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Se mate ou se liberte: a política

imperialista para violência das


gangues e a alternativa
revolucionária
“Analise as alianças de seus inimigos e cause sua quebra e dissolução. Se um
inimigo tem alianças, o problema é grave e a posição do inimigo é forte; se ele não
as tem, o problema é menor e o inimigo é fraco.” – Provérbio militar chinês

“Aproximadamente 28% dos esforços [internos do FBI] foram orientados ao


enfraquecimento de grupos por meio de dissensões internas ou colocando-os
contra outros grupos que, em outras circunstâncias, seriam aliados. As técnicas
utilizadas incluíam (...) encorajar a hostilidade e até mesmo as guerras de gangues
entre os grupos rivais (...)” – Comitê Church, Relatório do Congresso Americano:
Atividades de Inteligência e os Direitos dos Americanos, 94º Congresso, 2ª
sessão, relatório nº 94-755 (1976).

Há cerca de um milhão de jovens membros de gangues na Amerika hoje. Sem


dúvidas, a imagem popular do jovem negro ou do jovem de cor remete ao
pertencimento a gangues violentas. Ninguém pode negar que a violência de
gangues é uma ocorrência comum nas comunidades oprimidas, o que passa
desapercebido é que o governo dos EUA atua instigando e espalhando essa
violência e criando as condições de seu surgimento.

A resposta oficial às guerras de gangues é a demonização e o ataque violento à


formação das gangues, em paralelo com a recusa em discutir ou abordar os
problemas econômicos e sociais que contribuem para a atividade das gangues.
Além disso, nenhum esforço nunca foi feito para resolver os conflitos entre
gangues rivais, principalmente porque políticas do estado estão na raiz do
problema.

Muitos dos grupos rotulados como “gangues” começaram, na verdade, com a


missão de servir, melhorar e defender as comunidades pobres e oprimidas. Mas
políticas de estado, direcionadas à destruição de lideranças políticas locais que
influenciavam esses grupos em uma direção positiva, as empurraram em um
sentido negativo com o objetivo criminoso de desestabilizar e predar suas próprias
comunidades.

Depois que o governo destruiu organizações como o Partido dos Panteras Negras,
o Partido dos Young Lords Porto Riquenhos, os Boinas Marrons Chicanos, Alianza
e o Partido dos Jovens Patriotas Apaláquios – nos anos 1970 se voltou para a
destruição da consciência política e da unidade das comunidades urbanas
oprimidas – especialmente as comunidades Novafrikanas. Em 1978, o Conselho
de Segurança Nacional decidiu implementar uma política definida no memorando
nº 46 (NSC – 46) cujo propósito era garantir a continuidade da destruição dos
movimentos negros de direitos civis e libertação.

Entre as alternativas propostas no NSC–46 era evitar o surgimento de qualquer


liderança negra genuína que pudesse unir o povo negro dos EUA e conectar as
lutas no âmbito interno com as lutas de libertação na África, bem como causar
rachas e conflitos internos dentro dos movimentos e comunidades. Essas coisas
eram justificadas com base em interesses da “segurança nacional”. Aqui vão
algumas das propostas contidas no NSC-46:

“A preocupação pelo futuro da segurança dos Estados Unidos torna necessária a gama de
opções estratégicas. Colocadas sem intenção de escalonar por prioridade, são elas:

“(…) (b) elaborar e desenvolver um programa especial para perpetuar a divisão no


movimento negro e neutralizar os grupos mais ativos de organizações radicais de esquerda
representando estratos sociais diferentes da comunidade negra; encorajar divisão nos
círculos negros; (c) preservar o clima atual que inibe o surgimento de dentro da liderança
negra de uma pessoa capaz de exercer influência nacionalmente; (...) (e) apoiar ações
direcionadas a aguçar a estratificação social na comunidade negra – gerando
antagonismos crescentes entre diferentes grupos negros e enfraquecendo o movimento
como um todo (...)

A motivação e o objetivo são declarados abertamente: destruir nossas lideranças


genuínas e dividir o povo contra si mesmo. É o velho ditado romano “dividir e
conquistar”. Com essas intenções declaradas em mente, os fatos e considerações
colocados abaixo devem ser objeto de séria reflexão por todo crítico, vítima e
membro da subcultura das gangues de jovens. O leitor precisa primeiro reconhecer
que a violência, as formações de “gangues” de cada “raça” e grupo étnico são
resultados de uma ação oficialmente orquestrada para dividir e conquistar no
contexto de um sistema baseado na exploração de classe e de uma política
deliberada de genocídio.

O ciclo de violência que causou morte e ferimento a incontáveis “parças” e o caos


subsequente que estão quebrando nossas comunidades não é “culpa” dos jovens
presos na cultura das gangues, a culpa está no governo no qual os americanos
tanto confiam e com o qual acriticamente se impressionam. O Partido Novafrikano
dos Panteras Negras - Capítulo das Prisões insta todos os irmãos e irmãs nas
“tribos de rua” a examinar criticamente a verdade, encerrar o fratricídio e a se unir
em uma aliança de punhos fechados para servir, melhorar, proteger e defender
nossas comunidades e nos juntarmos na luta pela libertação comum do sistema
capitalista e imperialista que está na origem de todos os nossos problemas.

A Arte de Dividir e Conquistar


Para a compreensão do jogo imperialista por trás da difusão e da perpetuação das
guerras de gangues, é necessário tem em mente duas coisas:

● Dividir e Conquistar (ou Agitar, Doutrinar e Dividir), e


● Genocídio auto infligido

Dividir e conquistar é uma estratégia de contenção e controle de populações que


são valiosas para os que ocupam posições de poder, mas representam uma
ameaça caso se permita sua união. Genocídio é uma estratégia empregada para
dispor de uma população que é vista como tendo pouca ou nenhuma para quem
está no poder. O Genocídio auto infligido é a estratégia de dividir e conquistar
levada ao extremo.

Dentro desse quadro, duas tendências na história Amerikana são relevantes. A


primeira é descrita na autobiografia de Frederick Douglass, um escravo negro
fugitivo e autodidata. Douglass observou que quando grupos de escravos de
plantações diferentes se encontravam, frequentemente eles lutavam para ver qual
“dono” era “superior”. Por mais que pareça absurdo, mesmo que todos odiassem a
condição de escravidão, eles lutariam pelo que se poderia comparar com
reivindicações de supremacia territorial e identificação com seus odiados senhores
e com a plantação na qual haviam sido colocados. Nenhum deles possuía nada e
todos eram oprimidos e explorados, mas ainda assim sentiam-se obrigados a
representar seus mestres. Parece familiar?

A segunda tendência está relacionada com o extermínio de indígenas e o roubo de


suas terras. A “remoção indígena” e o genocídio (que os reduziu a menos de 1%
da população de sua terra nativa) foi possível em grande parte pela prática dos
europeus de jogar diferentes nações indígenas umas contra as outras, fazendo
com que elas se matassem – o equivalente das guerras de gangues. Pense nisso!

Nas plantações (construídas sobre terra indígena) o trabalho dos escravos negros
era a fonte da riqueza do sistema de monoculturas. Eles limpavam os campos,
plantavam, cuidavam e colhiam o tabaco, a cana de açúcar, algodão e outros
cultivos, além de realizar outros trabalhos úteis. Por isso, eles eram considerados
“propriedade altamente valorizada”, então com os escravos a estratégia de dividir e
conquistar foi empregada (lembrem-se do processo de Willie Lynch). Mas como os
índios se provaram muito difíceis de escravizar de forma lucrativa, além de serem
um “estorvo” à expansão do sistema de monoculturas, a estratégia empregada
contra eles foi o genocídio.
Desde a abolição da escravatura, o valor da população negra caiu aos olhos dos
governantes capitalistas e o genocídio passou a ser empregado. Depois da Guerra
Civil, linchamentos, o terror da KKK e o encarceramento foram empregados para
forçar os escravos libertos a voltar a trabalhar para os donos de terra como
meeiros e privá-los dos direitos civis recentemente conquistados. Durante a
Primeira Guerra Mundial, massas de negros foram levadas a migrar para os
centros industriais para substituir os trabalhadores brancos convocados para a
guerra e, nos anos 1920, outra onda de terror da KKK, linchamentos e “rebeliões
raciais” sangrentas foram instigadas para pressionar os negros para os empregos
de menor remuneração em guetos segregados.
Depois das insurreições dos anos 1960 e 1970 e do surgimento do Partido dos
Panteras Negras e do Movimento de Libertação Negra, um plano ainda maior de
genocídio e marginalização foi concebido, envolvendo a inundação dos guetos
com drogas, a criminalização, o encarceramento em massa dos pobres e a
promoção de genocídio na forma das guerras de gangues. A “guerra às drogas” é,
na realidade, uma guerra aos pobres – particularmente contra a juventude negra.

Sun Tzu, o sábio da “Arte da Guerra”, reconhecia que unidade é essencial na


guerra. Ele também apontou que “toda a guerra se baseia em engano”. É nessa
base que o sistema imperialista que conduz essa guerra esconde a si mesmo e
suas intenções verdadeiras por trás da cobertura do “servir e proteger”, em nome
da “Lei e da Ordem”, nos mantendo como vítimas passivas e ignorantes. Mas para
verdadeiramente derrotar o inimigo, Sun Tzu propõe três etapas

o A primeira etapa, para a qual foi dada prioridade máxima, é “parar os


planos dos inimigos.”. Isto é, derrotar a estratégia inimiga com uma
estratégia própria ou, em outras palavras, evitar que ele faça e execute seus
planos com relação a você. Um caminho efetivo para isso é identificar e
neutralizar os pensadores e líderes estratégicos. Outro método consiste em
confundir os planos e evitar que ele seja capaz de executá-los.
o O segundo estágio, se os planos inimigos não podem ser parados, é
“perturbar suas alianças”. Esse é o princípio por trás de “Agitar, Doutrinar e
Dividir”. Mas os métodos para dividir o inimigo não devem ser aplicados
apenas contra ele e seus potenciais aliados, mas também dentro das
próprias fileiras inimigas. Se as fileiras estiverem divididas (por inveja,
medo, ambição, raiva, ódio etc.), o inimigo não pode se mover contra você
de maneira efetiva. Por isso, mantenha seus inimigos divididos – isso é
senso comum.
o O terceiro estágio proposto por Sun Tzu é “ataque e derrote o inimigo” com
força armada. Nesse ponto. Se o inimigo possui boa liderança e você não
consegue dividir suas fileiras ou dissociá-lo de seus aliados, o sucesso então
passa a se tornar uma questão de habilidade no planejamento, bem como
na execução de planos de batalha.

Em termos mais simples, os três estágios são: 1) ATAQUE A CABEÇA (e o corpo


ficará desorganizado, confuso e vulnerável), 2) DIVIDA O CORPO (para que não
possa funcionar como um todo e realizar as vontades da cabeça) e 3) COMBATA
O CORPO (para destruí-lo ou aleijá-lo com força armada).

“Se você não consegue cortar os planos pela raiz, ou perturbar suas alianças quando elas
estão prestes a se consumar, afie suas armas para atingir a vitória.” – Chang Yu, analista e
historiador militar chinês.

O Método Combinado do Domínio Imperialista

A classe dominante dos EUA reconhece que o corpo das massas oprimidas é
amorfo e adaptativo. Como uma salamandra, os membros cortados são capazes
de se regenerar e novas lideranças irão surgir no lugar dos caídos. Por isso, os
imperialistas combinam e aplicam os três estágios da conquista militar para conter
e derrotar a resistência de massas do povo pobre e trabalhador, tanto dentro como
fora da Amerika

Em “Protect Our Leaders, Defend Our People”, discutimos os esforços persistentes


do governo dos EUA para identificar e destruir todo líder genuíno e toda
organização de vanguarda que surgiu das nossas fileiras de oprimidos. Eles então
substituem as lideranças caídas ou isoladas com líderes aprovados e escolhidos
pelos imperialistas para nos enganar. Nisto, eles “ATACAM A CABEÇA”.

