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Comissão Nacional da Verdade e a experiência brasileira

* Caroline Soares de Andrade Caldas

Sumário

Introdução. Lei Anistia e entendimento STF sobre revisão da Lei da Anistia.


Julgamento caso Gomes Lund – Guerrilha do Araguaia e sentença Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Contexto político jurídico de criação da
Comissão Nacional da Verdade e balanço de 1 (um) ano de atividades
desempenhadas pela CNV. Reflexão final.

Introdução

Há mais de três décadas o país deixou de ser direcionado por Atos Institucionais. A
Emenda Constitucional nº 11, em seu artigo 3º revogou-os 1 no que contrariassem a
Carta Maior. Este foi um dos sinais de que as transformações políticas de ordem
democrática estavam prestes a acontecer.

Paradoxalmente, passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição


Federal2 de 1988, o país elegeu a Comissão da Verdade como instituto capaz de
concluir a Justiça de Transição.

O ano de 2014 será destacado por vários eventos e datas importantes no Brasil,
especialmente referente ao relatório que será emitido pela Comissão da Verdade, e
os eventos que consequentemente sucederão. Além da Copa do Mundo de Futebol,
1 Brasília, Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, art. 3º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm. A EC nº 11
apenas entrou em vigor em 1º de janeiro de 1979.

2 Brasília, Exposição de Motivos anexo Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, 30 de abril de 2010. Item 6. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2010/14%20-%20SDH%20MD%20MJ%20MP.htm

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o país completará 50 (cinquenta) anos de golpe militar, 35 (trinta e cinco) anos de
promulgação da Lei da Anistia, 36 (trinta e seis) anos de criação do Pacto São José
da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) ratificado e
convertido em norma no Brasil apenas em 1992, 26 (vinte de seis) anos da
promulgação da Carta Maior, 19 (dezenove) anos de criação da Comissão Especial
sobre mortos e desaparecidos – Lei 9.140/1995, 11(onze) anos da criação da
comissão de anistia – Lei 10.599/2002, 4 (quatro) anos da Decisão do STF
ratificando o entendimento interno brasileiro sobre a revisão da Lei de Anistia e da
sentença do caso Araguaia proferida pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos, e 3 (três) anos da Lei 12.528/2011 que instituiu a Comissão Nacional da
Verdade (CNV) culminando nos 2 (dois) anos de atividades desenvolvidas por esta
Comissão.

Esse complexo de eventos históricos, leis, tratado internacional e decretos compõem


o enredo de construção do estado democrático de direito brasileiro, que enfrentou
momentos de violação de direitos, ainda marcantes para o país.

Todos esses institutos legais e jurídicos demonstram os desdobramentos políticos,


sociais e jurídicos de uma parte da história do país pouco digerida, tanto pelos
protagonistas como pela a sociedade de uma forma geral. A oportunidade, depois de
muitas tentativas incompletas de reconstrução pós-ditadura militar, é inédita, e o
presente trabalho irá pesquisar cronologicamente os fatos que nos trouxeram ao
atual contexto/panorama político, bem como ressaltar os resultados obtidos no
primeiro ano de atividades da Comissão Nacional da Verdade.

Antes de explicar como o tema a ser desenvolvido, são necessárias algumas


considerações sobre o período de reconstrução democrática brasileira. A partir da
promulgação da Lei de Anistia de 1979 deu-se início á fase de transição do regime
autoritário militar para o regime democrático, marcada pela promulgação da
Constituição Federal de 1988. Evidentemente, a Lei de Anistia foi um dos símbolos
da transição do regime militar para o regime democrático. Muitos países que tiveram

2
em sua história transições de regimes políticos incluíram em suas agendas algumas
ações como: Persecução judicial dos agentes violadores de direitos humanos; busca
pela verdade pela criação de Comissão da Verdade; Adoção de políticas de
reparação, seja pela compensação financeira ou por medidas simbólicas; Atos de
honra e valorização das vítimas através de uma série de medidas; a iniciativa de
construção de memoriais, museus ou incentivo e condução de debates sobre o
ocorrido; Desenvolvimento de medidas de reconciliação sem sacrificar os
instrumentos de justiça e responsabilização; e, finalmente reforma institucional no
sentido de não repetição de abusos.3 Esses elementos compõem o que chamamos
de Justiça de Transição.

Em vários momentos da história política brasileira, o país experimentou diversas


modalidades, usando, por vezes, alguns dos elementos elencados acima, porém de
maneira isolada, deixando de preencher várias lacunas da história deste período de
violação de direitos.

