupo estão normalmente isolados física e
socialmente, costumam se concentrar em certos bairros, cidades ou regiões.
capítulo 1 • 29
1.8.2 O Pluralismo comunitário- participativo
Conhecendo o autor
Antonio Carlos Wolkmer é um professor e advogado brasileiro. É um teórico do direito
vinculado aos estudos sobre Pluralismo Jurídico.1 Professor titular de História do Direito
na Universidade Federal de Santa Catarina, atuando na graduação e no curso de pós-
graduação em direito dessa instituição. Conferencista convidado em universidades do
Brasil e do exterior. Um dos iniciadores do debate sobre o Direito Alternativo no Brasil.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Carlos_Wolkmer
30 • capítulo 1
Aponta como princípios valorativos do pluralismo a autonomia, a descen-
tralização, a participação, o localismo, a diversidade e a tolerância (WOLKMER,
2011, p. 174-183).
A autonomia diz respeito aos poderes e à liberdade de articulação e mobili-
zação que os movimentos coletivos ou as associações possuem. “A ‘autonomia’
se manifesta não só diante do poder do Estado mas no próprio interior dos vá-
rios interesses particulares, setoriais e coletivos”. (WOLKMER, 2011, p. 175).
Síntese
FILMES
1. O Homem do Ano. É um filme brasileiro de 2003, do gênero drama, dirigido por José
Henrique Fonseca e com roteiro baseado no romance O Matador, de Patrícia Melo, adaptado
para o cinema por Rubem Fonseca. Estúdio Conspiração Filmes.
2. Cidade de Deus. Drama brasileiro de 2002 dirigido por Fernando Meirelles e codirigido
por Kátia Lund. Foi adaptado por Bráulio Mantovani a partir do livro de mesmo nome escrito
por Paulo Lins. O filme retrata o crescimento do crime organizado na Cidade de Deus entre o
final da década de 1960 e o início da década de 1980. Estúdio Globo Filmes.
capítulo 1 • 31
LEITURA
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: Novo paradigma de legitimação. Disponível em: http://
www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Wolkmer_Pluralismo.pdf
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica, 12ª. Ed, RJ:Forense, 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Nota sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUSA,
José Gerardo (Org.).Introdução crítica ao direito. 4ªed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993, p.42-49.
WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Pluralismo Jurídico. Novos Caminhos da Contemporaneidade.
2a. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
________________________________. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 8ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2011.
32 • capítulo 1
2
Dinâmica Social
da Norma e das
Instituições de
Direito
O tema da eficácia do Direito é um dos principais objetos da Sociologia Jurídica e
Judiciária. Em relação à definição e as dimensões da eficácia da lei constatam-se
grandes questões que interessam ao estudo dos sociólogos do direito. Temos
desse modo, termos como "eficácia", "eficácia social", "efetividade" e "eficiên-
cia" do direito, recebendo estes termos variadas definições, que indicam as di-
ferentes concepções do fenômeno em sua dinâmica social.
O presente capítulo trata das questões atinentes à eficácia da norma social
quando de sua aplicação nas relações juridicamente relevantes na sociedade
que é considerado um dos temas de maior complexidade e importância, não
só para juristas e intérpretes do direito, mas também para filósofos e soció-
logos, na medida em que diz respeito aos estudos relacionados à validade e à
eficácia das normas jurídicas em seus reflexos sociais, tanto quando é eficaz,
como quando sua ineficácia produz efeitos sociais negativos.
Teremos oportunidade, também, de conhecer os meandros da produção
da norma, envolvendo desde o processo de escolha dos legisladores, até a
qualidade do sistema eleitoral e da produção legislativa brasileira.
OBJETIVOS
• Eficácia das normas jurídicas e seus efeitos sociais
• Noções de validade e eficácia
• Repercussões sociais da norma jurídica formalmente válida.
• Efeitos negativos das normas. O círculo vicioso impunidade-ilicitude
• Sociedade brasileira e Instituições de Direito
• O processo de escolha dos legisladores, qualidade do sistema eleitoral e da produção
legislativa brasileira.
34 • capítulo 2
2.1 Eficácia das normas jurídicas e seus
efeitos sociais
A Sociologia Jurídica e Judiciária não traça e nem define as normas, seu objeto
de investigação trata tão-somente de perquirir os fatores sociais determinantes
(causas e efeitos) que possam provocar no âmbito jurídico, especialmente, so-
bre a efetividade ou eficácia da norma jurídica como fato social.
Tendo como objeto de conhecimento a vida social em seus aspectos jurí-
dicos, examina a facticidade do direito, ou seja, a realidade social do direito.
A partir daí elabora uma teoria sociológica dos fenômenos jurídicos, que não
se confunde com as questões técnicas da interpretação do direito nem com os
aspectos axiológicos (valorativos), que são objeto respectivamente da Ciência
do Direito e da Filosofia Jurídica.
Importante apontar que sobre o sentido e as extensões da eficácia da lei,
entre sociólogos do direito há grandes controvérsias teóricas e terminológicas.
É possível encontrar os termos "eficácia", "eficácia social", "efetividade" e "efi-
ciência" do direito, com várias definições, que sugerem as distintas percepções
do fenômeno.
De modo sintético, esse texto apresenta algumas dessas perspectivas traba-
lhadas na análise dos reflexos sociais de uma norma jurídica.
capítulo 2 • 35
2.2.1 Validade da norma jurídica
36 • capítulo 2
É fácil perceber que, em verdade, as normas jurídicas nunca conseguem ser
plenamente eficazes. Por mais que as autoridades do Estado (nacional ou estran-
geiro) se empenhem em descobrir e punir todas as violações de normas, sempre há
casos de transgressão que permanecem impunes. A eficácia indica então, a distân-
cia entre o direito "nos códigos", estabelecido na norma legal (o dever ser jurídico),
e o direito "em ação" (o nível de cumprimento do direito na sociedade real).
Para a socióloga Ana Lucia Sabadell, as repercussões sociais de uma norma
jurídica formalmente válida se dão em três dimensões:
capítulo 2 • 37
2.3 Repercussões sociais da norma jurídica
formalmente válida.
Como visto, norma eficaz é a que tem força para realizar os efeitos sociais para
os quais foi elaborada, seja o cumprimento da norma ou a sanção imposta em
caso de descumprimento. No entanto, essa norma só tem essa força se estiver
adequada à realidade social e ajustada às necessidades do grupo. E isso deveria
ser a primeira preocupação do legislador quando da elaboração das normas:
adequar o direito positivo à realidade social, sob pena de nunca produzir uma
norma eficaz. Ou seja, a quota de eficácia distingue a distância entre o direito
na teoria e o direito na prática.
Conheça, agora, alguns dos possíveis fatores que contribuem para a eficácia
social da norma:
38 • capítulo 2
• Adequação da norma à situação política e às relações de força dominantes
– uma norma que corresponde à realidade política e social possui mais chances
de ser cumprida;
• Contemporaneidade das normas com a sociedade
capítulo 2 • 39
d) Função transformadora da norma – muitas vezes, em função das ne-
cessidades objetivas, a norma estabelece novas diretrizes a serem seguidas, fixa
novos princípios a serem observados em certas questões, para tanto determina
a realização de certas modificações. A sociedade então, a fim de cumprir a lei,
tem que se adequar, equipar, aparelhar e assim, aos poucos, vai operando sen-
síveis transformações em seu meio. Eis aí a função transformadora da lei.
40 • capítulo 2
muitas vezes o legislador vê uma lei que funciona em de-
ANTECIPAÇÃO DA terminado país e quer implantá-la em seu país. Mas, nem
LEI À REALIDADE sempre há correspondência entre as realidades sociais
SOCIAL EXISTENTE dos países e a lei cai no vazio.
Sobre esse tema, vale fazer a leitura do ensaio intitulado: Criminalidade: uma
doença social?, de autoria de Fernanda Tonetto, Procuradora do Estado do Rio
Grande do Sul.
“A criminalidade é inerente ao homem e é por essa razão que sempre se fez pre-
sente na história da sociedade. Ao que tudo indica, não é passível de ser eliminada.
capítulo 2 • 41
Assim já disse DURKHEIM, quando escreveu As regras do método sociológico e afirmou
que o crime é normal porque uma sociedade isenta dele é completamente impossível.
Também KANT tratou da sociabilidade insociável dos homens, afirmando que o homem
sente inclinação para exercitar a resistência contra os outros. KANT era extremamente
otimista e via essa insociabilidade como um instrumento de evolução, como se existisse
um fio condutor que leva a humanidade a evoluir, à medida em que é instada a encon-
trar mecanismos para solucionar o problema da transgressão.
Sob essa ótica, a criminalidade não seria uma patologia social.
Talvez não contassem KANT e DURKHEIM com o fato de que a criminalidade atingiria
os níveis insuportáveis em que se encontram, a ponto de comprometerem a paz e a
convivência harmônica entre as pessoas.
Vista dessa forma, a criminalidade é, sim, uma doença social e como tal deve ser tratada
em suas causas, e não com medidas meramente punitivas ou remediadoras. É assim,
afinal, que são tratadas com êxito as doenças. (...)
Criminalidade se controla (e não se combate) em três fases: a fase primária, cuja imple-
mentação se dá a médio e longo prazo, consiste no desenvolvimento de um ambiente
social desestimulante do caminho da ilicitude, com fortalecimento de setores como a
educação; a fase secundária é fulcrada no investimento em mecanismos persecutórios
impeditivos da criminalidade, ou seja, investimento em segurança pública; a fase terci-
ária concentra-se no controle da reincidência, partindo da premissa de que o cárcere é
um dos mais significativos fatores criminógenos.
Em outras palavras: não se controle a criminalidade sem investir na ressocialização.
Do contrário, é do presídio que continuarão saindo os mais perigosos delinquentes. Os
mais simplistas pensariam então na pena de morte, esquecendo-se o quanto foram
sacrificados os Direitos Humanos em nome dela.
A pergunta que fica é: continuaremos buscando soluções paliativas para um problema
complexo em nome da satisfação de nossos atávicos sentimentos de vingança privada
(com a ideia de que quem cometeu um delito deve ser, de preferência, esquecido den-
tro de um estabelecimento prisional) ou trataremos a criminalidade como uma verda-
deira patologia social, cuja cura exige uma total mudança de paradigma?
Enquanto não resolvemos, vamos arcando com as consequências: nos trancafiamos
em casa, contratamos segurança privada, dirigimos carros blindados e, para um caso
de falha, carregamos um pouco de dinheiro no bolso pra contentar o assaltante.(...)
(Disponível no site: http://www.apergs.org.br/site/apergs_na_midia_detalhe.php?cd_
publicacao=395)
42 • capítulo 2
2.5 Sociedade brasileira e instituições de
direito
capítulo 2 • 43
portuguesa anterior, era avesso a grandes inovações sociais que já se infiltra-
vam na legislação dos países mais avançados do Ocidente, refletindo a mentali-
dade patriarcal, individualista, e machista de uma sociedade brasileira agrária,
preconceituosa, presa aos interesses dos grandes fazendeiros de café, dos pro-
prietários de terra e de uma gananciosa burguesia mercantil.
Uma importante mudança se dará a partir da entrada do Brasil na 2ª. Grande
Guerra, na medida em que haverá um salto de qualidade quanto ao processo de
desenvolvimento industrial. Naquele momento histórico, quando as potências
democráticas tinham vencido o nazi-fascismo, um clima de confiança nas li-
berdades democráticas tomava conta do País. Era o fim da ditadura do Estado
Novo, de Getúlio Vargas.
Emergiu daí, então, um Estado nacional que já assumira, como responsabi-
lidade sua, os direitos sociais relacionados ao trabalho urbano (direitos traba-
lhistas). Para Emir Sader (in Silveira, 2007) este é o período, até então, no qual
o país, passou pelo mais extenso processo de promoção de direitos, em que o
reconhecimento, pelo Estado, dos indivíduos como cidadãos passava pelo di-
reito de sindicalização — através do qual tinham acesso aos direitos sociais.
O golpe militar de 1964, iniciou, na história brasileira, mais de duas décadas
de ditadura. Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrên-
cia de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. As instituições
de direito foram frontalmente atacadas.
Durante todo esse período houve, de forma intensa, a violação sistemática
dos direitos: os direitos políticos da população foram reprimidos, quando não
suprimidos e os direitos econômicos e sociais, sonegados. Houve perseguição
e repressão às entidades de classe dos trabalhadores (os sindicatos) e prisão
de líderes sindicais. Os direitos de organização, de expressão e de privacidade
foram desconsiderados.
Foi nesse contexto de supressão e falta de respeito pela pessoa humana, per-
petrado pelo próprio Estado que a discussão sobre o direito e suas instituições
começou a ter a conotação que tem nos dias atuais: os direitos humanos, con-
figurados como liberdades públicas e direitos de viés social, fazendo parte do
discurso que cobrava a volta da democracia no Brasil e, na medida em que as
condições de vida nas grandes cidades foi-se tornado cada vez pior — especial-
mente nas suas periferias —, passou, também, a servir como foco de denúncia
da falta de condições de segurança individual.
44 • capítulo 2
Nesse processo, alguns setores foram expressivos, como a Comissão
Pastoral da Terra, os Centros de Defesa dos Direitos Humanos (da Confederação
Nacional dos Bispos -CNBB), as Comissões de Justiça e Paz, a Ordem dos
Advogados do Brasil — OAB, a Associação Brasileira de Imprensa — ABI, as no-
vas lideranças políticas e sindicais, bem como as entidades estudantis.
Depois de muita resistência por parte dos setores mais progressistas da popu-
lação brasileira, que nunca aceitaram o regime militar e não desistiram apesar
das perseguições, mortes, desaparecimentos e dos exílios forcados.
capítulo 2 • 45
determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes
com a criação de direitos reais, a ampliação de direitos existentes e a criação de
novos direitos".
Os constituintes de 1988 registraram no texto da Constituição os direitos
fundamentais da pessoa humana e previram os meios para garanti-los, afixan-
do responsabilidades. Definiram, no seu art. 1º, os fundamentos que consti-
tuem sua base em relação aos direitos individuais e coletivos, entre os quais a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre-iniciativa e o pluralismo político.
No art. 3º, determinaram como finalidades principais do Estado brasilei-
ro a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desen-
volvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redu-
ção das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
No art. 6º foram consagrados os denominados direitos sociais, tais como: a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a pro-
teção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
O reconhecimento constitucional desses direitos cria também a possibili-
dade de intervenção de uma das instituições do Estado, a Justiça no sentido
de obrigar a implementação das ações estabelecidas na Constituição e de res-
ponsabilizar o agente ou a autoridade pública a quem essa omissão lesiva é
atribuída.
