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DESIGUALDADE DE GÊNERO E PANDEMIA: a sobrecarga das mulheres no

trabalho do lar em tempos de Covid-19

Laís de Oliveira Pimentel1


Ana Paula Bagaiolo Moraes2
RESUMO

Com o advento da pandemia de Covid-19 as mulheres trabalhadoras têm sido expostas a um papel
ainda mais intenso no cuidado. Embora o avanço do vírus afete a todos, a pandemia não se manifesta
da mesma forma para os diferentes grupos e classes sociais. Deste modo, as mulheres podem ser
consideradas o grupo social mais afetado pela pandemia, uma vez que constituem o grupo majoritário
dos empregos mais precários ou informais, estando obrigadas ainda a fazer as tarefas do cuidado de
casa, da economia doméstica, dos filhos e a prezar pela saúde de todos. Dito isso, o objetivo deste
trabalho é verificar como a pandemia vêm atingindo a classe feminina brasileira, além de trazer à lume
discussões acerca da desigualdade de gênero no país. Para tanto, a metodologia utilizada foi a de
revisão utilizada, com a utilização de artigos científicos, estudos acerca da desigualdade de gênero,
bem como dados contidos no estudo realizado pelo IBGE em 2018. Verificou-se que a classe feminina
merece cuidados especiais neste momento tão delicado causado pela pandemia, além de que a
existência de machismo estrutural presente na sociedade dificulta os avanços na luta por igualdade.
Por fim, os governos, bem como a esfera pública e social devem tomar providências a fim de diminuir
esse impacto sofrido pela classe.

Palavras-Chave: Covid-19. Pandemia. Desigualdade de gênero. Trabalho doméstico.

ABSTRACT

With the advent of the Covid-19 pandemic, working women have been exposed to an even more
intense role in care. Although the spread of the virus affects everyone, the pandemic does not manifest
itself in the same way for different groups and social classes. In this way, women can be considered
the social group most affected by the pandemic, since they constitute the majority group of the most
precarious or informal jobs, being still obliged to do the tasks of caring for the home, the domestic
economy, children and cherish everyone's health. That said, the objective of this paper is to verify how
the pandemic has been affecting the Brazilian female class, besides bringing to light discussions about
gender inequality in the country. For that, the methodology used was the review used, with the use of
scientific articles, studies on gender inequality, as well as data contained in the study carried out by
IBGE in 2018. Finally, it was found that the female class deserves special care in this delicate moment
caused by the pandemic, in addition to the fact that the existence of structural machismo present in
society hinders progress in the fight for equality. Finally, governments, as well as the public and social
spheres, must take steps to reduce this impact suffered by the class.

Keywords: Covid-19. Pandemic. Gender inequality. Housework.

