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TE OR I A DO DIREIT O

Gustavo Junqueira

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VALIDADE,


VIGÊNCIA E EFICÁCIA DAS NORMAS 7

JURÍDICAS
THOUGHTS ON THE VALIDITY, IN-FORCE PERIOD AND
EFFECTIVENESS OF LEGAL RULES
Reinaldo Couto

RESUMO ABSTRACT
Estuda e define a validade, vigência e eficácia das normas jurídi- The author assesses and defines validity, in-force period, and
cas, considerando ser esta última o aspecto mais importante e effectiveness of legal rules, considering that the latter is the
difícil do trabalho, pois, enquanto alguns afirmam que vigência most important and difficult element in the paper, because
e eficácia se confundem (positivistas), outros entendem inexistir whereas some people claim that the in-force period and
diferença entre validade e eficácia (realistas). effectiveness are mixed (positivists), others believe there is no
Considera que, se o julgador está obrigado a aplicar normas difference between validity and effectiveness (realists).
válidas e vigentes, os conceitos de vigência e eficácia se confun- He believes that since judges must apply valid and in-force
dem, visto que o magistrado jamais poderá afastar a aplicabili- rulings, the concepts of in-force period and effectiveness
dade da norma jurídica. intermingle, as magistrates may never exclude the application
of the legal rule.
PALAVRAS-CHAVE
Teoria do Direito; validade; vigência; eficácia; norma jurídica; KEYWORDS
magistrado; positivismo analítico; teoria do realismo. Law Theory; validity; in-force period; effectiveness; legal rule;
magistrate/ judge; analytical positivism; theory of realism.

