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NOTAS SOBRE IDENTIDADE: IDENTIDADE NO CONTEXTO

CONTEMPORÂNEO
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NOTAS SOBRE IDENTIDADE: IDENTIDADE NO CONTEXTO


CONTEMPORÂNEO

Helena Mara Dias Pedro


Universidade Federal Fluminense
Mestranda em Políticas Públicas
Helenamara_uff@hotmail.com

Aline Silveira Ferreira


Universidade Federal Fluminense
Mestranda em Políticas Públicas
eu.alinesilveira@hotmail.com

Viviane Lopes de Moraes


Universidade Federal Fluminense
Mestranda em Políticas Públicas
Viviane_uff@hotmail.com

Resumo

O presente artigo busca analisar o conceito de identidade na perspectiva das


transformações ocorridas na contemporaneidade. Evidenciamos como as mudanças
societárias têm propiciado negativamente na construção de identidades que não
conseguem se vincular a esse processo globalizador.

Palavras-Chave: identidade; contemporaneidade; processo globalizador

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe apresentar o tema identidade, situando reflexões


no sentido de compreender o significado de identidade como uma construção social.
No primeiro momento, utilizaremos de autores como Castells e Bauman que
trabalham com o conceito e que enfatizam a afirmação que identidade é algo
incompleto, e sempre estará em construção.

As identidades são apropriadas e descartadas a todo o momento no cotidiano da


vida social, sendo este fato propiciado pelos novos engendramentos advindos com a
modernidade. Destacaremos ainda, como a crise da identidade é vista como parte de um

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processo mais amplo de mudança, onde construída. A principal


questão, na verdade, diz
as identidades modernas estão sendo respeito a como, a partir de
deslocadas ou fragmentadas. quê, por quem, e para que
isso aconteçe. A construção
de identidades vale-se da
Abordaremos ainda, como a matéria prima fornecida pela
história, geografia, biologia,
globalização tem transformado as instituições produtivas e
configurações da modernidade e como reprodutivas, e pela memória
coletiva e por fantasias
tal transformação tem refletido nas pessoais, pelos aparatos de
poder e revelações de cunho
configurações identitárias. religioso.” (Castells, 2008,
Demonstrando que a globalização p.23)

possibilitou uma maior interação dos


indivíduos e destes com o mundo, Para Bauman (2005) a
possibilitando assim, um grande identidade passa por um processo
impacto sobre a identidade cultural. contínuo de construção, permanecendo
assim, sempre incompleta. Isso porque a
CONCEITO DE IDENTIDADE
modernidade gerou um mundo fluido
onde as identidades se desfazem
Na visão de Castells (2008)
facilmente acompanhando o ritmo da
identidade é compreendida como “fonte
modernidade líquida. :
de significado e experiência de um
povo”. São nomes, idiomas, culturas
que representem distinção entre o eu e o A facilidade de se desfazer de
outro. Essas características de distinção, uma identidade no momento
em que ela deixa de ser
representam fontes de significados satisfatória, ou deixa de ser
atraente pela competição com
definidas pelos próprios atores, outras identidades mais
confirmando que não nascemos com sedutoras, é muito mais
importante do que o realismo
uma identidade, mas sim o fato da da identidade buscada ou
momentaneamente
identidade ser uma construção social, apropriada.
como ressalta o autor nas linhas abaixo.

Quem constrói a identidade


“Não é difícil concordar com coletiva e para quê esta é construída
o fato de que, do ponto de
vista sociológico, toda e são, na concepção de Castells (2008), os
qualquer identidade é

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determinantes do conteúdo simbólico identidade é construída de dentro para


desta identidade, e seu significado para fora, utilizando-se de atributos
os que com ela se identificam ou se coletivos, ou seja, seria o fato de uma
excluem. Identificando que a construção pessoa se reconhecer na igualdade. Já os
da identidade acontece âmbito das papéis são construídos de fora para
relações de poder, Castells nos dentro, sendo estabelecidos pela
apresenta três formas e origens distintas estrutura. A identidade possui mais
de construção de identidades: relevância que os papéis, porque
legitimadoras, de resistência e de envolvem processos de auto-construção
projeto. e individualização, organizam
significados que fazem parte da
A Identidade legitimadora é
identificação simbólica do ator.
introduzida pelas instituições
dominantes e tem como intensão a As antigas identidades, que
expansão de sua dominação. Em relação durante muito tempo estabilizaram o
aos atores sociais. mundo social, estão em declínio,
fazendo surgir novas identidades e
Já a identidade de resistência nos
fragmentando o indivíduo moderno,
passa a idéia de uma identidade mais
antes visto como um sujeito unificado.
reacionária e como forma dos atores que
se encontram em situações Este declínio é o que traz à tona
desfavorecidas em relação à dominação. o que chamamos de crise da identidade.
Assim, esta crise é vista como parte de
E por fim, a identidade de
um processo mais amplo de mudança,
projeto, onde os atores sociais
onde as identidades modernas estão
constroem uma nova identidade capaz
sendo deslocadas ou fragmentadas.
de redefinir sua posição na sociedade,
representa um ideal a ser alcançado. Essa transformação está
fragmentando o que antes fornecia
O pensamento de Castells
localizações sólidas aos indivíduos
(2008) ainda enfatiza a necessidade de
como classe, gênero, sexualidade, raça,
estabelecer diferenciação de identidade
etnia, raça e nacionalidade. Percebemos
e papéis. A principal delas seria que a
assim, como tais transformações