O maior problema da Constituição de 1988 tem sido a sua concretização, ou
seja, tirar a lei do papel e torna-la realidade, não obstante não lhe faltem meios
jurídicos. A sociedade em geral não vai às ruas lutar para que haja mais direitos,
mas para que haja a garantia da implementação dos que já possui: a prática po-
lítica viciada e o contexto social demarcado de um lado pelo preconceito e pela
cultura da corrupção e de outro pela ausência de conscientização, levam a uma
concretização limitada e excludente dos dispositivos.
46 • capítulo 2
Federal, Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores, nos mu-
nicípios); as instituições de direito ligadas ao aparelho judiciário — a Promoto-
ria, o próprio Judiciário, a Defensoria Pública (estadual e federal), os Conselhos
Tutelares. Também merece relevo o papel das instituições responsáveis pelo
estabelecimento das políticas e pela implementação dos serviços e programas
de atendimento social (organizações governamentais e não governamentais)
que atuam nas diversas áreas (educação, saúde, trabalho, esportes, lazer, cul-
tura, assistência social).
Entretanto, no que diz respeito à proteção e garantia dos direitos, as ações
tomadas têm sido historicamente localizadas, isoladas e fragmentadas, sem
que se possa identificar um grande projeto comum que permita a efetividade
de seu alcance e maior eficácia na abrangência dos principais objetivos por elas
buscados, salvo alguns programas que tem obtido reconhecimento até mesmo
fora do país, como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida.
Importante agora, conhecer um pouco da estrutura e função dessas distin-
tas instituições, a começar pelo Poder Legislativo, responsável pela produção
normativa do país.
capítulo 2 • 47
2.6.1 O Sistema Eleitoral
Muita coisa mudou e hoje, de acordo com a Constituição Federal, artigo 14,
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e se-
creto, com valor igual para todos”. Desse modo, nosso sistema eleitoral está base-
ado no voto direto e secreto, ou seja, o eleitor (qualquer brasileiro, a partir dos 16
anos, facultativamente) vota diretamente no candidato ao cargo a ser preenchi-
do, de maneira secreta, já que seu voto não pode ser divulgado a terceiros. Assim,
os representantes de todos os níveis dos poderes Legislativo e Executivo são esco-
lhidos diretamente através do voto. São considerados válidos os votos nominais
aos candidatos (por nome escolhido) e os votos nas legendas (partidos) nas elei-
ções proporcionais e majoritárias. Os votos nulos e em branco são descartados.
48 • capítulo 2
PROPORCIONAL Deputados federais, deputados estaduais e vereadores
capítulo 2 • 49
2.6.3 Como se elege um senador?
Os senadores são eleitos por meio do chamado voto majoritário: são eleitos os
candidatos mais votados em cada Estado, em um único turno.
Acontece que o mandato de senador é de oito anos e as eleições são realiza-
das a cada 4 anos. Assim, em uma eleição são renovados dois terços das 81 ca-
deiras do Senado (dois senadores por estado). Na eleição seguinte, é renovado
apenas um terço, e aí a opção é de apenas um senador.
CURIOSIDADE
Cada candidato a senador tem direito a indicar 02(dois) suplentes, você sabia? Acontece
então que, quando você vota num candidato ao Senado está, mesmo sem querer ou saber,
votando em outras duas pessoas de quem nunca ouviu falar. O pior é que se o candidato
eleito tem algum impedimento ou assume alguma outra função, por exemplo ministro ou se-
cretário de governo, o suplente assume no lugar dele como senador e vai ficar lá por 8 anos,
sem nunca ter tido um voto sequer em seu nome. Entende agora porque tem gente que acha
que o Senado está muito, digamos, complicado?
Para saber mais, não deixe de acessar a notícia intitulada Suplentes: A (boa) vida dos
senadores sem voto, disponível no site: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/os-suplentes
-a-boa-vida-dos-senadores-sem-voto
Eles são eleitos por um outro sistema eleitoral chamado de proporcional de lis-
ta aberta. Por este sistema o número de votos para se eleger um deputado ou ve-
reador depende da relação entre o número de eleitores e o número de cadeiras
que cada estado (deputados) ou município (vereadores) tem em sua respectiva
Câmara (estadual ou municipal).
Então, cada partido ou coligação conquista um número de cadeiras na
Câmara proporcional ao número de votos que obteve.
50 • capítulo 2
CURIOSIDADE
Partidos políticos
Dizem que os primeiros partidos políticos surgiram no Brasil em virtude da disputa entre duas
famílias paulistas, que formaram os primeiros grupos políticos rivais. Entretanto, a expressão
"partido político" só foi oficialmente adotada a partir da Segunda República. Até então, eles
eram considerados como "grupos" políticos. Ao todo, foram sete fases partidárias na política
brasileira, de acordo com cada Constituição existente, iniciando pela fase monárquica, em
1824, até o pluripartidarismo, estabelecido pela Emenda Constitucional nº25, em 1985.
Por este quadro tem-se que João e Quim apesar de terem menos votos que
Maria, foram eleitos, e ela não. Isto porque, o partido de João atingiu o quocien-
te eleitoral para eleger 02 deputados e a existência da coligação entre os parti-
dos C e D, fez com que a soma de seus votos atingisse o quociente eleitoral tam-
bém para eleger 02 deputados, Bilu em primeiro e como Quim foi o segundo
capítulo 2 • 51
mais votado, ganhou a eleição. Apesar de Maria receber 9.100 votos, totalizando
9.580 votos, com a inclusão da legenda, o partido de Maria não conseguiu ele-
ger. Enquanto isso, João que teve somente 1.500 votos, foi eleito.
Significa que não necessariamente o candidato será eleito somente com os
votos que recebeu, pois a soma dos votos recebidos por outros candidatos ajuda
em sua eleição. Assim, você votou em X, porque não concorda com as posições
assumidas por Y que é de outro partido. Mas se há entre esses partidos uma
coligação, seu voto poderá ajudar a eleição do candidato Y. É o que dispõe a lei
eleitoral. Isso é justo?
A reforma política, para Lidson José Tomass (2015), é a medida inicial a ser
tomada, decorrente de um movimento social que aponta nesse sentido, indis-
pensável para que se possa pensar na melhora real e verdadeira na qualidade da
política brasileira, na maneira como o processo eleitoral é conduzido (votar e
ser votado), além de ser um ato social essencial para moralizar a forma de fazer
política. Reformar a política brasileira é o mínimo a ser feito no sentido de se
conseguir, finalmente, alcançar uma proba e eficiente administração pública.
Veja nossas posições e sugestões para a reforma.
Tomass (2015) apresenta abaixo, a relação dos temas que estão sendo deba-
tidos sobre a reforma política:
52 • capítulo 2
b) Voto Distrital Misto e Voto Distrital Puro
No voto distrital puro, todos os candidatos na eleição proporcional (depu-
tados estaduais e federais) são escolhidos somente entre os candidatos de uma
determinada região (ou distrito) eleitorais, que devem possuir, obrigatoria-
mente, domicílio eleitoral nessa região (perto do eleitor), e são escolhidos de
forma majoritária (o mais votado, por exemplo). Nesse sistema puro, não existe
o voto para deputados de fora da região do eleitor e não se facilita a represen-
tação por categorias homogêneas de interesses, tendendo-se a diminuição de
partidos políticos.
No voto distrital misto, parte das vagas é escolhida pelo sistema distrital e a
outra parte é escolhida pelo sistema atual (proporcional), de forma que o eleitor
tem acesso a uma escolha de representante da sua região e, também, pode votar
em um candidato que represente uma área política de seu interesse, como, por
exemplo, uma projeto nacional, uma proposta de trabalho de amplo alcance, não
só local, como um candidato nacionalista, a favor da segurança, meio ambiente,
etc., ou o que defenda políticas sociais e ideológicas específicas, como o traba-
lhador, o empresariado, a igualdade racial, direitos civis, consumidor, relações
homoafetivas, ambientalistas, socialistas, etc., tendendo-se a manter um pluri-
partidarismo para defender tais grupos de interesses coletivos fragmentados.
capítulo 2 • 53
2.6.6 Sobre a produção legislativa brasileira
54 • capítulo 2
“A Constituição da República Federativa do Brasil em seus artigos 59 e seguintes, re-
gula a criação das leis e todo o seu funcionamento, criação está submetida ao regime
de votação nas duas casas do Congresso Nacional, tornando-o bastante moroso. É fácil
a percepção, pela simples leitura dos mencionados artigos, da expressiva formalidade
da produção legislativa. Sendo assim, podemos concluir de imediato que o próprio pr-
Não bastasse o lento procedimento formal para a produção legislativa, no que tange à
sua esfera material a situação também não é diferente. As matérias que fazem parte do
objeto de um projeto de lei podem ser discutidas e rediscutidas pelas comissões par-
lamentares. O debate é comum e muito utilizado, tornando o processo, evidentemente,
ainda mais prolongado.
Nota-se, portanto, que um acontecimento do mundo demora a se tornar objeto de uma
iniciativa de lei. O tempo para a absorção dos atos e sua inserção no mundo jurídico é
demasiadamente longo. Depois de um lapso considerável de tempo até que se tenha um
projeto de lei sobre o tema, este projeto ainda passa por um procedimento que é moroso
tanto em sua esfera formal, quanto material, além das composições políticas, que por
muitas vezes atrasam o andamento normal dos projetos, tudo que, por via de consequên-
cia, gera a incapacidade do legislativo em acompanhar as aceleradas mudanças sociais.
Por fim, outro colaborador para a lentidão do processo legislativo é o conteúdo das leis
aprovadas. Existe uma vasta produção de leis desnecessárias e até inúteis. Leis que
elegem um lugar para ser capital nacional de algo regional, leis que criam datas come-
morativas, leis que distorcem o posicionamento jurisprudencial ou até mesmo o ignoram,
dentre outras situações que demonstram a falta de qualidade da produção legislativa.
O conteúdo da legislação é voltado, por vezes, para beneficiar interesses dos próprios
parlamentares, que têm, em sua grande maioria, como principal objetivo a reeleição.
Para tanto, garantem benefícios locais, direcionando-os ao público eleitoral de seu re-
duto. Diante deste contexto, pode-se dizer que o problema não é a falta de produtivida-
de, mas a falta de qualidade da produção legislativa”.
Síntese
capítulo 2 • 55
• As repercussões sociais de uma norma jurídica formalmente considerada
válida, que pode produzir efeitos negativos das normas que criam um círculo
vicioso impunidade-ilicitude.
• Um breve histórico da importância das instituições de Direito na socie-
dade brasileira, demarcando a importância da atual Constituição Federal na
proteção dessas instituições.
• O quadro do sistema eleitoral existente no país, responsável pelo proces-
so de escolha dos legisladores (deputados, senadores e vereadores), a qualida-
de e os problemas relativos à produção legislativa brasileira e as perspectivas de
uma reforma política e eleitoral.
LEITURA
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010 p.
112-116.
TOMASS, Lidson José. A reforma política – um Brasil que queremos. Disponível em:http://ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12559&revista_caderno=28.
NUNES, Loreny Sofiatti e BUSSINGUER, Elda Coelho Azevedo. Tempo social x tempo legislativo:
uma análise da produção de Leis no Brasil. Disponível em: http://www.ajuris.org.br/attachments/
article/1928/TEMPO%20SOCIAL%20X%20TEMPO%20LEGISLATIVO.pdf
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
56 • capítulo 2
3
Os Instrumentos
Humanos da
Realização Social
do Direito
Nos capítulos anteriores foram apresentados o conceito sociológico do Di-
reito e seu objeto de estudo, que é o direito como fato social, como também
estudou-se a construção da norma jurídica em seu aspecto social. Foi pos-
sível conhecer e saber como são escolhidos os responsáveis pela elaboração
normativa, assim como a sociedade brasileira tem se colocado em relação às
instituições do Direito ao longo dos tempos.
Agora, é importante considerar que não basta que haja normas boas e váli-
das. Para que essas normas consigam realizar sua função social, se faz neces-
sário pessoas especializadas, em número satisfatório e uma estrutura material
apropriada para a aplicação e a garantia da lei.
Cavalieri (2005, p.128) define os instrumentos humanos da realização so-
cial do direito como “ (...)aqueles órgãos ou instituições através dos quais a or-
dem jurídica de uma sociedade é declarada, assegurada, mantida e modificada.
(...) Do bom funcionamento dessas instituições e da eficiência do pessoal que
nelas atua dependerá a eficácia da ordem jurídica, inclusive os efeitos sociais
positivos que toda norma tem por finalidade produzir”
OBJETIVOS
• Compreender o papel dos magistrados, sua formação profissional e as razões sociais para as
suas garantias constitucionais;
• Identificar a função social e a atuação dos membros do MP, da Defensoria Pública e da
Advocacia;
• Conhecer os novos perfis destes profissionais;
• Conhecer o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça dentro da lógica da sociologia
das profissões;
• Compreender o processo de judicialização da política.
58 • capítulo 3
3.1 A Função Social Do Poder Judiciário.
Ultrapassada a fase da justiça privada, a sociedade organizada política e juridi-
camente resolveu assumir essa função, que após a separação dos poderes foi
conferida ao Poder Judiciário, constituindo a chamada função jurisdicional.
A principal função é julgar, dizer o direito, tornar efetiva a norma objetiva,
solucionando conflitos e promovendo a paz social, valendo-se para tanto de
uma estrutura complexa e integrada regulada pelas normas de Organização
Judiciária.
A Função Social do Poder Judiciário, considerado como o terceiro poder do
Estado Democrático de Direito, consiste na garantia, manutenção e principal-
mente na efetivação dos direitos conferidos pela cidadania.
Três são os fatores que devem ser levados em consideração por quem pre-
tenda valer-se do trabalho dos instrumentos estatais da nossa justiça e que
estão diretamente relacionados com a função social do Judiciário: a incerteza
do direito, a lentidão e o alto custo do funcionamento da máquina judiciária.