1 INTRODUÇÃO

As mulheres por muito tempo foram fadadas às responsabilidades domésticas e


submissas aos maridos que, por sua vez, eram os responsáveis por trabalhar e prover as
1
Advogada. Pós-Graduanda em Direito Público pela PUC-Minas. E-mail: lais_oliveira.adv@outlook.com;
2
Advogada. Doutora em Direito Econômico pela Mackenzie. Mestre em Direito pela UNESP. Professora de
Direito Civil na FAFRAM. E-mail: apbagaiolomoraes@gmail.com.
necessidades do lar, construindo a ideia de que suas esposas e filhos seriam sua propriedade e
domínio.
No contexto da então estrutura de classes da social vigente, o movimento feminista
ganha voz, uma voz crescente de mulheres brancas privilegiadas que não mais estavam
dispostas a acatar pacificamente os papeis que lhes restava: o confinamento do lar ou
subempregos com baixa qualificação e remuneração que lhes eram destinados.
A militância feminista à época desconsiderava questões de interseção de classe e
raça, portanto a luta contra o patriarcado e o elitismo de classe seguiram de mãos dadas,
fazendo com que as conquistas do movimento feminista fossem no sentido de que apenas
mulheres privilegiadas pudessem ter acesso ao poder econômico junto aos homens brancos,
algo que trouxe alguma emancipação feminina no acesso ao mercado de trabalho e maiores
liberdades de escolha, mas seguiu excludente e marginal para as mulheres negras, mantidas
em subempregos mal remunerados (HOOKS, 2018).
No contexto pré-pandêmico, as mulheres que tiveram a liberdade de escolher
trabalhar o fizeram à semelhança dos homens brancos privilegiados, que jamais se
propuseram a dividir as tarefas da casa ou a responsabilidade do cuidado dos filhos, enfermos
ou idosos da casa, algo que acabou sendo, em muitos casos, delegado como trabalho para
outras mulheres, promovendo um aprofundamento da pobreza feminina negra e a manutenção
de um sistema patriarcal, passando as mulheres brancas a ocupar um lugar de opressão.
Nas famílias que não puderam delegar os trabalhos da casa para outras pessoas,
espaços onde o poder exclusivamente cuidar da casa é um privilégio, as mulheres, além de
trabalharem no mercado de trabalho, se dedicam aos cuidados do lar, o que gera uma grande
sobrecarga de trabalho, já que a discussão sobre a divisão de tarefas nunca foi enfrentada.
O limite dessas situações chegou quando, diante da pandemia pelo Covid-19, tanto as
mulheres brancas privilegiadas quanto as mais desfavorecidas foram confrontadas com a
necessária e incontornável necessidade de permanência na casa, contexto onde o teletrabalho,
a escola remota e todas as atribuições da cozinha, lavanderia, limpeza e tantas outras,
passaram a incomodar àquelas que antes podiam delegar tais funções e que, agora, não mais
puderam fazê-lo e, ao mesmo tempo, sobrecarregou ainda mais as mulheres que já abraçavam
muitas funções e que, então, se depararam com aquelas que eram exercidas fora de casa sendo
acumuladas também em casa.
O resultado disso é que, em ambos os casos, as vulnerabilidades femininas ficaram
ainda mais afloradas, já que, dentro das mais diversas estruturas sociais e realidades
socioeconômicas, as mulheres se viram ainda mais sobrecarregadas, precisando abarcar mais
tarefas, colocando em xeque a tão adiada e necessária divisão dos afazeres do lar.
Isso posto, o objetivo do presente trabalho é verificar como a pandemia vêm
atingindo as mulheres brasileiras, além de trazer à lume discussões acerca da desigualdade de
gênero no contexto dos cuidados da casa. Para tanto, a metodologia utilizada foi a da revisão
bibliográfica crítica, com a utilização de artigos científicos, estudos acerca da desigualdade de
gênero, bem como dados contidos no estudo realizado pelo IBGE em 2018.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Desigualdade de gênero na sociedade brasileira: aspectos relevantes

A desigualdade de gênero não se trata de um fenômeno recente, mas sim de um


evento que vem se desenvolvendo ao longo da história, sendo de fácil identificação uma
maior apropriação pelos homens, tanto no poder político, poder de escolha, tanto no que diz
respeito à decisão sobre a vida afetiva-sexual. Além disso, consigna-se que os homens sempre
tiveram maior visibilidade social, dominando também os ambientes de trabalho e atividades
profissionais.
Nesse aspecto, explica Silvana Santos e Leidiane Oliveira (2010, p. 12) que a
desigualdade de gênero “é um processo que resulta em diferentes formas opressivas,
submetendo as mulheres a relações de dominação, violência e violação dos seus direitos”.
Desse modo, confirma-se que as relações de gênero e desigualdade foram
construídas historicamente. Muitos estudos que tratam da desigualdade de gênero no Brasil e
no mundo, em geral, abordam o desenvolvimento como condição para o progresso feminino.
Neste diapasão, destaca-se a evolução desse fenômeno no maior país da América
Latina. O Brasil passou de uma economia primário-exportadora, sustentada em uma base
agrária e rural, para uma economia urbana, sustentada em uma base industrial e de serviços.
Com essa transição, o percentual populacional das cidades passou de 31,2% em 1940
para 84,3%, em 2010. Em sequência à transição demográfica houve uma transição etária, no
qual a sociedade mudou de jovem para uma sociedade em processo de envelhecimento
(ALVES; CAVENAGHI, 2013).
Além disso, as mudanças nos padrões das famílias e nas formas de vivência nos
arranjos familiares no país são elementos inerentes que reforçam as demais transformações
sociais. “Essas mudanças têm facilitado a transição de uma sociedade patriarcal para uma
sociedade pós-patriarcal, caracterizada por mudanças significativas nas relações de gênero,
com maior autonomia e empoderamento das mulheres” (ALVES; CAVENAGHI, 2013, p.
85).
Nesse sentido, durante o século XX, o Brasil conviveu com princípios e dogmas
discriminatórios e patriarcais positivados do Código Civil de 1916. Apenas em 1988 com o
advento da Constituição Federal que a igualdade entre homens e mulheres foi consagrada
formalmente.
De lá para cá, frutos também desse desenvolvimento histórico, outros direitos foram
sendo garantidos às mulheres, como o de votar, o de poder participar politicamente, o de
proteção à violência doméstica entre outros.
Entretanto, esse padrão hegemônico de masculinidade ainda existe no país e é bem
visível o machismo estrutural enraizado na sociedade brasileira contemporânea. Nesse
contexto, Márcia Thereza Couto e Lilia Blima Schraiber (2013) explicam que

