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Entre Fetichismo e Sobrevivência
Entre Fetichismo e Sobrevivência
Abstract Introdução
relação às transformações estruturais em aspec- produção acadêmica que mal altera a precarie-
tos políticos e econômicos que ocorreram nas dade da situação em saúde de muitos rincões
últimas décadas. deste mundo.
Inegavelmente, a adoção de recursos infor- Apesar de a literatura especializada ser mais
máticos e a existência da Internet viabilizaram acessível, é cada vez mais laborioso ler-se o que
uma impressionante difusão e uma concomitan- é publicado nos correspondentes âmbitos de
te ampliação das possibilidades de acesso à pro- interesse. O ideal da atualização nas respectivas
dução acadêmica. Com esses recursos, como se áreas parece ter se tornado algo cada vez mais
sabe, é cada vez mais acessível pesquisar e obter difícil de ser alcançado no dia a dia. Assim, exis-
fontes bibliográficas, utilizar bancos de informa- tem (e existirão) muitos artigos que jamais serão
ções, analisar dados e redigir artigos científicos. lidos. Este dado é difícil de ser estimado. Há,
Em geral, convive-se com a impressão de haver todavia, estimativas de que cerca de 50% dos
se tornado bem menos atribulada a produção de trabalhos em ciências sociais publicados jamais
projetos e, caso sejam obtidos financiamentos, a serão citados 5.
realização de pesquisas. Mas, esta maior dispo- Há termos críticos, até jocosos, que designam
nibilidade investigatória não ocorre sem efeitos esta ordem de questões éticas diante do fenô-
colaterais indesejados. meno de proliferação na literatura científica. Al-
Há um aumento considerável na disputa por guns mais conhecidos, como “ciência-salame”:
recursos para a pesquisa e diminuição de recur- uma pesquisa é fatiada em unidades menores
sos públicos para tanto 2. Um dos requisitos para publicáveis para se tornarem vários artigos dis-
aceder aos financiamentos é a demonstração da tribuídos em diferentes revistas 6. Outros menos
produtividade dos grupos de pesquisa, sobretu- comuns como “publicacionismo” 7 e “produtivi-
do em termos de publicação nos veículos aca- te” 8 começam a ser utilizados para designar tal
dêmicos de melhor reputação nos respectivos quadro.
campos. Assim, a competição se estende à luta Em outras palavras: um mesmo conteúdo
ferrenha entre artigos que buscam a ocupação de pode aparecer em vários artigos, após receber
espaços editoriais – o escoadouro almejado pa- pequenas mudanças cosméticas. A autocitação
ra os resultados dos esforços investigativos, mas pode constituir-se no chamado “autoplágio” 9.
também da necessidade de manutenção das es- Já há revistas que solicitam na declaração que
feras de prestígio e influência 2. se costuma fazer na entrega dos originais um
Não é despropositada a impressão de haver- item especificando não se tratar de publicação
se desencadeado um processo aparentemente redundante 10. Outro aspecto importante seria se
irreversível e, talvez, no limite, incontrolável. Is- o artigo traz algo ao conhecimento ou à discus-
so parece estar se tornando algo cada vez mais são científica, isto é, se é pertinente, relevante e
incidente nos meios acadêmicos, em geral, e “revelante” 11.
no campo da pesquisa em saúde pública em As questões éticas na pesquisa científica não
particular 3. A perspectiva aqui adotada se di- são de forma alguma negligenciáveis. Em ter-
rige à análise dos possíveis significados de um mos mais específicos, pode haver vários tipos de
fenômeno que se manifesta neste contexto de má-conduta e fraudes no meio científico, como
ampliação na pesquisa científica e da intensa o gerenciamento dos protocolos, amostragens e
contabilização numérica de artigos publicados dos dados em geral 12. Ademais, há um crescente
por investigadores em revistas científicas de re- aumento de autores por artigo, significando mais
conhecido status acadêmico para se legitima- do que o suposto aumento dos integrantes dos
rem como profissionais nos seus campos de grupos de pesquisa, mas sim a possível prática de
atuação. “escambo autoral” (meu nome no teu artigo, teu
Com a enorme ampliação do número de re- nome no meu artigo etc.) 13.