Isto leva a algumas consequências: a falta de realização ou a realização tardia,
muitas vezes ineficaz, dos ideais da justiça; um sentimento de desconfiança da
opinião pública; fuga da justiça estatal e tendência a buscar novas formas subs-
titutivas da própria justiça, consideradas mais vantajosas do ponto de vista da
celeridade da solução e de menor formalismo processual.
capítulo 3 • 59
Não há como negar que a sociedade considera a Justiça brasileira lenta (os
processos levam anos quando não décadas para chegar ao fim), ultrapassada
(existe todo um formalismo, verdadeiro ritual místico que afasta e amedronta
o cidadão comum) e de difícil acesso (as custas são caríssimas e as dificuldades
para ter acesso à gratuidade de justiça desencorajam os postulantes de menor
poder aquisitivo), havendo um distanciamento que se opera entre a magistra-
tura e o povo a quem presta seus serviços.
Em parte, esses problemas estão particularmente relacionados a uma pos-
tura mecanicista no exercício da jurisdição, por parte dos juízes, que se limitam
à aplicação pura e simplesmente da lei ao caso concreto, descomprometida
com as possíveis repercussões de ordem prática procedentes da decisão judi-
cial que foi proferida.
Pesquisa realizada em 2003, pelo Instituto Toledo & Associados, a pedido da
OAB, das 1,7 mil pessoas entrevistadas em 16 capitais do Brasil, 41% revelaram
não acreditam na Justiça. Outros 57% não souberam distinguir o trabalho do
promotor do juiz e 50% dos entrevistados não sabia a diferença entre o trabalho
do advogado e do promotor público. De lá para cá pouca coisa mudou.
Apesar da criação dos Juizados Especiais (estaduais e federais), buscando
desafogar os tribunais comuns e atender a um número maior de cidadãos, nas
causas de menor valor ou de pequeno potencial ofensivo, o que se vê é que nem
a Justiça comum está dando conta dos inúmeros processos em curso, nem os
Juizados, porque atolados com centenas de milhares de pequenas causas. Sem
contar com o fato de que é notório que muitos brasileiros ainda não recebem
essa proteção que é o próprio acesso à Justiça. Importante apontar que na pes-
quisa mencionada, o Poder Judiciário ficou em quinto lugar na lista das insti-
tuições mais confiáveis, quando deveria ser uma das primeiras.
A extensão do problema e os contornos do modelo estrutural e funcional
do Judiciário ambicionado pela sociedade brasileira foram reconhecidos pelo
então ministro Nelson Jobim, em seu discurso de posse na presidência do
Supremo Tribunal Federal, em que enfatizou:
A questão judiciária passou a ser tema urgente da nação. O tema foi arrancado do
restrito círculo dos magistrados, promotores e advogados.
Não mais se trata de discutir e resolver o conflito entre esses atores. Não mais se trata do es-
paço de cada um nesse poder da república. O tema chegou à rua. A cidadania quer resultados.
60 • capítulo 3
Quer um sistema judiciário sem donos e feitores. Quer um sistema que sirva à nação
e não a seus membros. A nação quer e precisa de um sistema judiciário que responda
a três exigências:
- acessibilidade a todos;
- previsibilidade de suas decisões;
- e decisões em tempo social e economicamente tolerável.
Essa é a necessidade. Temos que atender a essas exigências. O poder judiciário não
é fim em si mesmo. Não é espaço para biografias individuais. Não é uma academia
para a afirmação de teses abstratas. É, isto sim, um instrumento da nação. Tem papel
a cumprir no desenvolvimento do país. Tem que ser parceiro dos demais poderes. Tem
que prestar contas à nação. É tempo de transparência e de cobranças.
capítulo 3 • 61
Além disso, há as instâncias superiores, instaladas na capital do país: o
Superior Tribunal de Justiça, cuja competência é a de zelar pela supremacia das
leis federais e promover a uniformização de sua interpretação – art. 105, III, a,
b, c, CF/88. Qualquer decisão dos Tribunais Estaduais ou Federais em que haja
violação de lei federal poderá ser reexaminada pelo STJ, por meio de recurso
especial; e o Supremo Tribunal Federal – órgão máximo do Judiciário, abai-
xo do qual se encontram todos os demais e que tem por competência atuar em
hipóteses especiais, previstas pela Constituição (art. 102) e através do recurso
devido (recurso ordinário – art. 102, II ou extraordinário – art. 102, III).
O STF pode reexaminar decisões de qualquer dos órgãos do Judiciário (es-
tadual, federal ou especial). Ele dá a palavra final e sua decisão é imutável (art.
102, §2º, CF/88). O STF como guardião da Constituição, declara a inconstitucio-
nalidade das leis sempre que violem os princípios constitucionais. Tem ainda
por função atuar como moderador dos demais poderes, sendo o fiel da balança,
função eminentemente política.
De fato, o que a sociedade busca é a figura do “juiz-resolutor” de conflitos,
ou seja, mais ativo e participativo no cenário jurídico processual, que se preo-
cupe com a importância do diálogo com e entre as partes e com a tomada de
decisões orientadas pelo conjunto dos princípios constitucionais norteadores
do ordenamento jurídico e dotadas de real efetividade. Por outro lado, é fato
que a efetividade da atividade desempenhada pelos magistrados não depende
apenas de sua postura no curso processual. O problema possui nuances que
extrapolam as paredes do poder Judiciário e se colocam num plano muito mais
complexo, pois está condicionado à análise de um sem-número de variáveis
que estão para além à dinâmica exclusivamente processual.
62 • capítulo 3
com um conjunto de entidades parceiras que tenham aderido à proposta peda-
gógica do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outro exemplo a ser citado é o
de algumas das penas restritivas de direito que substituem as penas privativas
de liberdade, que para que tenham êxito – com reflexo na diminuição dos ín-
dices de criminalidade e reincidência – requerem a constituição de parcerias
com instituições variadas que viabilizem, por exemplo, a prestação de serviços
à comunidade imposta pelo juízo.
capítulo 3 • 63
b) cuidar pela observância do art. 37, da CF ( que trata da administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-
pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e apreciar, de ofício ou me-
diante provocação, a legalidade dos atos administrativos cometidos por mem-
bros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar
prazo para que sejam adotadas as medidas necessárias ao cumprimento da lei,
sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
c) receber e conhecer das reclamações contra qualquer dos membros ou
órgãos do Poder Judiciário, até mesmo contra seus serviços auxiliares, serven-
tias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, que atuem por de-
legação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disci-
plinar e correicional dos tribunais, podendo assumir processos disciplinares
em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com
subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras san-
ções administrativas, assegurada ampla defesa;
d) representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a adminis-
tração pública ou de abuso de autoridade;
e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de
juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
f) elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sen-
tenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder
Judiciário;
g) elaborar relatório anual, indicando as providências que julgar serem
necessárias, a propósito da situação do Poder Judiciário no País e as atividades
do Conselho.
64 • capítulo 3
3.2 As funções essenciais a realização da
justiça.
3.2.1 A Magistratura
capítulo 3 • 65
Mas a seleção por meio do concurso público é apenas uma das diversas for-
mas existentes para a escolha de juízes, inclusive no Brasil, a saber:
66 • capítulo 3
VANTAGENS rapidez e economia
capítulo 3 • 67
bém possuem garantias especiais previstas no texto constitucional. O Poder
Legislativo possui a previsão constitucional da garantia da inviolabilidade dos
deputados e senadores durante o mandato, por suas palavras, opiniões e votos.
Além disso, não é possível processar criminalmente nenhum parlamentar sem
uma prévia licença da Casa (Câmara ou Senado Federal) a que ele pertence.
Na medida em que os três poderes são independentes e harmônicos entre si,
nos termos do artigo 2º da Constituição Federal, esses poderes são distintos em
relação ao desempenho de suas funções, embora, excepcionalmente, possam de-
sempenhar funções atípicas. No caso do Judiciário, cabe a ele não somente a apli-
cação da norma jurídica, mas também, excepcionalmente, legislar e administrar.
Por outro lado, para que os juízes possam desempenhar seu papel consti-
tucional da prestação jurisdicional, sem a preocupação com qualquer tipo de
pressão interna ou externa, necessário se faz a existência de algumas garantias
que estão dispostas no artigo 95, da Constituição Federal. Nele, vêm expressas
as seguintes garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de ven-
cimentos. Na verdade, as garantias da magistratura, nada mais são do que um
meio legal de assegurar o livre desempenho do juiz.
De maneira sintética, aqui estão elas:
68 • capítulo 3
c) Irredutibilidade de Vencimentos – com a CF/88 o vencimento dos ma-
gistrados passou a ser irredutível.
Objetivo – segurança financeira.
capítulo 3 • 69
c) propor ação de inconstitucionalidade;
d) controle externo da atividade policial;
e) defesa dos direitos humanos.
• Atribuições:
a) orientação jurídica e defesa, em todos os graus, aos necessitados, ou
seja, aqueles que comprovarem insuficiência de recursos;
b) concede isenção ao preparo de pareceres e consultoria.
3.2.7 A Advocacia
70 • capítulo 3
Surge nesse meio o papel do advogado como negociador, aquele capaz de
solucionar conflitos de uma forma mais célere, antes mesmo de se formar
um litígio, que será objeto de análise quando se estudar o tópico relativo à
Sociologia das profissões.
A profissão de advogado é considerada uma das mais antigas profissões de
que se tem notícia. Muito embora somente tenha aparecido como tal com o
Direito Canônico (eclesiástico), segundo Maciel e Aguiar (2007, p. 62) sempre
existiram, desde os tempos da Grécia Clássica, aquelas pessoas encarregadas
de redigir discursos para as partes que atuavam nos processos, os chamados
logógrafos.
No Brasil, a lei 8906/94, que instituiu o Estatuto da Advocacia e da Ordem
dos Advogados do Brasil, reforça a delineação do perfil profissional, traçado no
art. 133 da CF/88, com grande preocupação com os aspectos sociais.
Ainda que se tenha em conta que função social do Direito é o controle social,
prevenindo e compondo conflitos, há de se admitir que a pura e simples criação
do Direito por si só não garante sua obediência. Razão pela qual necessário ao
estudioso da Sociologia Jurídica e Judiciária procurar os atributos que compor-
tam a sua realização efetiva.
É de se constatar que o ordenamento jurídico estatal não é conhecido em
sua totalidade pela população – quantos de nós sequer conhece a Constituição,
que é a lei Maior-, ainda assim, ele é respeitado pela maioria os indivíduos, de
maneira voluntária.
Esse é um fenômeno sociológico que por sua peculiaridade tem sido objeto
de pesquisas tanto por sociólogos quanto por filósofos do Direito. As questões
levantadas giram em torno do que levaria a essa constatação, ou seja, o que leva
o indivíduo a se submeter ao ordenamento jurídico e com isso dar efetividade
do Direito?
As respostas são as mais variadas e você irá conhecer algumas delas.
capítulo 3 • 71
CONTRATUALISMO
Corrente do pensamento que considera a sociedade civil e o Estado originados por um
acordo ou contrato estabelecido entre cidadãos autônomos, valorizando desta maneira
a liberdade individual, contra os excessos da ingerência estatal. Conquistou relevância
tanto teórica quanto política no pensamento liberal moderno.
72 • capítulo 3
às normas por receio do aparelho repressor do Estado, trata-se da corrente clás-
sica . Um exemplo disso se encontra nas palavras de Jean Carbonnier (1979,
p. 192) para quem a efetividade do Direito se encontra na noção pela qual:
“(...) a norma, sendo feita para se aplicar, requer uma coação que assegure a sua
aplicação. A sociedade que produz as normas produz também uma coação que
se exerce sobre o que se desvia de sua observância...a coação do direito, dir-se-á
então, é a que tem a sua origem num órgão diferenciado, especializado. O órgão
que tem o nome de Estado nas sociedades modernas é constituído pelos gover-
nantes, pelos chefes, pelos detentores do poder.”.
Os argumentos levantados por esses pensadores que se prendem à coação
para fundamentar a efetividade do Direito seriam razoáveis no sentido de justi-
ficar a efetividade das normas de Direito Penal (normas de direito público), que
são normas coativas por excelência e núcleo da repressão estatal.
Além do que, tem-se que considerar que, mesmo que o aparato jurídico es-
tatal, responsável pela aplicação do Direito, utilize-se todo o tempo da coação,
não conseguirá garantir o cumprimento voluntário do Direito. Isto porque os
meios coativos do Estado conseguem, máximo, impor a norma, mas não que
ela seja acatada por todos e com isso tenha o Direito efetividade.
Esses argumentos também não conseguem explicar, por exemplo, o aca-
tamento àquelas normas de direito privado, as chamadas normas promocio-
nais, que ao invés de punir o indivíduo o premiam quando executam certas
atividades.
A função promocional do direito é, segundo Bobbio (2007, p.12) a “ação
que o direito desenvolve pelo instrumento das “sanções positivas”, isto é, por
mecanismos de forma genérica conhecidos como “incentivos”, que objetivam
não a realização de atos socialmente condenáveis, como é o caso das sanções
negativas (penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimen-
tos, etc.), mas, sim, a “promoção” o incentivo da realização de atos socialmente
desejáveis.
capítulo 3 • 73
Niklas Luhmann (1927 -1998)
Sociólogo alemão considerado um dos mais importantes representantes da sociologia
alemã atual.
Adepto de uma teoria particularmente própria do pensamento sistémico.
Defende que o direito, em seu viés autopoiético, se (re)cria com base nos seus próprios
elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se altere ao
mesmo tempo movendo-se com base em seu código binário (direito/não-direito). Tal
característica permite a construção de um sistema jurídico dinâmico mais adequado à
hipercomplexidade da sociedade atual.
74 • capítulo 3
sentir, seriam as origens dos problemas do Poder Judiciário num espectro que
vai do despreparo técnico de juízes às deficiências na elaboração das norma
jurídicas, passando pelo desaparelhamento do Judiciário, pela prática de um
sistema abusivo de recurso e pelo excessivo apego ao formalismo, num devota-
mento à vertente romanista do Direito que já deveria estar vencido.
A amplitude de causas possíveis à situação problemática do Judiciário bra-
sileiro mereceu, de diversos analistas, entre sociólogos e juristas uma aborda-
gem sistemática.
