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A emergência do inconsciente

A fase do recalcamento originário, segundo Freud, em seu livro “O recalcamento” é


anterior, ou contemporânea, à distinção entre os sistemas psíquicos “consciente” e
“inconsciente”.
Encontram-se de acordo Laplanche, Leclaire e Lacan: “o ingresso no universo simbólico é
o momento de constituição do inconsciente”.

Para Laplanche: o processo que marca o recalque originário se dá em duas etapas:


 No primeiro nível de simbolização, oposições significantes tomam lugar no universo
subjetivo, mas nenhum significado particular fica preso a uma malha particular.
 No segundo nível de simbolização há a criação do inconsciente, segundo o
mecanismo de metáfora, com o significante ficando preso a certas malhas,
conjunto de oposições significantes: + e -, O e A, bom e mau, direita e esquerda.
Laplanche acredita que o inconsciente possui status de linguagem, mas não se identifica
com a linguagem verbal, de modo que os elementos retirados do imaginário visual são
alçados à categoria de significantes.

Para Leclaire: não há necessidade de separar o processo de recalcamento originário em


duas etapas, pois o primeiro nível de simbolização, que é caracterizado pelas primeiras
oposições significantes, já seria produtor do inconsciente. Ele abre discussão se o
recalque originário se realiza de acordo com o mecanismo da metáfora, sendo o
inconsciente, portanto, o que possibilita a metáfora, mas não é ainda metáfora.

Já Lacan não fornece uma explicação detalhada do recalque originário. Ele estabelece
uma barra separadora em três níveis do ser humano:
 A primeira: separa o imaginário do inconsciente.
 A segunda: separa o inconsciente como linguagem e a linguagem consciente
 A terceira: separa o significante do significado, já no nível da linguagem consciente.
O imaginário constituiria o primeiro corte com o exercício pleno da pulsão, sendo anterior
ao simbólico e aquilo que nos introduz nos domínios da subjetividade.
Segundo Lacan, a libido limitada no plano do imaginário teria origem na perda originária,
que é a separação do recém-nascido da mãe, aquilo que a criança perde com o corte do
cordão umbilical. Lacan compara essa perda ao ovo, perdendo não a mãe, mas a casca,
um pedaço de si mesmo, e, movido pelo instinto de vida e guiado pelo real, designa
limites corporais, o que faz com que a libido só possa se expandir por meio das zonas
erógenas, de maneira que a pulsão ilimitada é transformada pela pulsão parcial.
Nesse momento, constrangida pelas zonas erógenas, a libido nunca estará presente de
uma forma inteira na subjetividade, pois, ligada a um objeto imaginário, ela será marcada
pela perda, pela insatisfação, pela incompletude. Lacan e Leclaire chamam de “letra” essa
falta representada no imaginário, não sendo as “letras” as faltas em si, mas
representações, e fixam um vazio, consistindo elas em significantes abstratos a
constituírem a ordem do inconsciente a partir do recalcamento primário.
A Clivagem Originária

A nível do indivíduo, a divisão mais arcaica é a resultante do nascimento, dizendo Lacan


que o corte do cordão umbilical não é só a separação da mãe, mas a perda de uma parte
de si mesmo, o que o faz ser incompleto, e experimenta o ser humano a primeira
castração.
Perdida uma parte de si, a criança busca objetos exteriores para preencher essa falta,
consistindo o seio da mãe no primeiro objeto de pulsão, entretanto, o objeto específico
está ligado à autoconservação, por conta da satisfação de uma necessidade (fome), e
não à pulsão sexual, embora surja o prazer no sugar, diferenciado este do instinto por não
ter o objetivo de autoconservação.
A nível do imaginário, serão fixados os primeiros significantes, “letras”, que passarão a ser
os primeiros representantes da pulsão, sendo a natureza de uma “letra” a experiência
corporal de uma diferença erógena, concebendo Freud o corpo todo como erógeno,
qualquer parte do corpo potencialmente uma letra, da mesma forma que qualquer parte
do corpo pode se tornar objeto.
De acordo com Freud, o recalque originário ocorreria quando a esses representantes da
pulsão é negado o acesso ao consciente, o que faz estabelecer uma fixação do
representante em questão à pulsão, consistindo este o momento da clivagem entre o
inconsciente e o consciente, o momento a que Lacan se refere como sendo o da
Spaltung.

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