Eles também “DIVIDEM O CORPO”, e aqui é onde promover a dissensão e a


violência sectária entre as gangues de jovens (foco central de nossa discussão)
entra. Além disso, eles “COMBATEM O CORPO” engajando as gangues – e
comunidades inteiras – em guerras de baixa intensidade por meio das forças
policias paulatinamente militarizadas.

Mas, porque as pessoas são mantidas sem liderança, divididas e confusas, elas
geralmente não percebem que estão sob ataque constante do inimigo. Os
enganadores aprovados pelo governo levam o povo a acreditar que o inimigo é, na
verdade, seu protetor e, portanto, nós não detectamos o real sentido por trás dos
termos oficiais como “Guerra às Drogas”, “Guerra ao Crime” e, mais precisamente,
“Guerra às Gangues”, que são efetivamente declarações de guerra contra as
pessoas pobres e negras.

O governo dos Estados Unidos (como protetores e executores armados da classe


monopolista capitalista dominante), destrói nossos líderes e organizações de
vanguarda, divide e desestabiliza as nossas comunidades com crime, violência e
drogas (que eles promovem em segredo), e então tentam usar as condições
caóticas para vilipendiar os pobres e o povo negro, justificar nossa colocação
enquanto alvos de seus ataques e encarceramentos. Dessa forma, podemos ver
que a política imperialista dos EUA combina os métodos de Sun Tzu de atacar a
cabeça, dividir o corpo e combater as partes espalhadas do mesmo corpo.

Vamos examinar as características e evidências de cada um desses métodos mais


de perto:

1. ATAQUE A CABEÇA

Camarada George Jackson, que era produto dos centros urbanos, se tornou um
dos principais pensadores estratégicos do nosso movimento de libertação nas
décadas de 1960 e 1970. Ele entendia que o imperialismo capitalista era e é o
verdadeiro inimigo e causa principal do nosso sofrimento, exploração e opressão.
Ele estava consciente da necessidade de liderança do povo oprimido para uni-los,
organizá-los e superar sua condição de oprimido. Mais próximo ao ponto, ele
reconhecia que os imperialistas também reconhecem essa necessidade e a
institucionalidade permanece alerta e vigilante para identificar e neutralizar
potenciais líderes como parte de uma política bem desenvolvida de contenção e
manutenção da condição acéfala dos oprimidos.

Camarada George explicou da seguinte maneira:


“Capitalismo é o inimigo e deve ser destruído. Não há outro recurso. Não se pode
trabalhar com esse sistema na perspectiva de uma sociedade moderna, industrial e
urbana. Os homens nascem desprovidos de direitos. O contrato entre dominante e
dominado perpetua essa privação de direitos.”

“Homens em posição de confiança devem uma distribuição equitativa de riqueza e


privilégios aos homens que neles confiaram. Cada indivíduo nessas cidades Amerikanas
deveria nascer com as garantias daquilo que é necessário à sobrevivência. Papéis sociais
significativos, educação, cuidado médico, comida, abrigo e compreensão deveriam ser
garantidos ao nascer. Eles foram parte de todas as sociedades humanas civilizadas até a
presente. Por que os homens permitem que outros homens os governem? Para qual
propósito existe um departamento de Saúde, de Educação, Bem-Estar Social, de Habitação
e Desenvolvimento Urbano etc? Por que damos a esses homens poder sobre nós? Por que
entregamos os impostos a eles? Para nada? Para que eles possam dizer que o mundo não
deve nada às nossas crianças? O mundo deve a cada um de nós uma vida desde o dia do
nosso nascimento. Se não, nós não podemos nos reivindicar como parte da civilização e
podemos parar de reconhecer o poder de qualquer administrador. A evolução das grandes
sociedades urbanas nos tornou completamente dependentes do governo.
Individualmente, não podemos nos alimentar, nem alimentar nossas crianças. Não
podemos, por nós mesmos, treinar e educá-las em casa. Não podemos organizar nosso
próprio trabalho dentro da estrutura da cidade por nossa conta. Consequentemente,
devemos permitir que homens se especializem na coordenação dessas atividades. Nós os
pagamos e honramos e entregamos a eles o controle de certos aspectos de nossa vida
para que eles possam, em retorno, pegar cada nova entrada desamparada no grupo social
e trabalhar nelas até que ela não esteja mais desamparada, até que ele possa sustentar a
si mesmo a fazer suas contribuições para a continuidade da sociedade...”

“O que é que tem trabalhado contra minha geração desde o dia que nascemos, ao longo
de cada dia e até o dia de hoje?

“Capitalismo e o homem capitalista, destruidor de mundos, flagelo do povo. Não pode se


voltar para nossas necessidades, não pode e não vai mudar para adaptar-se às mudanças
naturais da estrutura social.”

“Para o homem negro as perdas foram as mais trágicas. Não vai nos fazer bem algum
prolongar-nos sobre as fatalidades, elas são incontáveis e estão além do nosso alcance.
Mas nós que sobrevivemos devemos em algum momento olhar para nós mesmos e nos
questionar. A competição no fundo do espectro social é por símbolos, honras e objetos;
negros contra si mesmos, negros contra a classe pobre, brancos e pardos, uma competição
virulenta e traiçoeira, o estilo de vida Amerikano. Mas os fascistas cooperam... Essa
competição destruiu a confiança. Entre os homens negros, foi colocado um prêmio na
desconfiança. Todos os outros negros são vistos como competidores; o negro esperto e
prático é aquele que não se importa com nenhum outro, o cínico que ultrapassou
qualquer princípio que ele tenha aprendido por engano. Nós não podemos expressar amor
devido à suposição de que o destinatário desse amor irá imediatamente usá-lo como arma
contra nós. Nós temos que começar tudo de novo. Na próxima vez, vamos deixar tudo às
claras, vamos parar de nos trair e vamos adicionar alguma confiança e amor.”
“Lembrem-se das histórias que vocês leram sobre outros animais que vivem em rebanhos.
O grande bisão Amerikano, o Caribu ou a Rena Amerikana.”

“O grande bisão amerikano, ou búfalo – ele é um animal social, vive em rebanho... assim
como nós... nós somos animais sociais, nós precisamos de outros da nossa espécie para
nos sentirmos seguros. Poucas pessoas gostariam do isolamento total. Estar
constantemente sozinho é uma tortura para homens normais. O búfalo, o gado, caribu e
outros animais são como as pessoas no sentido de que eles precisam de companhia na
maior parte do tempo. Eles precisam ombrear-se. Eles gostam de esfregar os narizes. Nós
apertamos as mãos, damos tapas nas costas e esfregamos os lábios. De todos os povos do
mundo, nós negros somos os que mais amamos a companhia de outros, somos os mais
‘socialistas’. Animais sociais comem, dormem e viajam juntos. Eles precisam dessa
companhia para se sentir seguros. Esse fato quer dizer que animais sociais também
precisam de líderes. Segue-se logicamente que se o búfalo vai comer, dormir e viajar em
grupo, algum fator de coordenação é necessário ou alguns estarão dormindo enquanto
outros viajam sem o complexo líder-seguidor, em uma crise a manada iria correr em
centenas de direções diferentes. Mas o búfalo desenvolveu o complexo líder-seguidor,
assim como outros animais sociais; se o líder do rebanho de caribus perde seu apoio e
escorrega para sua morte de algum lugar alto, é muito provável que todo o rebanho vá
perecer em seguida.”

“O complexo líder-seguidor. O caçador compreendia isso. O homem predador aprendeu


com a ocorrência natural da liderança em todos os animais sociais, que cada grupo vai,
naturalmente, produzir um líder para si e, a esses líderes naturais cabe a responsabilidade
de coordenar as atividades coletivas, organizando-os para a sobrevivência. O caçador de
búfalos sabia que se conseguisse isolar e identificar o líder [grifo meu] do rebanho para
matá-lo, o resto dos animais ficariam desamparados, à sua mercê, para serem mortos
como ele bem entendesse.”
“Nós negros temos o mesmo problema do búfalo; nós temos a mesma fraqueza e o
homem predador a conhece bem.”

” Huey Newton, Ahmed Evans, Bobby Seale e centenas de outros [dos nossos líderes
genuínos] serão assassinados conforme esse esquema fascista.”

“Um esquema de seleção natural reversa. Medgar Evers, Malcolm C, Bobby Hutton,
Brother Booker, W.L. Noland, M.L King, Featherstone, Mark Clark e Fred Hampton – só
alguns dos que seguiram o caminho do búfalo.”

“A potencial liderança negra olha para as condições terríveis do rebanho [acéfalo, confuso
e disperso] negro: a corrupção, a preocupação com a irrelevância, a aparente incapacidade
de sobreviver. Ele sabe que se ele entregasse para o irmão médio uma M-16, esse irmão
não teria nada além de uma clava por uma semana. Ele pesa essa situação que percebe no
rebanho e compara com os possíveis riscos que ele estará assumindo nas mãos do
monstro fascista e naturalmente decide servir a si mesmo, sentindo que não pode nos
ajudar porque estamos além disso, que ele está buscando algo fora da existência. Esses
são os ‘negros de sucesso’, opostos aos fracassados. Você os encontra nas quadras, nos
campos, nos palcos, fingindo e jogando jogos de criança. E buscando por todo mundo tão
penosamente quanto os fracassados”
“Nós fomos colonizados pela economia fascista branca e predatória. Foi dela que surgiu
nossa subcultura aberrante e as atitudes que perpetuam nossa condição. Essas atitudes
nos fazem entregar uns aos outros aos porcos do klan. Nos até mesmo trabalhamos, em
alguns momentos, arma em punho junto com eles. Um negro matou Fred Hampton;
negros trabalhando para a CIA mataram Malcolm X; negros são abundantes nas folhas de
pagamento dos departamentos de polícia que o fascismo emprega para se proteger do
povo. Essas atitudes das subculturas fascistas nos enviaram à Europa, Ásia e mesmo para a
Áfrika [para matar] ... e morrer por nada. Somos tão confusos, tão simplórios que não só
falhamos em distinguir o que é geralmente certo do errado, mas também falhamos em
apreciar o que é bom ou não para nós em questões pessoais relativas à colônia negra e sua
libertação. A sinistra ação econômica do governo cujo único objetivo é nos escravizar,
marcar e espionar ainda mais; a agência negra autorizada pelo governo para se infiltrar e
retardar ainda mais a libertação é aceita por algumas e até mesmo convidada e bem
recebida, enquanto a Pantera negra é evitada e tem dificuldades de encontrar proteção no
seio do povo... se permitirmos à máquina fascista a destruir [o Partido dos Panteras
Negras], nosso sonho de uma potencial autodeterminação e controle sobre os fatores
concernentes à sobrevivência vai morrer com eles...”

“O membro jovem do partido, nossa vanguarda, deve ser acolhida, protegida, ter seu
desenvolvimento estimulado… nossa comunhão em perfeita harmonia e nunca, nunca
mais vai haver outro caso Fred Hampton.”

Mas o PPN foi identificado como um líder do rebanho. Foi rotulado como “a maior
ameaça à segurança nacional dos EUA” pelo FBI e foi destruído pelo governo dos
EUA. A liderança não foi protegida como o Camarada George apontou que era
essencial para o avanço da luta. De fato, um ano após escrever essas palavras ele
próprio foi assassinado por guardas da prisão de San Quentin. Nossos líderes
foram identificados e neutralizados. E, assim como o camarada George previu, as
massas se dispersaram na confusão e desde então continuaram vulneráveis ao
ataque inimigo.