Revista CEJ, Brasília, Ano XVIII, n. 64, p. 7-12, set./dez. 2014


1 INTRODUÇÃO que la validez no es una propiedad de las normas, sino una
A qualidade de qualquer estudo realizado no âmbito das relación entre la norma y el criterio elegido: cuando la norma
ciências humanas depende basicamente da exata formulação se ajusta al criterio se la considera válida.
dos conceitos que serão utilizados como premissas zetéticas. No ordenamento jurídico nacional, a validade de uma nor-
Apesar de a dogmática conceitual representar um valioso ma jurídica depende do critério adotado pelo titular do Poder
ponto de partida, o estudioso não pode aceitar a verdade im- Constituinte, seja originário ou derivado, não pelo jurista que
posta como imutável, mas também não pode negar a absoluta representa apenas um agente interpretador dos critérios de va-
necessidade de um corte inicial no sistema. Assim, até os dog- lidade adotados pela norma jurídica, sem qualquer poder real
mas possuem o seu valor, ainda que, após o estudo, o pesqui- de criação do Direito. Os que têm uma visão do Direito como
sador conclua que as suas premissas são totalmente diferentes linguagem afirmam que o jurista desempenha um papel fun-
dos conceitos iniciais. damental no preenchimento do conteúdo semântico de uma
Não há, nas ciências sociais, qualquer possibilidade de um norma, mas, ainda assim, não tem ele o poder de criar, pois
estudo hermeticamente cerrado, ou seja, até para que se es- ninguém nega que o Direito, hodiernamente, origina-se basica-
tabeleça uma discussão baseada em afirmação e justificação, mente do Estado.
deverão estar presentes as influências do meio. A validade da norma jurídica pode ser vista como o vínculo
Assim, a adoção de uma ou outra teoria depende apenas da estabelecido entre a proposição jurídica, considerada na sua to-
capacidade de compreensão e justificação do agente. No pre- talidade lógico-sintática, e o sistema de Direito posto, de modo
sente estudo, o autor adotará a teoria do positivismo analítico, que ela é válida se pertencer ao sistema, mas, para pertencer a
mas isso não significa que tal teoria seja melhor ou pior do tal sistema, dois aspectos devem ser observados: a adequação
que as suas opositoras, inclusive a teoria do realismo; signifi- aos processos anteriormente estabelecidos para a criação da pro-
ca apenas que o autor do presente estudo, com base na clara posição jurídica (exceto no caso da recepção pela Constituição) e
adoção do sistema positivo pelo Direito nacional, compreende a competência constitucional do órgão criador. Por isso, o jurista
e justifica, de certa forma, a facção adotada. Ressalte-se, porém, não tem o condão de criar uma norma jurídica válida.
que diversos aspectos da teoria oriunda dos países de língua Outro aspecto do modelo kelseniano de aferição de vali­
inglesa serão expostos durante a abordagem do presente tema. dade de uma proposição jurídica é a dedutibilidade. Assim,
As críticas a uma determinada teoria, forma de expressão oportuna se faz a invocação de alguns aspectos da dinâmica
ou busca da “verdade”, não podem prescindir do conhecimento jurídica, vez que a dedução acontece quando o sistema atesta a
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profundo e sistemático do alvo da discórdia. O agente de uma validade de uma proposição jurídica, ou seja, quando aquela é
desconstrução deve conhecer todos os “tijolos” e a estrutura do consequência lógica das normas hierarquicamente superiores.
que será atacado. Assim, de qualquer forma, sempre haverá, Tal método tem sempre como parâmetro final de validade a
como já foi dito, um corte vestibular, que terá para o contes- norma fundamental hipotética ou, nas palavras do jurista Hebert
tador feições de dogma, a fim de que o discurso contrário seja L. A. Hart, a regra de reconhecimento.
bem sucedido. Consequentemente, para o professor Paulo de Barros
Carvalho, a validade é uma relação de pertinência da proposi-
Não há, nas ciências sociais, qualquer ção jurídica com o sistema, sendo que de tal afirmação podem
ser deduzidos dois aspectos já tratados, a dedutibilidade ex­
possibilidade de um estudo hermeticamente
traída da dinâmica jurídica e a conformidade com os processos
cerrado, ou seja, até para que se estabeleça e órgãos estabelecidos pela Norma Maior.
uma discussão baseada em afirmação e A corrente magistral do positivismo analítico, muito bem
defendida pelo italiano Norberto Bobbio, ilustra que a validade
justificação, deverão estar presentes as
de uma norma prescinde do fato de ela ser ou não efetivamen-
influências do meio. te aplicada na sociedade, vez que, na definição de um Direito
posto pelo Estado, atualmente tido como legítimo, não se induz
No presente estudo, serão retirados alguns “tijolos” da teo- o elemento eficácia.
ria realista, observando-se que o ponto de comparação será o Observe-se que o presente trabalho deve abstrair as outras
ordenamento jurídico nacional, vez que, em outros ordenamen- ciências da análise do seu objeto e observar apenas a Teoria
tos, a citada teoria pode mostrar-se irrefutável. Geral do Direito, prescindindo, assim, da Sociologia Jurídica,
apesar de a teoria realista mesclar o estudo do Direito com o
2 CONCEITOS estudo da citada matéria.
A afirmação do jurista Diego Martin Farrell, no seu livro A validade não se confunde com a vigência, visto que pode
Hacia un criterio empírico de validez, ilustra a elasticidade dos haver uma norma jurídica válida sem que esteja vigente, isso
conceitos, pois o citado autor toma como ponto básico do con- ocorre claramente quando se vislumbra a vacatio legis1 ou
ceito de validade de uma proposição jurídica “o critério adota- quando o dispositivo legal é revogado, embora continue vincu-
do pelo jurista”, o que não se aplica ao ordenamento nacional, lante para os casos pretéritos.
pois, no Brasil, a doutrina não é considerada fonte do Direito, A vigência representa a característica de obrigatoriedade da
mas apenas uma forma de interpretação. Eis os seus dizeres: observância de uma determinada norma, ou seja, é uma qua-
Las normas jurídicas se consideran válidas cuando concuerdan lidade da norma que permite a sua incidência no meio social.
con el criterio adoptado por el jurista. Puede decirse, entonces, A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trata da

