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Pesquisa sobre locação não residencial - rescisão contratual - pandemia (tema 01)

Alunas: Mariana Hernacki e Letícia Castro

O contrato de locação trata-se de instrumento por meio do qual as partes ajustam,


mediante remuneração, o fornecimento, por interregno determinado ou não, do uso e gozo de
bens infungíveis, se diferenciando, contudo, das espécies de locação de serviços e de obra,
cujos conteúdos contemplam a própria prestação de serviço e, o último, a execução de uma
obra específica. Por conseguinte, o contrato de locação representa, em verdade, a própria
transferência da posse direta, o que não compreende, entretanto, o poder de dispor do bem.

Dentre os elementos essenciais desta espécie contratual encontram-se o


consentimento, a coisa e o preço, conforme esclarece Gustavo Tepedino em sua ilustre
obra[1], apontando ser o primeiro requisito, qual seja, o consentimento, aquele por meio do
qual necessitam estar envoltos na relação contratual, pessoas capazes que manifestariam de
forma, consensual, evidentemente, o seu consentimento, seja ele expresso ou tácito.

O objeto, por sua vez, engloba os bens infungíveis, impossibilitando a


substituição por produto semelhante, sendo possível, ainda, ser móvel ou imóvel,
determinado ou determinável. Por fim, o preço também se mostra como elemento
imprescindível, porquanto representa o caráter oneroso do contrato, o diferenciando de outra
espécie, tal qual, o comodato.

A par do intróito, é válido esclarecer a existência de diferentes modalidades de


contrato de locação, como, à título de exemplificação, contrato de locação residencial e o
contrato de locação não residencial, tornando-se esse último, o objeto do presente trabalho.

Nessa toada, em um primeiro momento, destaca-se, a partir do entendimento


perfilhado por Flávio Tartuce, ser o contrato de locação não residencial regido pelos preceitos
norteadores da locação comercial, o conceituando da seguinte forma:

“A locação não residencial civil, que abrange os locatários que exercem


atividades civis, bem como suas sedes, escritórios, estúdios e consultórios,
rege-se pelos princípios da locação comercial, particularmente pelas regras da
denúncia vazia. Mas, em casos tais, não haverá direito à ação renovatória. As
mesmas regras valem para a locação em benefício ou vantagem profissional
indireta, quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel estiver destinado ao
uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados
(art. 55 da LL).”[2]

Desse modo, compreende-se como locação não residencial aquele contrato cujo
locatário não se trata de pessoa física e cuja destinação limita-se ao uso “de seus titulares,
diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados”, conforme descrito no art. 55 da Lei
8.245/1991.

Entretanto, é interessante ressaltar que essa espécie contratual, tal como as


demais, também está sujeita à rescisão, o que, inclusive, tornou-se objeto de maior discussão
durante o período pandêmico.

Nessa esteira, é cabível esclarecer que essa rescisão, em geral, se relaciona com a
própria noção de prazo. À título de exemplificação, nos casos de locação de imóvel não
residencial com prazo determinado, claramente, o contrato restará extinto com o seu término,
findo o interregno estipulado, independentemente de notificação ou aviso ou qualquer
justificativa jurídica, a caracterizar a denúncia vazia. Nesse sentido, esclarece Gustavo
Tepedino, mais uma vez:

“Tratando-se de locação não residencial, o contrato cessará de pleno direito


após o término do prazo acordado, independentemente de notificação ou
aviso prévio de qualquer das partes, salvo se houver sido exercido o direito à
ação renovatória (art. 56).100 A prorrogação do contrato apenas ocorrerá,
nestas hipóteses, se o locatário permanecer no imóvel por 30 (trinta) dias
sem a oposição do locador (art. 56, parágrafo único).101 Nesse caso, o
contrato se converterá em negócio por prazo indeterminado e, para
denunciá-lo, o locador deverá enviar notificação, concedendo prazo de
desocupação de 30 (trinta) dias (art. 57).102 Vale dizer, até 1 (um) mês após
o termo final estabelecido no contrato, o locador que desejar reaver o imóvel
poderá ajuizar ação de despejo, sem a necessidade de qualquer outra
providência antecipatória. Passado o prazo legal, a locação se converte em
contrato por prazo indeterminado.”[3]

Por sua vez, caso o locatário não residencial tenha celebrado por escrito, contrato
por prazo superior a 5 anos e cumprido de forma ininterrupta, este poderá deter o direito de
renovação de aluguel judicialmente, sendo necessário, ainda, a exploração dessa atividade do
locatário, no mínimo e sem interrupções, no local, durante 3 anos, a configurar requisitos
cumulativos, mas que, entretanto, não significam a soma de ambos interregnos, isto é, 5 e 3.