vistas e artigos, não à-toa começa-se a conviver A própria presença do plágio se torna algo
com a sensação de haver algo de desarrazoado mais praticável e difícil de ser percebido – ain-
diante desta cornucópia de artigos científicos. da que sejam “microplágios” –, viabilizados pela
Ela se dá, a um só tempo, não só em quantida- cópia de trechos de textos disponíveis na Inter-
des enormes e de forma acelerada, mas também net 14. Não parece ser incomum a prática de au-
apresentando, embutida em sua proliferação, tores, ao utilizarem uma determinada referência
uma perspectiva duvidosa quanto à avaliação da consultada e indicada no próprio artigo destes
respectiva fertilidade nos processos de constru- autores, também citarem outra(s) referência(s)
ção do conhecimento em saúde pública 4. Tal pa- presente no artigo citado como citação de seu
norama não parece se refletir proporcionalmen- próprio artigo, sem haver a consulta específica
te em melhorias correspondentes nos quadros de tal referência. Sem dúvidas, a tarefa de editar
sanitários – como se houvesse uma desmesurada revistas científicas se tornou bastante comple-
citações. Vamos denominar este último aspecto conhecimento satisfatório das diversas formas
de “bibliografia citaciogênica”, no sentido espe- como as tendências de morbidade, mortalidade
cífico e estrito os artigos capazes de geração do e estados de risco e as correspondentes possi-
maior número possível de citações. bilidades de inserção destes conhecimentos em
Um exemplo: Hackett estudou em laborató- termos de práticas que conduzam a resultados
rios de biologia molecular as questões ligadas a efetivos de mudança na situação de saúde.
ambivalências, tensões e paradoxos relativos a Conforme descreveu Coimbra Jr. 22, há que
aspectos como: (1) o estabelecimento e manu- levar em conta, no caso da saúde pública latino-
tenção de identidade do grupo e de cada pesqui- americana, elementos suficientes para conside-
sador no interior do grupo; (2) a obtenção e sus- rar que a utilização dos fatores de impacto do
tentação de poder e controle nas relações entre ISI produz um panorama parcial e deformado
pesquisadores diante do conjunto de tecnologias ao não perceber as especificidades do campo em
e práticas de pesquisa; (3) a escolha de riscos que relação aos “...impactos sobre políticas, planeja-
pesquisadores estão dispostos a assumir em sua mento de estratégias de intervenção e de progra-
atividade em relação às possibilidades de resul- mas de saúde, ou sobre a organização de serviços
tados satisfatórios para a continuidade de suas que muito extrapolam a mera quantificação de
linhas de investigação 21. Claro que a preocupa- referências/citações bibliográficas” 22 (p. 887).
ção citaciogênica está implacavelmente presente Mas, mesmo assim, as pressões publicacio-
neste panorama. nistas em termos de local de publicação e impac-
Vejamos: um pesquisador optou por uma li- to parecem ser onipresentes em todos os contex-
nha de pesquisa com teores mais altos de risco tos. No outro corolário da afirmação acima, o fato
na obtenção de resultados diante de seus inves- de ser-se muito citado não quer necessariamente
timentos – um sistema para estudar eventos re- dizer avanço do conhecimento. Entretanto isso
combinantes em células humanas. Mas houve permanece uma das formas de aferir a supos-
problemas de confounding em razão de artefatos ta importância de um artigo. Inclusive, existem
metodológicos pelo uso da reação em cadeia da recursos informáticos que permitem o acompa-
polimerase que pode provocar recombinação nhamento específico em termos de quem cita
per si. O citado pesquisador abandonou esta li- quem e onde, como por exemplo, o sistema Sco-
nha e adotou outro rumo com outro conjunto pus (http://www.info.scopus.com/).