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vigência da lei, estabelecendo, de forma ações sociais, de maneira que se torne dicos descritos pela citada norma, as re-
pragmática, os critérios que determinam compreensível para a sociedade esse ações prescritas no seu consequente ou
o início da vigência. Afirma que, salvo conjunto de ações como um todo coe- no ordenamento jurídico. A eficácia deri-
disposição em contrário, a lei começa a rente de significado e motivação. Por fim, va diretamente dos efeitos da imputação
vigorar em todo o território nacional qua- Ross afirma que tal capacidade do siste- normativa, partindo-se logicamente de
renta e cinco dias após a sua publicação. ma se baseia no fato de as normas jurídi- uma relação de “dever-ser”.
Observe-se que, nos Estados estrangei- cas serem acatadas porque são sentidas
ros, a obrigatoriedade da lei brasileira, como socialmente2 obrigatórias. 3 AS CONSEQUÊNCIAS DA TRIPARTIÇÃO
quando admitida, inicia-se três meses Voltando à distinção entre validade e DOS PODERES SOBRE O PODER
depois de oficialmente publicada. vigência, o professor da Universidade de LEGISLATIVO
A maioria das leis, porém, traz, em Munique, Karl Larenz, afirma, mostrando O jurista Charles Secondat
seu texto, a data em que passará a viger. que não vê inicialmente distinção entre vi- Montesquieu, na sua célebre obra O
Em geral, o início da sua vigência coin- gência e eficácia, que: Se o jurista pergun- espírito das leis, que trata também da
cide com a data da sua publicação. Por ta se uma lei é válida, não tem em vista História e da Ciência Política da sua
vezes, faz-se necessária a concessão de se a lei é sempre observada ou o é na época, deixa, em poucas páginas, ex-
um período de adaptação, para que os maioria dos casos, mas se a pretensão de plícito que o Poder Legislativo, o Poder
destinatários da nova disposição legal validade enquanto norma lhe é conatural Judiciário e o Poder Executivo devem ser
possam conhecer e compreender o que se encontra justificada, de acordo com os exercidos por órgãos diversos.
fora disciplinado. preceitos constitucionais relativos à pro- A divisão de poderes, que foi defen-
A norma jurídica perde a vigência dução legislativa das normas. dida também por Aristóteles, fundamen-
quando outra a modifica ou a revoga, A conceituação da eficácia da norma ta-se basicamente em dois elementos: a)
salvo nos casos em que a norma se des- jurídica é o aspecto mais importante e a especialização funcional; e b) a inde-
tina à vigência temporária, estipulada no difícil do presente trabalho, posto que, pendência orgânica.
próprio texto legal ou em uma norma de enquanto alguns afirmam que vigência A Constituição Federal de 1988 deixa
hierarquia superior. A Lei de Introdução e eficácia se confundem (positivistas), há claras as funções dos três Poderes, inclusi-
às Normas do Direito Brasileiro não tra- outros que entendem inexistir diferença ve limitando o campo de atuação de cada
çava qualquer distinção entre vigência e entre validade e eficácia (realistas). A Poder. A função fim atribuída ao Poder
eficácia ao afirmar que: Art. 6º A Lei em maioria distingue os três institutos e al- Judiciário é julgar, a função precípua do 9