O objetivo desta pesquisa é compreender os fatos que levaram ao atual contexto de


expectativa por uma nova possibilidade de Justiça de Transição, através da criação
de uma nova Comissão, suas ações, o motivo de eleição pela Comissão Nacional da
Verdade que passa pela jurisdição interna e externa. Todos esses elementos
demonstram a inclinação política do país e a sedimentação das bases da
democracia nacional.

Lei de Anistia e Entendimento STF sobre revisão da Lei da Anistia

A Anistia é um instituto universal, largamente difundido em diversos países, e no


Brasil não seria diferente. Desde a criação do Brasil Estado, tanto o poder legislativo
como o poder executivo utilizaram largamente o instituto da anistia. Dos dois
poderes, certamente o poder executivo foi o que mais aderiu, mas isto se deve ao

3 BICKFORD, Louis. Transitional Justice. In: The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity. Nova Iorque: MacMillan, pp.1045-1047

3
fato de que passamos por dois regimes políticos, a Monarquia e a República
Presidencialista4.

Na obra Manual de Direito Penal Brasileiro, Zaffaroni e Pierangeli são categóricos


quanto à natureza da anistia: “A etimologia da palavra anistia alude a
“esquecimento”. Usualmente diz-se que a anistia “apaga” o delito. Entendemos que
uma lei de anistia é uma lei que descriminaliza o delito, isto é, uma lei
descriminalizadora” 5.

Orientação semelhante é adotada por Rui Barbosa:

“A anistia, que é o olvido, a extinção, o cancelamento do passado criminal,


não se retrata. Concedida, é irretratável, como é irrenunciável. Quem a
recebeu não a pode enjeitar, como quem a liberalizou, não a pode subtrair.
É definitiva, perpétua, irreformável. Passou da esfera dos fatos alteráveis
pelo arbítrio humano para a dos resultados soberanos e imutáveis, que
ultimam uma série de relações liquidadas, e abrem uma cadeia de relações
novas. De todos os direitos adquiridos este seria, por assim dizer, o tipo
supremo, a expressão perfeita, a fórmula ideal: seria por excelência, o
direito adquirido. Ninguém concebe que se desanistie amanhã o indivíduo
anistiado ontem. Não há poder, que possa reconsiderar a anistia, desde que

o poder competente uma vez a fez lei” 6.

Embora outros atos de anistia tenham sido concedidos ao longo da história


brasileira, a lei a que este estudo se dedica é a Lei 6.683/1979, que concedeu
anistia aos que cometeram crimes políticos ou conexos, eleitorais, cometidos entre
02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, durante o período militar. Esta lei
também abarca os que tiveram seus direitos políticos suspensos e os servidores da
Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, os
4 ANISTIA, 2 volumes – Centro Gráfico do Senado, Brasilia: 1982. p.349.

5 Pierangeli, José Henrique e Zaffaroni, Raúl Eugenio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 223.

6 Barbosa, Rui. Anistia Inversa – Caso de teratologia jurídica. In obras completas. Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura, 1995. Vol XXIV, T. III, p. 38/39.

4
servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, os Militares e os dirigentes e
representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares7.

Promulgada em 28 de agosto de 1979, essa lei foi parte do processo de abertura


política do país, a chamada abertura gradual, associada ao desligamento do
governo militar, tendo sido proposta pelo então presidente da república, João
Baptista de Oliveira Figueiredo por ocasião de sua mensagem presidencial, na
apresentação da proposta de lei que veio a ser a Lei 6.683/79, em sessão no
Congresso Nacional de 28 de junho de 1979. Cabe a análise de suas considerações
sobre o instituto.

“A Anistia é um ato unilateral de Poder, mas pressupõe, para cumprir sua


destinação política, haja, na divergência que não se desfaz antes se
reafirma pela liberdade, o desarmamento dos espíritos pela convicção da
indispensabilidade da coexistência democrática. A anistia reabre o campo
de ação política, enseja o reencontro, reúne e congrega para a construção

do futuro e vem na hora certa” 8.