(...) embora importantes transformações nas atribuições de homens e mulheres na


nossa sociedade tenham ocorrido nas últimas décadas, é necessário não superestimar
a profundidade das mudanças, nem tampouco acreditar que as desigualdades entre
homens e mulheres nos espaços público e privado tenham sito erradicados
(COUTO; SCHRAIBER, 2013, p. 55).

Sendo assim, compreende-se que mesmo com a crescente atuação das mulheres nas
arenas públicas, sobretudo nos espaços relacionados à cultura, à educação, à política e ao
mercado de trabalho, ainda há uma luta árdua pela frente a fim de se conseguir a plenitude da
igualdade almejada entre homens e mulheres.
Durante muito tempo os homens eram os detentores do saber, das tomadas de
decisões, dos espaços políticos e da voz na sociedade, ao passo que as mulheres eram
submissas a seus maridos, sem garantias de muitos direitos, sem oportunidades iguais de
trabalho, sendo fadadas aos encargos provenientes das tarefas domésticas e aos cuidados dos
filhos.
Esse panorama foi sendo mudado com o surgimento das lutas sociais almejando
condições igualitárias entre os gêneros. Com isso, os papeis das mulheres na sociedade foram
se modificando, de modo que as oportunidades que anteriormente eram concedidas apenas aos
homens, passaram a ser também concedidas às mulheres.
Questões ligadas à desigualdade dos gêneros geram grande repercussão, pois ainda
há muitas transformações que merecem ser realizadas para que seja erradicada da sociedade
atual. Os embates travados entre a cultura mais conservadora e aquelas mais progressistas só
serão solucionados com a destradicionalização nas percepções de gênero.
Ou seja, significa dizer que para que seja exterminada essa predominância masculina
sobre a feminina, configurando o machismo existente na sociedade, necessário se faz
aumentar a força do movimento feminista no país, por ser a mola propulsora para avanços e
transformações nas questões de gênero.
Como o tema é permeado de grandes e relevantes discussões, a fim de que o objetivo
do presente trabalho não se perca, o recorte na questão de desigualdade de gênero se dará no
que diz respeito à sobrecarga de trabalho doméstico comumente evidenciada pelas mulheres.
Diante disso, no tópico seguinte será abordado com mais especificidade acerca do
assunto, de modo a evidenciar como as mulheres enfrentam a sobrecarga de trabalho
doméstico e oneração de suas responsabilidades.