Uma das sistematizações foi elaborada por Diogo de Figueiredo Moreira
Neto (1999, p. 30). O autor separa o problema do Judiciário em três grupos: as
causas estruturais, as causas funcionais e as causas individuais, como a seguir:
Causas Estruturais:
a) Sistema judiciário complexo e obsoleto: há muitas justiças especializa-
das, muitas instâncias (quatro) e inúmeros tribunais;
b) Inexistência de uma Corte Constitucional: é constitucional, principal-
mente num país em que tudo se constitucionalizou;
c) Morosidade e deficiência espacial: há a necessidade de proximidade e
de celeridade de atuação dos órgãos de primeira instância e do aperfeiçoamen-
to dos sistemas de justiça alternativa e prejudicialidade;
d) Deficiência de controles: falta de cumprimento de prazos, de assidui-
dade e de residência dos titulares nas respectivas comarcas;
e) Controle do Judiciário: necessidade de um sistema nacional de contro-
le que superasse o corporativismo sem expor o Judiciário à politização;
f) Número insuficiente de juízes: a proporção em 2004 era de um juiz por
25.000 habitantes. Essa proporção em países desenvolvidos é de um juiz por
5.000 habitantes. Necessidade de incentivo para atrair as legítimas vocações
para preencher o impressionante número de cargos vacantes na 1ª Instância;
Causas Funcionais:
a) Impropriedade das leis: muitas leis, mas inadequadas aos fatos que
pretendem reger e má confecção das leis;
b) Complicação procedimental: predominância do hermetismo, proces-
sualística sobre valorizada, excesso de meandros técnicos e sistema irracional
de recursos;
c) Deficiência no sistema de provocação: descaso do Poder Público na
motivação, seleção e aperfeiçoamento dos membros das funções essenciais à
Justiça, notadamente nas defensorias públicas;
capítulo 3 • 75
Causas Individuais:
a) Deterioração da formação acadêmica do bacharel: proliferação de fa-
culdades sem bom nível científico. Currículos deficientes nas matérias de
Direito Público. Reprovação em massa nos exames de ordem;
b) Carência na formação específica dos magistrados: seleção para a carrei-
ra através de concursos para ingresso nas Escolas da Magistratura. Promoções
condicionadas a cursos de reciclagem ou titulação em pós-graduação;
76 • capítulo 3
CAUSAS Referem-se ao processo praticado no Brasil e à necessida-
ORGÂNICAS de urgente de sua visão.
capítulo 3 • 77
critérios de avaliação para o ingresso na Magistratura, inserindo em seu rol de
disciplinas obrigatórias, além das tradicionais, matérias de cunho subjetivis-
ta e sociológico. São as seguintes disciplinas ligadas à formação humanística:
Sociologia do Direito, Psicologia Jurídica, Ética e Estatuto Jurídico.
c) O Novo Código de Processo Civil abre portas para uma Justiça mais ágil
e descomplicada, pois entre outras novidades, elimina recursos que hoje dila-
tam a duração dos processos e impõe custos advocatícios adicionais na fase re-
cursal para desestimular aventuras judiciais e litigância de má-fé. Além disso,
as partes poderão firmar acordo podendo modificar procedimentos que hoje
são rígidos, ajudando a destravar os processos. E o estímulo ao uso de instru-
mentos eletrônicos deve potencializar a velocidade de muitos atos. A concilia-
ção e a mediação serão instrumentos privilegiados a serem utilizados na solu-
ção dos conflitos que chegam aos tribunais. Por isso os tribunais terão de criar
centros específicos para que as partes, em audiências prévias, sejam estimula-
das a buscar acordo antes de o processo começar a correr. Outro avanço é um
mecanismo que permitirá aos tribunais adotar uma mesma decisão para cau-
sas iguais, o que, às vezes, pode valer para dezenas de milhares de processos.
78 • capítulo 3
a) A qualidade do ensino jurídico;
b) A consolidação das profissões jurídicas no mercado de trabalho como
um campo de atuação intelectualmente fecundo e economicamente próspero:
c) A ética dos profissionais da área jurídica.
capítulo 3 • 79
independente do que possa vir a ganhar pelos serviços prestados. Nesse sen-
tido, as profissões jurídicas são percebidas como uma espécie de missão a ser
cumprida na sociedade: os profissionais do direito seriam verdadeiros guerrei-
ros a lutar pelo direito, posto como única e suficiente maneira de resolução de
conflitos e defender os valores (da sociedade liberal burguesa), que são a base o
direito moderno e a razão de ser das profissões jurídicas.
Após o advento da II Guerra Mundial, a sociologia deixou um pouco de lado
as profissões jurídicas, com raras pesquisas e análises sobre o tema, só voltan-
do a produzir análises relevantes a partir das décadas de 1960 e 1970. As pesqui-
sas realizadas pelos professores Mauro Cappelletti, Bryant Garth(1988), no pro-
jeto ambicioso denominado Acesso à Justiça, entre outros, colaboraram para
reconduzir as profissões jurídicas no centro do debate com uma abordagem
mais sociológica, ainda que estivessem mais relacionadas com a sociologia do
direito do que com uma sociologia das profissões jurídicas.
Na atualidade, novos estudos sobre a sociologia das profissões jurídicas vão
surgindo. Mas, como alerta Santos (2012, p. 83) agora, os estudos analíticos so-
bre as profissões jurídicas estão saindo não estão mais na órbita da sociologia
do direito, mas especificamente no âmbito da sociologia das profissões. E no
caso das profissões jurídicas, a sociologia das profissões jurídicas está se cons-
truindo como uma área de conhecimento sociológico específico.
Diversos autores americanos, franceses e canadenses vão se firmando como
grandes figuras da sociologia das profissões, dando ênfase ao mundo do direito
em suas análises. Em particular, alguns desses autores têm interesse de pes-
quisa no papel das mulheres nas profissões jurídicas, discutindo a feminização
destas profissões.
O venezuelano Rogelio Perez-Perdomo (2005) é outro que vem destacando
nas análises atuais das profissões jurídicas, com duas ênfases:
Para Santos ( 2012, p.89), uma análise das profissões jurídicas se revela de
fundamental importância, “ levando em conta três aspectos fundamentais para
as análises sociológicas: 1) a relação entre profissões jurídicas e burocracia
80 • capítulo 3
estatal como mecanismo de reforço do poder das próprias profissões do direi-
to; 2) o ensino do direito como via de acesso à atividade profissional do direito
e como meio de incorporação dos habitus profissionais do direito e 3) o poder
das associações profissionais do direito para conformação do próprio campo
de atuação profissional, atuando politicamente como ator coletivo na estrutura
burocrática do estado, influenciando na discussão e elaboração de leis, e no
controle da formação (e conformação).”
Síntese
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JOBIM, Nelson. Discurso de Posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal. 3 jun. 2004.
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Editora da Universidade de Brasília. 1980.
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estado. O controle jurisdicional dos atos administrativos e a súmula vinculante. In: Cadernos de Direito
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capítulo 3 • 81
SOUZA, Carlos Aureliano Motta. O Papel Constitucional do STF: uma nova aproximação sobre o
efeito vinculante, Brasília Jurídica, 2000
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dez, 1995.
BONELLI, M. G. As Ciências Sociais no Sistema Profissional Brasileiro, In: BIB,
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SANTOS, André Filipe Pereira Reid dos. Uma introdução à Sociologia das profissões jurídicas,
in: Prisma Jurídico 2012, 11 (1). Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=93426128007.
Acesso em: 24 abr 2015.
82 • capítulo 3
4
Mudança Social e
Direito
O Direito concebido como ciência social deve acompanhar as mudanças que
ocorrem na sociedade, a fim de tutelar novos direitos ou prevenir novos confli-
tos, apontando solução para os conflitos inevitáveis. Isto porque, como um pro-
duto cultural, o Direito, é influenciado e reflete a realidade social, econômica e
política que o envolve.
Por outro lado não podemos esquecer que a mudança acelerada que se ve-
rificou desde o último século XX, colocando em destaque a importância do ser
humano e sua dignidade, consagrados nos documentos internacionais relati-
vos aos Direitos Humanos, nos levou a uma tomada de consciência da necessi-
dade de defesa de interesses de toda a sociedade, a começar pelos que interfe-
rem na qualidade de vida.
Neste capítulo vamos aprender um pouco do olhar sociológico sobre os fa-
tores sociais, culturais, religiosos, econômicos, entre outros, que interferem di-
retamente nas transformações sócio-jurídicas, na medida em que penetramos
no campo da mídia e da opinião pública, dos movimentos sociais, da cidada-
nia, da etnodiversidade, das questões de gênero e dos novos arranjos familia-
res, a partir da contribuição doutrinária de autores como Boaventura de Sousa
Santos, Zygmunt Bauman .
Conheceremos o sociólogo Manuel Castells e sua obra “Fim de milê-
nio”(1999) que dedica um capítulo, para a analisar “A conexão perversa: a eco-
nomia global do crime”, tecendo considerações a respeito do crime e sua atual
acepção em caráter organizado global.
OBJETIVOS
• Reconhecer a provisoriedade e a mutabilidade das normas de Direito em face da mudança
social.
• Reconhecer os efeitos das transformações econômicas na legislação, na aplicação do Direito
e nas instituições jurídicas.
• Compreender a importância da opinião pública para a formulação, interpretação e aplicação
do Direito.
• Conhecer as diversas teorias e representações a respeito do desvio social sobre a economia
global do crime num mundo globalizado.
84 • capítulo 4
4.1 Fatores de transformação sócio-jurídica.
O direito na concepção sociológica é um produto de múltiplas influências so-
ciais, sujeitas a constantes modificações porque se originam no grupo social, o
qual vive em constante transformação. Estas influências podem ser, de acordo
com Cavalieri (2005, p.31-33) principalmente, ligadas aos seguintes fatores:
a) Fatores econômicos
A organização social está articulada basicamente no modo como os ho-
mens produzem, possuem e comerciam. Assim, é fácil concluir que o direito
vai se modificando à medida em que se vai alterando a estrutura econômica da
sociedade.
Marx e Engels consideravam que o fator econômico era determinante para a
história da humanidade, sendo os demais fenômenos culturais consequências
das relações econômicas.
Exemplos: a) com a ascensão da burguesia mercantil europeia ao poder novos
ramos do direito foram surgindo, a partir do direito civil: direito comercial – des-
membrado do Jus Civile romano, marcando o início da Idade Moderna; b) resul-
tado da Revolução Industrial e do aparecimento da classe urbana do proletariado
com suas lutas por melhores condições de trabalhos e vida, surgem o direito do
trabalho e o direito industrial – assinalam o início da História Contemporânea.
b) Fatores políticos
A influência desses fatores torna-se ainda mais evidente em caso de mu-
danças políticas profundas (por exemplo, revolução). Mal concluída a tomada
do poder pelo grupo revolucionário surge um novo direito. Esse novo direito,
refletindo as novas tendências políticas, traz em si a intenção de legitimar e
justificar esse poder.
O Direito se revela como produto da correlação das forças políticas que atu-
am na sociedade. Assim, se prevalecem as forças conservadoras, as normas ju-
rídicas tendem a ter um perfil também conservador, retrógrado. Mas por outro
lado, se prevalecem as forças políticas progressistas, democráticas, certamente
o ordenamento jurídico irá refletir esse caráter avançado.
Foi o caso do Brasil, que durante os períodos de ditadura (Era Vargas e
Regime Militar de 1964) teve sonegados os direitos e garantias mais elemen-
tares dos cidadãos em suas constituições (de 1937 e 1967). No entanto, o fim
capítulo 4 • 85
da ditadura militar e com a transição democrática possibilitaram a construção
de uma constituição baseada nos mais caros princípios democráticos, a atual
Constituição Federal, em vigor desde 1988.
c) Fatores culturais
O direito reflete a sociedade para a qual se destina, e evolui acompanhando
a evolução cultural, a ponte de se poder dizer que o direito é um aspecto cultu-
ral de um povo.
Nos dias de hoje a intercomunicação social é um fator determinante de for-
mação e desenvolvimento cultural, ao passo que o isolamento atrasa o progres-
so da cultura do povo.
A maior prova de que o direito é uma manifestação cultural social, um fe-
nômeno cultural, está no fato de que vão surgindo novos ramos do direito à
medida em que se expande o mundo cultural de um povo. Atualmente se fala
em Biodireito, Direito Espacial, Nuclear, Virtual etc, realidade somente possí-
vel graças ao desenvolvimento científico dos tempos modernos.
d) Fatores religiosos
Nos povos antigos o direito se confundia com a religião. As legislações eram
cheias de rituais, preceitos e proibições de caráter sagrado.
Somente após um processo lento e prolongado de secularização é que reli-
gião e direito foram sendo separados.
Hoje, de um modo geral, a religião se ocupa do foro íntimo do indivíduo, en-
quanto que o direito disciplina as relações sociais entre os homens e a sociedade.
Seja lá como for, temas polêmicos e de forte acento religioso como o aborto
e o casamento homossexual, continuam sofrendo fortes barreiras por conta da
influência dos políticos vinculados às igrejas.
86 • capítulo 4
Assim sendo, a opinião pública passa a ser uma matéria de especial inte-
resse para o profissional do direito em geral. Porque o sentimento social sobre
o que é o justo e o injusto e o papel do direito é sinalizado pelo próprio pen-
samento social coletivo, que a cada momento, funcionando como uma bússo-
la, aponta e orienta esses operadores no que a sociedade necessita e espera do
Estado em sua função de distribuir a justiça e manter a paz social.
capítulo 4 • 87
b) a aprovação social das sanções que o direito estabelece, garantidoras da
validez e eficácia das normas;
c) a opinião do público acerca do comportamento ilícito;
Muito embora o Direito seja considerado e aceito como a forma mais eficaz de
controle social em sua organização e aplicação, sofre um questionamento cada
vez maior da opinião pública quanto à sua equidade.
Para muitos o Direito é um meio do qual se valem os mais fortes, as classes
dominantes da máquina estatal, para se manterem no poder contra os oprimi-
dos. Outros entendem que ele se presta a manobras que o desvirtuam comple-
tamente, e que isso é uma constante.
A opinião pública formada em torno do Judiciário foi no sentido de conside-
rá-lo deficiente, emperrado e moroso.
Há uma grande parcela que considera os tribunais ou juízes influenciáveis
pelos poderosos, ou passíveis de corrupção, e portanto parciais, assunto da
maior gravidade a merecer uma especial atenção, sob pena de uma desmorali-
zação cada vez maior da instituição.
88 • capítulo 4
Assim, a luta por um determinado ideal revela a identidade dos movimentos
sociais que estão sempre atuando na defesa de seus interesses. Eles se trans-
formam em representantes políticos dos indivíduos que estejam numa mesma
situação inapropriada, seja social, econômica, política, religiosa, etc.