vigor terá efeito imediato e geral. Não guns, como o professor Paulo de Barros Poder Legislativo é criar normas gerais e
atingindo, entretanto, salvo disposição Carvalho, subdividem a eficácia em: a) abstratas e a função primordial do Poder
expressa em contrário, as situações ju- técnica; b) jurídica; e c) social. Executivo é executar as leis. Logo, o órgão
rídicas definitivas e a execução do ato
jurídico perfeito. A corrente magistral do positivismo analítico, muito bem
Ressalte-se que essa redação original defendida pelo italiano Norberto Bobbio, ilustra que a
foi alterada, em 1957, para: Art. 6º A Lei
em vigor terá efeito imediato e geral, validade de uma norma prescinde do fato de ela ser ou não
respeitados o ato jurídico perfeito, o efetivamente aplicada na sociedade [...]
direito adquirido e a coisa julgada. §1º
Reputa-se ato jurídico perfeito o já con- As variáveis apresentadas não serão incumbido da criação do ordenamento ju-
sumado segundo a lei vigente ao tempo analisadas nesse item reservado apenas rídico nacional infraconstitucional e cons-
em que se efetuou. §2º Consideram-se à conceituação, visto que cada uma das titucional derivado é o Poder Legislativo,
adquiridos assim os direitos que o seu colocações acima enseja discussões dou- salvo quando parte dessa função é atribu-
titular, ou alguém por ele, possa exercer, trinárias baseadas nas teorias que serão ída a outro Poder Constituído.
como aqueles cujo começo do exercício expostas no corpo do presente ensaio. A questão da distinção entre vigên-
tenha termo pré-fixo, ou condição pre- Ainda assim, será exposto um conceito cia e eficácia passa pela análise das fun-
estabelecida inalteráveis, a arbítrio de sintético de eficácia jurídica que se mos- ções precípuas dos Poderes Legislativo
outrem. §3º Chama-se coisa julgada ou tra adequado à fase inicial, mesmo que e Judiciário, portanto é claramente uma
caso julgado a decisão judicial de que já tal conceito seja desconstruído ou reafir- questão constitucional e qualquer decisão
não caiba recurso. mado durante a presente exposição. que se afaste do que fora determinado
Assim, pode-se concluir sintatica- Observe-se que a colocação dos con- pela CF/88 é inconstitucional. Assim, o
mente que a vigência está dividida em ceitos nas primeiras linhas do estudo tem Poder Judiciário, quando passa a legislar
positivação e obrigatoriedade. um caráter meramente didático, pois es- fora dos casos determinados na Lei Maior,
O ilustre professor da Universidade tes somente podem ser construídos com a está praticando um ato inconstitucional.
de Copenhague, Alf Ross, afirma, com devida precisão, após a análise da nature- Os atos fundamentais emanados do
base em sua influência realista, que um za jurídica do instituto jurídico pesquisado. Poder Legislativo são as fontes do Direito
sistema de normas é vigente se for capaz A eficácia de uma norma jurídica é a pátrio, pois representam mandamen-
de servir como um esquema interpreta- sua idoneidade para provocar, por meio tos gerais, vinculantes e de observância
tivo de um conjunto correspondente de da sotoposição de um fato aos fatos jurí- obrigatória tanto para os encarregados