Os jovens, privados da liderança estratégica do PPN e de formações similares,


viram essas estruturas revolucionários substituídas pela formação sectária das
gangues, esvaziadas da orientação e de visão revolucionária. Esses grupos
caíram sob o feitiço do “gangsterismo” glamourizado por Hollywood. Como o
camarada Russel “Maroon” Shoats notou, os jovens passaram de representação
da força motriz da nossa luta de libertação a “imitações com chapéus caros e
carrões da máfia italiana”. Além disso, Maroon observou, eles se converteram de
“lutar contra a opressão em peões usados para destruir ainda mais suas
comunidades”. Pior, essas formações caíram na velha mentalidade escrava de
lutar um contra o outro por áreas que nenhum deles possui, mas com violência no
nível do genocídio auto infligido.

Outros membros dos Panteras Negras previram esse resultado


contrarrevolucionário, que era o que o governo pretendia com seus esforços de
destruição da liderança revolucionária, deixando as massas urbanas confusas,
desamparadas e facilmente divididas e jogadas contra si mesmas. Camarada Ji-
Jaga se expressou quanto a isso em uma entrevista em 1993:
“Huey Newton [ministro da defesa do PPN] deu uma palestra sobre isso uma vez e nós
previmos que isso aconteceria. Depois que a liderança do Partido foi atacada no final dos
anos 1960 e no começo dos anos 1970, nas comunidades negras e em outras comunidades
oprimidas os modelos para as novas gerações se tornaram os traficantes de drogas,
cafetões etc. Isso era o que o governo queria que acontecesse. O próximo resultado foi
que as gangues foram formadas, se aproximando por meio de uma mentalidade de
gangster, oposta à mentalidade revolucionária e progressista que nós daríamos a eles.
- Citado em Mumia Abu-Jamal’s We Want Freedom: A Life in the Black Panther
Party (2004) pp. 237-238

Outro veterano dos Panteras, Camarada Dhoruba Bin-Wahad, fez uma observação
parecida em um artigo recente sobre a execução de Stanley “Tookie” Williams,
cofundador da gangue dos Crips:

“Foi a destruição de grupos militantes como os Panteras Negras que deixaram um vácuo
político, ideológico e social na Amérika Afrikana a ser preenchido pela atuação das
gangues de rua... Apesar de especialistas em segurança pública estarem ansiosos para
distorcer e ignorar as raízes sociais e políticas das gangues de ruas como os Crips, o fato é
que gangues como eles foram, em parte, consequência do sucesso da devastação
[promovida pelo governo americano] da militância do movimento pela libertação negra na
Amerika.
- The Ethics of Black Atonement in Racist America: The Execution of Stanley Tookie
Williams

Mesmo hoje o governo imperialista dos EUA se opõe à admiração do povo pelo
exemplo de liderança representado pelo Partido dos Panteras Negras. Porque
Tookie dedicou seu livro “Life In Prison” aos Panteras (especificamente ao
camarada George), o governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger rejeitou o
pedido de clemência de Tookie, selando sua execução. Ele disse que a dedicatória
“desafia a razão e é um indicador significativo de que Williams não está
reformado”.

Os imperialistas continuam prontos e desejosos de identificar e atacar a cabeça


dos oprimidos para derrotar nossas tentativas de resistir à nossa opressão. Tendo
conseguido isso, o próximo passo é a divisão do corpo.

2. DIVIDA O CORPO

Como parte da estratégia para manter as comunidades oprimidas, e


particularmente sua juventude, dividida, o sistema tem continuamente trabalhado
para a manutenção das gangues de rua sem liderança política presas em um ciclo
de violência fratricida. Enquanto alguns amerikanos são passíveis de enganação, a
maior parte do povo consciente se dá conta de que o governo dos Estados Unidos
não tem nenhuma vontade de resolver o problema da violência sectária entre
gangues. Com certeza nenhum dos gang bangers acredita que isso seja real.
Dentro dos círculos das gangues é comum a opinião de que o governo assassinou
Bobby Lander, um dos OG Bloods em Watts, no ano de 1989, forjando o
assassinato para fazer parecer que os Crips foram responsáveis por destruir o
tratado de paz estabelecido em 1986 entre os grupos.
Previsivelmente, isso detonou uma onda de assassinatos buscando vingança.
Para além disso, a maior parte da juventude envolvida na subcultura das gangues
já teve experiências pessoais ou testemunhou as “unidades de gangues”, “tropa
antidrogas”, “força-tarefa contra gangues” da polícia atuarem deliberadamente
para instigar a violência entre grupos ou bairros rivais.

Aqui vai um exemplo típico de cenário que ouvi diversas vezes. Os policiais pegam
um ou vários jovens sob o pretexto de prendê-los, mas ao invés disso eles são
levados a um bairro rival e jogados para fora da viatura. Os porcos então chamam
atenção de um grupo da juventude rival para as marcas e rapidamente vão
embora, deixando alvos desarmados para lutar e fugir por suas vidas. Qualquer
que seja o resultado imediato, o objetivo e resultado maior é provocar e continuar
um ciclo de violência retaliatória.

Policiais à paisana dirigindo viaturas descaracterizadas e muitas vezes


confiscadas, vestindo roupas que carregam as cores das gangues e fazendo os
sinais que identificam tais gangues foram identificados, ou pelo menos suspeitos
de participar, em tiroteios e assassinatos de líderes e membros de gangues rivais
para minar alianças e tréguas e iniciar guerras de gangues de maior escala. O
assassinato, em 1989, de Bobby Lander e o assassinato do OG Crip Raymond
Washington (cuja culpa caiu sobre os Bloods), são dois exemplos assim.

Em seu livro “Blue Rage, Black Redemption” (2004), Tookie deu testemunho sobre
o papel da polícia em incitar e escalar as guerras de gangues:

“Sim, América, por incrível que pareça, policiais dos bairros, com impunidade, cometem
drive-bys e outros atos criminosos. Era prática corrente deles abduzir um Crip ou um
Bounty Hunter e jogá-lo em território hostil e então avisar isso pelo autofalante. O
resultado previsível era que o rival ou apanhava ou era morto ali mesmo, o que resultava
em um ciclo de vingança. Policiais também informavam gangues em conflito sobre onde
encontrar e atacar seus rivais e então dizer ‘resolvam lá seus negócios’. Como os escravos,
as gangues faziam exatamente o que seus mestres mandavam. Se não fossem movidas
pelo ódio de si mesmas, nenhum dos Crips, Bounty Hunters nem nenhuma outra gangue
negra teria sido enganada.”

“Os policiais dos bairros juravam server e proteger, mas para nós eles não estavam lá para
ajudar, mas para nos explorar – e eles eram eficientes. Com a presença maquiavélica dos
policiais, a epidemia das gangues escalou. Quando a guerra de gangues é alimentada pelas
autoridades, fundos eram gerados para o financiamento das chamadas ‘unidades anti-
gangues’. Sem as gangues, essas unidades não mais existiriam.”

O relatório do comitê Church para o Congresso dos EUA descobriu que o FBI e as
polícias locais se envolveram repetidamente na incitação da guerra das gangues e,
de fato, se orgulhavam do papel desempenhado por eles na carnificina resultante.
Nas palavras desse relatório:

“Esse relatório demonstra…que o principal braço investigativo do governo federal,


encarregado por lei de investigar os crimes e prevenir a conduta criminosa, se engajou em
táticas ilegais e respondeu a problemas sociais com raízes profundas fomentando a
violência e a instabilidade...”
“O seleto pessoal de investigação do comitê publicou um número de exemplos em que o
FBI [manipulou] organizações propensas à violência... em um esforço para agravar as
‘guerras de gangues’... igualmente perturbador é o orgulho que esses agentes públicos
sentiam em levar crédito pelo derramamento de sangue que ocorreu.”

Essa política continua de agentes públicos incitando a violência entre vários


grupos de jovens e raças é praticada especialmente dentro das prisões dos
Estados Unidos. Muitas das rivalidades começam na cadeia e são levadas para a
rua. De fato, funcionários das prisões até mesmo admitem tais esquemas. A
Califórnia, onde a subcultura das gangues tem suas raízes mais profundas, nos dá
um exemplo claro.

O documentário “Maximum Security University” (1997) expôs as “lutas de


gladiadores” armadas no período de 1989 a 1994 entre prisioneiros rivais na prisão
estadual de Corcoran. Muitos dos prisioneiros envolvidos se feriram gravemente
ou foram mortos por seus rivais e pelos guardas, que atiravam neles por diversão
ou sob o pretexto de encerrar as lutas que eles próprios haviam arranjado. Essas
ocorrências não foram isoladas. De fato, em 1999, funcionários do Departamento
de Correção da Califórnia (DCC) admitiram facilitar e manipular a violência entre
prisioneiros rivais para, segundo eles, manter controle das suas prisões.

Em resposta a uma greve de fome dos prisioneiros na prisão de New Folsom,


onde prisioneiros protestavam pra receber tempo de banho de sol com prisioneiros
com os quais eles se davam bem ao invés de grupos rivais, o ombudsman do DCC
Ken Hurdle se recusou a negociar dizendo: “Então você teria dois grupos
alinhados no banho de sol ao mesmo tempo. Eles teriam apenas os guardas da
prisão como inimigos”. – Citado no Sacramento Bee de 8 de dezembro de 1999. A
motivação de “dividir e conquistar” não poderia ter sido declarada mais claramente.
Relatórios posteriores se seguiram, culminando em uma luta em 23 de fevereiro de
2000 envolvendo 200 prisioneiros. A edição do verão de 2000 do boletim California
Prison Focus (CPF) revelou que essas rebeliões resultaram de ações dos
funcionários do Departamento de Correções que deliberadamente promoveram
tensão entre grupos raciais rivais na Prisão estadual de Pelican Bay e arranjando
um número de lutas menores entre esses grupos. O CPF afirmou que:

“No centro dessa [violência] é a política de longa ata do DCC de forçar grupos de
prisioneiros em conflito a tomar o banho de sol juntos ao mesmo tempo que
negavam a essas facções quaisquer meios de negociar resoluções pacíficas de
suas disputas.”

O boletim do CPF adiciona que:

“O incidente de 23 de fevereiro [que resultou nos guardas dando 24 tiros de seus fuzis
matando um prisioneiro e ferindo 15], ocorreu apenas no segundo dia desde o incidente
de agosto em que a população foi colocada no pátio. Nos meses entre essas duas
ocorrências de larga escala parecem ter piorado a situação, instigando uma longa série de
lutas menores. Ou os funcionários de Pelican Bay perderam o controle de sua instituição
ou nós estamos testemunhando um retorno dos “dias de gladiador” de Corcoran do
começo dos anos 1990”
É claro que o DCC não tinha perdido controle de suas prisões. Como Ken Hurdle
admitiu, manter prisioneiros violentamente divididos e jogados uns contra os outros
é uma política calculada para manter o controle e manter o foco dos prisioneiros
fora dos funcionários das cadeias que oprimem a todos eles. Como o CPF
concluiu: “agentes do DCC tem um longo histórico de promover e instigar a
violência entre os prisioneiros. Isso foi documentado em procedimentos legais...”.