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influenciam diretamente na mudança Iluminismo; o sujeito sociológico e o


das identidades pessoais e na idéia de sujeito pós-moderno:
sujeitos integrados. A esta perda do O sujeito do Iluminismo
“sentido de si” é chamada por Hall de consistia em um núcleo interior onde
deslocamento ou descentração do numa concepção da pessoa humana era
sujeito, constituindo uma “crise de baseada como num indivíduo
identidade”. totalmente unificado, dotado das
capacidades de razão, de consciência e
Tudo isso nos leva a crer que a
de ação, que emergia quando o sujeito
própria modernidade está sendo
nascia e se desenvolvia, mesmo que
transformada. Para Hall (2002) procede
permanecendo o mesmo em sua
a afirmação de que como nosso mundo
essência, se perpetuando ao longo da
é considerado pós-moderno, nós somos
existência do indivíduo. O centro
também "pós" relativamente a qualquer
essencial do eu era a identidade de uma
concepção fixa de identidade.
pessoa.

Um olhar de Harvey (2004)


O sujeito sociológico refere-se à
sobre o assunto, acrescenta que algumas
concepção de que a identidade é
modificações no campo das ciências
formada na interação entre o eu e a
sociais são observadas e notoriamente
sociedade, refletindo assim, a
apontam para transformações radicais
complexidade do mundo moderno,
tanto dentro do âmbito da prática
demonstrando que sujeito não é
acadêmica, na medida em que mudam
autônomo e auto-suficiente, era
estruturas de poder e o próprio estatuto
formado na relação com outras pessoas,
do saber é questionado, como também
mediando assim os valores, sentidos e
na organização da sociedade concreta,
símbolos presentes nas relações sociais.
graças às novas determinações do que
A identidade perpassa o sujeito à
se convencionou chamar de “Pós-
estrutura. O sujeito ainda tem uma
moderno” ou “pós-modernidade.
essência interior que é o "eu real", este é
formado e modificado num diálogo
Hall ainda nos revela algumas
contínuo com os mundos culturais
definições de identidade pertinentes ao
"exteriores" e as identidades oferecidas
nosso estudo. São elas: o sujeito do

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por estes. No entanto, o processo de refletindo tanto na política como na


identificação tornou-se mais provisório. cultura, na identidade nacional, e
redimensiona o tempo-espaço, as
Desta forma, produz-se um
hierarquias sociais, os conflitos sociais
sujeito “pós-moderno” onde a
e as identidades coletivas num campo
identidade não é permanente e sim
pós-nacional. Na concepção do autor,
móvel, formada e transformada
mesmo esse mundo sem fronteiras, não
continuamente à medida que acontecem
seria tão global assim, pois há uma
as relações e os trânsitos culturais.
diversidade marcante.
Sendo assim, o sujeito assume
diferentes identidades, em diferentes A globalização é discutida,
momentos, o que nos mostra que a segundo as categorias tempo/espaço, no
construção da identidade é algo que é âmbito do sistema-mundo, na pós-
definido historicamente. modernidade e à luz dos conceitos de
nação, mercado mundial e lugar. No
A GLOBALIZAÇÃO
entanto, não se observa micro, o lugar
TRANSFORMANDO AS
CONFIGURAÇÕES que as pessoas ocupam no cotidiano,
IDENTITÁRIAS NA
uma vez que muitos estão excluídos
MODERNIDADE
unicidade de informações e ao acesso a
A globalização como nova e
esse mundo global.
intensa configuração do globo,
resultante do novo ciclo de expansão Na visão de Milton Santos
capitalista, possibilitou uma maior (2005), a globalização expressa à
interação dos indivíduos e destes com o fragmentação, isto porque expressa
mundo, possibilitando assim, um grande particularismos, econômicos, étinicos e
impacto sobre a identidade cultural. nacionais. O autor enfatiza a
necessidade de se estudar os lugares de
O termo em si, segundo Harvey
modo a compreender suas
(2004), era um termo totalmente
possibilidades de interação. É no lugar
desconhecido antes da metade da
que a identidade vai apropriar-se de
década de 70. Atualmente seus termos
dimensão simbólica e material,
abarcam questões que ultrapassam
combinando matrizes globais,
questões meramente econômicas,
nacionais, regionais e locais.