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da aplicação do Direito, quanto para os cidadãos. Já os atos a) forma coativa do Direito;
praticados pelo Poder Judiciário podem ser vistos apenas como b) forma legislativa do Direito;
formas de aplicação e interpretação do Direito, ressaltando-se c) forma imperativa do Direito;
que aos atos produzidos pelo citado Poder não vinculam as de- d) forma coerente do ordenamento jurídico;
cisões posteriores tomadas pelos seus membros. e) forma completa do ordenamento jurídico;
A decisão do juiz deve ser uma reprodução ajustada ao caso f) interpretação mecanicista do Direito.
concreto do que fora produzido pelo legislador como Direito As críticas às três primeiras formas do Direito são inconsis-
válido e vigente, pois ao magistrado não deve ser deixada qual- tentes, portanto as mesmas não foram atacadas de forma coe-
quer liberdade para o exercício da sua fantasia legislativa. Se os rente e permanecem válidas na sua essência, podendo, inclusi-
juízes pudessem modificar o Direito posto pelo órgão legitima- ve, ser notadas até nos ordenamentos jurídicos anglo-saxônicos.
do com base em critérios equitativos – observe-se que o sub- As normas de competência não denotam, por vezes, no seu
jetivismo exagerado gera contradições – os juízes de diferentes próprio enunciado sintático, a consequência gerada pela sua
competências territoriais, mas subordinados à mesma jurisdição violação, mas tal resultado pode ser extraído do ordenamento
(a jurisdição é una e a competência é a sua medida), poderiam jurídico como sistema, qual seja, a invalidade dos atos irregular-
exarar decisões completamente diferentes em casos idênticos. mente produzidos. Se o interlocutor utilizar um conceito mais
Além disso, o princípio da separação dos poderes, dog- amplo do vocábulo “competência”, estendendo-o às quadras
ma adotado pela Constituição Federal de 1988, seria negado dos Poderes Constituídos, o ato produzido com esse vício se-
pela presença de dois legisladores. A obrigatória observância ria considerado inexistente. Assim, mesmo quando é utilizada
da lei tende a garantir dois valores absolutamente importantes a classificação triangular kelseniana, o legislador ao permitir, ao
para o sistema jurídico nacional: 1) a segurança jurídica; e 2) a ordenar ou ao conferir competência, não pode esquecer o ele-
democracia. mento coativo do Direito, que se materializa, em última análise
por meio da força física.
A validade não se confunde com a vigência, Observe-se que o inverso nem sempre é verdadeiro, a co-
visto que pode haver uma norma jurídica válida ação é gênero e a força utilizada pelo Direito é uma espécie.
Assim, quando os juristas afirmam que Direito é coação, há uma
sem que esteja vigente, isso ocorre claramente
impertinência terminológica, visto que a coação pode ser consi-
quando se vislumbra a vacatio legis [...] derada um meio ou um instrumento da realização do Direito. O
10 próprio Hans Kelsen dá um exemplo brilhante de um caso em
O cidadão precisa saber, de modo claro e absoluto, se a sua que há coação ilegal: Então, atribuímos ao comando do órgão
conduta está ou não de acordo com a lei, não podendo, portanto, jurídico, e já não ao salteador de estradas, o sentido objetivo
ficar ao livre arbítrio do juiz o que pode ou não ser aplicado como de uma norma vinculadora do destinatário. Quer dizer: inter-
lei, visto que, além do subjetivismo já tratado e da disformidade pretamos o comando de um, mas não o comando do outro,
da fonte, haveria o risco da concentração de poderes, que repre- como uma norma objetivamente válida. E, então, num dos ca-
senta um dos meios de condução ao regime absolutista. sos, vemos na conexão existente entre o não acatamento do
A questão da legitimação também deve ser observada. O comando e um ato de coerção uma simples ´ameaça´, isto é,
Poder Legislativo é o órgão legitimado pela sociedade para, em a afirmação de que será executado um mal, ao passo que, no
regra, produzir as suas normas oficiais de convivência, sendo outro, interpretamos essa conexão no sentido de que deve ser
que as exceções são previstas na própria Carta Maior. Tal legi- executado um mal. Assim, neste último caso, interpretamos a
timação é o principal fundamento da democracia representati- execução efetiva do mal como a aplicação ou a execução de
va adotada como pilar do Estado, onde todo poder emana do uma norma objetivamente válida que estatui um ato de coer-
povo e em seu nome será exercido. A CF/88 estabeleceu, como ção; no primeiro caso, porém, interpretamo-lo – na medida em
cláusulas pétreas, a separação dos poderes e o sufrágio univer- que façamos uma interpretação normativa – como um delito,
sal e determinou que o Poder Legislativo deve ser exercido pelo referindo ao ato de coerção normas que consideramos como
Congresso Nacional, vide art. 44, que se compõe da Câmara o sentido objetivo de certos atos que, por isso mesmo, caracte-
dos Deputados e do Senado Federal, ressalvando-se que a pri- rizamos como atos jurídicos.
meira Casa abriga os representantes eleitos do povo e a segun- A forma legislativa do Direito já foi abordada em um dos
da Casa os representantes eleitos dos Estados e Distrito Federal. capítulos anteriores, quando foram estudados a fonte máxima
A Constituição Federal de 1988 deixa claro que os juízes do Direito e o seu produtor legitimado.
estão vinculados à lei produzida segundo os processos estabele- As normas jurídicas representam imperativos hipotéticos e,
cidos e vigentes, caso contrário, estariam violando a legitimação como tais, expressam comandos com maior ou menor grau de
popular outorgada aos mandatários do povo, representantes no determinação, têm um conteúdo sintático heterônomo de ob-
Congresso Nacional, e o princípio constitucional da separação servância obrigatória.
dos poderes. As três últimas formas listadas foram duramente atacadas;
entretanto, os ataques se mostraram pertinentes. Um ordena-
4 A VALIDADE, A VIGÊNCIA E A EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA mento não é necessariamente coerente, pois podem coexistir
SOB O MANTO DO POSITIVISMO no mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e ambas
A teoria do positivismo jurídico é baseada em seis aspectos, podem ser válidas, porém somente uma será aplicada. Um or-
quais sejam: denamento não é completo, vez que a completude deriva da