de tecnologias de pesquisa centrada em ratos
transgênicos, combinando biologia molecular,
genética tradicional e manipulação de óvulos de IV
ratas pseudográvidas. Este tampouco se mostrou
recompensador. Tais malsucedidos processos Desde logo, um caminho imediato para pensar-
interromperam suas fontes de financiamento e se a dimensão “mercadoria” de um artigo cien-
lhe obrigaram a mudar para outra universida- tífico seria considerar que os preços pagos por
de, onde começou outra linha de pesquisa mais interessados por aqueles trabalhos cujo acesso
próxima da medicina que da biologia básica. Os não é livre somente ocorrem mediante paga-
dados do Science Citation Index evidenciam a mento às editoras dos periódicos. Até porque há
versão bibliométrica desta história – própria do vários custos embutidos na confecção editorial
espírito desta época citaciogênica: de artigos por revistas. Por outro lado, há textos
• Fase 1 (biologia básica – até dez anos depois com acesso aberto na Internet, mas uma revisão
da publicação): 7 artigos que receberam 37 ci- bibliográfica consistente não pode abrir mão de
tações; artigos com acesso por meio de pagamento. Po-
• Fase 2 (pesquisas biológicas de orientação rém, esta é uma leitura limitada para o enfoque
biomédica – quatro anos depois do início das pretendido. De qualquer forma, é preciso salien-
investigações): 5 artigos que receberam 211 ci- tar que as discussões “acesso livre versus acesso
tações 21. pago” são candentes e importantes, mas não se
De modo bastante simplificado, no campo trata de objeto deste trabalho.
da saúde pública, todas estas dimensões perten- É cabível encarar um artigo científico sob a
centes à “big science” parecem não se comportar, ótica sociológica da dinâmica das comunidades
em geral, da mesma forma. Aparentemente, não científicas – como resultado de uma linha de in-
há tantas pressões no sentido de novas descober- vestigação que ao lado de sua produção científica
tas ou da criação de produtos e tecnologias. As também gera capitais simbólicos. Dando pros-
tensões parecem assumir outros aspectos – co- seguimento a este argumento, um artigo pode
mo, por exemplo, as premências instrumentais assumir determinados traços como se fossem
das questões de saúde pública e suas defasagens mercadorias que estarão disponibilizadas em
em termos de produzir estudos que permitam o revistas científicas. Estas, por sua vez, são sele-
tivas em sua capacidade de recusar determina- Decerto seria um exagero detalhista argu-
dos itens e selecionar outros sob critérios aca- mentar que é necessária a adaptação destas
dêmicos de controle de qualidade, aplicados por idéias ao pensá-las no âmbito bibliográfico e ale-
revisores também selecionados dentre autores gar-se que não se trata exatamente de um pro-
consagrados no campo. Outrossim, também, a duto da mão humana – no sentido original de
seletividade das revistas é regida por critérios de manufatura, mas sim resultado da intervenção
oferta e procura. Por exemplo, o BMJ informa aos primordial do intelecto humano. Ainda assim, há
autores que aí querem submeter seus trabalhos um curioso dado lingüístico – no início de sua
que apenas 12% dos 6.000-7.000 artigos subme- trajetória, logo após a confecção pelos autores,
tidos anualmente são aprovados 23. o artigo científico costuma receber o nome ori-
Arranz 24 critica o espírito de “jogo” na pu- ginal de manuscrito, mesmo que na atualidade
blicação científica em função de um artigo do os textos sejam processados mediante recursos
neozelandês Tim Albert 25 traduzido do inglês informáticos.
especialmente para ser publicado pela revista Realmente, importa destacar nesta breve
espanhola Gaceta Sanitaria. Nele, há uma recei- análise do artigo como mercadoria a noção de
ta de dez passos que lembram os manuais de valor de uso perceptível – relativo à utilidade es-
auto-ajuda com conselhos para vencer no “jogo” pecífica deste “artigo” para seus consumidores/
de escrever artigos científicos. A vitória é tê-los leitores em relação à capacidade de contribuir
publicados de preferência em revistas importan- para o que se supõe ser o avanço do conheci-
tes. Há menção explícita que “se trata de uma mento dentro do respectivo campo disciplinar.
atividade de venda” e que “a tarefa é criar um E é preciso, também, levar em conta seu valor
produto [o artigo científico] e vendê-lo ao cliente de troca imperceptível, como fetiche no caso das
[o editor]” 25 (p. 355). Uma vez que este o compra trocas simbólicas – enquanto elemento capaz de
(aceita para publicação), completa-se a transa- ter agregadas certas “quantidades” de prestígio
ção e se resolve com sucesso a tarefa; logo está ou reconhecimento para seus autores. Tais com-
ganha a partida. ponentes são essenciais para mantê-lo ativo e
Nesse sentido, queremos sugerir que o jogo influente e ao grupo ao qual pertence no territó-
que se busca vencer é o “jogo” competitivo do rio de interações cooperativas e competitivas da
mercado com elementos e regras compatíveis comunidade científica em que atua.