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Identidade está intimamente


relacionada ao espaço que o sujeito “A etiqueta de preço colada à
filiação involuntária e para
ocupa no mundo. O mundo social toda vida, que não permite
habitado por esse sujeito reflete sua saída, não parece sinistra para
todos, uma vez que o que
posição e é fruto de uma construção lhes é negado – o direito da
livre escolha da identidade –
social. O espaço define quem somos no é no caso dos fracos e
mundo e a posição da qual vemos o desvalidados, uma ilusão e,
acrescentando o opróbrio à
mundo. ofensa, também causa auto-
reprovação e humilhação
pública.” (Bauman 2005, p.
Esse argumento é confirmado 91)
quando Harvey afirma que
Bauman (1998) em sua metáfora
“Nossa „posicionalidade‟ sobre turistas e vagabundos assinala a
ou „situacionalidade‟ é
uma construção social divisão da sociedade pós-moderna e
exatamente da mesma afirma que uma sociedade marcada por
maneira como o modo de
produção é uma criação um tempo-espaço flexível, em mutação
social. Essa „posicionalidade‟
define quem ou o que somos constante, onde o que vale é a
( ao menos neste momento). habilidade de se mover. No entanto,
E a posição a partir da qual
vemos no âmbito desse nem todos possuem tal habilidade.
processo proporciona boa
parte do material de que se Quem possui a habilidade de se
ocupa nossa consciência e mover são os turistas, que na recusa de
nosso imaginário.” (Harvey
2004, p.311). uma fixação se movimentam, saem e
chegam a qualquer momento e em
Com estas afirmações nos
qualquer lugar. Já os vagabundos são os
questionamos: quem é esse sujeito que
restos do mundo que se dedicaram aos
se encontra em situação desfavorável de
serviços dos turistas. Quando se
posição no mundo? Que problema
movimentam é porque estão sendo
social que perpassa esse sujeito?
empurrados pela necessidade de
Bauman (2005) nos fala de sobrevivência, e mesmo assim existem
indivíduos que não possuem recursos e restrições nos espaços em que eles
admite que estes não possuem nem a habitam. Quanto às tarefas exercidas
opção de escolha da identidade. pelos vagabundos são consideradas

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humilhantes pelos turistas, mas que construção.


precisam ser feitas por alguém. Bauman (2005) nos acrescenta
Analisando o cenário da que esse processo de construção está
contemporaneidade, sobre a perspectiva intimamente ligado aos preceitos da
de Bauman, podemos enxergar como os modernidade que gerou um mundo
indivíduos que não conseguem se fluido onde as identidades se desfazem
vincular às estruturas são excluídos e facilmente acompanhando o ritmo da
não possuem nenhuma condição de modernidade líquida.
mobilidade na estrutura social.
È na modernidade que surge o
Nesse sentido, Harvey (2004)
fenômeno da globalização, processo que
sinaliza alternativas para pensar o
possibilitou uma maior interação dos
desenvolvimento geográfico desigual
indivíduos e destes com o mundo,
utilizando-se da metáfora do “arquiteto
possibilitando assim, um grande
rebelde”, o qual constrói possibilidades
impacto sobre a identidade cultural.
políticas numa variedade de escalas
espaço-temporais. Provoca pensar
Nesse aspecto, observamos que
alternativas nos induzindo a agir de
muitos estão excluídos unicidade de
outra maneira, a partir de uma política
informações e ao acesso a esse mundo
das coletividades, que transcenda as
global. Para Milton Santos (2005) a
particularidades para que possamos
globalização expressa à fragmentação,
pensar uma alternativa universal sobre
isto porque expressa particularismos,
compromissos pessoais e projetos
econômicos, étinicos e nacionais.
políticos. Esta seria a geografia da
Identidade está intimamente relacionada
esperança.
ao espaço que o sujeito ocupa no
mundo. O mundo social habitado por
CONSIDERAÇÕES FINAIS
esse sujeito reflete sua posição e sua
forma de ver o mundo.
Como podemos perceber ao
longo do trabalho, o conceito de Abstract
identidade é algo construído
This article explores the concept of
socialmente, é incompleta, e sempre identity in the light of changes
occurring in contemporary society. We
está em processo contínuo de
showed how societal changes have

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brought about negative impact on the


construction of identities that can not be
bound thereby globalizing process.

Key words: identity; contemporary


society; globalizing process

BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Z. Identidade. Rio de


Janeiro: Jorge Zahaer, 2005.

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modernidade. Rio de Janeiro: Jorge
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modernidade. Rio de Janeiro: DP&A
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São Paulo: Loyola, 2004. P. 15-33 e
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Disponível em www.ibase.org.br.
Acesso em 10 julho de 2008.

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