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norma geral exclusiva, que, em regra, jurídico (de forma exógena). o seu ponto de vista: A efetividade que
não existe; a interpretação mecanicista Tal semelhança conceitual justifica-se condiciona a vigência das normas só
do Direito não pode ser adotada como pelos seguintes aspectos: 1) o juiz está pode, portanto ser buscada na aplica-
o principal instrumento do aplicador do adstrito à norma jurídica, visto que a nor- ção judicial do direito, não o podendo
Direito, pois a dinâmica social não per- ma está posta como uma prescrição; 2) no direito em ação entre os indivíduos
mite que o fato social com repercussões o juiz é o órgão certificador da eficácia da particulares. Se, por exemplo, proíbe-se
jurídicas seja reduzido a um axioma norma jurídica. o aborto criminoso, o verdadeiro teor do
matemático. Nessa etapa do presente trabalho, direito consistirá numa diretiva ao juiz
O ilustre jurista Paulo de Barros faz-se imperioso o retorno à questão da segundo a qual ele deverá, sob certas
Carvalho traça um esquema conceitual fonte máxima do Direito e à questão do condições, impor uma pena ao aborto
para os institutos tratados que se encai- órgão legitimado. criminoso. O fator decisivo que determi-
xa perfeitamente à teoria do positivismo Em regra, o Poder Legislativo é o na que a proibição é direito vigente é
analítico. Eis os conceitos: Firmemos órgão apto para determinar o início e o tão somente o fato de ser efetivamente
estes conceitos: ‘validade’ é a relação término da vigência de uma norma ju- aplicada pelos tribunais nos casos em
de pertinencialidade de uma norma ‘n’ rídica, sendo que tais determinações se que transgressões à lei são descober-
com o sistema jurídico ‘s’. Vigência’ é encontram sempre normativadas, seja tas e julgadas. Não faz diferença se as
atributo de norma válida (norma jurídi- na mesma lei (início da vigência e fim da pessoas acatam a proibição ou com fre-
ca), consistente na prontidão de produ- vigência, no caso e vigência temporária), qüência a ignoram. Esta indiferença se
zir os efeitos para os quais está preorde- seja em outra lei (revogação). Assim, o traduz no aparente paradoxo segundo
nada, tão logo aconteçam os fatos nela juiz está fadado a observar também essas o qual quanto mais uma regra jurídica
descritos, podendo ser plena ou parcial determinações, que, como já foi dito, fa- é acatada na vida jurídica extrajudicial,
(só para fatos passados ou só para fatos zem parte da norma, isto é, o magistrado mais difícil é verificar se essa regra de-
futuros, no caso de regra nova). Eficácia não pode afastar a vigência de uma nor- tém vigência, já que os tribunais têm
técnica’ é a qualidade que a norma os- ma jurídica que fora criada obedecendo uma oportunidade muito menor de ma-
tenta, no sentido de descrever fatos que, aos procedimentos formais de elabora- nifestar a sua reação.
uma vez ocorridos, tenham aptidão de ção e emanada de um órgão constituído. A discussão sobre a aplicação prag-
irradiar efeitos jurídicos, já removidos Portanto, se o julgador está obrigado mática do Direito pode, pro meio de
os obstáculos materiais ou as impossi- a aplicar normas válidas e vigentes, os exemplos, ilustrar a semelhança entre 11