com a competitividade reinante em várias ativi- Ainda, uma chave analítica promissora para
dades do mundo atual. Para isso, é preciso am- abordar este aspecto é aquela proposta por Ben-
pliar a discussão acerca da dimensão mercadoló- jamin 27 na noção de “valor de exposição” refe-
gica na publicização da atividade científica. rente ao estudo da obra de arte, mas que mutatis
A autoria de artigos se tornou moeda cor- mutandis cabe ser aplicada também ao artigo
rente – uma mercadoria negociável no mercado científico. Se isso vale para a análise da divulga-
acadêmico em tempos de grandes investimentos ção da obra de arte, também parece valer para
nas ciências biológicas e médicas (“big science”). as formas de comunicação próprias às comu-
Em outro contexto, o próprio Marx 26 (p. 81) in- nidades científicas, se encararmos a divulgação
dicou a dimensão do fetichismo da mercadoria científica também como uma forma implícita de
ao indicar sua característica “misteriosa”: “...ao exibição de autores e linhas de pesquisa.
encobrir as características sociais do próprio tra- Os pesquisadores precisam publicar, seja por
balho dos homens, apresentando-as, como carac- razões normativas definidas pela configuração
terísticas materiais e propriedades sociais ineren- dos necessários intercâmbios em rede que de-
tes aos produtos do trabalho: por ocultar portanto finem o avanço e o debate inerente à atividade
a relação social entre os trabalhos individuais dos científica, seja pela necessidade de mostrar-se
produtores e o trabalho total, ao refleti-la como produtivo aos olhares judiciosos daqueles que
relação social existente, à margem deles, entre os financiam pesquisas. Seguindo Agamben 28, há
produtos de seu próprio trabalho. Através dessa algo de espetacularização focal no interior das
dissimulação, os produtos do trabalho se tornam comunidades científicas, até porque consumo e
mercadorias, coisas sociais, com propriedades espetáculo se constituem em elementos essen-
perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos (...). ciais na fase extrema do capitalismo que estamos
Uma relação social definida, estabelecida entre os vivendo, e a ciência parece não ter como escapar
homens, assume a forma fantasmagórica de uma dos efeitos desse processo.
relação entre coisas. (...) É o que ocorre com os pro- A perspectiva que se está desenvolvendo po-
dutos da mão humana, no mundo das mercado- de também ser representada por intermédio de
rias. Chamo a isto de fetichismo, que está sempre analogias darwinistas. A analogia com as idéias
grudado aos produtos do trabalho, quando são evolutivas darwinianas em história das ciências
gerados como mercadorias”. e epistemologia não é original. Thomas Kuhn 29
considerava que sua idéia de evolução das idéias parte dos autores inclui aqueles que atuam como
científicas se assemelhava às teorias de Darwin “empregados” de empresas, funcionários que se
sobre a evolução de organismos. E, ainda, são dedicam a seguir a rotina de protocolos estabele-
usadas comparações biológicas diante do sur- cidos em propostas de investigação aceitas pelas
gimento ou desaparecimento nos contextos agências financiadoras e consagradas pela co-
editoriais 30. munidade científica. Eles também se dedicam às
Logo, não é absurdo pensar que o conhecido atividades burocráticas que envolvem o métier
lema “publicar ou perecer” implica algo parecido científico: fazer buscas de literatura, manter o
com as lutas territoriais para a seleção dos mais relacionamento com outras instâncias e grupos
aptos entre artigos que lutam entre si. Primeira- de pesquisa, produzir esboços de artigos, apre-
mente, para despertarem o interesse e a atenção sentar pedidos de financiamento, revisar textos
dos editores como tema relevante e importante e materiais, além de participar nos intentos de
no âmbito acadêmico; depois, serem devida- publicar os artigos do grupo 34.