Note-se, tanto pelo extrato temporal, como pelas condições da época o marcante
propósito de reintegração da nação incumbida à lei, ainda em fase de formação,
uma vez que as emendas à lei ainda eram possíveis. Entretanto, nesta mesma
ocasião, o então Presidente da República Federativa do Brasil optou por excluir do
rol de beneficiados pela anistia a prática de terrorismo. Neste sentido, sua
mensagem determina uma interpretação bastante clara do que viria a ser terrorismo
para os porta-estandartes do poder:
“Não é abrangido quem foi condenado pela Justiça por crime que não é
estritamente político: assim o terrorista, pois ele não se volta contra o
Governo, o regime, ou mesmo contra o Estado. Sua ação é contra a
humanidade e, por isso, repelida pela comunidade universal, que sanciona,

7 Brasília, Lei 6.683, 28 de Agosto de 1979. Art. 1º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm

8 ANISTIA, 2 volumes – Centro Gráfico do Senado, Brasilia: 1982. p.21 e 22.

5
como indispensáveis, leis repressivas de que se valem países da mais alta
formação democrática. A anistia tem o sentido de reintegrar o cidadão na
militância política, e o terrorista não foi e não é um político, a menos que se

subvertam conceitos em nome de um falso liberalismo” 9.

Entretanto a experiência brasileira, híbrida e única em sua forma de justiça de


transição, sobrecarregou a última Lei da Anistia com a responsabilidade de iniciar e
conduzir o processo de abertura política viabilizando a projeção do estado
democrático de direito.

Desta sorte, ao largo do tempo, a sociedade elegeu a via da judicialização interna,


levando ao conhecimento da mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal,
a discussão sobre a interpretação prática da Lei. De acordo com Barroso,

“Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político,


social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder
Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as
instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que
são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso
jurídico constitui uma mudança drástica no modo de se pensar e de se

praticar o direito no mundo romano-germânico” 10.

Sem grandes inclinações sobre o tema, e da polêmica que ele comporta, o perdão
coletivo, perdão traduzido em forma de lei, mais precisamente na Lei 6.683/79,
levada ao julgamento no Supremo Tribunal Federal, foi uma oportunidade para que
o entendimento jurisprudencial nacional estabelecesse conexão entre a legislação e
o Pacto São José da Costa Rica, amadurecendo uma posição sobre o assunto.
Ocorre que o que poderia ser um palco de discussões, passou ao largo do debate e
resultado disso foi a manutenção do status quo. Em sua maioria, os Ministros

9 ANISTIA, 2 volumes – Centro Gráfico do Senado, Brasilia: 1982. p.22.

10 Barroso, Luis Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo. p.6. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-

content/themes/LRB/pdf/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial.pdf.

6
membros do Supremo Tribunal Federal, optaram pelo debate processual, o que
impediu maiores considerações materiais sobre o tema. Neste sentido, vale a
apreciação do Ministro Ayres Brito em seu voto, que é parte integrante da decisão
proferida pelo STF, em 24/09/2010, em sede de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, ADPF 153, interposta pela OAB e demais entidades, julgada
improcedente por 7 votos a 2.

“(...) No indivíduo o perdão é virtude. Na coletividade, pode não ser virtude e


ainda levá-la àquela situação tão vexatória do ponto de vista ético-
humanístico de se olhar no espelho da história e ter vergonha de si mesma.
Volto a dizer: uma coisa é a coletividade perdoando; outra coisa é o
indivíduo perdoando. Digo isso porque a anistia é um perdão, mas um
perdão coletivo. É a coletividade perdoando quem incidiu em certas práticas
criminosas. E, para a coletividade perdoar certos infratores, é preciso que o
faça por modo claro, assumido, autêntico, não incidindo jamais em
tergiversação redacional, em prestidigitação normativa, para não dizer em

hipocrisia normativa” 11.

A relevância deste julgamento, no mais alto escalão do judiciário brasileiro, é a do


esgotamento do debate pertinente, e “pacificação” soberana de entendimento
jurisprudencial sobre a revisão da Lei 6.683/79, de acordo com a Carta Maior de
1988, mais precisamente no tocante à extensão ou restrição de interpretação
aplicada aos crimes comuns cometidos à época. Neste sentido, cabe relevância à
observação de um membro da Corte sobre a questão:

“(...) atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a


instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais
exista desacordo moral razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio
desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas,
interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas. No Brasil, o
fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da

11 Ministro Ayres Brito, em sede de julgamento da ADPF 153, votou pela interpretação excludente no sentido de estender a anistia aos crimes previstos no inciso XLIII do artigo 5º da CRFB
(crimes hediondos e os que lhe sejam equiparados: Homicídio, tortura e estupro, especialmente). Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF153.pdf

7
constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última
análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das
pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade
vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal

por via de ações diretas” 12.