2.2 A sobrecarga de trabalho doméstico e as responsabilidades enfrentadas pelas


mulheres na contemporaneidade

A desigualdade de gênero abordada no tópico anterior se acentua de maneira latente


no que diz respeito à divisão do trabalho. Nesse sentido, Luana Passos de Sousa e Dyego
Rocha Guedes (2016) salientam que:

a não consideração dos afazeres domésticos como trabalho silenciou e tornou


invisível, por muito tempo, relações assimétricas e de poder entre os sexos. Como as
atividades domésticas eram baseadas nos vínculos de casamento e reciprocidades
parentais, as relações de subalternidade e opressão entre os sexos ficavam
escondidas na cumplicidade familiar, que reserva às mulheres o amor e cuidado à
família, e ao homem a provisão financeira. O curso da história delineou um modelo
de família cuja protagonista, a mãe, seria a responsável por dispensar especial
atenção ao cuidado e à educação dos filhos, assumindo a formação moral das
crianças no interior dos lares. Nessa configuração, os espaços públicos seriam de
direito dos homens, vistos como provedores e chefes da família (SOUSA; GUEDES,
2016, p. 124).

Em outras palavras, significa dizer que por muito tempo as mulheres foram
encarregadas de cuidar do lar e dos filhos, enquanto os homens proviam o sustento da família
financeiramente falando.
Deste modo, os espaços públicos e as outras esferas eram predominantemente
dominadas pelos homens, ao passo que as mulheres assumiam a responsabilidade de cuidar do
lar e educar s filhos.
Mister salientar que mesmo as mulheres tendo como obrigação gerir os interiores dos
lares, elas eram subordinadas às ordens e aos comandos dados pelos maridos, uma vez que
autonomia não era um direito das esposas. Entretanto, a partir do momento em que o trabalho
doméstico passou a ser como atividade de trabalho, tanto quanto o trabalho profissional,
caminhos foram abertos para pensar em termos de “divisão sexual do trabalho”.
Nesse sentido, explica Hirata e Kergoat (2007, p. 32) que “divisão sexual do trabalho
é fruto da divisão social estabelecida nas relações sociais entre os sexos, divisão essa
modulada histórica e socialmente e instrumento da sobrevivência da relação social entre os
sexos”.
Cabe ressaltar que sempre se atribuiu às mulheres a esfera reprodutiva, ao passo que
aos homens, a esfera produtiva, motivo pelo qual essa relação entre os sexos reproduziu
concomitantemente as desigualdades de papeis e funções na sociedade. Com isso, “as relações
sociais entre os sexos se apresentam desiguais, hierarquizadas, marcadas pela exploração e
opressão de um sexo em contraponto à supremacia do outro” (SOUSA; GUEDES, 2016, p.
125).
Essa divisão do trabalho que se estabeleceu entre os sexos, garantiu os cuidados do
lar à mulher, função esta, quando não invisível, tida como de pouco valor social, ao passo que
aos homens fora garantida a produção material, tarefa considerada de prestígio e que confere
poder dentro da sociedade.
Neste diapasão, revela-se que essa desigualdade evidenciada na divisão do trabalho
se deu especialmente dentro da sociedade capitalista, histórica e culturalmente, já que sempre
“coube à mulher a responsabilidade pelos cuidados com a casa e com a família,
independentemente de sua idade, condição de ocupação e nível de renda” (SOUSA;
GUEDES, 2016, p. 125).
O discurso que pode ser visto até hoje é de que as mulheres possuem naturalidade
feminina para o cuidado, por isso a elas incumbiam o dever de desempenhar as atividades
domésticas.
Ocorre que essa atribuição social de cuidado feminino, limitou a vida das mulheres
ao espaço privado e, posteriormente, com as transformações socioeconômicas e a busca de
independência feminina, evidenciou desvantagens em relação aos homens na atuação
econômica e social.
Com a inserção das mulheres no mundo econômico, as funções atribuídas aos sexos
não se equilibraram, pelo contrário, reforçou as desvantagens vividas pelo sexo feminino, que
compartilham com os homens, de forma quase unânime, o sustento financeiro da família,
além de ainda possuir a responsabilidade da esfera reprodutiva.
Mesmo com as conquistas cada vez mais visíveis no âmbito público, a revolução
ainda é incompleta, já que as mulheres ainda assumem praticamente sozinhas as atividades do
espaço privado, o que acentua ainda mais a desigual e desfavorável divisão sexual do trabalho
para elas (SOUSA; GUEDES, 2016).
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em um
estudo realizado no ano de 2018 denominado “Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais
das mulheres no Brasil”, as mulheres ainda sofrem muito com a desigualdade de gênero
enfrentada na sociedade.
A seguir, com base nesse estudo, serão expostos os resultados nele obtidos para
confirmar como a desigualdade dos gêneros ainda é muito presente na contemporaneidade.