mente analisados para obedecerem às deman- Por sua vez, os líderes de grupos de pesqui-
das dos revisores em busca da ansiada chancela sa, para além de sua expertise técnico-científica,
de qualidade que conduz à meta da aprovação passam a atuar cada vez mais como homens de
para a publicação. Este é um prêmio depois da negócios ao gerenciar insumos, produtos, pes-
ultrapassagem por esses controles, pois isso sig- soal, recursos humanos, equipamentos, mas, so-
nificaria a possibilidade de habitar nichos mais bretudo, devem manter ativas as fontes de finan-
valorizados deste mercado, algo que poderia ser ciamento para dar continuidade à sobrevivência
chamado de “darwinismo bibliográfico”. de seu grupo, que é uma forma de manter a sua
Há, ainda, outras recompensas a alcançar: própria existência no campo.
a luta continua com o objetivo de propagação, Uma ilustração dos interesses privados envol-
por meio da legitimação pela sua respectiva co- vidos no plano dos artigos com maior número de
munidade – as valiosas citações pelos pares. As citações na pesquisa do campo biomédico pode
citações são valorizadas a tal ponto, que exis- ser observado no meticuloso estudo sobre a aná-
tem sistemas de classificação (que pode até se lise das fontes de financiamento de tais artigos
dar em um hit parade de acesso a trabalhos es- no período 1994-2003. Os resultados mostraram
pecíficos em sites de revistas) 31,32 em rankings que dos 289 artigos investigados, o financiamen-
de artigos cujos autores foram bem sucedidos to público era o mais comum (60% dos artigos); a
nesse item. iniciativa privada era responsável por 36%. A pro-
No caso da análise dos significados dos arti- porção dos artigos mais freqüentemente citados
gos científicos, Velho 33 reforça a perspectiva de financiados pela indústria elevou-se ao longo do
artigo como mercadoria. Para ele, a cienciome- tempo e era igual à proporção daqueles financia-
tria bibliométrica propõe a atividade científica dos pelo setor público em 2001. Dos 77 ensaios
como um processo no qual certos insumos ou clínicos aleatorizados mais citados, 65 foram fi-
recursos geram determinados produtos. Medir nanciados pelo setor privado e a proporção au-
o impacto consistiria em estabelecer a relação mentou significativamente ao longo do tempo.
insumo/produto. A questão consiste em instituir Dos 32 mais citados ensaios clínicos publicados
indicadores de insumos e de produtos. É bem depois de 1999, somente 18 foram financiados
mais difícil medir os produtos, sobretudo no que pela indústria 35.
se refere aos efeitos dos conhecimentos produ- Um importante elemento neste quadro se
zidos e seus vínculos com a sociedade. Em geral, localiza no crescimento das contract research or-
esses produtos são mensurados por indicadores ganizations (CRO) – organizações não-governa-
bibliométricos que instauram nexos entre litera- mentais que se dedicam a conduzir pesquisas,
tura científica, resultados de pesquisas e reper- funcionando como “empreiteiras” contratadas
cussões internas ao campo (como a citação em pelas indústrias farmacêuticas para realizar in-
outros artigos), muitas vezes sem relação direta vestigações com menores custos e mais rapida-
(e tampouco indireta) com questões societárias e mente. Em 2000, as CRO já recebiam 60% de to-
do mundo da vida das pessoas 33. dos os recursos para pesquisa farmacêutica 36.
A imagem predominante do autor de artigos
científicos está deixando de ser a do “gênio ro-
mântico” que dedica sua inteligência e capacida- V
de de análise para propor formas de inquirir mis-
térios do mundo para benefício humano. Tam- Os pesquisadores podem ser encarados como
bém deixa de ser a de um “funileiro” que desen- agentes que adotam posturas tanto de fabri-
volve melhores formas de descrever entidades ou cantes como de consumidores de artigos que
aperfeiçoar processos já existentes. Agora, grande competem entre si para chamar a atenção em
meio a um mar de “papers”. Em ambos os casos, pela Thompson Corporation em cujos sites po-
é preciso assinalar aspectos relativos às dificul- dem-se acessar classificações de desempenho
dades na aceitação de trabalhos em revistas mais acadêmico em termos quantitativos correspon-
prestigiadas, nas quais se pressupõe a ação de dentes a nomes, revistas, instituições e países
filtros mais estreitos na seleção de artigos – algo por campo disciplinar – por tratar de pesquisa
que pode agregar mais valor ao fato de aí serem básica, infelizmente nem saúde pública, nem
publicados. epidemiologia aparecem. Por exemplo: http://
Em geral, a grande maioria destas revistas isihighlycited.com; www.sciencewatch.com; e
publica no idioma inglês e pertence a contextos http://in-cites.com/. Em todos há classificações
em que a produção científica é mais desenvol- de variados tópicos, formatos e categorias, inclu-
vida (Comunidade Européia e Estados Unidos). sive os “trabalhos mais citados”, chamados “arti-
Como existe nesses âmbitos uma valorização de gos mais quentes” (hottest papers) da temporada,
abordagens empíricas e objetos e temas perten- como se acompanhassem o comportamento no
centes aos respectivos contextos de pesquisa em terreno dos modismos transitórios no contexto
saúde, a aceitação de artigos acaba por refletir do “consumo” usual, a ponto de merecer a mes-
tais padrões. Ou seja, existem temáticas e abor- ma metáfora relativa ao respectivo êxito.