Julgamento caso Araguaia – Sentença Corte Interamericana de Direitos


Humanos

Antes de adentrar nas considerações pertinentes ao julgamento propriamente dito, é


necessário tecer alguns comentários sobre a guerrilha do Araguaia, que representou
um braço da luta armada pela resistência ao regime militar imposto pelas Forças
Armadas, a partir de 1964. A Guerrilha foi criação do PCdoB, Partido Comunista do
Brasil, e tinha como objetivo fomentar revolução socialista no país, iniciando pelo
campo, por isso a localização, às margens do Rio Araguaia. Em resposta ao
movimento camponês, o Estado brasileiro empreendeu uma operação militar, entre
1972 e 1975, para desbarata-lo que resultou na morte, desaparecimento forçado e
tortura de mais de 70 pessoas, entre elas, membros do Partido Comunista do Brasil
e camponeses da região. Dada a inércia estatal em investigar as violações de
direitos ocorridas, as próprias vítimas e familiares recorreram à Corte Interamericana
de Direitos Humanos visando à aplicação do Tratado São José da Costa Rica 13.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é órgão contencioso jurisdicional cujo


objetivo é a aplicação do Pacto São José da Costa Rica, tratado internacional entre
os países membros da OEA – Organização dos Estados Americanos. Este tratado e
a corte compõem o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

Embora a convenção tenha sido subscrita em 1969, entrou em vigor somente em

12 Barroso, Luis Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo p.7. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-

content/themes/LRB/pdf/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial.pdf.

13 Sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 4.

8
1978, e o Brasil se tornou país signatário do tratado apenas em 1992, com o decreto
nº 678/1992. Em 2002, por meio do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, o
Brasil editou o decreto nº 4.463 reconhecendo a competência da Corte
Interamericana em casos relativos à interpretação e aplicação da convenção de 22
de novembro de 1969, além da aplicação para fatos posteriores a 10 de dezembro
de 1998.

Em 07 de agosto de 1995, quatro meses antes da promulgação da Lei 9.140/1995,


que criou a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, foi
submetida demanda à Corte Interamericana de Direitos Humanos de autoria do
Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEGIL e pela Human Rights
Watch/Americas, representando os desaparecidos, vítimas e familiares da Guerrilha
do Araguaia, contra a República Federativa do Brasil.

Após largos 15 (quinze) anos, 2 meses depois da decisão proferida pela mais alta
corte de justiça brasileira sobre a impossibilidade de revisão da Lei da Anistia, em 24
de novembro de 2011, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decide pelo
afastamento da aplicação da Lei da Anistia.

“As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e


sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a
Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir
representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente
caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco
podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de
graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção

Americana ocorridos no Brasil” 14.

A mesma sentença definiu um rol de obrigações ao Brasil, dentre elas deferiu o


pedido inicial dos autores, e reforçou a obrigação de criação de uma Comissão da

14 Sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 114.

9
Verdade para apuração das violações de direitos ocorridas no período da ditadura.

“Quanto à criação de uma Comissão da Verdade, a corte considera que se


trata de um mecanismo importante, entre outros aspectos, para cumprir a
obrigação do Estado de garantir o direito de conhecer a verdade sobre o
ocorrido. Com efeito, o estabelecimento de uma Comissão da Verdade,
dependendo do objeto, do procedimento, da estrutura e da finalidade de seu
mandato, pode contribuir para a construção e preservação da memória
histórica, o esclarecimento de fatos e a determinação de responsabilidades
institucionais, sociais e políticas em determinados períodos históricos de
uma sociedade. (...) A corte julga pertinente, no entanto, destacar que as
atividades e informações que, eventualmente, recolha essa Comissão, não
substituem a obrigação do Estado de estabelecer a verdade e assegurar a
determinação judicial de responsabilidades individuais, através dos

processos judiciais penais.” 15.

É formulado ainda, na mesma decisão, dentre diversas obrigações, a de assegurar


a determinação judicial de responsabilidades individuais, através de processos
judiciais penais independentemente das atividades exercidas pela Comissão
Nacional da Verdade.

Outra análise que merece consideração é a pontual observação do Juiz Ad Hoc,


Roberto de Figueiredo Caldas, em seu voto fundamentando sobre o Caso Carlos
Lund (Caso Araguaia), em que analisa e declara seu ponto de vista sobre a questão
do entendimento das cortes brasileira e internacional.

“O caso julgado envolve debate de transcendental importância para a


sociedade e para o Estado como um todo, particularmente para o Judiciário,
que se deparará com caso inédito de decisão de tribunal internacional
diametralmente oposta à jurisprudência nacional até então pacificada.
A jurisprudência brasileira, firme, inclusive placitada por decisão recente do
mais alto órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, esbarrou
em jurisprudência tranquila desta Corte ao deixar de observar o jus
15 Sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 107.