“ Os movimentos sociais no Brasil têm sua história marcada pelos grandes
embates realizados contra os governos autoritários, sobretudo ainda nas lutas
pela liberdade e democracia, na década de 70 e parte da década de 80 é conside-
rada como inspiração no que diz respeito à ideologia que movia mentes e cora-
ções desses movimentos sociais. Nos anos 90 o Brasil se encontrava no auge do
Neoliberalismo, que tinha como influência diretamente por Ronald Reagan e
Margareth Thatcher que foi tido como berço das lutas contra os governos FHC,
do sucateamento de todos os aparelhos estatais, das “privatarias”, do desres-
peito aos trabalhadores e as trabalhadoras do Brasil e de todos os traços básicos
de um governo que não dialogava com os movimentos sociais, pois estava ao
lado das elites brasileiras e internacionais em nome do capital privado, sem
levar em consideração o povo que vivia a margem da “democracia” então vivida.
A existência de um movimento social exige uma organização muito bem es-
truturada, o que requer a disponibilidade de recursos e pessoas que estejam re-
almente engajadas.
São exemplos de movimentos sociais: o Movimento Abolicionista, no Brasil
Império; o Movimento Feminista, que tem suas origens no início do século XX;
o Movimento Estudantil, sempre presente na história das grandes transforma-
ções políticas em nosso país – vide os Cara-Pintadas do processo de impeachment
do ex-presidente Fernando Collor; o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST) surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma urbana e garan-
tir moradia e a todos os cidadãos; o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, também conhecido pela sigla MST, cujo objetivo é a implantação da re-
forma agrária no Brasil; o Movimento Negro, o Movimento GLBTT que luta em
prol da liberdade e do respeito pela orientação sexual.
O sociólogo português Boaventura do Sousa Santos (2005), defende a existên-
cia de ‘novos’ movimentos sociais, cuja identificação com as formas de opressão
vai além daquelas tradicionais como a exclusão social, o machismo, o racismo
etc, na medida em que lutam por um novo paradigma social baseado na cultura e
na qualidade de vida, com a utilização das redes sociais e da internet.
Caracterizam-se pela inexistência de líderes ou lideranças articuladas. As
mobilizações são organizadas tendo em conta a participação dos cidadãos em
capítulo 4 • 89
solidariedade com alguma atitude de um grupo social ou mesmo a partir da
manifestação indignada de um cidadão.
Manuel Castells (2013) também fala sobre esse novo momento, ao analisar
a ação de movimentos como a primavera árabe, os indignados da Espanha e a
ocupação de Wall Street, identificando nessa nova forma de organização dos
movimentos sociais em rede nova concepção de exercício da democracia.
O cenário desses novos movimentos se mantém sendo uma correlação de
forças entre, de um lado um Estado que detém o poder e de outro o contrapoder
dos movimentos que se utiliza de meios autônomos de comunicação como o
facebook, o twiter, os celulares, sem um espaço físico definitivo para encontros
permanentes.
90 • capítulo 4
populares. Mas, ainda há muito a ser feito para que o povo brasileiro possa se
sentir realmente titular de cidadania plena. Ainda prevalece uma visão reducio-
nista da cidadania (o voto sendo obrigatório e não como um direito pertencente
ao povo que poderá exercê-lo ou não, o processo eleitoral distorcido e tenden-
cioso), além de prevalecerem muitas barreiras tanto culturais quanto históricas
para a vivência da cidadania.
Ao abordar o tema da cidadania, que necessariamente importa em partici-
pação nos destinos da sociedade, Sousa Santos (2007, p.92) se refere ao fenô-
meno da “cidadania bloqueada” que seria característico nos sistemas demo-
crático representativos, na medida em que não lhes garantem as condições de
participação social ou política, muito embora o próprio sistema esteja baseado
na ideia de participação. O autor aponta três condições que a seu ver são funda-
mentais para a participação cidadã:
4.3.3 Etnodiversidade
Essa expressão foi cunhada no Partido Verde, em 1994, por Tibor Rabóczkay,
significando a presença de diversas etnias e "raças" num mesmo país, ou mes-
mo território. Sua inspiração é a analogia com "biodiversidade".
A etnodiversidade brasileira resulta da presença de vários povos indígenas,
descendentes de imigrantes de variadas origens (europeus, asiáticos), além da
forte contribuição de povos africanos que para cá vieram como escravos.
Da etnodiversidade brasileira se origina a grande capacidade de adaptação
do brasileiro.
capítulo 4 • 91
4.3.4 Questões de gênero e novos arranjos familiares.
92 • capítulo 4
Outro exemplo digno de uma profunda análise sociológica é a revelação de
que a maioria dos brasileiros concorda que o comportamento da mulher pode
motivar o estupro. Segundo a socióloga Nina Madsen, integrante do Colegiado
de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a pesquisa do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que 58,5% dos entre-
vistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres
soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Os pesquisadores
também avaliaram a seguinte frase: "Mulheres que usam roupas que mostram o
corpo merecem ser atacadas". O levantamento mostrou que 42,7% concordaram
totalmente com a afirmação e 22,4% parcialmente; 24% discordaram totalmente
e 8,4% parcialmente. Das 3.810 pessoas entrevistadas, 66,5% eram mulheres.
capítulo 4 • 93
A Constituição brasileira estabelece a proteção da dignidade do ser humano en-
quanto tal e o respeito às diferenças individuais e de grupos sociais em observância
a ordem social. Nesse âmbito de tutela aos direitos do homem e do cidadão, a de-
vida adequação da designação nominativa de travestis, transexuais e transgêneros
aponta ao nosso país integração e coerência com nossa Constituição Federal neces-
sária observância aos preceitos dos Direitos Humanos e do Direito Internacional.
No entanto, nos dias atuais, há que se apontar que mesmo as pessoas que conse-
guem ser submetidas à cirurgia de redesignação sexual não encontram no Judiciário
a agilidade e prontidão necessários a permitir a descontinuidade de situações cons-
trangedoras (quando não preconceituosas) a que são expostas diuturnamente.
Necessário demarcar que a inexistência de leis específicas quanto a esta
matéria faz com que a mudança de nome tão somente pela via judicial se torne
uma deliberação que depende de cada julgador (com a possibilidade do resulta-
do ser penetrado por valores, costumes, moralismos e preconceitos vinculados
à condição de indivíduo que existe por trás de cada toga) (HOGEMANN, 2014).
“(. . .) tal palavra serve para designar um grupo social que possui pelo
menos, as três características seguintes: 1) Tem a sua origem no casamento. 2) É
formado pelo marido pela esposa e pelos filhos (as) nascidos do casamento, ainda que
seja concebível que outros parentes encontrem o seu lugar junto ao grupo nuclear.3)
Os membros da família estão unidos por a) laços legais, b) direitos e obrigações eco-
nômicas, religiosas e de outro tipo c) uma rede precisa de direitos e proibições sexuais
além duma quantidade variável e diversificada de sentimentos psicológicos tais como
amor, afeto, respeito, temor, etc”. (STRAUSS, 1980, p. 16)
Essa é uma definição de família nos moldes tradicionais. Numa visão mais
atual, tendo em conta as atuais estruturas familiares, se constatará que a defi-
nição de família hoje não necessariamente corresponde a essa visão. Isso signi-
fica que inexiste uma definição geral de família, mas tipos históricos de família
estabelecidos socialmente ao longo do tempo e do espaço.
94 • capítulo 4
Philippe Ariès (1981) esclarece que, na civilização ocidental a família já exis-
tia como realidade desde a Antiguidade, embora ela ainda não existisse como
sentimento ou como valor. Para o autor, esse sentimento de família surge e se
desenvolve a partir do século XV e, somente a partir no século XVIII é que tal
concepção se estende a toda a população.
Essa família teria por finalidade basicamente a geração da prole, a trans-
missão da linhagem, do nome e do patrimônio. Nela, cumpre destacar o papel
central do patriarca, detentor do poder patriarcal e a prática dos casamentos
arranjados tendo em vista exclusivamente a transmissão de patrimônio.
Entre o final do século XVIII e meados do século XX “(. . .) a prática do casa-
mento arranjado foi deixada de lado em nome do amor romântico e de um novo
conceito da família como refúgio frente ao mundo do comércio e da indústria
altamente competitivo e frequentemente brutal.” (LASCH, 1991, p.27)
HEDONISMO
A palavra hedonismo vem do grego hedonikos, que significa "prazeroso", já que hedon
significa prazer. Como uma filosofia, o hedonismo surgiu na Grécia e teve Epicuro e
Aristipo de Cirene como alguns dos nomes mais importantes.
Esta doutrina moral teve a sua origem nos cirenaicos (fundada por Aristipo de Cirene),
epicuristas antigos. O hedonismo determina que o bem supremo, ou seja, o fim último
da ação, é o prazer. Neste caso, "prazer" significa algo mais que o mero prazer sensual.
Os utilitaristas ingleses (Bentham e Stuart Mill) foram os continuadores do hedonismo
antigo. (http://www.significados.com.br/hedonismo/)
capítulo 4 • 95
geral. A discordância ou concordância com os novos arranjos familiares se re-
vela de diversas maneiras, em diferentes contextos e pode sofrer influências de
modelos de ordem hegemônica.
O fato é que a família contemporânea continua como relevante instituição, a
despeito das mudanças. Importante apontar que, para além do casamento (ele-
mento simbólico que originava a formação das famílias), valores como amor, cui-
dado, proteção, investimento, apoio na velhice, afinidades conjugais, sexualida-
de, intimidade, entre outros seguem sendo os deveres familiares (SIERRA, 2011).
De todo modo, com o desenvolvimento da sociedade, a família foi se recon-
figurando e não se pode falar que existe um único modelo, mas vários tipos de
organização de unidades domésticas que configuram uma família.
Pereira e Schimanski (2013, p. 171) consideram que “A existência das novas
configurações familiares passa por uma linha tênue de análise entre o que se
considera politicamente/moralmente correto e a possibilidade da felicidade
no rompimento de valores tradicionais construídos em conjunto com a família
nuclear tradicional. A busca por novas formas de relações pode ser considerada
um tabu. Por outro lado, é fato a existência de novas estruturas familiares, o que
confirma a transformação da concepção em relação à instituição familiar e às
relações conjugais”.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu
como balizador principiológico fundamental a dignidade da pessoa humana,
desencadeou-se um processo de despatrimonialização ou repersonalização do
direito civil com a consagração da pluralidade de formas de família. Assim, a
entidade familiar passa a ser entendida como um meio instrumental de pro-
moção da felicidade de cada um dos seus integrantes, independente de orien-
tação sexual. É reconhecido constitucionalmente o instituto da união estável.
Surgem as famílias homoparentais como realidade social.
O reconhecimento legal das uniões homoafetivas no Brasil tem um marco funda-
mental representado pela decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade
4.277 e a Arguição de Descumprim ento de Preceito Fundamental 132. Essas duas
ações foram julgadas conjuntamente em maio de 2011. Naquele momento, por
votação unânime, o Supremo Tribunal Federal deu interpretação conforme ao ar-
tigo 1.723 do Código Civil, “para dele excluir qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas
consequências da união estável heteroafetiva”.
96 • capítulo 4
Em março de 2015, considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal
que reconheceu a união homoafetiva como um núcleo familiar como qualquer
outro, a ministra do STF Cármen Lúcia manteve decisão que autorizou um ca-
sal gay a adotar uma criança, independentemente da idade.
Uma outra forma de núcleo familiar atualmente existente, de acordo com
Roudinesco e Derrida, é a da coparentalidade: “A coparentalidade é uma situ-
ação na qual uma mãe lésbica ou um pai gay elaboram o projeto de ter e criar
uma criança com um parceiro, sendo que um é o pai biológico e o outro o pai
social que cria a criança. Assim, o coparente pode ser um pai legal, um pai so-
cial ou um pai biológico.” (p.48, 2004).
Também os avanços alcançados com as técnicas de reprodução (fertilização
in vitro) possibilitaram novas formas de constituição familiar. Esta representa
a procriação através da tecnologia reprodutiva disponível na atualidade, que
pode ser utilizada como recurso para homens e mulheres solteiros que dese-
jam formar um núcleo familiar monoparental ou para casais homoafetivos,
existindo a possibilidade da chamada gravidez por substituição (barriga de alu-
guel) na impossibilidade gestacional.
Outra possibilidade de arranjo familiar se configura para os casais paren-
tais homossexuais que já tinham filhos antes da união homossexual e que pas-
sam a criá-los agora, enquanto um casal homossexual.
capítulo 4 • 97
Os direitos humanos são inegavelmente o resultado de um longo proces-
so histórico de lutas, que deita suas raízes desde o Cristianismo, do Medievo,
com a afirmação da defesa da igualdade entre os homens numa mesma dig-
nidade, fruto da condição de igualdade e semelhança ao próprio Criador, res-
ponsável último pela criação de um ordenamento normativo cuja aspiração
maior era o ideal de justiça. Sloterdijk, considera que a descoberta da lingua-
gem dos direitos humanos pelo próprio povo foi um passo fundamental. Para
esse autor, muito embora esses direitos que são articulados desde a Guerra
dos Camponeses, de 1525 chegando até a resistência russa e polaca de nosso
tempo, sejam concebidos como direitos cristãos, o componente acrescido pe-
las Revolução Americana e Revolução Francesa, os permite serem entendidos
como direitos naturais seculares. E prossegue:
98 • capítulo 4
3ª GERAÇÃO: a defesa dos interesses difusos, com os direitos de solidarie-
dade. (Pós-2ª. Guerra Mundial) Ex.: proteção ao patrimônio histórico e cultu-
ral do povo (art. 5º, inc. LXXIII CRFB/1988), a defesa coletiva dos direitos do
consumidor (art. 81, inc. III CDC); direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (art. 225 CRFB/1988); FRATERNIDADE.
4ª GERAÇÃO: o direito a ser diferente (momento atual). Ex.: recusar trata-
mento à saúde (art. 15 CC/2002); não discriminação ou direito à diferença.
Na Constituição Federal de 1988, tanto a primeira dimensão, como a segun-
da dimensão de direitos fundamentais estão absolutamente contempladas.
Aos direitos de 1ª Dimensão - individuais (art. 5º), políticos (art. 14 ao 17),
e à nacionalidade (arts. 12 e 13) -, e aos de 2ª Dimensão - sociais (arts. 6º ao 11)
– juntam-se aos de terceira geração ou, de terceira dimensão (direitos difusos).
São exemplos típicos destes direitos, o meio-ambiente saudável, o direito ao
patrimônio histórico, o direito a cultura, o direito ao desenvolvimento de um
povo, o direito a manutenção das raízes culturais de um povo.