Tabela 01: Estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a


recursos: tempo dedicado aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos (horas
semanais) – 2016

Homens Mulheres
Total 10,5 18,1
Branca 10,4 17,7
Preta ou parda 10,6 18,6
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).
De acordo com o IBGE (2018), verificou-se que os homens, no geral, despendem de
seu tempo 10,5 horas semanais no desenvolvimento de afazeres domésticos e/ou cuidados de
pessoas; ao passo que as mulheres despendem de 18,1 horas semanais de seu tempo
desempenhando as mesmas funções.
Ainda, verifica-se que homens e mulheres brancos em relação aos homens e
mulheres pretos/pardos despendem de um tempo menor, qual seja: 10,4 horas semanais para
homens brancos e 17,7 horas semanais para mulheres brancas, enquanto homens
pretos/pardos gastam 10,6 horas semanais e mulheres pretas/pardas 18,6 horas semanais.
Através desse resultado, é notável o quanto mulheres se sobrecarregam mais em
trabalhos domésticos e cuidados do que os homens. Essa sobrecarga é ainda maior quando se
refere ao grupo de pessoas pretas/pardas.
Essa diferenciação também atinge outros recursos, como demonstrado na tabela
abaixo:
Tabela 02: Rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos - 2016
Homens Mulheres
R$ 2.306,00 R$ 1.764,00
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).
Verifica-se com a informação acima que ainda existe uma desigualdade no que diz
respeito aos salários recebidos por ambos os sexos. Conforme depreende-se da tabela 02,
homens recebem, em média, 23,5% a mais do que as mulheres para desempenhar as mesmas
funções.
Nota-se que na tabela 02 não foi realizado um levantamento acerca da diferença
salarial entre homens e mulheres no que diz respeito aos aspectos raciais, como fora realizado
na tabela 01, por isso, a análise acaba se tornando limitada nesse ponto. Entretanto, é evidente
que as mulheres ainda lutam para conseguir a equidade salarial com relação aos homens.

Tabela 03: Educação – População de 25 anos ou mais de idade com ensino superior
completo – 2016
Homens Mulheres
Branca 20,7% 23,5%
Preta ou parda 7,0% 10,4%
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).

Tabela 04: Educação – Taxa de Frequência escolar líquida ajustada no ensino médio
(pessoas no nível de ensino adequado à faixa etária) – 2016
Homens Mulheres
63,2% 73,5%

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).
No que diz respeito à educação, o IBGE (2018) demonstrou que existem mais
mulheres com curso superior completo. Nota-se que nesse quesito fora realizada a análise
racial, no qual fora constatado que, enquanto 20,7% dos homens brancos possuem curso
superior completo, apenas 7,0% dos pretos ou pardos conseguem realizar esse feito.
Com relação ao sexo feminino, notou-se que 23,5% das mulheres brancas possuem
curso superior completo, enquanto apenas 10,4% de mulheres pretas ou pardas possuem o
mesmo grau de escolaridade.
Já no que diz respeito à educação de nível médio, a tabela 04 demonstra que é
composta por 73,5% de mulheres e de 63,2% de homens, não sendo, também, feito o
levantamento quanto às questões raciais.
Ainda, o estudo do IBGE (2018) realizou um levantamento acerca da vida pública e
tomada de decisão, conforme observa-se na tabela 05 abaixo transcrita.
Tabela 05: Vida pública e tomada de decisão – Representação política - 2017

Homens Mulheres
89,5% 10,5%

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).