10
congens, ou seja, normas peremptórias, obrigatórias aos Estados contidos
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida
como Pacto São José da Costa Rica, doravante indicada também somente

como “Convenção”). ”16.

Depreendem-se destes polos opostos de decisões de órgãos diferente as escolhas


políticas que fundamentaram as decisões do STF e da Corte Interamericana. De um
lado, a escolha e a prevalência da soberania nacional e da segurança jurídica das
leis e decisões judiciais internas, e de outro a preferência pela preservação dos
direitos humanos.

Contexto político jurídico de criação da Comissão Nacional da Verdade e


balanço de 1 (um) ano de atividades desempenhadas pela CNV

O Brasil não é o único país a vivenciar a experiência de um processo de transição, a


África do Sul é um exemplo de país que sofreu período de violência em massa
patrocinada pelo Estado, e que também incluiu em sua agenda política a criação de
uma Comissão da Verdade para a reconstrução democrática atrelada à
transparência dos fatos. Em análise de parte da exposição de motivos da lei que
criou a Comissão da Verdade na África Sul, pode-se compreender a minuciosa
intenção em esclarecer o objetivo da Comissão, dentro de um panorama de
fragilidade social, legado deixado pós-período Apartheid. O objetivo da Comissão
era de alcançar a unidade e reconciliação nacional através do trabalho que está
proposta a fazer. Este trabalho incluiu investigações sobre violações graves dos
direitos humanos, a concessão de anistia para os atos, omissões e crimes
associados a objetivos políticos e da recomendação de medidas para a restauração
da dignidade da pessoa humana e da sociedade civil das vítimas.

“The objective of the Commission will be to achieve national unity and


reconciliation through the work it is mandated to do, which work will include

16 Voto Fundamentado do Juiz Ad Hoc Roberto Figueiredo Caldas com relação à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do
Araguaia”) Vs. Brasil de 24 de Novembro de 2010. p.1.

11
investigations into gross violations of human rights, the granting of amnesty
for acts, omissions and offences associated with political objectives and the
recommendation of measures for the restoration of the human and civil

dignity of the victims.”17

A Justiça de Transição contempla uma série de ações combinadas que incluem a


criação da Comissão da Verdade, entretanto, ela não é limitadora ou compulsória,
pode comportar a adoção de diversas outras ações paralelas, um exemplo disso,
pode ser extraído da obra de Martha Minow, Between Vengeance and Forgiveness.

“Nations and cities have created memorials in the forms of public


monuments and sculptures, museums, and days of memory. Individuals
offer works of music, poetry, and drama. Requering and devising programs
of public educations, including curriculum developed for schoolchildren, is

another important response.”18

O caso brasileiro não seria diferente, contudo desde 1979, ano da Lei da Anistia, até
hoje, a agenda de políticas públicas voltadas para uma forma de reparação e/ou
Justiça de Transição se apresentou por diversos momentos em diferentes
modalidades.

Com objetivos peculiares, o país experimentou a Instalação da Comissão de


Representação Externa de Busca dos Desaparecidos Políticos no Congresso
Nacional, em 13 de dezembro de 1991, por ocasião da descoberta de ossadas em
cemitérios clandestinos. Ainda neste sentido, pela pressão dos interessados
(familiares dos desaparecidos) na identificação das ossadas e para maior
transparência dos trabalhos de investigação, foi criada a Comissão Especial sobre
mortos e desaparecidos – Lei 9.140/1995 19, em busca de esclarecimentos e
1716 South Africa, Explanatory memorandum to the parliamentary bill, 1995. Disponível em: http://www.justice.gov.za/Trc/legal/bill.htm

18 Minow, Martha. Between Vengeance and Forgiveness. Boston: Beacon Press, 1998. p.3.

19 Brasília, Exposição de Motivos anexo Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, 30 de abril de 2010. Item 7. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2010/14%20-%20SDH%20MD%20MJ%20MP.htm. E Hollanda, Cristina Buarque de. Sobre as Políticas de Justiça e Reparação no


Brasil. p. 6 a 9. Disponível em http://www.insightinteligencia.com.br/61/PDFs/pdf8.pdf.

12
prestação de contas sobre as investigações. Houve ainda criação de leis para
ampliação de prazos para habilitação às buscas e identificação das ossadas, além
da ampliação do lapso temporal dos fatos ocorridos prolongando-os até a
promulgação da Carta Maior. Tais medidas não foram suficientes para esgotar os
trabalhos iniciados pela Comissão. Em 2002, foi criada a Comissão de Anistia pela
Lei 10.599/200220, subordinada ao Ministério da Justiça. Ambas as comissões
esbarraram em questões jurídico-legais penais e não conseguiram atuar de forma
plena, bem como esgotar e satisfazer os próprios objetivos.