bilidades sintáticas (na terminologia da conceitos de vigência e eficácia se con- vigência e eficácia jurídica. As pessoas
Tércio). Eficácia jurídica’ é o predicado fundem, posto que ele jamais poderá físicas e jurídicas, além de alguns entes
dos fatos jurídicos de desencadearem afastar a aplicabilidade da norma jurídica. despersonalizados, podem ser titula-
as conseqüências que o ordenamento
prevê. E, por fim, a eficácia social’, como A vigência representa a característica de obrigatoriedade da
a produção concreta de resultados na
observância de uma determinada norma, ou seja, é uma
ordem dos fatos sociais. Os quatro pri-
meiros são conceitos jurídicos que muito qualidade da norma que permite a sua incidência no meio social.
interessam à Dogmática, ao passo que
o último é do campo da Sociologia, mais A reiterada violação de uma norma res de direitos, que fundamentalmente
precisamente da Sociologia Jurídica. jurídica não caracteriza a sua ineficácia, dividem-se em duas espécies, são elas:
A análise da causalidade, conside- vez que tanto a sociedade quanto o ti- 1) Direito subjetivo, que surge de uma
rando o seu procedimento interno ape- tular do direito em questão não podem lesão a um direito material, ocasionando
nas, leva a três etapas: a) a conduta; b) atestar a eficácia da norma. A violação uma pretensão; e, 2) Direito potestativo,
o nexo causal; c) o resultado, o evento, gera a consequência descrita pela norma que representa um poder de sujeição,
a consequência ou o efeito. Paulo de ou pelo ordenamento jurídico, pois a em que a vontade do titular se sobre-
Barros Carvalho utilizou, nos conceitos de sua produção tem como escopo obrigar, põe à vontade de outrem, independente
vigência e eficácia jurídica, os vocábulos permitir ou atribuir competência, estabe- da intervenção e vontade desse último
“efeitos” e “consequências” e os verbos lecendo um dever ser baseado nos valo- e pode ser exercido judicialmente ou
“produzir” e “desencadear”. A desconstru- res positivados pelos legitimados. Logo, extrajudicialmente.
ção analítica dos conceitos apresentados, por ser uma prescrição, um imperativo Nos dois casos, o titular tem a facul-
levando-se em conta o procedimento cau- hipotético, não é facultado ao cidadão dade de exigir ou fazer com que outro se
sal, conduz à conclusão de que os concei- o cumprimento ou não de determinada sujeite, ou seja, um titular de um Direito
tos de vigência e eficácia jurídica expostos ordem. Já o titular do direito tem a fa- subjetivo pode ou não utilizar os instru-
pelo jurista citado são muito semelhantes, culdade de exercer ou não o seu direito, mentos que lhe foram ofertados pela lei,
diferem apenas quando é traçada a con- mas a sua inércia jamais poderia atestar a o que vale também para o titular de um
traposição entre os efeitos ou consequ- ineficácia de uma norma positivada. Direito potestativo. Quando o titular de
ências produzidas socialmente pelo “pre- O ilustre professor Alf Ross, apesar um direito estiver disposto a exercê-lo e a
ceito secundário” da norma jurídica (de da sua posição realista, esclarece de for- sujeição, ou a prestação, não se apresen-
forma contextual) e pelo ordenamento ma brilhante, expondo da seguinte forma tar espontaneamente, ele tem de buscar