Tabela 06: Vida pública e tomada de decisão – Cargos gerenciais - 2016


Homens Mulheres
60,9% 39,1%

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados do IBGE (2018).
Conforme corrobora-se na tabela 05, 10,5% dos assentos da câmara dos deputados
são ocupados por mulheres. Essa discrepância não faz o menor sentido, quando se contempla
os outros dados discutidos anteriormente, no qual constatou-se que as mulheres são maioria
nas universidades e nas escolas. No mundo, as mulheres ocupavam 23,6% dos assentos em
2017 (IBGE, 2018).
A realidade é que os cargos de alto escalão sempre foram ocupados por homens,
pois, como já dito anteriormente, eram eles que possuíam o direito de participarem da esfera
pública, ao passo que as mulheres ficavam a cargo dos deveres a serem desempenhados nos
lares, isto é, na esfera privada.
Além disso, em 2016, no que diz respeito aos cargos gerenciais, os resultados não
são diferentes daqueles já vistos acima. Na tabela 06, constata-se que 60,9% deles eram
ocupados por homens e 39,1% por mulheres.
Através da pesquisa e dos dados apresentados, percebe-se que o período que as
mulheres estiveram restritas ao espaço domésticos, tendo seu direito de interagir nos espaços
políticos e nas questões sociais cerceados, acarretam até os dias atuais grandes desigualdades
entre os sexos masculino e feminino.
Ainda, conforme observou-se na tabela 01, a sobrecarga enfrentada pelas mulheres
no que diz respeito aos afazeres domésticos ainda continua predominantemente latente na
realidade feminina.
Ainda, no quesito educação constatou-se que no Brasil existem mais mulheres que
possuem curso superior e estão cursando o nível médio do que os homens e, mesmo assim,
ocupam menos cargos políticos e gerenciais do que os homens e, quando exercem, ainda
encontram a disparidade no quesito salarial.
As conquistas feministas ao longo do tempo foram de grande valia para que os
direitos das mulheres fossem sendo exercidos por elas, mas ainda há um grande caminho para
que a igualdade de gênero em todos os setores, não somente nesses apresentados pela
pesquisa do IBGE, seja alcançada.
Como é sabido, com o advento da pandemia de Covid-19 essas questões de
desigualdade de gênero ficaram ainda mais evidentes. As mulheres que, como constatado,
sofrem com a sobrecarga de trabalho doméstico, ainda precisam enfrentar as dificuldades
ocasionadas pela pandemia. Por isso, no próximo tópico serão discutidos os impactos trazidos
pela pandemia às mulheres no ano de 2020, voltando-se à perspectiva do trabalho doméstico e
como o movimento feminista atinge diferentemente os grupos femininos.