O ciclo de violência oficialmente instigada cresceu ao ponto de, de acordo com os


“Taxpayers for Improving Public Safety” (contribuintes pela melhoria da segurança
pública), houve 315 ataques de prisioneiros contra prisioneiros apenas em 2005.
Além disso, o sindicato dos guardas de prisão da Califórnia esteve envolvido na
incitação das “guerras de gangues” para promover a construção de mais prisões
na Califórnia. Como notado pelo camarada Tom Big Warrior:

“Cumplicidade entre os presos neonazistas, os guardas e as gangues hispânicas do Sul


como os Sureños está se tornando cada vez mais evidente em todos esses motins raciais
‘espontâneos’. Governador Schwarzenegger claramente falhou em sua tentativa de ganhar
o controle do sistema prisional da Califórnia e instituir reformas. Seu predecessor,
governador Davis, praticamente entregou o controle do sistema para o sindicato
notoriamente corrupto dos guardas e a tentativa de Schwarzenegger de reafirmar o
controle ruíram sob a pressão de grupos de interesse, como citado pelo chefe de prisão
Roderick Hickman em sua demissão mês passado.”

“Apesar de a maioria dos 170.000 presos da Califórnia serem negros, e os prisioneiros


chicanos, indígenas e mexicanos do Norte politicamente conscientes estarem lutando para
construir unidade entre os presos, os brancos da Nação Ariana e outras facções
neonazistas encontraram aliados solícitos nas gangues hispânicas do Sul, que são os
instigadores da violência racial com a cumplicidade do sindicato dos guardas. O objetivo é
polarizar e promover a divisão entre os prisioneiros a partir de linhas raciais, frear os
esforços por reformas que interferem na construção de novas prisões.”

“Em 2004, Hickman anunciou uma corajosa mudança na política que destacaria a
reabilitação de usuários de drogas, casas de passagem e prisão domiciliar para violadores
de condicional menores como alternativas a mandá-los de volta para a prisão. Essa
mudança foi atacada por uma campanha midiática patrocinada pelo sindicato dos guardas
junto com um grupo de defensores de ‘direitos das vítimas’ e Schwarzenegger teve medo
e recuou.” – Anatomy of a Spontaneous Prison Riot.

A realidade, então, se resume a violência sectária e racial promovida pelo governo


que, por sua vez, a explora para gerar alarde público e o subsequente apoio para a
construção de novas prisões (que beneficia apenas as indústrias, corporações e
grupos de interesse cujos lucros estão ligados à expansão das prisões) e
intensificar a guerra às gangues em escala nacional – sob o pretexto de responder
à própria mortandade e derramamento de sangue que os próprios agentes
públicos incitam e espalham. Essas táticas para “dividir o corpo” são aplicadas nas
prisões em todo território nacional dos EUA. Virgínia, por exemplo, está em uma
compulsão de construir prisões em comunidades rurais brancas economicamente
frágeis desde o final dos anos 1990, construindo-as em passo muito superior à
capacidade do estado de enchê-las, apesar da abolição da liberdade condicional,
revogação da redução de tempo por bom comportamento e aprovando leis de “três
strikes” em meados dos anos 1990, além de ter uma das maiores taxas de
condenação dos EUA.

Quando essas prisões, especialmente as duas prisões de segurança “supermax”


da Virgínia, foram repetidamente expostas como desnecessárias e as justificativas
para construí-las foram expostas como mentiras, as autoridades da Virgínia
tiveram que construir novas racionalizações para continuar a expansão do sistema
prisional. A última justificativa a ser promovida foi para “coibir a violência de
gangues”. Na realidade, as autoridades vêm fazendo horas extras para instigar e
espalhar violência relacionada a gangues entre a população carcerária.

Na prisão estadual de segurança supermax de Red Onion, onde eu estou


confinado, por exemplo, prisioneiros identificados como membros de gangues
étnicas rivais (particularmente os líderes e indivíduos mais territoriais) são
concentrados em unidades seletas de segregação chamados de “cápsulas de
gangues”, mantendo as hostilidades como uma úlcera entre eles. Por causa dos
motivos obviamente torpes por trás do uso dessa unidade, os funcionários de Red
Onion negam a existência dessas celas.

Esses presos rivais são, então, liberados aos poucos das “cápsulas” nas unidades de
população geral. A intenção é ver se o conflito irrompe em violência grupal no contexto de
população mais ampla. Qualquer situação (deliberadamente manipuladas) resultante
então valida as declarações oficiais de “problemas” com a violência de gangues,
justificando os rótulos demonizantes e as intenções pré-designadas para aumentar as
medidas de repressão e violência oficial contra a juventude étnica, demandas por
aumento do financiamento do controle do crime, expansão das estruturas prisionais e de
polícia militarizada e, acima de tudo: manter o corpo dividido, confuso e lutando contra si
mesmo.

Esses sistemas operam para provocar e aumentar a violência das gangues (dividir
o corpo) e, por sua vez, responder à violência por eles criada com contra violência
oficial (combata o corpo). Essa é uma estratégia geral da ofensiva imperialista
aplicada tanto em conflitos de “baixa intensidade” (como a guerra contra a
juventude nas comunidades oprimidas) como nos conflitos de “alta intensidade”
(como no Iraque).

De fato, é visível a aplicação dessa estratégia para a divisão dos xiitas e sunitas no
Iraque, bem como para justificar a ocupação militar continuada dos EUA. Desde o
começo da invasão americana em 2003, o plano era tomar o controle por meio da
conquista da lealdade da maioria xiita da população (em cujo território está a maior
parte das reservas de petróleo) jogando-os contra a minoria sunita (assim como a
classe dominante na Amerika faz jogando brancos contra os negros e outras
“minorias” étnicas).

A queda de Saddam Hussein e do governo baathista de base sunita foi realizada


no intento de ganhar a população xiita. Mas, como em todas as guerras de
ocupação imperialistas, a violência militar dos EUA contra a resistência iraquiana à
invasão estimulou uma resposta nacionalista das populações xiitas e sunitas. Isso
levou a uma resistência cada vez mais unificada contra o inimigo comum, apesar
dos esforços dos imperialistas dos EUA e promover a dissensão entre eles. Na
altura de 2005, clamor de clérigos xiitas e de grupos de resistência por uma
aliança formal entre xiitas e sunitas, bem como o fortalecimento da resistência
armada demandou medidas drásticas para dividir o povo iraquiano, já que as
baixas dos EUA haviam aumentado muito e o moral da tropa caía
vertiginosamente.

Em 22 de Fevereiro de 2006, a Mesquita Dourada, o local mais sagrado para os


xiitas (que fica em Samara), foi alvo de um atentado a bomba enquanto estava
lotada de fiéis, matando centenas de xiitas e destruindo a cúpula dourada.
Agências de inteligência estadunidenses e veículos de mídia rapidamente
espalharam a notícia de que os Sunitas eram os responsáveis pelo ataque, mas
muitos observadores suspeitaram de que forças britânicas e dos EUA foram
culpados. De fato, gravações de vídeo de tropas britânicas vestidas como árabes
carregando explosivos surgiram. Ainda assim, nada seria capaz de impedir a raiva
gerada pelo ataque de se tornar uma onda de violência sectária vingativa, que
desviou parte da tensão direcionada às forças ocupantes dos Estados Unidos e do
Reino Unido. Assim como as guerras de gangues incentivadas pelo governo nos
EUA.

Em junho de 2007, Nuri al-Maliki, o fantoche dos EUA e primeiro ministro do


Iraque, disse ao vice-secretário de Estado John Negroponte em uma conversa
pelo telefone “nós eliminamos o perigo da guerra sectária”, indicando que as
hostilidades entre adeptos das vertentes do Islã estavam diminuindo. No dia
imediatamente posterior, a mesquita dourada foi atacada novamente, destruindo
seus minaretes. Façam as contas!

O principal grito dos agentes do governo dos EUA é que as hostilidades entre
xiitas e sunitas representam o risco de uma guerra civil total no Iraque caso as
forças americanas se retirem. Por isso, argumentam, a ocupação militar deve
continuar indefinidamente.

De maneira similar, há uma lição a ser aprendida da história Amerikana. É um fato


pouco conhecido que, originalmente, as forças de trabalho negra, branca e
indígena trabalhavam lado a lado nas plantações. Isso foi até o ano de 1676,
quando escravos negros e brancos se rebelaram na colônia da Virgínia,
derrubaram o governo colonial e queimaram o capitólio em Jamestown. O líder e
organizador da revolta foi Nathaniel Bacon, um branco que adoeceu e morreu no
ápice da insurreição. Perdendo a cabeça (Bacon), o corpo dos escravos rebelados
e servos perdeu a coesão e se tornou vulnerável ao contra-ataque e derrota nas
mãos das forças coloniais.

Quando retomou o controle, a Virginia Company implementou um plano para


dividir permanentemente o corpo das massas pobres que estabeleceu o padrão de
divisão racista que continua até o dia de hoje. Em 1682, o governo colonial
estabeleceu leis que tornavam a escravidão condição permanente para os
afrikanos. A escravatura dos europeus gradualmente eliminada e a sociedade
colonial foi dividida a partir da linha racial que separa “brancos” de “negros”
(afrikanos).

A linha foi reforçada e demarcada em 1705 por meio de uma lei, que classificava
como “negro” qualquer pessoa que tivesse “uma gota” de sangue Afrikano. Os
brancos pobres recebiam um senso de privilégio social, ainda que fossem, por
vezes, mais pobres que os escravos, e uma crença na “superioridade racial” assim
como a licença para brutalizar e agir como se fossem os senhores dos “negros” no
papel de capatazes. Brancos foram culturalmente condicionados a odiar e temer
os negros (e vice-versa) e lutar para assegurar que os escravos nunca se unissem
em grandes números, exceto para trabalhar sob a supervisão dos capatazes.
Alguns negros também escolhiam ser capatazes e todos eram encorajados a se
tornarem “delatores” e espiões para seus mestres brancos – AGITAR,
DOUTRINAR E DIVIDIR – DIVIDIR E GOVERNAR!!

Voltando ao presente e para as guerras de gangue, a violência sectária gerada


pelo governo dos EUA – acompanhada pela inundação de drogas nas
comunidades oprimidas (também geradas pelo imperialismo) – tem sido, por sua
vez, usada para justificar a guerra aberta contra o corpo dividido das massas
oprimidas. O que piora a situação é que essa tática jogou as comunidades
oprimidas contra sua própria juventude. O comportamento antissocial das gangues
invoca o medo e estimula as comunidades a buscarem a proteção na polícia.
Desesperados para a contenção da violência das gangues e o comportamento
predatório que ameaça sua segurança, pessoas das comunidades oprimidas se
voltam para seus opressores para aumentar e intensificar a ocupação de suas
comunidades pela polícia militarizada, apenas para serem mais ultrajados quando
esses ocupantes matam pessoas inocentes e agem de forma nada diferente das
gangues.

3. COMBATA O CORPO

Sob o disfarce de conduzir uma “Guerra às Drogas” e uma “Guerra às Gangues”, o


governo dos EUA tem aumentado a militarização da polícia das cidades e
intensificado sua violência contra a juventude e as comunidades oprimidas. Desde
os atentados de 11 de setembro, isso tem sido incorporado paulatinamente à
“Guerra ao Terror”. A erosão continuada dos direitos e liberdades civis ocorre
paralelamente ao aumento da cisão entre a renda e os estilos de vida da minoria
rica e da maioria pobre e da classe trabalhadora. Gangues de jovens – e
geralmente de jovens de cor – figuram como principais alvos de cada uma dessas
“Guerras”. Em um relatório de 1984 da CIA, o medo que os imperialistas têm dos
jovens se explica:

“A juventude de uma população que cresce pode ter um papel central na pressão por
mudança. Eles estão entre os que, em geral, se encontram em desvantagem
desproporcional: eles têm menos a perder na atual estrutura da autoridade, mais
idealismo, são mais impacientes e em uma sociedade com taxas estáveis ou crescentes de
incremento populacional, sua proporção na população total aumenta. A densidade do
número de jovens sobre a população total pode ser uma das pistas para a força da pressão
por mudanças.”