Críticas positivas e negativas a parte, ambas as Comissões ensaiaram uma justiça


de transição, mas sempre atuaram mediante pressão e estímulo dos principais
interessados, os familiares e as vítimas dos que sofreram violações de direitos
humanos. Apesar do engajamento, essas Comissões eram submetidas
hierarquicamente ao poder executivo e não concluíram seus trabalhos em função de
prioridades políticas diversas ao interesse inicial das comissões. Outro fator
relevante é a pressão vinda das Forças Armadas para que a Lei de Anistia seja
considerada ampla, geral e irrestrita, o que na prática, se tornou um obstáculo para a
revisão da lei nos termos da nova ordem democrática, consubstanciada pela Carta
Maior de 1988. O resultado disso foi uma inércia estatal e o rompimento dessa
inércia, se deu através da sentença exarada em sede internacional pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em 2010.

Neste prolongamento de pedido de respostas institucionais, requisitadas pelos


principais interessados, tem-se, atualmente, a experiência da Comissão Nacional da
Verdade. Inserida num rol de obrigações plurais que o Estado brasileiro precisa
cumprir em sede de sentença exarada pela Corte Internacional de Direitos
Humanos, a Comissão Nacional da Verdade foi criada pela lei 12.528, aprovada em
2011, um ano depois da sentença tendo suas atividades iniciadas apenas em 2012.

20 Brasília, Exposição de Motivos anexo Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, 30 de abril de 2010. Item 8. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2010/14%20-%20SDH%20MD%20MJ%20MP.htm

13
Adicionalmente à lei que cria a Comissão Nacional da Verdade, foi criada a Lei de
Acesso a Informações, lei 12.527/2011. Conforme o discurso Presidenta da
República, Dilma Rousseff, durante cerimônia de sanção do projeto de lei que
garante o acesso a informações públicas e do projeto de Lei que cria a Comissão
Nacional da Verdade de 18 de novembro de 2011, sendo as duas atreladas entre si.

“Esta é uma importante conexão, uma conexão decisiva com a lei que cria a
Comissão da Verdade. Uma não existe sem a outra, uma é pré-requisito
para a outra, e isso lançará luzes sobre períodos da nossa história que a
sociedade precisa e deve conhecer. São momentos difíceis que foram
contados até hoje, ou, melhor dizendo, foram contados durante os
acontecimentos sob um regime de censura, arbítrio e repressão, quando a

própria liberdade de pensamento era proibida” 21.

A Comissão Nacional da Verdade está subordinada sob o ponto de vista técnico,


administrativo e financeiro à Casa Civil que respeitará a independência de função da
Comissão, dando-lhe suporte para o melhor desempenho da Comissão, que tem
como finalidade precípua “examinar e esclarecer as graves violações de direitos
humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação nacional” 22.

Dentro da linha de identificação de objetivos da Comissão Nacional da Verdade,


definidos em lei, destacam-se alguns pontos, entre eles:

Art. 3o São objetivos da Comissão Nacional da Verdade:


I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de
direitos humanos mencionados no caput do art. 1o;

21 Roussef, Dilma. Discurso durante cerimônia de sanção do projeto de lei que promulgou as leis 12.527/11 e 12.528/2011. Brasília, 18 de novembro de 2011. Disponível em:

http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-cerimonia-de-sancao-do-projeto-de-lei-que-garante-o-acesso-a-informacoes-publicas-e-
do-projeto-de-lei-que-cria-a-comissao-nacional-da-verdade.

22 Brasília, Lei 12.528, de 18 de Novembro de 2011, art. 1º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm

14
II - promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas,
mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria,
ainda que ocorridos no exterior;
III - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as
circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos
mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos
diversos aparelhos estatais e na sociedade;
VII - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história
dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar

para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações 23.

Neste sentido, pode-se afirmar que após diversas experiências com outras
modalidades de transição, finalmente o Brasil pode compartilhar pontos em comum
com sua modalidade atual de transição e a modalidade sul africana.

A diferença entre a proposta brasileira e a sul africana é que opostamente ao que o


senso comum pode supor, a criação da Comissão Nacional da Verdade está
inserida num contexto jurídico/político composto de nuances sutis, nada
espontâneas, de adoção de políticas de transparência na agenda federal, somada
ao engajamento da sociedade civil. Neste sentido, o país experimentou diversas
experiências anteriores criando diversas comissões, nenhuma delas incluía a
criação de uma Comissão da Verdade, porém há um evento definidor e facilitador
que provocou a criação de uma lei de iniciativa do Presidente da República.

