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Análise Social, vol.

XXXVII (Inverno), 2003

Dalila Cabrita Mateus, A Luta pela Não menos relevantes para clari-
Independência — A Formação das ficação desta questão são ainda as
Elites Fundadoras da FRELIMO, dinâmicas de apropriação pelas socie-
MPLA e PAIGC, Editorial Inquérito, dades africanas destas influências,
1999, 299 páginas + [16] páginas destas condicionantes civilizacionais
ilustradas. impostas pela colonização. É no sen-
tido deste questionamento, muito
menos acautelado pela historiografia
A reconstituição histórica do pro- recente, que Dalila Cabrita Mateus se
cesso de formação das elites que esti- interroga sobre o papel das elites ur-
veram na origem dos movimentos de banas e crioulas na criação dos movi-
libertação nos territórios africanos sob mentos de libertação. Ainda que aqui
colonização portuguesa constitui o ob- a pertinência da intervenção não re-
jecto central desta dissertação de solva, no nosso entender, um assina-
mestrado em História Social Contem- lável desequilíbrio na atenção que é
porânea, concluída no ISCTE em dada aos diferentes contextos urba-
1998. nos em análise.
Num percurso referenciado à Finalmente, o que consideramos
temporalidade da presença colonial ser a parte mais solidamente
portuguesa na África do século XX, a construída deste trabalho constitui o
autora estrutura a sua análise em três conteúdo do terceiro e quatro capí-
momentos de reflexão essenciais: a tulos acima assinalados. Trata-se de
política de assimilação do regime co- um discurso bem estruturado e fun-
lonial e seu impacto sobre a formação damentado em que, para além da
das elites africanas (cap. 1); o impac- utilização de uma vasta bibliografia, o
to do contexto urbano das colónias na acesso a fontes primárias originais,
criação dos movimentos independen- quer escritas, como é o caso da
tistas (cap. 2); finalmente, a formação pesquisa realizada nos arquivos da
das elites africanas em Portugal e a PIDE/DGS, quer orais, permite situ-
importância das influências externas ar, de forma inovadora, a acção dos
na sua orientação ideológica e no protagonistas dos movimentos de li-
apoio político militar às guerras de bertação no contexto do seu tempo.
libertação (caps. 3 e 4). Sem dúvida que a principal inten-
É certo que a natureza e impacto ção desta obra é a de privilegiar um
da política de assimilação prosseguida enfoque afrocentrista na problemati-
por Portugal nos diferentes espaços de zação da questão colonial e da luta de
colonização, matéria que nas suas libertação em Angola, Moçambique e
múltiplas vertentes o texto revisita cui- Guiné-Bissau. O que não invalida a
dadosamente, constitui um elemento pertinência das interrogações que
essencial para a compreensão do suscita sobre a influência dos facto-
processo de formação das elites afri- res externos na manutenção da guer-
canas. ra colonial em África. De facto, 1303
Análise Social, vol. XXXVII (Inverno), 2003

Portugal não assistiu «orgulhosa- (Raimundo Narciso e António Pedro


mente só» ao fim do seu império Ferreira) estavam ainda presentes na
colonial. altura em que a ARA entrou em ac-
ção, em 1970.
JOANA PEREIRA LEITE Não há dúvidas de que Narciso
escreveu o melhor dos dois livros,
uma narrativa autobiográfica sobre a
evolução da ARA. Em vez de nos
apresentar a descrição analítica, histó-
rica e sistemática de um académico,
sustentada por meticulosas notações,
Narciso oferece-nos uma memória
Narciso Raimundo, ARA — Acção apaixonada dos acontecimentos e
Revolucionária Armada: a Histó- emoções que rodearam o período da
ria Secreta do Braço Armado do ARA. O autor ilustra com especial
PCP, Lisboa, Publicações Dom eficácia o compromisso poético de
Quixote, 2000, 409 páginas. um indivíduo com a causa da ARA.
Apresenta não apenas as motivações
e princípios políticos que serviram
Jaime Serra, As Explosões Que
de base à criação da organização e o
Abalaram o Fascismo, Lisboa, Edi-
modo como esta escolhia os seus al-
torial Avante!, 1999, 143 páginas.
vos de ataque, como também as
questões mais técnicas ligadas aos
dispositivos de detonação e ao fabri-
Ambos os autores destes livros co de bombas. Além disso, Narciso
foram membros do comando central oferece-nos um retrato literário dos
de três elementos da Acção Revolu- principais actores da ARA (por exem-
cionária Armada (ARA), o braço ar- plo, Francisco Miguel Duarte, Ân-
mado do Partido Comunista Portu- gelo Matos Mendes Veloso e Jaime
guês (PCP). Se bem que o partido dos Santos Serra), afastando-se da
tenha decidido criar a ARA em 1964 descrição acrítica e oficial da ARA e
nos moldes de uma organização ar- do PCP que Jaime Serra nos apre-
mada semiautónoma, esta só entraria senta. Narciso, um crítico de longa
em actividade no início da década de data do comunismo ortodoxo e da
70, após muita preparação e repres- rejeição da renovação por parte do
são policial, considerável debate e partido, apresenta criticamente os
alguma hesitação por parte da lide- defeitos e erros do PCP. Uma das
rança do PCP. Em 1964, o partido principais falhas do livro é a tendên-
enviou dois militantes — Raimundo cia do autor para os saltos no tempo,
Narciso e Rogério de Carvalho — a tornando difícil ao leitor seguir cro-
Moscovo e a Cuba para receberem nologicamente a sua narrativa.
treino militar. De todos os indivíduos Narciso fornece-nos uma preciosa
1304 inicialmente envolvidos, apenas dois descrição da vida clandestina e conspi-

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