Isso lança uma luz no foco deles sobre as gangues de jovens. Mas vamos traçar a
sequência da “Guerra às Drogas” e da “Guerra às Gangues” no âmbito doméstico
e mostrar como em cada uma delas as gangues de jovens foram os maiores alvos
da violência oficial. Como já foi dito, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970
os imperialistas se moveram para destruir toda e qualquer consciência política
revolucionária dentro das comunidades urbanas oprimidas. Essas ações foram
racionalizadas com o pretexto de prevenir e conter a violência – a mesma
justificativa de hoje.

A Califórnia tem lugar de destaque na história da repressão, o que não é nenhuma


surpresa, já que foi lá que o Partido dos Panteras Negras original foi formado em
1966.Foi também na Califórnia que duas das maiores gangues de jovens – os
Crips e os Bloods – se formaram. De acordo com o National Gang History:

“Em 1969, um jovem de 15 anos de Los Angeles chamado Raymond Washington,


organizou um grupo de jovens de outros bairros e começou uma gangue chamada Baby
Avenues. Eles queriam imitar uma gangue de meninos mais velhos que haviam se
envolvido na atividade das gangues desde 1964, e que cometeu alguns crimes menores
para os Panteras Negras de LA. Essa gangue era chamada de ‘Avenue Boys’, devido ao fato
de reivindicarem para si a Central Avenue na zona leste de Los Angeles. Raymond
Washington, junto com Stanley ‘Tookie’ Williams e outros eram fascinados pelo glamour
dos Panteras e queriam desenvolver os Baby Avenues em uma força maior. A gangue
passou, então, a se chamar de ‘Avenue Cribs’ porque os membros moravam na avenida
(Central Avenue). Os membros usavam bandanas azuis no pescoço ou na cabeça e o azul
se tornou sua cor representativa.

“Em 1971, o uso do termo Crip tinha se tornado comum entre os membros dos Avenue
Cribs que passou a se tornar um nome aceitável para a gangue. Enquanto isso, Raymond
Washington e sua coleção de membros de gangues influenciaram grupos de outras áreas
da cidade para formar diversos conjuntos de Crips, entre os quais se destacam os Avalon
Garden Crips, Eastside Crips, Inglewood Crips e os Westside Crips. Os Crips eram violentos
e estavam em constante expansão de seu território. A agressividade deles fez com que
diversas gangues rivais juntassem suas forças e adotassem o nome coletivo de “Bloods”,
adotando o vermelho como sua cor representativa. Ao longo dos anos 1970 e 1980, existia
uma rivalidade ferrenha entre os dois grupos. No início dos anos 80, as gangues dos Crips
estavam profundamente envolvidas com o tráfico de drogas e iniciaram uma expansão
pelos Estados Unidos, vendendo um novo produto chamado ‘Crack’. Ao longo dos anos
1980 e 1990, os Crips desenvolveram intrincadas redes e construíram uma reputação de
respeito junto a gangues nos EUA e em países vizinhos.”

Em agosto de 1965, no gueto de Watts (Los Angeles) irrompeu uma rebelião


violenta. A insurreição de seis dias teve como motor a indignação da juventude
negra com o status quo racista, com a violência policial e assassinato de jovens
negros, com a discriminação sistemática e a pobreza, bem como com a ação
contínua do governo de subverter e suprimir as tentativas de organização pacífica
na busca por mudanças.

Essas condições - prevalecentes nos guetos negros por todo o país - e sua
interpretação a partir das ideias de Malcolm X, assassinado no mesmo ano,
inspiraram Huey P. Newton e Bobby Seale a formar o Partido dos Panteras Negras
para a autodefesa em Oakland, California. A série de insurreições urbanas que
varreu a Amerika entre 1964 e 1968 (incluindo a rebelião de 1965 em Watts), e o
aumento subsequente de ativismo e consciência política da juventude urbana, fez
com que o governo financiasse e conduzisse diversos estudos para conter a
rebelião negra. Em 1973, Ronald Reagan (então governador da Califórnia),
anunciou em seu discurso State of the State o planejamento de uma instalação
biomédica - o Centro de Estudos para Redução da Violência - a ser inaugurado na
Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Louis “Jolly” West, um
controverso psiquiatra com histórico de trabalho para a CIA, deveria ser o gestor
do novo centro de pesquisa.

West propôs que o foco da análise fosse nos bairros de população negra ou
mexicana para buscar “defeitos genéticos” e também propôs a instalação de
eletrodos nos cérebros desses indivíduos como forma de “curá-los”. A ampla
oposição pública a esse plano evitou que ele saísse do papel. West então buscou
estabelecer um laboratório para experimentos com humanos na em uma antiga
base de mísseis desativada em Santa Monica, Califórnia.

Depois da rebelião de Watts, West sugeriu a esterilização em massa da juventude


de cor para torná-los eunucos passivos. Em 1972, ele propôs a esterilização
química dos presos dos EUA. Protestos por toda a Califórnia em 1974 contra as
ideias de West e os planos para sua implementação levou o governo a cortar o
financiamento de seus projetos quase nazistas. Ainda assim, ele continuava na
folha de pagamento do governo.

No ano seguinte (1975), ele editou um livro chamado Hallucinations: Behavior,


Experience and Theory, onde ele revelou que o uso de narcóticos estava sendo
considerado enquanto uma arma de controle social contra minorias “selecionadas” e
grupos políticos. Ele escreveu que:

“O papel das drogas no exercício do controle político também tem ocupado cada vez mais
espaço na discussão. Um exemplo pode ser a aplicação seletiva das leis antidrogas a
componentes específicos da população como membros de minorias ou organizações
políticas.”

Essa revelação é de grande relevância para a Guerra às Drogas que seria


declarada alguns anos depois - e focada quase exclusivamente em pessoas de
cor. Também foi nesse período (em 1978) que a NSC-46 foi desenvolvida pela
Casa Branca com a intenção expressa de destruir permanentemente os
movimentos políticos negros nos EUA.

Ao longo dos anos 1970, o PPN foi alvo de ataques brutais da parte do governo -
liderados pelo FBI - e foi destruído. Os Bloods e Crips, apesar de serem facções
relativamente pequenas, ficaram presos em um combate por territórios, respeito e
outras desavenças - com ambos se acusando de prejudicar as comunidades sob
seu controle.

No começo dos anos 1980, alguns eventos colocaram a juventude urbana em


destaque, especificamente a introdução do crack e da cocaína nas cidades -
começando por LA - pela CIA, durante o governo Reagan. O vice-presidente de
Reagan, George Bush (pai) – ex-diretor da CIA - foi indicado para ser o chefe da
“National Narcotics Border Interdiction System” (sistema nacional de narcóticos e
interdição de fronteiras) de Reagan e imediatamente expandiu o papel da CIA nas
operações envolvendo o tráfico de drogas. Sob a administração Reagan-Bush, a
CIA enviou toneladas de cocaína para as mãos dos Crips e dos Bloods por meio
de um traficante local chamado “Freeway” Rick Ross, que processava a mesma
para obter também o crack. O crack, barato e altamente viciante, comprovou ser
uma arma extremamente eficaz para o ataque ao corpo dividido promovido pelo
governo. A cocaína era enviada para LA da Colômbia via exilados nicaraguenses -
e pela própria CIA - e era vendida aos Crips e Bloods para financiar um exército
mercenário (os Contras) que a CIA havia organizado para derrubar o governo
revolucionário sandinista na Nicarágua.

“Reagan assumiu o governo logo após a revolução na Nicarágua, em que o movimento


popular dos sandinistas (cujo nome homenageia Augusto Sandino, herói revolucionário
dos anos 1920) derrubou dinastia corrupta dos Somoza (apoiados desde sempre pelos
EUA). Os sandinistas, uma coalizão de marxistas, padres de esquerda e nacionalistas
diversos, iniciaram o processo para dar mais terra aos camponeses, bem como levar saúde
e educação para os mais pobres.”

“A administração Reagan, vendo nisso uma ameaça “comunista” e mais ainda um desafio
ao controle exercido sobre os governos na América Central, começou imediatamente a
trabalhar para derrubar o governo encabeçado pelos sandinistas. Fez uma guerra secreta
por meio da organização, pela CIA, de uma força contrarrevolucionária (os ‘contras’),
muitos dos quais eram antigos líderes da odiada Guarda Nacional do governo Somoza.”

“Os contras pareciam não ter nenhuma base de apoio popular dentro da Nicarágua e, por
isso, sua base era na vizinha Honduras, um país muito pobre dominado pelos Estados
Unidos. De Honduras, eles entravam pela fronteira, atacando fazendas e vilarejos,
matando homens, mulheres e crianças, cometendo atrocidades. Um ex-integrante dos
contras, Edgar Chamorro, testemunhou perante a Corte Internacional de Justiça: ‘Nos
falavam que a única forma de derrotar os sandinistas era usar as táticas que a agência
[CIA] atribuía às insurgências comunistas em todos os lugares: matar, sequestrar, roubar,
torturar… Muitos civis foram mortos a sangue frio. Muitos outros foram torturados,
mutilados, estuprados, roubados ou abusados de alguma outra forma... Quando concordei
em me juntar… Eu esperava que fosse uma organização de nicaraguenses… acabou se
revelando um instrumento do governo dos EUA…’

“Havia uma razão para o segredo das ações estadunidenses na Nicarágua: pesquisas de
opinião mostravam na época que o público se opunha ao envolvimento militar lá. Em
1984, a CIA, usando agentes latino americanos para ocultar sua relação, colocou minas nos
portos da Nicarágua e explodiu navios. Quando a informação vazou, o secretário de Defesa
Weinberger declarou à ABC: ‘os Estados Unidos não estão minando portos na Nicarágua’.”

“Mais tarde naquele ano, o Congresso, respondendo talvez à opinião pública e à memória
do Vietnã, tornou ilegal que os EUA apoiassem ‘direta ou indiretamente, operações
militares ou paramilitares na Nicarágua’. A administração Reagan decidiu ignorar essa lei e
encontrar formas de financiar indiretamente os contras, buscando o apoio de um
‘terceiro’. O próprio Reagan solicitou fundos da Arábia Saudita, pelo menos US$ 32
milhões. O ditador aliado da Guatemala foi usado para conseguir de forma sub-reptícia as
armas para os Contras. Israel, dependente do auxílio dos EUA e sempre pronto a apoiar,
também foi usado nesse esquema.”
– Howard Zinn, A People’s History of the United States: 1492 – Present (Harper Collins; N.Y.
1999) pp. 585-586
Os EUA também buscaram outros canais para financiar a guerra ilegal dos Contras. Um por
meio da venda de armas para o Irã em troca da libertação de reféns americanos presos no
Líbano, dando os lucros dessas vendas para os Contras (o que ficou conhecido como
escândalo “Irã-Contras”), e o segundo foi permitindo aos contras ganhar dinheiro por meio
do despejo de crack barato nas cidades dos EUA - começando e espalhando a “epidemia
do crack”. Os Contras não só inundaram as cidades com crack por meio das gangues, como
também forneceram armamento militar para as mesmas exercerem seu poder uma contra
as outras na luta por territórios para venda de drogas. Esse acesso repentino à recursos
financeiros e armas aumentou o poder e prestígio das gangues, fazendo com que a
afiliação a elas aumentasse nos guetos pobres. Como observado por Mike Davis:

“Com 75.000 jovens desempregados na região de Watts-Willowbrook, não é


surpreendente que agora existam 145 ramos das gangues rivais Crips e Bloods na zona sul
de Los Angeles, ou que os desempregados recorram às oportunidades proporcionadas
pela pujante ‘economia do crack’.”
– “Chinatown Part Two? The ‘Internationalization’ of Downtown Los Angeles” New Left
Review, Vol. 164 (1987) p. 75

Essas foram as condições criadas pelo governo que permitiram a explosão do


crack e da guerra das gangues no começo dos anos 1980.

