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SALVADOR
2021
Este ensaio tem como objetivo refletir a cerca da transferência no processo de análise na
clínica lacaniana, compreendendo qual o papel do analista e a importância do manejo da
transferência e do ato analítico. Para que haja análise é necessário que exista
transferência, sendo essa essencial para o desenvolvimento do trabalho do analista.
Cabe salientar que não é o papel do analista receber o conteúdo transferencial e apenas
silenciar a tudo que lhe é direcionado. É de suma importância que o mesmo saiba como
manejar esse processo de maneira a ser destituir da carga que lhe é depositada de amor.
Há na transferência o reviver de experiências anteriores na qual o analista substitui a
figura do pai, e por meio desse recurso o analista deve se posicionar. Segundo Freud,
“ O manejo consistiria em fazer com que os impulsos despertados sirvam para causar a
associação livre e a interpretação dos sintomas. O termo playground é sugestivo na
medida em que pode se referir ao parque infantil, metaforizando a análise como lugar de
pôr em movimento, pela fala, o infantil que permanece atuante no adulto”
(MEIRELLES,2012).
Entende-se que a busca pelo analista como aquele que detém um saber ao qual o
analisando demanda, também implica numa posição que o mesmo sabe sobre si, mas
não é capaz de compreender, por isso delega ao analista esse saber. É nessa relação
transferencial que se dá a analise, sendo necessário ao analista manejar tal relação, de
maneira que seu papel não sobrepunha sua subjetividade. Esta segunda, inclusive, tira a
posição de analista. É isso que diferencia o analista de um amigo, pois aquilo que é dito
se diferencia pela posição que cada um ocupa diante deste outro a quem se fala. É nesse
ato de fala que se produz um saber, que está implicado ao próprio sujeito.
“(...)ao instalar o Sujeito suposto Saber, ou seja, a suposição que há um sujeito que sabe; instala
também a suposição de que há um saber, de que há um saber que estava ali desde sempre em potência.
Para compreender isso temos que levar em conta que um ato se mede pelas coordenadas simbólicas, não
representando nenhuma ação. Desse modo, queremos evidenciar que se faz necessário, na experiência,
situar o Outro, mas, somente, para ser possível ir além dele.” (VICENTE,2004)
A busca pelo sujeito suposto saber se explica pelo fato de que o analisando ao procurar
um saber sobre sua demanda encontra também no grande Outro, um garantidor da
ordem das coisas, um suporte para lidar com suas questões mais intimas, ou seja, por
meio da transferência é que se é possível estabelecer uma conexão com o analista.
“no seminário Os escritos técnicos de Freud, Lacan (1979 [1953-1954]) se refere à situação
analítica como sendo, em primeiro lugar, uma relação de fala: uma fala que produz efeitos, faz
ato, e isso porque há transferência.” (DIAS, 2008)
Tanto para Freud como Lacan, a transferência se dá pela falta, que é representada pelo
direcionamento do amor à figura do analista. Mas qual seria de fato a posição do
analista no processo analítico? Porque seu papel exige, que além de sua formação, sua
conduta deve ser a de-ser suposto saber, não cabe ao analista ditar ou sugerir. Tal
interferência culminaria numa relação intersubjetiva entre analisando e analista. Embora
o analista seja segundo Lacan, uma metade do sintoma, que ele tem essa carga, que sem
ele não seria consumado, não cabe ao analista direcionar o discurso do analisante.
Segundo Freud (1915), o problema das interpretações que são comunicações de saber,
apesar de verdadeiras, não produzem efeito terapêutico.
“A análise começa quando o analista está em condições de não responder do lugar de subjetividade de
um semelhante” (CALLIGARIS, 1986)
O Ato analítico não está relacionado a ações que o analista tem e sua prática, não é o
corte que realiza, ou o que diz a seu paciente. Podemos observar que desde Freud até o
momento, muitos analistas seguem quase que dogmaticamente seus mestres, se
nomeando como Freudianos ou Lacanianos, sem se aterem ao modo ao qual moldam
sua práxis.
“Lacan toma o ato analítico na perspectiva de realização. Algo está em potência e lhe falta uma causa
eficiente que o transforme em ato, que o faça atual. A dialética entre ato e potência implica, de um lado,
uma dimensão de mudança e de outro, uma dimensão temporal” (VICENTE, 2004)
O ato analítico direciona para dimensão real, através da intervenção do analista. Não se
trata de cura do inconsciente, pois isso é impossível, mas sim da possibilidade de
posicionar o sujeito frente ao seu desejo e seu gozo. O analista deve cada vez mais se
destituir do saber suposto (S2) e permitir ao sujeito sua autonomia.
“É, nesse sentido, que queremos evidenciar que a questão do ato analítico não é uma questão técnica,
mas uma questão ética, quer dizer, sua orientação é ao real. Essa orientação deve presidir a formação
do analista, assim como o analista no seu ato. Concluo dizendo que nossa clínica é irônica, fundada na
inexistência do Outro como defesa contra o real e o lugar do analista é o “de estar, mas não ser, de ser,
mas não crer que é e deixar de ser quando nunca foi” (VICENTE).
Referências bibliográficas:
GUIA, Elisa Rennó dos Mares. O desejo do analista e a não especificidade da clínica
psicanalítica. Reverso, Belo Horizonte , v. 33, n. 61, p. 39-46, jun. 2011 . Disponível
em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
73952011000100005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 03 jun. 2021.
DIAS, Maria das Graças Leite Villela. Ato analítico e final de análise. Fractal, Rev.
Psicol. 20 (2) •Dez 2008 • Disponível em <https://doi.org/10.1590/S1984-
02922008000200007> acesso em 04 de junho 2021