No entanto, fato é, conforme já inclusive exposto alhures, que as previsões acerca


da rescisão dessa espécie contratual, sofreu algumas modificações no período da pandemia
acarretada pelo Covid-19. Isso porque, com o isolamento social e a determinação do
fechamento do comércio em diversas, senão todas, as cidades, a configurar o conhecimento
fato do princípio, os locatários (assim como os locadores) viram suas rendas restarem
completamente abaladas, fragilizando as suas condições financeiras.

Desse modo, em razão da grande dificuldade dos locatários em se manter,


algumas orientações normativas foram fixadas, bem como Projetos de Leis, tal qual o de nº
1.179/2020, responsável por criar um regime jurídico emergencial, acerca da locação na
pandemia, na qual se estabeleceu, por exemplo, a vedação da concessão de liminar para
desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, como disposto no art. 59, § 1º, incisos I,
II, V, VI, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.

Por outro lado, é frágil dizer que toda a problemática acarretada pela quarentena,
se trata de caso fortuito ou força maior, a afastar a necessidade do pagamento do aluguel,
porque o que se vê é, em verdade, impossibilidade de realização da atividade pretendida, em
razão de determinação do Poder Público.

Logo, conforme exposto na obra de José Fernando Simão[4], por conta do


contexto pandêmico, a postura aconselhável é a própria busca ao reequilíbrio contratual,
mesmo porque, nesse âmbito, ambos lados, locador e locatário, perdem. Nessa esteira, o
mesmo autor apresenta critérios para análise deste pretenso equilíbrio, tal como, em primeiro
lugar, o exame do quão lucrativo é o contrato, frente à atividade realizada no local, bem
como, qual ramo e a possibilidade de evoluir uma vez retomadas as atividades. Propôs-se
igualmente o estudo acerca das próprias partes acordantes do contrato, a fim de impedir
maiores prejuízos para partes desfavorecidas. Por último, a estratégia é evitar a própria mora.

De todo modo, a rescisão contratual acaba sendo uma medida a se impor em


determinados caso, e que, acaba, usualmente, com a fixação de perdas e danos, multas (desde
que contratualmente prevista e proporcional ao prazo)...

Acerca dessa temática, por conseguinte, merece o destaque os seguintes


precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE


LOCAÇÃO. PLEITO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PARTE
AUTORA QUE PRETENDE A APLICAÇÃO DA TEORIA DA
IMPREVISÃO, ALEGANDO IMPOSSIBILIDADE DE
ADIMPLIR O CONTRATO, PELOS EFEITOS DAS MEDIDAS
RESTRITIVAS DA PANDEMIA DA COVID-19. SENTENÇA
DE IMPROCEDÊNCIA. TÍTULO EXECUTIVO LÍQUIDO,
CERTO E EXIGÍVEL, CONSOANTE OS TERMOS DO ARTIGO
784, INCISOS I E III, DO CPC. NÃO TENDO SIDO
DEMONSTRADO QUALQUER EXCESSO NA EXECUÇÃO,
IMPÕE-SE A REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. DESPROVIMENTO
DO RECURSO. (0037829-67.2020.8.19.0209 - APELAÇÃO. Des(a).
LUIZ FELIPE MIRANDA DE MEDEIROS FRANCISCO -
Julgamento: 03/08/2021 - NONA CÂMARA CÍVEL)