Os direitos políticos expandem-se, o conceito de cidadania se amplia: além
dos eleitores tradicionais (via de regra, os maiores de 18 anos alfabetizados),
dá-se a faculdade de voto ao analfabeto – que pela primeira vez, é reconhecido
como potencial cidadão – e ao jovem maior de dezesseis e menor de dezoito
anos.
OBS: segundo o § 3º do art. 5°, dispositivo incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
capítulo 4 • 99
Diante do saldo negativo apresentado pela realidade paradoxal em torno do
discurso dos direitos humanos nos últimos tempos, Sousa (2013, p.13) ques-
tiona “será a hegemonia de que goza hoje o discurso dos direitos humanos o
resultado de uma vitória histórica ou, pelo contrário, de uma derrota históri-
ca?”. Para o autor, qualquer que venha a ser a resposta, os direitos humanos
como “linguagem hegemônica da dignidade humana” foram estabelecidos
como instrumentos do mesmo modo que outros tantos, numa conjuntura que
legitima e perpetua a opressão. Então, em que medida poderiam os direitos
humanos ser utilizados para modificar esse status quo e se possível, como se-
ria isto exequível? Além disso, se a linguagem dos direitos humanos permite a
exclusão, a discriminação e a opressão, haveria outras linguagens dos direitos
humanos? E, caso haja, estariam aptas a contribuir para promover a superação
das violações e injustiças contra os direitos humanos?
100 • capítulo 4
que até então eram tidos como eficazes para diagnosticar e resolver crises so-
ciais. A pobreza e a miséria de uma parte significativa e crescente da população
mundial, o aprofundamento claramente irreversível das desigualdades sociais
em praticamente todos os países independentemente de serem desenvolvi-
dos ou não – há um aumento impressionante dos moradores de rua por toda
Europa e EUA - , a degradação ambiental e a ausência propostas objetivas de
soluções para qualquer destes problemas, levam o autor a pensar que, em ver-
dade, o que está em crise é o próprio modelo civilizacional no seu todo, isto é, o
paradigma da modernidade ocidental.
Os cientistas sociais que se lançaram no estudo destas transformações
sociais e se depararam com os limites das teorias e das metodologias existen-
tes, como apontado por Sousa Santos. Disciplinas centrais, como o Direito, a
Economia ou a Sociologia, possuem suas bases culturais e seus modelos teóri-
cos derivados da experiência ocidental do capitalismo e da industrialização e
de um modelo de desenvolvimento que refletem e regulam.
No entanto, essa noção de desenvolvimento, com a adoção das práticas ne-
oliberais a partir do fim da década de 80, provocou profundas e problemáticas
transformações sociais, econômicas, geopolíticas, tecnológicas e culturais, en-
tre as quais se pode citar:
capítulo 4 • 101
• O fim da Guerra Fria, o colapso da antiga União Soviética e a mudança
parcial para uma economia de mercado na China foram o anúncio do fim do se-
gundo mundo e de um sistema global bipolar (comunismo versus capitalismo).
A derrocada dos países do então bloco socialista tornou o capitalismo como
padrão de modelo econômico;
• O crescimento das economias dos países denominados “tigres asiáticos”
- Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan (República da China) e Hong Kong (região
administrativa da República Popular da China) - e as tendências para a indus-
trialização em algumas partes da América Latina (Brasil), por exemplo, tem pa-
pel de destaque no campo das transformações econômicas ocorridas.
Não se pode tratar o tema das transformações nas relações sociais e econômi-
cas do cotidiano sem abordar a questão da sociedade de consumo e da tendên-
cia atual ao consumismo.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em sua obra “Vida Para Consumo – A
transformação das pessoas em mercadoria” analisa como a sociedade baseada
no consumismo eclodiu nas últimas décadas em substituição a anterior socie-
dade de produtores. Considera o autor que as próprias pessoas se transforma-
ram em mercadorias na intenção de serem aceitas no espaço social e, assim,
conseguirem visibilidade numa sociedade onde, a tendência geral é que tudo
se torne efêmero.
102 • capítulo 4
ZYGMUNT BAUMAN (Poznań, 19 de novembro
de 1925) é um sociólogo polonês. Iniciou sua
carreira na Universidade de Varsóvia, de onde foi
afastado em 1968, após ter vários livros e artigos
censurados. Emigrou então da Polônia, por moti-
vo de perseguições antissemitas, e na Grã-Bre-
tanha tornou-se professor titular da Universida-
de de Leeds (1971 em diante). De acordo com
Bauman, cada vez mais a sociedade em geral,
tem menos contatos entre os indivíduos e que
duram menos. Uma das suas frases, em portu-
guês se traduzem que "as relações escorrem pelos vãos dos dedos". E que os valores
estão se perdendo, diante disso, o sociólogo revela que não é necessário buscar as-
pectos positivos do passado, mas sim redefinir valores atuais.
capítulo 4 • 103
humanas e é no bojo destas relações que o espaço social configura-se em es-
paço de contatos e de segregação. Por isso o consumo torna-se espaço de sobe-
rania, quando se faz valer de virtudes, de raciocínios e de autonomia, além da
alienação”.
104 • capítulo 4
• em toda sociedade há metas sociais a serem alcançadas, estendendo-se
como metas, em uma sociedade capitalista, o sucesso na vida, sendo esta tra-
duzida como fortuna, poder, prestígio, popularidade etc;
• para atingir as metas há os meios socialmente prescritos para atingi-los;
• os meios existentes além de insuficientes, não estão ao alcance de todos,
levando ao desequilíbrio entre os meios e as metas. Resulta daí um desajusta-
mento, um descompasso entre fins sugeridos a todos e insistentemente esti-
mulados (metas) e os recursos (meios) oferecidos pela sociedade para alcançar
aqueles objetivos.
capítulo 4 • 105
Por outro lado essa teoria é alvo de muitas críticas. A principal sustenta que
o autor entende as condutas de inovação, ritualismo, evasão e rebelião como
manifestação de uma disfunção dentro do sistema social. O autor parte da ideia
de haver um equilíbrio social e considera o desvio como manifestação patoló-
gica, apesar de reconhecer a contribuição do sistema para a produção do com-
portamento desviante.
Os teóricos da anomia identificam no comportamento desviante, especial-
mente o rebelde e inovados, um incentivo à mudança social, ou então conside-
ram esse comportamento como consequência de mudanças sociais que deso-
rientam os indivíduos.
Todavia, cumpre dizer mais uma vez que se tratam de teorias que devem ser
respeitadas, mas que estão longe de ser a verdade absoluta.
Uma outra perspectiva, mais atual, é a subjetivista que coloca mais evidên-
cia às reações sociais a um comportamento do que tentar determinar o que seja
o desvio social em si. Ou seja, o desvio não existe isolado, há de um lado aque-
les que são os detentores do poder e que estabelecem as normas. Mas, quando
essas normas não são aplicadas adequadamente torna-se difícil rotular qual-
quer comportamento de desviado. Então, a tarefa é buscar compreender como
a sociedade estabelece o que é desvio, e o que essas determinações ou critérios
demonstram sobre a própria sociedade.
Esta maneira de explicar o comportamento de desvio, defendia por Becker
(2008), consiste em entender o desvio social como resultado de um processo
social de rotulação ou de estigmatização social (labelling).
Assim, se revela fundamental para os indivíduos que examinem os seus
ideais conscientes ou subconscientes sobre desvio social. Na medida em que
rotular um comportamento como de desvio serve apenas para categorizar, não
para o explicar.
Ou seja, o desvio é uma resposta ao próprio controle social.
Silva Filho (2015), em texto intitulado “A Violência no Brasil”, traz dados quanti-
tativos importantes sobre a situação da materialização do desvio social no país
e elenca uma série de causas justificadoras desses números, propondo ações
que se implementadas contribuiriam para a redução e melhoria desse quadro.
Abaixo, alguns trechos de seu texto:
106 • capítulo 4
“Trezentos milhões de reais por dia é o custo estimado da violência no
Brasil, o equivalente ao orçamento anual do Fundo Nacional de Segurança
Pública, e um valor superior ao envolvido na reforma da Previdência que tan-
to mobilizou os governos. Esses valores não contabilizam o sofrimento físico
e psicológico das vítimas da violência brasileira, uma das mais dramáticas do
mundo. Com 3% da população mundial o Brasil concentra 9% dos homicídios
cometidos no planeta. Os homicídios cresceram 29% na década passada e entre
os jovens esse crescimento foi de 48%. As mortes violentas de jovens aqui são 88
vezes maiores do que na França. E poucos países sofrem as ações de terrorismo
urbano como as praticadas por traficantes no Rio de Janeiro.
Alguns indicadores mostram a precariedade dos sistemas de contenção da
violência. Cerca de 2.000 roubos ocorrem diariamente na Grande São Paulo e
em menos de 3% os assaltantes são presos no momento do crime. Se mesmo as-
sim há um explosivo crescimento de nossa população carcerária é porque não
basta prender. As estratégias reativas da polícia e os métodos obsoletos de in-
vestigação não estão conseguindo conter significativamente o grande volume
de crimes. No Rio de Janeiro, apenas 1% dos homicídios chega a ser esclarecido
pelos trabalhos de investigação, segundo revelação do Ministério Público. Se
essa "eficiência" da polícia e da justiça for dobrada, a um custo impagável, o vo-
lume de crimes mal será afetado. Esse retrato da impotência de nosso sistema
de controle criminal é revelador da necessidade de uma profunda reforma no
sistema de prevenção criminal e não apenas isso, é necessário que as causas da
violência também sejas adequadamente tratadas, sem o que a crise da seguran-
ça pública no País não será alterada significativamente.
Causas da violência:
Entre as principais causas da violência no país, pode-se citar:
capítulo 4 • 107
• De maneira geral as polícias têm treinamento deficiente, salários incom-
patíveis com a importância de suas funções e padecem de grave vulnerabilida-
de à corrupção. A ineficiência da ação policial na contenção dos crimes, assim
como o excessivo número de mortes de civis e de policiais, decorre dessas defi-
ciências e do emprego de estratégias policiais meramente reativas e frequente-
mente repressivas.
• O emprego de tecnologia de informação ainda é incipiente, dificultando
o diagnóstico e o planejamento operacional eficiente para a redução de pontos
de criminalidade. Nesse planejamento são precárias as iniciativas de integra-
ção entre os esforços policiais e as autoridades locais para promover esforços
conjuntos de prevenção e redução dos índices de violência.
108 • capítulo 4
MANUEL CASTELLS OLIVÁN (Hellín, 1942) é um
sociólogo espanhol. Entre 1967 e 1979 lecionou
na Universidade de Paris, primeiro no campus de
Nanterre e, em 1970, na "École des Hautes Études
en Sciences Sociales". No livro "A sociedade em
rede", o autor defende o conceito de "capitalismo
informacional".
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Castells)
Para Castells (1999), a prática do crime é tão antiga quanto a própria huma-
nidade. Mas o crime global, com a formação de redes entre influentes organiza-
ções criminosas e seus associados e atividades partilhadas mundialmente, re-
vela-se um novo fenômeno que compromete fortemente as economias mundial
e nacional, a política, a segurança e, em última instância, todas as sociedades.
As principais atividades promovidas pelo crime organizado envolvem o tráfico
- de drogas, armas, material nuclear, mulheres e crianças, órgãos e tecidos hu-
manos -, o contrabando de imigrantes ilegais e de armas, e a lavagem de dinhei-
ro. O autor reconhece que, apesar de o tráfico de drogas ser a atividade ilícita
mais importante do crime global, mantendo ramificações e contatos por todo o
mundo, o contrabando de armas também se revela um mercado extremamente
lucrativo. Segundo Castells (1999), o centro desse sistema é representado pela
lavagem de dinheiro, de centenas de bilhões (quiçá trilhões) de dólares. Redes
de comércio internacional são alimentadas por esquemas financeiros comple-
xos que instituem a vinculação entre a economia do crime e a economia formal,
adentrando nas imbricadas teias dos mercados financeiros e constituindo um
elemento ambiguamente fundamental e incerto na atual economia global, ca-
racterizada por sua debilidade e inconstância.
Nas últimas décadas, as organizações criminosas vêm assumindo um ca-
ráter cada vez mais transnacional em suas operações, muito devido à própria
tendência globalizante da economia e em razão das novas tecnologias de comu-
nicações e transportes. O autor faz referência à Conferência realizada pela ONU
em 1994 sobre o crime global organizado que aferiu que o comércio global de
drogas tenha atingido a cifra de US$ 500 bilhões por ano; ou seja, foi maior que
capítulo 4 • 109
o valor de todas as transações comerciais mundiais do comércio do petróleo.
Em relação aos lucros globais originários de todos os tipos de atividades ilegais
globais, esses foram orçados, àquela época, em nada menos que US$ 750 bi-
lhões ao ano. Imagine em quanto estará esse valor nos dias de hoje?
Para Castells (1999), a globalização gerou uma grande revolução na estraté-
gia institucional do crime organizado. O autor exemplifica afirmando que es-
conderijos seguros ou relativamente seguros vêm sendo encontrados em todo o
planeta: “pequenos (Aruba), médios(Colômbia), grandes (México) ou enormes
(Rússia)”, entre muitos outros. Além disso, a grande mobilidade e extrema fle-
xibilidade das redes lhes permite livrar-se dos ordenamentos jurídicos nacio-
nais e dos procedimentos rigorosos necessários à cooperação entre as polícias
dos diversos países.
A reação do Estados democráticos sitiados pelo crime global, como forma
de autodefesa, tem se materializado em medidas que acabam por comprometer
as liberdades democráticas e revelam insegurança. Essa situação combinada
com a influência (inclusive, política) crescente do crime global pode provocar
um retrocesso significativo dos direitos, valores e instituições democráticas, na
medida em que a influência do crime organizado não se dá apenas a partir de
pontos externos às fronteiras nacionais. Esse mal está fazendo o Estado demo-
crático ruir por dentro.
Detalhe extremamente relevante aponta pelo autor indica que quanto mais
o crime organizado se globaliza, mais seus componentes, os mais importantes,
valorizam sua identidade cultural. Ao assim proceder, preservam suas bases ét-
nicas, culturais e, sempre que possível, territoriais (No Brasil é sintomática a
influência do crime organizado em demonstrações culturais como o carnaval
e as escolas de samba). Aí reside sua força. É possível que as redes criminosas
estejam, inclusive, à frente das empresas multi e transnacionais buscando aliar
identidade cultural a negócios globais.