O papel da CIA em todo o processo foi inicialmente exposto em uma série de


artigos de primeira página do jornalista Gary Webb entre 18 e 20 de agosto de
1996 no San Jose Mercury News, sob o título “Aliança Negra” e com o subtítulo “A
história por trás da explosão do crack”. A série provocou clamor dos residentes de
LA cujas comunidades sofreram os males da infestação de crack e da guerra de
gangues associada. A CIA primeiro negou qualquer envolvimento e usou seu
poder para destruir a carreira de Webb. Em 10 de Dezembro de 2004, Webb foi
encontrado morto com dois tiros no rosto. Sua morte foi tratada pelas autoridades
como “suicídio”.

A deputada negra Maxine Waters, representante de Los Angeles, recebeu uma


enxurrada de reclamações de moradores da cidade em resposta ao artigo de
Webb de 1996. Ela, por sua vez, pressionou por investigações do Congresso e da
CIA, além de conduzir uma investigação por si própria. Ela conseguiu confirmar
por inteiro a história de Webb. Mais tarde ela se lembraria que:

“Na região Sul-Central Los Angeles, nós nos perguntamos de onde vinham essas armas.
Elas não eram revólveres ou pistolas, eram Uzis e AK-47, armas sofisticadas trazidas pelos
mesmos agentes da CIA que estavam vendendo a cocaína porque precisavam se impor e
trazer os lucros. Nesses momentos que se viam todas essas armas chegando na
comunidade, e se via cada vez mais violência e matança. Agora sabemos o que estava
acontecendo. As drogas estavam sendo colocadas nas nossas comunidades em
consignação, para as gangues e outros. Se eles não trouxessem os lucros de volta, as
armas eram trazidas para que eles pudessem garantir o controle. A matança só aumentava
e as pessoas se perguntavam ‘porque eles brigam? Para que são todos esses drive-bys e
tiroteios? O que é essa guerra às gangues?’ e a imprensa dizia ‘Ah, são as cores. Uns
gostam de vermelho, outros de azul’. Bom, você sabe que era por causa da droga, por
causa do crack, introduzida nas nossas comunidades por pessoas que o trouxeram por um
motivo.
– Citado em: Alexander Cockburn, et al., Whiteout: The CIA, Drugs and the Press (Verso:
NY, 1998) p. 65

Os esforços dela para fazer o Congresso conduzir audiências públicas e para a


mídia hegemônica falharam, levando a deputada a espalhar as informações de
forma independente. A CIA conduziu uma investigação interna sobre si mesma,
buscando não ir tão fundo. O relatório final revelou conexões claras e conhecidas
entre a CIA e o tráfico de drogas dos Contras. Ainda assim, o relatório concluiu
negando o envolvimento ou ciência da CIA. Waters respondeu que “falta
credibilidade” ao relatório e que “suas conclusões devem ser ignoradas”. Sob
pressão constante, a CIA finalmente revelou, em outubro de 1998, que havia
escondido do Congresso e de outras agências seu conhecimento e apoio do tráfico
de drogas dos Contras para os EUA para financiar suas operações. Revelou ainda
que a CIA tinha autorização do Departamento de Justiça de Reagan em 1982 para
manter o conhecimento e o papel da CIA nessas atividades em segredo.

O envolvimento da CIA com o tráfico de drogas não é nada novo. De fato, ao longo
de sua existência a CIA foi o facilitador central do tráfico de drogas internacional
em sua busca pelo financiamento de diversas operações ilegais domésticas ou no
exterior. A CIA está, por exemplo, na origem do surto de heroína que destruiu as
comunidades negras nos anos 1960 e 1970, causando a primeira “Guerra às
Drogas” declarada por Richard Nixon.

“O que não se pode negar é que as agências de inteligência estadunidenses combinaram a


soltura do mais notório traficante de drogas [Charles “Lucky” Luciano, em 9 de fevereiro
de 1946], permitiu que ele reconstruísse o seu império de narcóticos, observou o fluxo de
narcóticos para dentro dos guetos negros de Nova York e Washington. Intensificou a
situação e depois mentiu sobre o que haviam feito. Essa saga fundadora da relação entre
os espiões americanos e os gângsteres estabeleceu padrões que seriam replicados em
Laos, Burma [Myanmar] e até mesmo em Marselha e no Panamá…”

“Algumas semanas antes de morrer [em 1962], Luciano deu uma entrevista a um repórter
da Associated Press que lhe perguntou sobre os motivos de sua soltura da prisão. ‘Fui
perdoado por causa dos grandes serviços que prestei aos Estados Unidos’ respondeu
Luciano…”

“Desde sua origem, a CIA manteve as políticas de seus progenitores de manter


organizações de gângsteres nos negócios. Em 1947, a agência estava apoiando os
produtores de heroína em Marselha, Burma, Líbano e na Sicília ocidental.”
– Whiteout, p. 134

Aqueles que não reconhecem as implicações genocidas de imperialistas dos EUA


inundando comunidades oprimidas com narcóticos deveriam prestar bastante
atenção às palavras do professor Yusuf Nuruddin, que sobreviveu por pouco à
epidemia de heroína dos anos 1960 e 1970:
“Eu estimo que entre 1967 e 1972 cerca de dois terços dos homens entre 15 e 35 anos do
meu bairro [Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, NY] usavam heroína. Décadas antes das
acusações ‘paranoicas’ do envolvimento da CIA na distribuição de crack em LA surgirem,
muitas pessoas da minha geração supunham que a polícia local estava envolvida na
distribuição de heroína… Aqueles que não morreram por overdose ou pela negligência
continuada pela saúde que caracteriza o vício, se viram vítimas da divisão de agulhas
‘sujas’... A epidemia de AIDS os varreu do mapa. Quando atingiam entre 35 e 39 anos eles
morriam como moscas. Poucos irmãos da minha geração, no meu bairro, atingiram os 40
anos de idade. noventa por cento da minha geração foi eliminada. Foi um genocídio.”

– “Brothas Gonna Work it Out!” Socialism and Democracy, Vol. 18, No.2, July-Dec 2004, p.
246-47

Ainda pior, ele testemunhou uma repetição da história com a epidemia do crack,
mas em um nível mais destrutivo devido ao papel das gangues armadas, e em
como esse processo serviu aos imperialistas.

“Fugindo das agulhas… a primeira geração do Hip Hop… se voltou para o crack ‘fumável’
como uma droga de escolha. Eu assisti todo o ciclo de genocídio geracional se repetir em
meados dos anos 80 e ao longo dos 90, enquanto a violência do tráfico de drogas escalava
a níveis nunca antes vistos (os viciados em heroína eram conhecidos por roubar, mas não
pela violência). Dessa vez, os poderes estabelecidos não só lançavam a droga dentro das
nossas comunidades, mas drogas e armas. Assaltos por dinheiro, joias e casacos de couro
pelos viciados em crack terminavam, com frequência, em violência e morte. O comércio da
heroína fora controlado por brancos de meia idade, associados aos cartéis do crime
organizado como a Máfia (frequentemente desafiados pelos adultos negros em cartéis
como o Nicky Barnes), o tráfico do crack era controlado por gangues rivais de jovens
negros que regularmente se enfrentavam à bala em batalhas por território. Enforcada sob
o jugo do abuso desenfreado das drogas e do narco-terrorismo, as cidades implodiram. A
indignação que havia detonado ‘explosões sociais’ (insurreições urbanas, perturbações da
ordem e ‘rebeliões’) no passado era agora canalizada pelos poderes estabelecidos para
‘implosões sociais’ - colapsos violentos e voltados para dentro da vida comunitária. Isso
tudo era parte de uma política de contenção - contenção do potencial revolucionário das
massas negras por meio da transformação de guerrilheiros latentes em bandidos e
viciados. Quem realmente está no comando?” - Ibid., p. 247

Após criar a epidemia do crack, o governo dos EUA declara uma “Guerra às
Drogas” que logo se fundiu com a já declarada “Guerra às Gangues”. Para ganhar
o apoio público a essas guerras, o “Império” encabeçou uma grande campanha
midiática contra as drogas.

“No começo de setembro de 1989, uma grande campanha do governo e da mídia foi
lançada pelo presidente. Nesse mesmo mês, as transmissões [da Associated Press] traziam
mais matérias sobre drogas do que sobre a América Latina, Ásia, Oriente Médio e África
juntos. Se você olhasse para a televisão, todos os programas de notícia teriam uma grande
matéria sobre como as drogas estavam destruindo nossa sociedade, tornando-se a maior
ameaça a nossa existência etc.”
“O efeito na opinião foi imediato. Quando Bush venceu as eleições de 1988, alguns diziam
que o déficit orçamentário era o maior problema que nosso país enfrentava. Somente 3%
colocavam as drogas nesse ranking. Após a campanha da mídia, a preocupação com o
orçamento caiu e as drogas passaram a ocupar entre 40% e 45%, o que é bastante raro
para uma pergunta aberta (onde não há exigência de respostas específicas)”

“Agora, quando alguns estados clientes reclamam que os EUA não estão mais enviando
dinheiro o suficiente, eles não dizem mais ‘precisamos de dinheiro para parar os russos’
dizem, antes, ‘precisamos do auxílio para conter o tráfico de drogas’. Como com a ameaça
soviética, esse inimigo traz uma desculpa para a presença militar onde existe atividade
rebelde ou qualquer outro tipo de instabilidade.”
“Logo, internacionalmente, a ‘guerra às drogas’ garanta uma cobertura para a intervenção.
Em âmbito doméstico, tem pouco a ver com as drogas e muito a ver com distrair a
população, intensificando a repressão nas cidades e construindo o apoio para o ataque às
liberdades individuais.”
– Noam Chomsky, What Uncle Sam Really Wants (Odonian Press; Apr. 1999), pp. 82-83

Sob o manto da “Guerra às Drogas”, a epidemia de crack gerada pela CIA foi
usada para aprovar o Anti-Drug Abuse Act (lei contra o abuso das drogas) de
1986, uma lei que elegia como alvo (como o dr. “Jolly” West tinha proposto uma
década antes), o crack, a forma barata da cocaína vendida às pessoas de cor das
cidades. Essa lei tornou as penas para o crack 100 vezes mais severas que as
penas relacionadas à cocaína - droga consumida nos subúrbios brancos (de
classe média). De forma semelhante, sob o manto da “Guerra às Gangues”, a
violência sectária das gangues nas disputas territoriais foi usada para justificar a
ocupação violenta das cidades pela polícia militarizada, a criação de bancos de
dados sobre as gangues, e a condução de operações de larga escala contra
gangues, tendo como alvo jovens negros - em sua maioria sem vínculo com as
gangues.

Como dito por Christian Parenti em “The Soft Cage” (a gaiola macia):

“Durante o final dos anos oitenta, antes do terrorismo eclipsar o comunismo como
inimigo público número um, a mídia e a classe política se tornaram delirantemente
obcecadas com as gangues. O pânico moral tinha alguma base na realidade; a
desindustrialização, o aumento da desigualdade econômica e o dinheiro fácil do
comércio caótico do crack de fato criaram uma explosão das guerras de gangues
em cidades grandes e pequenas.”

Um produto secundário da “guerra” foi a criação de enormes bancos de dados


digitalizados cujo objetivo era identificar e rastrear os membros de gangues, os
suspeitos de terem relações com gangues e seus companheiros.

O impacto da Guerra às drogas nas comunidades negras foi o de exacerbar as


crises.