Agravos de instrumento. Julgamento conjunto. Ação de rescisão


contratual c/c entrega das chaves e revisão de contrato de locação
comercial em razão dos efeitos da pandemia da Covid-19. Restaurante
que ocupa duas lojas em bairro da zona sul do Rio de Janeiro. Decisão
que deferiu a tutela provisória de urgência pleiteada para reduzir o
valor do aluguel bruto mensal em 50% a contar da data de
19/03/2020, data de fechamento do comércio, até a data de
distribuição da ação, 03/07/2020, e autorizar a entrega das chaves da
Loja A, objeto do contrato. É certo que a pandemia, como evento
externo, irresistível e imprevisível, não deve ser tomada em
abstrato para a partir daí irradiar seus efeitos para os contratos
em geral, sem as considerações peculiares de cada situação
concreta. O seu enquadramento como força maior depende da
verificação da objetiva possibilidade de adimplemento da
prestação. A adoção de medidas governamentais para evitar
aglomerações impôs aos bares e restaurantes a autorização de
funcionamento apenas regime de entrega em domicílio ou sistema
"drive thru". Tal situação se colocou de forma passageira, mas
alterou, aparentemente, no período, a base objetiva do negócio
surtindo efeitos para ambas as partes, a atrair, à primeira vista, o
disposto nos arts. 317 e 421-A do Código Civil. É razoável, neste
estágio processual, a redução em 50% do valor do aluguel bruto
para repartir o prejuízo e equilibrar as partes contratantes, vez
que só a instrução probatória possibilitará aferir o valor justo
para o aluguel no período de restrição das atividades da locatária.
É faculdade do locatário propor a ação consignatória com a finalidade
de devolver o imóvel, representada pela entrega das chaves, sendo
dever seu devolvê-lo no estado em que o recebeu, a teor do art. 23,
III, da Lei nº 8.245/91. Possibilidade de o locador perquirir as perdas
e danos e/ou multa rescisória em ação própria. Restaurante que
continua explorando o fundo de comércio do local, o que,
aparentemente, neste caso concreto, afasta a alegada força maior que
tornaria inexigível a multa. Aplicação da Súmula nº 59 do TJRJ.
RECURSOS DESPROVIDOS.(0045684-45.2020.8.19.0000 -
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). MARIA LUIZA DE
FREITAS CARVALHO - Julgamento: 27/01/2021 - VIGÉSIMA
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE LOCAÇÃO EM


SHOPPING CENTER. RESCISÃO CONTRATUAL EM
DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID-19. PEDIDO DE
TUTELA DE URGÊNCIA, OBJETIVANDO ISENÇÃO DA
MULTA RESCISÓRIA E COMPELIR O LOCADOR À
ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE QUAISQUER ATOS DE
COBRANÇA ENQUANTO SUB JUDICE A MATÉRIA.
DEFERIMENTO. IRRESIGNAÇÃO.
I. Adoção de medidas governamentais para evitar aglomerações.
Fechamento dos shoppings centers. Alteração da base objetiva do
negócio, surtindo efeitos para ambas as partes, a atrair, à primeira
vista, o disposto nos arts. 317 e 421-A do Código Civil.
II- Razoável, em sede de cognição sumária, o deferimento da medida
pleiteada.
III. A probabilidade do direito alegado se encontra consubstanciada
na documentação apresentada, indicando a existência do vínculo
contratual entre as partes e das notórias limitações estabelecidas pelos
entes públicos para a prestação da atividade empresarial, sendo
igualmente incontestável a ocorrência da pandemia da COVID-19.
IV- O periculum in mora está demonstrado pelos nefastos efeitos
que as medidas coercitivas de cobrança, notadamente a
negativação e o protesto, podem ocasionar à sociedade
empresária, inclusive ensejando óbices à continuidade do
exercício de suas atividades em local diverso.
V- Recurso conhecido e desprovido.
(0001029-51.2021.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Des(a). RICARDO COUTO DE CASTRO - Julgamento: 06/04/2021
- SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)

[1] TEPEDINO, Gustavo, Carlos Nelson Konder, Paula Greco Bandeira. – Fundamentos do direito
civil, vol. 3 – Contratos – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

[2] TARTUCE, Flávio Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3. – 14. ed.
– Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[3] TEPEDINO, Gustavo, Carlos Nelson Konder, Paula Greco Bandeira. – Fundamentos do direito
civil, vol. 3 – Contratos – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

[4] SIMÃO, José Fernando. Pandemia e locação – algumas reflexões necessárias após a concessão de
liminares pelo Poder Judiciário. Um diálogo necessário com Aline de Miranda Valverde Terra e Fabio
Azevedo.

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