A sentença em sede de órgão jurisdicional internacional foi definidora, contrariando


entendimento da mais alta corte brasileira (STF), até então, entendimento
pacificado.

Pode-se afirmar que dentro do espectro de expectativas provocadas pela Comissão


da Verdade, uma delas é a viabilização e construção do que se pode afirmar como
ponto comum a um determinado grupo. Neste sentido, Michael Pollak consegue

23 Brasília, Lei 12.528, de 18 de Novembro de 2011, art.3º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm

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estruturar melhor definição:

“Na tradição metodológica durkheimiana, que consiste em tratar fatos


sociais como coisas, torna-se possível tomar esses diferentes pontos de
referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um
determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e
classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um
grupo e o que diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos
24
de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais.” .

Nessa linha, não só o objetivo da CNV será importante para o país, assim como as
consequências que deixará, todo o acervo de informações e documentos que a CNV
reunir, terão como destinação o Arquivo Público Nacional.

Em 21 de maio de 2013, ao completar um ano de atividades, a Comissão Nacional


da Verdade apresentou, inclusive em evento para a imprensa, o balanço de suas
atividades. Na mesma oportunidade houve apresentação do resultado parcial da
pesquisa desenvolvida pela assessora Heloisa Starling. Em um ano de atividades, a
Comissão se dividiu em 13 grupos de trabalho, com ampliação de pessoal, foram
mais 2 milhões de documentos encaminhados ao Arquivo Nacional, estímulo a
criação de Comissões Estaduais da Verdade, colhimento de mais de 260
depoimentos em audiências públicas ou não, com projeção de mais de 240
depoimentos de agentes militares já localizados e vivos. 25 Com 7 (sete) membros, a
maior parte, com formação em direito, já ouve renúncia por parte de um deles, o
Claudio Fonteneles, substituído por Pedro Dallari, ambos com formação em direito.

A Comissão Nacional da Verdade é composta por sete membros, todos respeitando


os requisitos definidos pelo artigo 2º da lei 12.528/11:

24 Polak, Michael, Memória Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3.

25 Brasília, Balanço de Atividades 1 ano de Comissão Nacional da Verdade, p.11. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/balanco_1ano.pdf.

16
A Comissão Nacional da Verdade, composta de forma pluralista, será
integrada por 7 (sete) membros, designados pelo Presidente da República,
dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados
com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem

como com o respeito aos direitos humanos.26

Mais uma vez a lei está coadunada aos ditames estabelecidos na sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos para o caso Araguaia.

Por isso, o tribunal valora a iniciativa de criação da Comissão Nacional da


Verdade e exorta o Estado a implementá-la, em conformidade com critérios
de independência, idoneidade e transparência na seleção de seus
membros, assim como dotá-la de recursos e atribuições que lhe possibilitem

cumprir eficazmente com seu mandato27.

Seguindo criteriosamente os termos da lei foram definidos como membros da


Comissão Nacional da Verdade, CNV, Gilson Dipp, vice-presidente do STJ, Superior
Tribunal de Justiça, o advogado criminalista, José Carlos Dias, cuja trajetória
profissional inclui defesa de militantes perante o Tribunal Militar durante a ditadura, o
jurista, consultor da UNESCO e Banco Mundial, José Paulo Cavalcanti Filho, Rosa
Maria Cardoso da Cunha, advogada, atuante na defesa de presos políticos entre Rio
de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal e Pedro Dallari, sendo todos os 5
mencionados, advogados. Outro integrante da comissão, que também participou do
grupo de trabalho nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a
finalidade de preparar o projeto de lei da Comissão Nacional da Verdade é o doutor
em ciência política e preside atualmente a Comissão Internacional de Investigação
para a Síria na ONU, Paulo Sérgio Pinheiro e, por fim, a psicanalista, militante no
período da ditadura militar pelo Jornal Movimento, Maria Rita Kehl.

26 Brasília, Lei 12.528, de 18 de Novembro de 2011. Art. 2º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm.

27 Sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 107.

17
Sob a vigência da Comissão, o país experimenta o fenômeno da substituição e troca
de nome das escolas da rede de ensino público, suprimindo os heróis da ditadura
um a um por nomes de outras personalidades. Em 2013, via eleição interna, e ação
conjunta da Comissão Estadual da Verdade, Salvador e Nova Iguaçu, no Rio de
Janeiro, trocaram os nomes do ex-presidente general Emilio Garrastazu Médici e
Escola Estadual Presidente Costa e Silva pelo ativista político Carlos Marighela e
Abdias Nascimento respectivamente. Ambas as escolas realizaram votação interna
para a escolha dos novos nomes28. A projeção é que as substituições não se limitem
aos nomes das escolas da rede pública, e atinjam inclusive as ruas, praças e
avenidas das cidades país afora.