“Seria difícil encontrar evidências documentais de que essa guerra às drogas tem algum
efeito além dos deletérios. Em 1990, o desemprego da juventude negra na região de Los
Angeles era da ordem de 45%. Quase metade da população negra com menos de 25 anos
de idade já tinha passado pelo sistema de justiça penal. A expectativa de vida dos negros
estava caindo pela primeira vez nesse século [XX] e a mortalidade infantil na cidade estava
aumentando. Algo em torno de 40% das crianças negras nasciam na pobreza.
– Whiteout, p. 78

A guerra nos EUA não só quadruplicou a população encarcerada desde os anos


1970, como também tornou a militarização da polícia a regra. Timothy Egan, em
seu artigo para o New York Times Crack’s Legacy: Soldiers of the Drug War
Remain on Duty descreve a situação:

“O que começou como uma resposta ao front violento da guerra contra as drogas evoluiu,
aqui e em cidades por todo o país, em um novo mundo do policiamento.”

“Tropas da SWAT, uma vez utilizadas exclusivamente para os raros incidentes de


terrorismo urbano ou tiroteios se transformaram, ao longo dos anos do crack, em parte do
cotidiano da vida nas cidades…”

“Encorajado por concessões federais, equipamento sobressalente entregue pelos militares


e pelas leis de apreensão que permitiam aos departamentos de polícia reter e utilizar o
que era apreendido em operações, as brigadas de capacetes de kevlar cresceram
dramaticamente, mesmo em face da queda vertiginosa das estatísticas de crimes.”

“‘É a militarização de Mayberry’ disse o Dr. Peter Kraska, professor de direito penal na
Eastern Kentucky University, que pesquisou departamentos de polícia por todo o país e
descobriu que o emprego de unidades paramilitares cresceu 10 vezes desde o começo dos
anos 1980.”

“Isso não tem precedentes na histórica do policiamento americano e temos de nos


perguntar: quais são as consequências não intencionais disso?”

Aqui vão dois relatos sobre como isso se desenrola no nível das ruas contra a
juventude de cor (para os que não vivem na “quebrada” e não vêem isso todo dia):

“Membros das unidades de crimes de rua do Departamento de Polícia de Nova York


(DPNY) são conhecidos como os ‘Comandos do DPNY’. Atuando desde 1971, essa unidade
experimentou um aumento de 300% desde 1997. O ex-comissário de polícia de NY William
Bratton encorajou os homens a ‘serem bem mais agressivos’. Composto de
aproximadamente 400 policiais majoritariamente brancos, essa unidade, junto com os
7000 da Unidade de Narcóticos, representam a linha de frente do plano do prefeito
Giuliani de combater - e criminalizar - pessoas de cor, especialmente jovens, pobres e sem
teto. Eles vestem (e vendem) camisetas com os dizeres ‘Certamente não há caçada como a
Caça a Homens’. Seu slogan é ‘Somos os donos da noite’.”
– Frank Morales, “The Militarization of the Police,” Covert Action Quarterly, Spring-
Summer 1999

“Recentemente, têm surgido estudos interessantes sobre o comportamento do policial


urbano na Universidade George Washington, conduzidos pelo criminologista William
Chambliss. Nos últimos anos, ele tem dirigido projetos em parceria com a polícia de
Washington (DC), nos quais ele coloca estudantes de direito e de sociologia
acompanhando os policiais nas viaturas em patrulhas para transcrever o que acontece.
Quer dizer, você tem que ler essa parada: quase tudo tem como alvo a população negra e
hispânica. E eles não são tratados como uma população criminosa, porque criminosos têm
direitos constitucionais - eles são tratados como uma população sob ocupação militar.
Logo, as leis efetivas são que a polícia vai à casa de alguém, arrebentam a porta, batem
nos moradores, pegam algum garoto que eles queiram e o jogam na cadeia. E a polícia não
está fazendo isso porque eles sejam pessoas más, sabe - isso é o que eles recebem ordens
para fazer.”
– Noam Chomsky, Understanding Power: The Indispensable Chomsky (New Press; NY,
2002)

Até mesmo a ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis na sigla em inglês)
já apontou o impacto destrutivo da Guerra às Drogas nas comunidades e famílias
negras, bem como sua seletividade contra a população negra:

“Os efeitos colaterais das políticas de drogas da nação, processos racialmente seletivos,
mínimos obrigatórios e as disparidades nas condenações para o crack tem tido um efeito
devastador nos homens, mulheres e famílias afro-americanas. Dados recentes indicam que
afro-americanos somam apenas 15% dos usuários de drogas do país, mas ainda assim
compõem 37% dos presos por violar as leis contra drogas, 59% dos condenados e 74% dos
sentenciados à prisão por crimes relativos a drogas. Como a ação policial focou seus
esforços nas violações relacionadas ao crack, especialmente as cometidas por afro-
americanos, uma virada dramática ocorreu nas tendências gerais de encarceramento da
população negra em relação ao resto da nação, transformando presídios federais em
instituições cada vez mais dedicadas à comunidade negra. Os efeitos dos mínimos
obrigatórios não apenas contribuíram para as taxas de encarceramento
desproporcionalmente altas, mas também separaram pais de famílias, mães com
sentenças por crimes menores de posse de drogas de seus filhos, deixam as crianças para
trás no sistema de bem estar infantil, cria uma privação em massa de direitos daquele
condenados por crimes e proíbe pessoas com histórico de encarceramento de receber
serviços sociais como as food stamps, acesso a moradia pública ou programas de bem
estar social.” – American Civil Liberties Union, “Cracks in the System: Twenty Years of the
Unjust Federal Crack Cocaine Law,” October 2006.

Não só essa guerra contra as comunidades oprimidas vista como um processo de


descarte em massa para varrer nossos jovens para a prisão onde eles se tornam
incapazes de reproduzir, como também é uma jogada cujo objetivo final é o
descarte das comunidades negras urbanas. Por exemplo, moradores e
representantes de diversos projetos em Watts e professores californianos viram
essas implicações em um esforço para saber a localização de jovens negros, sob
a desculpa de conduzir uma pesquisa sobre hipertensão:

“Os representantes de Watts viram implicações sinistras. Na melhor das hipóteses, eles
acreditavam que o estudo sobre hipertensão era uma história para acobertar iniciativas de
pesquisa sobre a violência [como as propostas por “Jolly” West nos anos 1970]. Na pior, o
alvo era listar manifestantes negros como forma de preparação de invasão das
comunidades pelos Exército ou pela polícia, levando assim à destruição. Eles temeram que
as cercas de ferro erigidas em volta da comunidade seriam, em última instância, utilizadas
para aprisioná-los mais do que protegê-los.”
“Ao contrário da imagem pública e midiática, os representantes comunitários se sentiam
satisfeitos com o lugar onde moravam. Por maior que fosse o medo da violência no bairro,
eles tinham mais medo das intenções da comunidade branca em relação a suas casas e
filhos. (De forma similar, muitos pais negros têm mais medo de que seus filhos sejam
feridos pela polícia do que pela violência dos jovens do bairro. Diversas vezes, em minhas
viagens, mães e pais me contavam histórias sobre como seus filhos foram arbitrariamente
presos e agredidos por policiais). A publicidade negativa em torno das comunidades,
descrevendo-as como selvas tenebrosas não se encaixava na sua experiência de
comunidade e de gratidão por um lugar acessível para se morar. A imagem pública
totalmente negativa das comunidades entre os brancos, eles temiam, tinham como alvo a
preparação da cidade para aceitar a destruição desses espaços. Eles estavam cientes da
voracidade com que muitos negócios de brancos demoliriam as comunidades para dar
lugar ao ‘progresso’ por meio da ingerência econômica. Eles também viam traços de
genocídio por meio do desmantelamento de mais uma comunidade negra estabelecida e
pela possibilidade de extermínio da população dessa comunidade. Era consenso entre eles
que políticas do governo estavam propositalmente promovendo o ambiente letal de
drogas, gangues e armas.” – Dr. Peter and Ginger Breggin, The War Against Children of
Color: Psychiatry Targets Inner City Youth (Common Courage; ME, 1998)

Muitas dessas preocupações se concretizaram, como é possível ver na


gentrificação que ocorre nas cidades, na demolição de comunidades e mesmo no
deslocamento em massa como ocorreu em Nova Orleans, na sequência do
furacão Katrina, com negócios brancos se movendo para “redesenvolver” bairros
negros. E deveríamos nos lembrar de que o governador da Louisiana usou da
reivindicação claramente falsa de que gangues negras haviam atirado contra o
Corpo de Engenheiros do Exército Americano como pretexto de declarar “guerra”
(lei marcial) contra uma população negra faminta, desidratada, afogada e isolada
de Nova Orleans durante a crise do Katrina. A estrutura de poder usa o rótulo de
“gangue como justificação de qualquer nível de violência e abuso contra pessoas
de cor e nossas comunidades.

“Então, tome uma pergunta importante que você nunca ouviu sobre essa suposta guerra
às drogas que tem acontecido por anos e anos: quantos banqueiros e corporações do
ramo químico estão nas prisões por violações da lei relativas a drogas? Bem, houve um
estudo recentemente da OCDE sobre os esquemas internacionais de drogas e eles
estimaram que cerca de meio trilhão de dólares são lavados internacionalmente todo and
- mais da metade disso por meio de bancos americanos. Quer dizer, todos falam sobre a
centralidade da Colômbia no esquema de lavagem do dinheiro da droga, mas eles são um
peixe pequeno: passam cerca de US$ 10 bilhões por lá, pelos bancos dos EUA passam
cerca de US$ 260 bi. OK, é um crime sério - não é como roubar uma lojinha. Os banqueiros
americanos estão, então, lavando quantidades absurdas de dinheiro oriundo de drogas,
todos sabem disso: quantos banqueiros estão na cadeia? Nenhum. Mas se um garoto
negro é pego com um baseado, ele vai para a cadeia.”

“E, na verdade, seria muito fácil rastrear a lavagem de dinheiro das drogas se você quiser a
sério - porque a Federal Reserve requer que bancos deem notificações de todos os
depósitos em dinheiro feitos acima de US$ 10.000, o que quer dizer que que se existisse o
esforço de monitoramento, seria possível ver o fluxo do dinheiro. Bem, os republicanos
fizeram a desregulamentação nos anos 1980, então agora eles não checam. De fato,
quando George Bush (pai) estava liderando a Guerra às Drogas sob Reagan, ele cancelou
um programa federal que existia para isso, um projeto chamado ‘Operação Greenback’.
Era uma coisa bem pequena, de toda a forma, e o programa Reagan/Bush foi projetado
para deixar esse tipo de coisa acontecer - mas como o Czar das Drogas de Reagan, Bush
cancelou o programa.