2.4 Covid-19 versus vulnerabilidade feminina: os impactos trazidos pela pandemia às


mulheres em 2020

Em março de 2020, com o aumento de casos de coronavírus e a disseminação global,


a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou pandemia mundial causada pelo vírus de
Covid-19.
As orientações de isolamento social, lockdown na atividade econômica, bem como
cerceamento de alguns direitos, como o de ir e vir, foram medidas adotadas para conter o
rápido contágio do vírus e evitar o colapso dos sistemas de saúde.
Tanto no Brasil, como no mundo, as mulheres continuam sendo as mais afetadas pelo
trabalho não-remunerado. Devido à saturação dos sistemas de saúde e ao fechamento das
escolas, as tarefas de cuidados recaem principalmente sobre as mulheres que, em gera, têm a
responsabilidade de cuidar de familiares doentes, pessoas idosas e crianças.
Além disso, de acordo com a ONU Mulheres (2020, p. 01), “os empregos e os
serviços de assistência afetam as trabalhadoras em geral e, em particular, as trabalhadoras
informais e domésticas. A capacidade das mulheres de garantir seus meios de subsistência é
altamente afetada pela pandemia”.
Ficou demonstrado que, com as medidas de distanciamento social impostas pelo
poder público, houve uma redução da atividade econômica, afetando, em primeira instância,
trabalhadores informais, no qual perderam seus meios de sustento de vida quase
imediatamente, sem nenhuma rede ou possibilidade de substituir a renda diária em geral.
Além disso, as trabalhadores domésticas enfrentam dois desafios específicos:
primeiro, os desafios decorrentes da maior carga de cuidados devido ao aumento do trabalho
não remunerado nas residências e do cuidado das crianças durante o fechamento das escolas;
por outro lado, a possibilidade de perda de renda quando, por motivos de saúde, são
solicitadas a parar de trabalhar porque consideram um risco de contágio para as famílias com
as quais trabalham (ONU Mulheres, 2020).
Ainda, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América
Latina existem mais de 14 milhões de mulheres que trabalham em casas de família como
domésticas. A OIT aponta que o trabalho doméstico remunerado é uma das ocupações de
menor qualidade, já que são longas horas de trabalho, baixos salários, baixa cobertura da
seguridade social e um alto nível de não conformidade com as normas trabalhistas.
Por isso, fica difícil para esse grupo cumprir as medidas preventivas de
contaminação, pois ficar em casa não é uma opção já que perderiam automaticamente sua
única fonte de renda.
Há também o aspecto que merece ser mencionado que poder ficar em casa e cumprir
as recomendações da quarentena neste momento pandêmico reforça como, mesmo dentro do
feminismo, há privilégio entre as mulheres. As mulheres negras são a maioria no desempenho
de trabalhos domésticos se comparadas com as brancas e essa realidade acaba se tornando um
instrumento de opressão.
Essa realidade só enfatiza como as mulheres são desproporcionalmente afetadas pela
crise, uma vez que são a maioria no combate à pandemia e ainda precisam aguentar a dupla
jornada de trabalho, quando retornam aos seus lares e precisam desempenhar afazeres
domésticos, como discutido no tópico anterior.
Quais seriam, então, as recomendações e propostas necessárias para amenizar esses
impactos sofridos pelas mulheres durante a pandemia de Covid-19? Aos governos, necessário
investimentos no sistema público de saúde e segurança que atenda as pessoas que trabalham
em setores informais, sem exceção, revisando a situação das trabalhadoras domésticas
remuneradas.
Salienta-se que o governo federal criou o “auxílio emergencial” para trabalhadores
informais, microempreendedores e desempregados no valor de R$600,00 mensais. Com
relação às mulheres chefes de família, o auxílio é de R$1.200,00 mensais para prover o
sustento próprio e de seus filhos.
Realizar campanhas de conscientização com foco em gênero, como também
necessário se faz aumentar o investimento no sistema público de infraestrutura, saúde,
educação e transporte seguro.
No que diz respeito ao setor privado, revisar as metas de produtividade compatíveis
com o atual contexto, sem redução de salários pode ser uma saída para amenizar os impactos
negativos que a pandemia trouxe às mulheres.
Já a população em geral pode contribuir com a conscientização e corresponsabilidade
pelas tarefas domésticas e de cuidados; garantir o salário das trabalhadoras domésticas
remuneradas e criar redes de apoio comunitário (banco de alimentos, apoio a empresas locais,
etc) podem ser medidas capazes de aliviar os impactos negativos provenientes da pandemia.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os dados apresentados nas pesquisas citadas no presente artigo, viu-
se que ainda é muito existente um machismo estrutural na sociedade brasileira. Ainda ficou
demonstrado que as mulheres desempenham mais atividades domésticas do que os homens, o
que acabam por sobrecarregá-las de obrigações e responsabilidades.
No que tange o trabalho doméstico, evidenciou-se que as mulheres que precisam
trabalhar foram muito atingidas pela pandemia, já que não podem cumprir as medidas de
isolamento recomendadas pela OMS ficando ainda mais vulneráveis, uma vez que o privilégio
de poder ficar em casa não abarca a todas.
Entretanto, para solucionar esse problema, necessário, primeiramente combater os
dogmas do patriarcado ainda vigentes, o machismo estrutural para que a desigualdade de
gênero seja superada, bem como o investimento do governo federal, da esfera privada e da
sociedade, através de um esforço comum, para garantir às mulheres vulneráveis pelas medidas
drásticas de isolamento maior apoio e estrutura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COUTO, Márcia; SCHRAIBER, Lilia. Machismo hoje no Brasil: uma análise de gênero das
percepções de homens e mulheres. 2013. 47-61 p. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/937202/mod_resource/content/1/COUTO%20e
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HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo [recurso eletrônico]: políticas


arrebatadoras. Tradução Ana Luiza Libânio. 1. ed. - Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estatística de


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