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a tutela judicial, para que o magistrado constitucionalmente Paulo: Ícone, 1995.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo.
competente possa aplicar o Direito ao caso concreto, mediante São Paulo: Martins Fontes, 1999.
as normas jurídicas postas pelo órgão idôneo. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6.
Assim, a faculdade outorgada ao titular de um direito não ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3.
pode servir de parâmetro para a aferição da eficácia de uma
ed. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
determinada norma. Caso contrário, o controle da eficácia das MONTESQUIEU, Charles Secondat. O espírito das leis. Tradução de Cristina Mu-
normas seria executado de forma intersubjetiva, pois uns po- rachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
deriam, ao exercer a sua faculdade, tornar determinada norma RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral. 24. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998.
ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Leandro Mascaro. Bauru: EDIPRO, 2000.
eficaz e outros, em virtude de desinteresse, torná-la ineficaz, o SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. rev. atual.
que causaria uma tensão entre a autonomia e a heteronomia São Paulo: Malheiros, 1999.
(unidade) exigida pela forma de estatuto externo do ordena- TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1989.
mento jurídico3.
O sistema que se utiliza da aferição social da eficácia ten-
Artigo recebido em 10/12/2014.
de ao anarquismo, vez que retira do Estado o poder de impor,
Artigo aprovado em 18/12/2014.
de forma absoluta, o Direito, que, nos regimes democráticos, é
posto pela própria sociedade. Isto não quer dizer que, na apli-
cação da lei, os valores eleitos pela sociedade sejam afastados,
pois ela está em constante evolução e, na maioria dos casos,
não conserva, de forma irrestrita, os mesmos valores da épo-
ca da produção da norma jurídica. Logo, a aplicação da norma
deve considerar os fins sociais e o bem comum.
A exigibilidade de um direito que não foi observado de for-
ma espontânea pelo sujeito que deve prestar ou sujeitar-se tem
duas faces, são elas: a) a inércia do titular; ou, b) a sua ação. A
inércia é um fato irrelevante para o presente trabalho, visto que,
como já foi dito, não pode servir como fundamento de aferição
da eficácia. A ação representa um dos melhores argumentos
12 para a hipótese e o objetivo do presente estudo, pois o titular,
ao buscar a tutela judicial, estará exercendo um direito subjetivo
público contra o Estado-juiz que, segundo a Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro e a Constituição Federal de
1988, está adstrito à norma jurídica posta pelo legitimado.
Dessa forma, ao decidir, nos casos de violação e sujeição, o
juiz deve inevitavelmente, sob pena de produzir um ato ilegal
ou, em última instância, inconstitucional, observar a lei produzi-
da mediante os procedimentos formais constitucionais e posta
por um órgão legitimado.
Logo, o magistrado deve, segundo o ordenamento jurídico,
aplicar indistintamente as normas vigentes; consequentemente,
o jurista pode chegar à conclusão de que a norma jurídica eficaz
é aquela aplicada pelo aferidor da eficácia e aplicador definitivo
do Direito, o magistrado. Após esta argumentação, a conclusão
indubitável que pode ser retirada do presente estudo e do orde-
namento jurídico nacional é que vigência e eficácia são institutos
conceitualmente homogêneos, sem qualquer diferença signifi-
cante, seja sob o aspecto pragmático, seja sob o aspecto teórico.

NOTAS
1 Vacatio legis é o intervalo entre a data da publicação da lei e o início da sua
vigência.
2 Observe-se que o vocábulo “socialmente” denota a influência da teoria
realista.
3 Terminologia Kantiana.

REFERÊNCIAS
Reinaldo Couto é professor de Direito Administrativo da Uni-
BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais. Coimbra: Almedina, 1994. versidade Estadual da Bahia e doutorando em Direito pela Uni-
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São versité Montesquieu –Bordeaux IV (França).

Revista CEJ, Brasília, Ano XVIII, n. 64, p. 7-12, set./dez. 2014

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