“Que tal, então, fazer outra pergunta - quantos executivos do ramo químico dos EUA estão
presos? Bem, nos anos 1980, a CIA recebeu um pedido para estudar as exportações de
químicos para a América Latina e o que eles estimaram é que mais de 90% delas não
estava sendo utilizado para produção industrial alguma - e se olhar para o tipo de
substâncias, é óbvio que eles estavam é sendo usados para a produção de drogas. Ok,
quantos executivos de corporações da indústria química estão na cadeia nos EUA? Mais
uma vez, nenhum - porque a política social não é direcionada contra os ricos, mas contra
os pobres.” – Understanding Power, p. 372

Chomsky então descreve a guerra exatamente pelo que ela é - uma luta de
classe/raça contra as pessoas de cor da Amerika e os pobres:

“Se você olhar para a composição da população encarcerada, você vai descobrir que a
política de controle do crime que tem sido desenvolvida está muito bem afinada para
atingir populações específicas. Então, por exemplo, o que é chamado de “Guerra às
Drogas”, que tem pouco a ver com cortar o fluxo de drogas, tem muito a ver com o
controle das populações das cidades e dos pobres em geral. De fato, mais da metade dos
prisioneiros agora nos presídios federais lá estão por acusações relacionadas a drogas - e
na maior parte por crime de posses de drogas, crimes sem vítimas e insignificantes, um
terço só por causa de maconha. Mais ainda, a “Guerra” tem atingido especialmente a
população negra e hispânica - essa é uma de suas características mais marcantes - então,
por exemplo, o droga de escolha no gueto por acaso é o crack e você é punido
severamente por isso: a droga de escolha dos subúrbios brancos, como onde eu vivo, é a
cocaína, e você não pega penas nem mesmo próximas [às do crack] por isso. De fato, a
taxa de condenação à prisão por essas drogas em cortes federais é de 100 para 1.”
– Ibid., p. 371

Então, queiram ou não, “gang bangers” estão sendo usados como aqueles antes
de vocês pelas mesmas forças que oprimem a nós todos (o imperialismo fascista
dos EUA) para destruir a si mesmos, aos seus “parças”, suas comunidades,
matando e ferindo um ao outro e aos pobres em geral, apenas para serem mortos,
feridos ou encarcerados - um ciclo de derrota para todos, exceto para o poder
estabelecido que está lucrando com suas ações e sua desgraça enquanto mantém
seu foco em outras vítimas. Como consequência, você dá aos imperialistas o
pretexto para justificar o lançamento de uma guerra aberta contra você, seus
“parças” e todos nós. Ataque a cabeça, divida o corpo e destrua o corpo dividido:
uma receita imperialista para o genocídio.

Reverta o Jogo deles

O sistema reconhece o potencial das formações de rua para se tornarem


organizações revolucionárias. Essa é a principal razão pela qual elas são o foco
do ataque e interferência oficial e pela qual seus líderes potencialmente
revolucionários são sistematicamente expurgados. Lembrem-se que quando
Tookie selou seu destino quando fez homenagem aos revolucionários negros.
Como o FBI declarou em um memorando datado de 9 de março de 1968:
“Devemos dar a entender aos jovens negros e moderados que se eles
sucumbirem ao ensinamento revolucionário, eles serão revolucionários mortos”.
Bem, eles estão nos matando de toda a forma, expurgando e destruindo nossos
líderes genuínos, nos dividindo contra nós mesmos, nos manipulando para a
matança e nos estocando em campos de concentração. O que temos a perder
então? Nada, a não ser as nossas correntes! Mas, como os escravos nas velhas
plantações, isso não vai acontecer se ficarmos nos batendo contra outros
escravos.
Precisamos prestar atenção a Sun Tzu e jogar seu manual de guerra contra eles
próprios. Construir alianças, derrotar suas estratégias e planos. O plano deles é
destruir nossos líderes, dividir o povo e as organizações de rua, infestar nossas
comunidades com crime e drogas - vamos nos unir: o plano deles é atacar
nossos números divididos - vamos nos organizar pela defesa coletiva de nossas
comunidades!

Por uma aliança de Punhos Cerrados

Olhando para a história e para o futuro, as formações de rua podem e devem se


unir formalmente em uma aliança revolucionária comum: uma Aliança entre
Punhos Cerrados e Frente Vermelha. As várias formações, cores e bandeiras não
mudariam, mas enquanto aliados dos Punhos Cerrados e da Frente Vermelha,
eles teriam a oportunidade de explicar e distinguir suas mudanças em termos de
orientação, de apresentar uma opção revolucionária para outros grupos e gangues
seguirem como exemplo.

Essa é a única hipótese que poderia libertar todos os povos oprimidos,


comunidades e nativos da opressão e do sofrimento. Cada formação deve
compreender que divididas, seu potencial para o poder é terrivelmente limitado e,
assim, eles serão continuamente jogados uns contra os outros com violência. E
nenhum deles teriam o monopólio da violência. Quando uma formação ou conjunto
ataca outra, eles, por sua vez, atraem para si a retaliação violenta. Mate um rival e
um dos seus morre. O ciclo se repete indefinidamente, os porcos se divertem com
o resultado e nossa real necessidade e luta de libertação da opressão imperialista
é negligenciada. Antes que seus líderes fossem removidos (mortos ou
encarcerados), os Vice Lords se tornaram revolucionários. Eles se inspiraram nos
Panteras Negras, usavam boinas marrons etc. Os Young Lords evoluíram para
Partido dos Young Lords e se tornaram aliados dos Panteras. Eles usavam boinas
púrpuras e mais tarde se transformaram na Organização Revolucionária dos
Trabalhadores Porto Riquenhos. Em 1968, os Rangers de Blackstone foram pagos
para atacar os protestos contra a guerra na Convenção Nacional do Partido
Democrata, mas, ao invés disso, se juntaram aos manifestantes revolucionários na
luta contra os porcos que atacaram o protesto.

Grandes contingentes dos Almighty Latin Kings and Queens Nation apareceram
nos protestos em Nova York, incluindo contra o bombardeio do Iraque. Nos anos
1940, ALKQN começou como um grupo que auxiliava imigrantes porto-riquenhos
que chegavam aos EUA em Chicago e rapidamente se espalharam pelos bairros
mexicanos providenciando o mesmo apoio.
Em 1992, depois da insurreição em LA, líderes dos Bloods e Crips chegaram a
uma trégua que incluía um plano econômico para o melhoramento das
comunidades. O pacto durou dois anos durante os quais as mortes relacionadas
às gangues diminuíram imensamente. O sistema mirou nos líderes e finalmente
sabotou a aliança.

Os Gansgter Disciples foram fundados no começo dos anos 1980, com um


programa de apoio comunitário em Chicago, influenciado pelo exemplo do PPN.

A maior parte das organizações de rua dos EUA começaram, ou em algum


momento cogitaram, com o intuito de servir a suas comunidades. Todas foram
desviadas desse caminho por incitação da polícia e pela glamourização midiática
do “gangsterismo” violento a lutar umas contra as outras. Todas saíram do
caminho revolucionário e jogadas no capitalismo ilegítimo (atividades criminosas)
para sobreviver, muitas depois de testemunhar a destruição dos Panteras Negras
pelo governo estadunidense. O ódio e a raiva pelas vidas perdidas e ferimentos
estão direcionadas aos “inimigos” errados. Todos somos vítimas do mesmo
sistema opressivo - vítimas sendo jogadas contra vítimas.

Como apontado, a violência das organizações de rua é o que os imperialistas


criaram e então usam para justificar sua violência contra elas e contra nós todos. A
principal tática usada para destruir os Panteras foi a criação, por parte do governo
dos EUA, de uma imagem violenta do partido e então usar isso para isolá-los e
atacá-los.

“Recentemente, uma investigação de um repórter com base no Freedom of Information


Act (lei de acesso à informação) nos arquivos do COINTELPRO [do FBI] descobriu que o
governo americano fez todo o possível para se infiltrar nos Panteras Negras e outros
grupos ativistas menos conhecidos e, então, fez seus “agentes” levar os grupos a gestos
violentos para causar dissensão e minar a credibilidade dos mesmos e jogar todo o peso
do estado nas costas dos líderes das organizações. Os efeitos letais das ações da extrema
esquerda por parte de movimentos sociais enganados se comprovaram desastroso uma
vez depois da outra.”
– William Hinton, Through a Glass Darkly: U.S. Views of the Chinese Revolution, (Monthly
Review; NY, 2006)

Os crimes da nossa classe oprimida empalidecem diante daqueles cometidos pela


classe dominante. De fato, nossos “crimes” são produto direto das condições de
pobreza e exploração imposta a nós por aqueles no controle - e, como tem sido
demonstrado ao longo do presente texto, muitos dos nossos crimes são resultado
direto das armadilhas e manipulações do próprio governo dos EUA. É contra essas
forças e esse sistema que nós devemos lutar e ganhar os elementos pobres
criminalizados para que sirvam o povo como revolucionários.

Uma Aliança de Punhos Cerrados deve liderar e organizar nossa juventude urbana
cujo trabalho seria defender as comunidades e apoiar os trabalhadores em greve
ou os grevistas contra os aluguéis, desencorajar o tráfico de drogas e o crime de
rua. Deve promover e garantir uma trégua das gangues e canalizar as energias da
juventude para atividades produtivas e programas de serviço comunitário, liderar a
condução de educação política e treinar os métodos de defesa comunitária, artes
marciais e combate urbano

Uma Declaração Final

Como um irmãozinho dentro de uma organização de rua apontou uma vez para
mim em uma discussão recente sobre o genocídio auto infligido:

“Se matar é exatamente o que negros, pardos e mesmo os brancos pobres estão fazendo.
Eu creio que a evidência mais cabal do crime da classe dominante e dos instigadores do
governo desse genocídio auto infligido é que tudo nessa sociedade glamouriza esse
comportamento. Especialmente a mídia hegemônica, que é de propriedade, controle e
regulada não pelos pobres, mas pela classe dominante e pelo governo. Mas qualquer
filme, clipe de rap, jornal, escola de pensamento etc. que se opõe esse sistema podre e é
contra o auto ódio promove independência comunitária e mesmo insinua consciência
política pró-revolucionária é imediatamente criticado, neutralizado e seus orquestradores
são destruídos. Não existe rap mainstream consciente, todos os músicos conscientes são
forçados a operar na encolha, a não ser que busquem camuflar e dissolver sua mensagem
ao ponto de nadar em contradições. Mas os rappers que falam sobre vender drogas,
matanças ou qualquer outro comportamento autodestrutivo, de auto ódio ou qualquer
merda frívola são lançados por todos os cantos pelos produtores do mainstream e pelas
gravadoras. É o sistema que nos ensina, promove e glamouriza essa merda no dia-a-dia!
Concordo totalmente com você - estamos sendo jogados uns contra os outros enquanto o
verdadeiro inimigo (os verdadeiros gângsteres) estão ganhando dinheiro com nosso
sofrimento, fazendo merda pra gente que a gente nunca aceitaria de um de nós (quem
matou Tookie? quem expulsa nossas famílias dos bairros? quem nos sequestra e nos joga
na cadeia como quer? quem nos bota pra lutar um contra o outro por um pedaço de pão -
enquanto são donos do campo de trigo?), e tira nosso foco do verdadeiro inimigo. Sim,
nossas prioridades estão invertidas… assim como as dos escravos antigamente!”

Olhando para o extermínio da quase totalidade da população indígena americana


e então considerando as dificuldades da população de cor e pobre da Amerika
hoje, nós podemos ver a verdade inegável do velho clichê de que “os que não
aprendem com a história estão condenados a repeti-la”. Mas podemos quebrar o
ciclo de escravidão e genocídio, nossas correntes, nos unindo em luta
revolucionária. De outra forma, apenas iremos jogar o jogo do sistema imperialista
e perpetuar nosso genocídio auto infligido.

A chave da vitória, conforme Sun Tzu apontou, são os bons estrategistas


(lideranças corretas), alianças fortes que não podem ser quebradas ou
enfraquecidas pelos esquemas dos inimigos e forças de defesa altamente
treinadas.

Se nós devemos representar algo, que seja a luta unida por libertação das
correntes do imperialismo e não reivindicações vazias a territórios pertencentes
aos imperialistas - que sequer podemos defender de ataques dos porcos e dos
quais somos prontamente removidos para as prisões quando eles decidem tomar
bairros inteiros para os planos capitalistas de “desenvolvimento”. Se devemos
morrer, que seja na luta pela liberdade e não como peões manipulados para lutar
contra outros peões.

Ousar lutar - ousar vencer!

Todo Poder ao Povo!!

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