(Adaptado do site: https://www.academia.edu/2084867/AN%C3%81LISE_
DO_LIVRO_FIM_DE_MIL%C3%8ANIO, acesso em 06 mai 2015)
Síntese
110 • capítulo 4
• Tomou conhecimento do conceito e da importância da Opinião Pública
para a Sociologia Jurídica e para o Direito.
• Aprendeu sobre a relevância dos movimentos sociais na sociedade
contemporânea.
• Conheceu as questões que envolvem as relações de gênero e os novos ar-
ranjos familiares.
• Distinguiu as especificidades das questões relacionadas às transforma-
ções ocorridas nas relações sociais e econômicas do cotidiano.
• Conheceu as diversas teorias e representações a respeito do desvio social
e o que significa a economia global do crime num mundo globalizado.
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capítulo 4 • 111
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112 • capítulo 4
5
Questões Sócio-
Jurídicas no Mundo
Globalizado
Este último capítulo aborda questões emergentes da realidade atual relativas
às questões sociais e jurídicas inerentes a um mundo globalizado.
As mudanças no mundo globalizado afetam diretamente o direito na me-
dida em que a sociedade contemporânea passa por um período no qual es-
tamos deixando a ordem interestatal moderna para trás e uma nova ordem
mundial está sendo construída.
Nas palavras de Giácomo Marramao, professor de Filosofia Política na
Universidade de Roma III “ Há um sistema de negociação entre grupos so-
ciais que demonstra que o direito não é o produto, como o chamava Nietzs-
che, do monstro frio. O direito é um produto da dinâmica social, da dinâmica
de trocas socioculturais e não somente um produto da vontade soberana. Não
há mais monopólio da decisão. Não há mais monopólio das fontes de direito,
há uma pluralização das fontes de direito”.
Esta nova ordem mundial que se constrói leva a novos desafios: a preser-
vação do meio ambiente, a flexibilização das relações de trabalho, o direito à
diferença que diz respeito à sociodiversidade e às minorias, a defesa da demo-
cracia participativa e a luta pela efetividade dos Direitos Humanos, contra a
exclusão social.
OBJETIVOS
• Compreender o processo de mundialização do Direito.
• Distinguir os conceitos relativos à fragmentação, hegemonia e participação política na socie-
dade global.
• Conhecer os novos desafios globais relativos, aos trabalhadores e ao meio ambiente.
• Dimensionar o grau de relevância das questões sobre a biodiversidade.
• Reconhecer a gravidade da exclusão social no cenário das sociedades contemporâneas.
114 • capítulo 5
5.1 Sociedade global e direito.
Fala-se muito no advento de uma sociedade global como consequência de um
processo de globalização, processo que para muitos teria começado com o pe-
ríodo das grandes navegações realizadas pelas então potências mundiais, Por-
tugal e Espanha, no século XV, mas que se intensificou e adquiriu novas feições
nas últimas três décadas do século XX.
Essas novas feições estão diretamente ligadas aos avanços tremendos ocor-
ridos da junção entre a ciência, a técnica e a informação que permitiram desco-
bertas até então inconcebíveis: os avanços biotecnológicos, a robótica, o domí-
nio do espaço virtual e das telecomunicações via satélite, são alguns exemplos.
GUERRA FRIA
A guerra fria é a designação dada ao conflito político-ideológico entre os Estados Uni-
dos (EUA), defensores do capitalismo, e a União Soviética (URSS), defensora de uma
forma de socialismo. Não existe um consenso sobre a data exata do início da Guerra
Fria. Para alguns estudiosos, o marco simbólico foi a explosão nuclear sobre as cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Outros acreditam que seu
início data de fevereiro de 1947, quando o presidente norte-americano Harry Truman
lançou no Congresso dos Estados Unidos a Doutrina Truman, que previa uma luta sem
tréguas contra a expansão comunista no mundo. E há também estudiosos que indi-
cam a divisão da Alemanha em dois Estados, em outubro de 1949. O surgimento da
Alemanha Oriental, socialista, estimulou a criação de alianças militares dos dois lados,
tornando oficial a divisão da Europa em dois blocos antagônicos, o que poderia ser o
marco inicial da Guerra Fria.
Em seu livro intitulado Sociedade Global, Octavio Ianni aponta, dois even-
tos cronológicos e políticos que serviram como ponto de partida para as pro-
fundas transformações que estão em curso na sociedade mundial: o início da
chamada Guerra Fria (1946) e a queda do Muro de Berlim (1989). A elas se pode
acrescentar uma outra consequência do fim da Segunda Guerra Mundial, além
da Guerra Fria: o advento da sociedade de massas e a criação da mídia.
A Guerra Fria foi superada, muito em função da crise e posterior ruptura do
bloco socialista, a partir da queda do Muro de Berlim.
capítulo 5 • 115
Esse processo proporcionou uma verdadeira “mundialização” do espaço
geográfico do planeta e o controle do tempo, fenômeno que vai muito além dos
limites das fronteiras dos Estados- nacionais (países) e que alcança e promove
também a universalização de ideias, dos valores, padrões e procedimentos, tan-
to e especialmente nos aspectos da economia, como no quadro social, político,
científico, informacional, cultural e ecológico desses Estados atingidos.
Como consequência, tem-se um mundo cada vez mais conectado, o que
provoca a impressão de que o planeta está cada vez menor. O progresso con-
quistado no campo das telecomunicações e da informática permitem que ima-
gens em tempo real possam ser vistas em todas as partes do planeta, encurtan-
do tanto o tempo como a distância em termos de acesso à comunicação.
Mas todo esse processo não se dá sem contradições: Uma parte da popula-
ção do planeta, em especial nos países pertencentes ao denominado Primeiro
Mundo, incorpora ao seu cotidiano humano a informática, os computadores e
tablets, a internet, o telefone celular, os cartões magnéticos, a medicina nucle-
ar, etc.
Enquanto isso, outra parcela considerável de pessoas vive na mais extrema
miséria e no atraso tecnológico. Para se ter uma ideia, atualmente 1 em cada 8
pessoas no mundo não come o suficiente para se manter saudável, segundo a
FAO (Food and Agricuture Organization). Isso significa que 842 milhões de pes-
soas ainda não comem satisfatoriamente, ou seja, passam fome. Ou seja, num
mundo considerado global e majoritariamente capitalista, pelo menos 12% da
população mundial passa fome a níveis críticos.
Além do que, se era da comunicação via satélite diminuiu os limites entre as
nações, também deu origem a problemas comuns entre os povos.
Um desses problemas está relacionado aos aspectos decorrentes das mu-
danças na natureza das operações tecnológicas, consequência do processo de
robotização e da informatização. São mudanças que possibilitaram uma fan-
tástica produção de riquezas, sustentadas e estimuladas pelas grandes corpo-
rações mundiais, mas que trouxeram em seu bojo a concentração injusta da
renda e o consumismo, com mais um componente para o aumento das desi-
gualdades entre ricos e pobres.
Esse processo leva ao aumento da discriminação e da exclusão, e o enfraque-
cimento da solidariedade. Tem-se, de um lado os países de primeiro mundo,
que possuem o domínio e controle dos processos tecno-científicos, econômicos
116 • capítulo 5
e políticos e, de outro, uma população dos países não desenvolvidos (mormen-
te os povos africanos) vivendo em situação de sub-existência, quando não de
miséria, mas que querem fazer parte dessa nova condição global.
Um exemplo típico é o caso dos milhares refugiados dos países africanos
que seja pelo medo da guerra, seja pelo sonho de uma vida melhor, diariamente
colocam suas vidas em risco e buscam chegar às costas da Europa utilizando
frágeis e superlotadas embarcações.
As consequências no que diz respeito ao direito internacional são as mais
díspares, pois podem ser recebidos como refugiados e obter abrigo, como tam-
bém podem ser simplesmente deportados para seus países de origem, retor-
nando aos caos político e à miséria e ao desrespeito a seus direitos mais funda-
mentais como seres humanos.
Uma outra contradição diz respeito aos temas ligados à ecologia. Relatórios
e pesquisas realizadas por vários organismos internacionais - ONU, Cruz
Vermelha Internacional, e diversas ONGs -, apontam para uma preocupação
crescente com o estado global do planeta.
Em nome da ciência, do progresso, da tecnologia, da economia e da polí-
tica cada vez mais se está contaminado o ar que se respira, os reservatórios da
água potável, o solo, por conta dos agrotóxicos e a riqueza da biodiversidade do
planeta.
No entanto, tanto as questões ligadas ás violações contra os recursos natu-
rais, como aos Direitos Humanos, quanto a pressão econômica da globalização
dos mercados financeiros apontam no sentido de uma uniformização dos or-
denamentos jurídicos nacionais.
A necessidade de uma maior eficiência do Poder Judiciário já foi tema de
debates calorosos no Banco Mundial através do documento 319 (estudo sobre
o Judiciário na América Latina e no Caribe), publicado em meados de 1996, nos
EUA e que sinaliza pela aproximação dos ordenamentos jurídicos de países em
desenvolvimento dos chamados países desenvolvidos.
O referido documento internacional ainda faz alusão à necessidade efetiva
de alterações legislativas e de procedimentos administrativos bem como nos
códigos de processo a fim de que o processamento das demandas seja mais
célere e eficiente sem abrir mão da segurança e certeza jurídica.
capítulo 5 • 117
5.2 Sociologia jurídica e a luta pela
mundialização do direito.
118 • capítulo 5
Após a Segunda Guerra Mundial houve um movimento, motivado pela ur-
gência humanitária, no sentido da concessão de capacidade normativa pelos
Estados aos organismos internacionais. Isso fica evidente no advento da Carta
da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1945, que é o ponto de partida
para uma capacidade normativa que tem por base política não o poder sobera-
no de um Estado em si, mas a reunião de vontades dos Estados-nacionais, de
forma voluntária, na busca da promoção de ações mínimas visando a paz e a se-
gurança mundiais no início da chamada Guerra Fria. São estabelecidas sanções
para obrigar as nações ratificadoras dos pactos, para o seu fiel cumprimento.
Esse movimento de internacionalização da capacidade normativa di-
fundiu-se com a publicação de várias outras normas de caráter internacio-
nal, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos de dezembro de 1966, e o
Protocolo de Kyoto, em vigor desde fevereiro de 2005.
Questões atinentes aos Direitos Humanos, ao direito econômico e ambien-
tal fazem parte da maior parte do conteúdo dessas normas internacionais.
Por outro lado, a tendência vai no sentido de uma gradativa aproximação
metodológica entre o sistema da Common Law e o da Civil Law (romano-ger-
mânica), ou seja, o sistema que tem por base o precedente judiciário e o siste-
ma cuja fonte mais importante do direito é a norma legal. Essa tendência refle-
te o cenário contemporâneo de uma sociedade globalizada constituindo uma
imensa aldeia onde desaparecem ou são desconsideradas antigas diferenças e
muito se aproximam dos anseios e necessidades e soluções para os conflitos.
Um exemplo muito relevante disto é a criação do instituto da Súmula
Vinculante pelo ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Emenda
Constitucional nº 45/04, que prevê, em seu art. 103-A, caput, a possibilidade
de uma súmula ter eficácia vinculante sobre decisões futuras e, com isso, ter
força de lei.
Já no que diz respeito às normas com validade internacional, constata-se a
existência de um elemento comum a tais direitos que os elegem a fazer parte de
um disciplinamento mundial uniforme: o fato de terem uma natureza difusa
muito grande e que o seu desrespeito importa em riscos globais. Um exemplo
disso são as violações ao meio ambiente (emanação de gases poluentes na at-
mosfera, derrubada sem controle das árvores, etc) responsáveis pelo acelerado
aquecimento do planeta. O certo é que tanto a queima de uma floresta, uma
capítulo 5 • 119
perseguição étnica ou um massacre genocida, em qualquer lugar do mundo,
são fatos que provocam reflexos negativos para toda a espécie humana, de
tal maneira que nesse sentido não há que se falar em nacionalidade, mas em
humanidade.
120 • capítulo 5
A governabilidade na receita do neoliberalismo é alcançada por meio de uma
estratégia de máxima fragmentação (divisão) da sociedade. Uma sociedade di-
vidida (seja em grupos por seu poder aquisitivo, seja por razoes étnicas ou reli-
giosas, etc), na qual diferentes grupos minoritários não conseguem constituir-se
numa maioria capaz de questionar o sistema vigente, é a melhor fórmula para
enfraquecer as resistências para que o poder hegemônico atue sem problemas.
Esta é uma estratégia muito utilizada pela patronal em relação aos traba-
lhadores - dividi-los, diferenciando-os, separando-os quando não colocando-os
uns contra os outros em distintas categorias e formas de remuneração. Só que
no projeto neoliberal esta prática se estende a toda a sociedade.
Através do estímulo ao individualismo exacerbado e à intolerância o poder
hegemônico se vale de instrumentos (a mídia desempenha um importante
papel) para fomentar a construção de grupos sociais isolados uns dos outros.
Nesse processo é buscado que estes grupos lutem tão somente por objetivos
exclusivos e parciais, de modo a não promover adesão de outros grupos, levan-
do ao convencimento de que não existem objetivos comuns. Razão pela qual o
discurso difundido sobre o fim das ideologias e das das utopias sociais é extre-
mamente conveniente para que as pessoas percam tanto as esperanças quanto
o espirito de solidariedade e desenvolvam o raciocínio pífio do “farinha pouca,
meu pirão primeiro”.
Ao mesmo tempo em que são estimuladas práticas de enfrentamento entre
os distintos grupos, também se fomenta a cultura do naufrágio, do "salve-se
quem puder", que desconsidera qualquer tipo de solução coletiva. A tendência
é a de impedir a criação de espaços de encontro que possibilitem a criação de
objetivos que possam ser compartilhados por outros grupos, com margem a po-
tenciais acordos e alianças. A sociedade fragmentada implica em uma maioria -
e às vezes um povo inteiro - que perdeu o rumo de sua própria causa nacional. A
identidade nacional se perde, se liquefaz, numa alusão ao termo baumaniano.
Trata-se, pois, de uma estratégia do poder hegemônico que se reflete por
todo o planeta, que busca fragmentar a sociedade e impossibilitar, de um
modo absoluto, a construção de um conceito de maioria que possa questionar
o sistema tanto no âmbito interno quanto global.