As alterações nominais das escolas da rede pública provocarão maior conhecimento


sobre as personalidades que marcaram a história do país, ou até mesmo
mundialmente falando. Pequena pesquisa realizada pelo jornal O Globo, identificou
num universo de 3.135 escolas batizadas em homenagem a Presidentes da
República, 97629 dedicam honras aos generais militares. É um número considerável,
contraditoriamente, em mesma pesquisa, é possível concluir que poucos alunos
sabem quem foram esses generais. As substituições serão oportunidades para
trazer ao debate parte da história do país que foi omitida ou até mesmo distorcida
por muitos anos.

Reflexão Final

O presente artigo teve como finalidade se dedicar ao conhecimento dos fatos


cronológicos que permitiram o desenvolvimento das políticas públicas para a
conclusão da Justiça de Transição, mais precisamente o que levou o Estado
brasileiro à promulgação da Lei 12.528/2011.

28 Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/escolas-com-nomes-de-militares-sao-rebatizadas-no-rio-na-bahia-11052193

29 Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/educacao/pais-tem-quase-mil-escolas-com-nomes-de-presidentes-da-ditadura-9782672

18
Não foi a primeira oportunidade em que o país foi compelido a incluir em sua agenda
de políticas públicas ações positivas para preservação dos direitos humanos. Apesar
de ser um país que possui adesão da sociedade neste tema, paradoxalmente as
instituições não têm por hábito concretizar a tendência social em práticas
afirmativas. Um caso emblemático é a Lei Maria da Penha, promulgada em situação
semelhante à Lei da Comissão Nacional da Verdade, em virtude de sentença
proferida pela mesma Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Um indício de que as instituições brasileiras geralmente são inertes aos assuntos


relacionados às políticas de proteção aos direitos humanos foi a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal, contrária, na maioria dos votos de seus membros, à
interpretação da Lei de Anistia em conformidade à Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Por força do Pacto São José da Costa Rica, o Brasil
se viu em meio a duas decisões conflitantes entre si.

A opção eleita pelo poder Executivo foi a de prevalecer a decisão da Corte


Interamericana de Direitos em detrimento ao entendimento pacífico do Supremo
Tribunal Federal. Se o histórico de atividade e militância dos últimos dois presidentes
levaram a esse desfecho, de inclusão da comissão da verdade na agenda política,
não poderá ser possível confirmar, entretanto, o embate entre o entendimento
jurisprudencial nacional e internacional, espelhou o embate entre segurança
jurídica/soberania versus direitos humanos.

Sem ignorar as outras obrigações contidas em sentença, o país deverá, além de


fomentar a Comissão da Verdade, empreender esforços para investigação judicial
sobre as violações de direitos30, bem como possuir programa de educação
permanente e obrigatória em direitos humanos a todos os membros das Forças
Armadas em todos os níveis hierárquicos31.

30 São José da Costa Rica, sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 95.

31 São José da Costa Rica, sentença Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia vs Brasil). 24 de novembro de 2010. p 103.

19
Neste sentido, é possível compreender que a sentença proferida pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos acertou em privilegiar a preservação de direitos
humanos. Para isso a Comissão Nacional da Verdade será mais uma das etapas
para o fortalecimento e construção das bases da democracia brasileira.

Certamente o volume de documentos que serão remetidos ao Arquivo Nacional será


incontável e a sociedade terá uma experiência nunca antes experimentada na
história do país. Em níveis incalculáveis, desde a formalização de uma única versão
deste fragmento da história, antes omitido e distorcido que deverá ser ensinada nas
escolas32, até a possibilidade de persecução penal dos responsáveis, os resultados
obtidos pela Comissão Nacional da Verdade serão mais um passo em direção ao
amadurecimento social, jurídico, institucional do país.
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32 Jornal O Globo, Rio de Janeiro. 09 de novembro de 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/educacao/historias-da-ditadura-que-escola-nao-contava-10737333

20
Brasília, Comissão Nacional da Verdade. Balanço de Atividades 1 ano de Comissão
Nacional da Verdade, p.11.

Brasília, Discurso da Presidenta durante cerimônia de sanção do projeto de lei que


promulgou as leis 12.527/11 e 12.528/2011, 18 de novembro de 2011.

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