Neste sistema visão individual e individualismo não significam autodeter-
minação, mas o seu contrário, a alienação e a subordinação à lógica imposta
por este. Razão pela qual a saída possível passa necessariamente pela da con-
quista da autonomia do indivíduo na globalização, como contraponto essencial
capítulo 5 • 121
para ascender à participação política. O domínio da autodeterminação, é o ins-
trumento para que o indivíduo possa enfrentar uma sociedade tecnocrática e
consumista, crescente, e que constantemente impõe novos e cada vez mais alie-
nantes regulamentos globais de comportamento.
122 • capítulo 5
limites do lucro a qualquer custo levou à utilização dos recursos advindos da
natureza sem qualquer controle, aliada a uma cultura que coloca o meio am-
biente sempre em segundo plano, ainda que aparentemente haja uma preocu-
pação com a ecologia global.
Tem-se, por um lado, as grandes empresas ao redor do planeta poluindo
o ar, o solo, os rios e lagos, derrubando florestas e levando à extinção diversas
espécies tanto da flora quanto da fauna, mas não se pode olvidar a contribuição
individual nesse processo.
Um exemplo disso faz parte do dia a dia de todas as cidades brasileiras: ex-
perimente ir ao supermercado e procure quem se preocupa em levar consigo o
carrinho de feira ou sacolas de compras de material reciclável para evitar o uso
excessivo de bolsas de plástico? Este simples exemplo serve para demonstrar o
quanto a consciência da população ainda está alienada em relação a questão
ambiental.
capítulo 5 • 123
pelo processo de homogeneização ou padronização cultural que desconside-
ra suas especificidades culturais e tradições próprias. Mas, ao revés, posições
multiculturalistas radicais, que priorizam e estimulam o fetiche da diferença,
levam ao estabelecimento de políticas sociais que findam por criar profundas
desigualdades e injustiças. Assim, a busca do equilíbrio é o ideal, na medida em
que se revelam prejudiciais tanto a padronização cultural quanto a discrimina-
ção quando exacerbadas.
Objetivamente, o processo de globalização também traz em seu bojo uma
tendência de padronização cultural, na medida em que a sociedade consumis-
ta utiliza os meios de comunicação em massa para induzir o estabelecimento
de valores culturais artificialmente estabelecidos e que determinam o que e
como se deve comer vestir, assistir, ouvir, comprar e pensar.
Como forma de resistir a esse processo que desrespeita as diferenças e ni-
vela todos os indivíduos, existem tanto no nível interno (nacional) como no
internacional, diversos grupos que se distinguem pela defesa de suas práticas
culturais, de sua orientação sexual, de seus credos e etnias próprios. Esses são
grupos são denominados como minorias, correspondem a grupos sociais ou
mesmo nações que lutam na defesa de seus ideais. Os grupos sociais (negros,
mulheres, homossexuais, transgêneros, quilombolas, pessoas especiais, ido-
sos etc.) lutam pelo respeito à sua dignidade e cidadania; as nações (povos indí-
genas, palestinos, bascos etc.) almejam sua independência territorial, cultural,
religiosa e política.
O ponto em comum dessas minorias é situação de exclusão e/ou discrimi-
nação que provoca o surgimento de organizações (movimentos sociais) que
procuram conquistar a dignidade e respeito por meio de ações políticas.
124 • capítulo 5
3. o reposicionamento social da mulher, também entre as décadas de 50 e
70, sobretudo com sua inserção no mercado de trabalho.
capítulo 5 • 125
autônomos, cooperativas de produção etc.; o que transforma um certo núme-
ro de postos de trabalho de ‘empregos’ formais em ocupações que deixam de
oferecer as garantias e os direitos habituais e de carregar os custos correspon-
dentes.[...] O que dá para admitir com razoável segurança é que ela afeta pro-
fundamente os processos de trabalho e, com toda certeza, expulsa do emprego
milhões de pessoas que cumprem tarefas rotineiras, que exigem um repertório
limitado de conhecimentos e, sobretudo, nenhuma necessidade de improvisar
em face de situações imprevistas.[ SINGER, Paul. Globalização e Desemprego:
diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998. p. 17-18..]
Todas essas mudanças tecnológicas “invadiram o universo fabril, inserin-
do-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção do capital.”[
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 15]
Com o emprego da ciência como técnica produtiva, novas formas de organi-
zação produtiva surgem. Dentre as experiências mais expressivas, pode-se citar
o “toyotismo” ou “modelo japonês” ou “pós-fordismo”.(...)
Estas novas formas de organização do trabalho, não se pode deixar de enfati-
zar, estão plenamente ligadas ao neoliberalismo e à globalização. Demonstram,
destarte, o intento capitalista de perpetuar a exploração da classe operária, em
intensidade cada vez maior, tudo em nome da maximização do lucro. Por outro
lado, pretendem acabar com o conflito de classes – iludindo os trabalhadores,
que, agora, são designados de “colaboradores”, de que há identidade de inte-
resses entre o capital e o trabalho em busca do incremento da produtividade –
assim como os benefícios que a relação dialética entre elas poderia trazer para
os trabalhadores.
126 • capítulo 5
A Terceira Revolução Industrial, nesse contexto, provocou drásticas mudan-
ças no universo do trabalho. Todas as revoluções industriais desencadearam o
aumento da produtividade, trazendo, como consequência, o desemprego tec-
nológico[SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternati-
vas. São Paulo: Contexto, 1998. p. 16.].
Todavia, a Terceira Revolução Industrial foi mais além: desencadeou, além
do desemprego tecnológico, o que Singer denomina de “descentralização do
capital”. Com os avanços na telemática, as grandes empresas verticalmente in-
tegradas, têm sido forçadas pelo mercado, em nome da diminuição dos custos
e aumento da produtividade, a desintegrarem-se, terceirizando diversos seto-
res produtivos, formando uma espécie de rede. Com isso, atividades antes de-
sempenhadas por empregados dessas empresas, agora passam a ser exercidas
por trabalhadores autônomos, temporários, pequenos empresários, sem as ga-
rantias e os direitos sociais e trabalhistas que antes possuíam, diminuindo os
postos de empregos formais [p.17-18].
E, aliada ao neoliberalismo, que propõe, com a não-intervenção do Estado,
o encolhimento dos mecanismos de efetivação dos direitos sociais, a Terceira
Revolução Industrial também opera mudanças, protagonizadas pelo Estado,
no sentido de flexibilizar direitos, desregulamentar a economia, privatizar em-
presas estatais.
O que se verifica, pois, no capitalismo contemporâneo, é a precarização das
relações de trabalho. Os novos postos de trabalho que surgem em virtude da
divisão internacional do trabalho e das inovações tecnológicas não mais ofere-
cem, na sua grande maioria, as garantias sociais e trabalhistas, conquistadas
pelos trabalhadores ao longo de anos de luta operária”.
capítulo 5 • 127
O alto poder de risco ambiental é uma característica das sociedades atuais, nas
quais a exploração desenfreada dos recursos naturais está promovendo a rapina-
gem da natureza e de tudo que ela pode fornecer. A busca do lucro a qualquer custo
leva o homem a promover um sem número de eventos que põem não somente a
própria sobrevivência da espécie humana em risco, mas também a vida do planeta.
Os exemplos são inúmeros e são consequência direta de alguns processos
como a industrialização, a globalização, a lógica do lucro pelo lucro do sistema
capitalista e o consumismo desmedido, o crescimento populacional descon-
trolado, as condições precárias dos países subdesenvolvidos e a irresponsabili-
dade dos países desenvolvidos. Encontra-se, assim, comunidades que não pos-
suem uma estrutura mínima adequada para a construção de uma vida saudável
e com um mínimo de conforto e, por outro lado, comunidades que pouco se
interessam com um convívio mútuo em respeito com a natureza, na medida em
que se voltam exclusivamente para a riqueza material e para o conforto irres-
ponsável. Todas essas situações contribuem para a crise ambiental.
Diante disso, urge que se invista numa educação ambiental de maneira con-
sequente, através de políticas públicas – até porque o dever de tutelar o direito
à educação é do Estado - que implantem na sociedade a compreensão de que
consciência ambiental é pressuposto fundamental da cidadania, ou seja uma
nova consciência para os cidadãos.
A educação ambiental deve estar presente no dia a dia, seja nas escolas, na mí-
dia, pelos meios de comunicação de massa, nas empresas, dentro de casa. A edu-
cação pode cumprir a tarefa de despertar uma cidadania ecológica que parta do
pressuposto de que a todas as pessoas é garantido o direito a um meio ambiente
saudável e ecologicamente equilibrado, sem que isso signifique abrir mão do de-
senvolvimento, ou seja, é possível construir um desenvolvimento sustentável.
RELATÓRIO BRUNDTLAND
Encomendado pela assembleia geral da ONU em 1983 e publicado em 1987, faz
parte de uma série de iniciativas, anteriores à Agenda 21, as quais reafirmam uma visão
crítica do modelo de desenvolvimento adoptado pelos países industrializados e repro-
duzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressaltam os riscos do uso excessivo
dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O re-
latório aponta para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões
de produção e consumo vigentes.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland)
128 • capítulo 5
Miraglia e Murieta (2004) ao discorrer sobre o desenvolvimento sustentá-
vel, revelam que “Os custos ambientais gerados pelo desenvolvimento indus-
trial das sociedades humanas têm sido uma preocupação desde o século XIX.
Contudo, foi a partir da década de 1980, sob a égide do desenvolvimento expo-
nencial da revolução tecnológica e seus efeitos desastrosos na biosfera, que os
países centrais e agências multilaterais foram forçados a refletir sobre a for-
mulação de uma racionalidade alternativa ao industrialismo. O termo "desen-
volvimento sustentável" é produto desse debate e se popularizou no final da
década de oitenta com a publicação do Relatório Brundtland. Paralelamente,
no mesmo período, a noção "etnodesenvolvimento" apareceu com a função pri-
mordial de sublinhar a necessidade de respeitar “em conjunto com as conside-
rações ambientais” a diversidade sociocultural. São esforços que vêm tentando
articular em um único paradigma preocupações tanto ambientais e conserva-
cionistas quanto sociais e políticas, sem abrir mão da perspectiva de desenvol-
vimento econômico”.
Desenvolvimento sustentável e consciência ambiental são questões que an-
dam necessariamente juntas e exigem a existência de uma legislação ajustada e
eficaz. No Brasil, a legislação existe, mas a ausência de uma consciência ambien-
tal se revela como um dos maiores obstáculos para a implementação da legisla-
ção ambiental brasileira, que é uma das mais avançadas do mundo, a saber:
Constituição Federal de 1988 – É importante demarcar que antes mesmo
do advento da CF de 1988, o Brasil já dispunha de algumas leis que tratavam da
questão ambiental, como é o caso da lei no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos
de formulação e aplicação, além do O Código Florestal, que é de 1965 e que já
previa sanções penais para os crimes cometidos contra o meio ambiente. Mas,
como sempre, o problema nacional não é a existência das leis, mas sua eficaz
implementação.
A Constituição de 1988 tem o mérito de constitucionalizar o processo e
institucionalizar a questão da tutela ambiental, ao abrir um capítulo próprio a
regulamentação normativa do meio ambiente no qual põe ênfase na necessida-
de de sua defesa e preservação e estabelecendo os mecanismos constitucionais
para tal. Mas, mais uma vez, a grande questão reconhecida pelos especialistas
no assunto, é conseguir que essas normas saiam do papel e sejam aplicadas de
fato, na medida em que muitas dessas normas sequer foram regulamentadas, a
exemplo da que tem por objeto a proteção de nossa biodiversidade, considera-
da a mais rica em biodiversidade do mundo.
capítulo 5 • 129
Lei de Crimes Ambientais – A lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1988, dispõe
sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, à fauna e à flora no país. Prevê, entre outras, penas
restritivas de direitos da pessoa jurídica, multas que chegam a 50 milhões de
reais para diversos tipos de infrações: pesca em locais proibidos, crimes con-
tra o patrimônio cultural e ambiental, soltura de balões, pichações, caça ilegal,
obras ou qualquer outra atividade poluidora, queimadas e desmatamento.
130 • capítulo 5
vez, era oriunda de mudanças no processo produtivo e na dinâmica de acumu-
lação capitalista gerando a diminuição de empregos, inviabilizando essa via de
constituição de solidariedades e de inserção social, constituindo os ’inválidos
pela conjuntura’ e provocando fraturas na coesão social. A exclusão foi então
percebida como uma marca profunda de disfunção societal que assume uma
multiplicidade de formas. O conceito expressa a existência de um fenômeno
diferente de uma ’nova pobreza’, e ao mesmo tempo, tem a capacidade de voca-
lizar a indignação com esse mundo partido em dois.”
No Brasil este processo assume feições ainda mais dramáticas porque são o
produto de múltiplas causas entre as quais pode-se citar algumas: os processos
históricos de uma problemática inserção social da imensa população negra,
desde a abolição da escravatura; os movimentos de movimentação populacio-
nal provocados pelo fenômeno denominado “êxodo rural”; e, o advento desas-
troso do governo Collor que, nos anos 90 inseriu no Brasil as mudanças promo-
vidas no processo produtivo capitalista como consequência da implementação
de políticas neoliberais de aprofundamento das desigualdades sociais, que
tem como consequência a exclusão, porque se somam a uma falta de políticas
públicas consequente.
Não obstante, deve-se demarcar que o combate a essas desigualdades é um
preceito constitucional previsto no artigo 3º, da Constituição Brasileira, que vai
além ao prever:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I. construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II. garantir o desenvolvimento nacional;
III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades so-
ciais e regionais;
IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Esta disposição legal constitucional deve ser vista como uma forma de pro-
moção dos Direitos Humanos. A exclusão gera os “marginalizados” que cos-
tumam ser rotulados como “desviantes”, e não como vítimas, de um sistema
que lhes sonegou todas as oportunidades. A conscientização dessa violação é
fundamental para uma cobrança dos setores governamentais.
capítulo 5 • 131
Cabe ao Direito não somente a promoção dos estudos da proteção dos
Direitos Humanos e sua relação com a consagração do princípio da dignidade
da pessoa humana, à luz da Constituição Federal Brasileira, mas também, na
medida em que o fenômeno jurídico importa em um fato social, valorado que
se torna norma, numa perspectiva multidisciplinar buscar alternativas que ve-
nham a contribuir para a concretização da justiça social e dos ideais democrá-
ticos e de justiça social constitucionalmente consagrados.
Como diria o poeta: “ A lição sabemos de cor, só nos resta aprender...” (Beto
Guedes)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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