dagens que são mais capazes de gerar interesse Conforme enuncia o site http://in-cites.
e de serem, portanto, aceitas por revistas de mais com, os objetivos explícitos desses rankings é
prestígio. o de “analisar o desempenho de empresas, ins-
No nível das revistas, sob uma perspectiva si- tituições e revistas; classificar países, revistas,
milar, há uma hierarquia de supremacia. Da mes- cientistas, instituições e empresas por campo de
ma maneira, existe um ranking dos periódicos de pesquisa; identificar tendências significativas nas
acordo com o fator de impacto – que desfruta de ciências e ciências sociais; avaliar potenciais em-
uma considerável aceitação em sua capacidade pregados, colaboradores, pareceristas [reviewers]
de descrever contabilmente o panorama de auto- e colegas [peers]; determinar produtos [outputs]
res e revistas, apesar de ser encarada por muitos de pesquisa e impacto em campos específicos de
como uma medida de quantificação criticável pesquisa” 40.
em seu fetichismo numérico ao gerar pontua- Trata-se de um instrumento de análise de ca-
ções descontextualizadas, obtidas por meio de ráter eminentemente econométrico para, sobre-
citações de seus artigos 37. Além disso, é inegá- tudo, orientar e maximizar análises de custo-efe-
vel que, mesmo com todas as precauções éticas, tividade em investimentos em pesquisa de várias
pode haver um poder editorial sendo exercido ordens e tipos sob o ponto de vista de seu retorno
nas revistas mainstream ao implicitamente de- econômico. Isto fica claro na discriminação dos
fenderem interesses às vezes justificados, mas potenciais usuários dessas informações: “policy-
eventualmente nem tanto, ao se aceitarem de- makers do governo, administradores de pesquisa
terminados artigos em detrimento de outros em de universidades ou de empresas; analistas pes-
nome da “boa ciência” 38. quisadores ou especialistas em informação no go-
Em outra escala, a competitividade é mime- verno, academia, indústria, setor de publicações,
tizada no âmbito da relação entre revistas e in- serviços financeiros e fundações de pesquisa” 40.
dexadores. Há também uma competição entre Aqui, chegamos à conhecida e inevitável pergun-
revistas que buscam manter seus respectivos ta própria à crítica dos sistemas hierárquicos de
prestígios – que pode ser dimensionado por sua controle e vigilância: e quem indexa os indexa-
capacidade de receber a chancela de indexado- dores? Pelo visto, tais instâncias exercem suas
res consagrados (em geral, anglo-saxônicos, com atividades e impelem seus padrões e difundem a
destaque para o MEDLINE e o ISI), após duras presente ideologia bibliométrica aparentemente
provas (um dos requisitos é o fator de impacto) sem maiores resistências, alimentando a cornu-
para ser aceita e preencher os requisitos para cópia de produção científica.
manter tal posição.
Em editorial, os editores da revista espanhola
Gaceta Sanitaria, ainda que declarem uma eqüi- Considerações finais
distância em sua posição entre impactofobia e
impactofilia, adotam uma posição “pragmática” Os cientistas, disseram Latour & Woolgar 41 há
quanto à importância das citações. E não têm pu- quase três décadas, são como corporações, e seu
dor para pedir citações desta revista para efeitos curriculum vitae é como um relatório de balan-
de futura indexação no Science Citation Index ço empresarial. A autoria significa capacidade de
do ISI 39. dispor de créditos em termos de capital científi-
Há instâncias especializadas em produzir co que podem ser acumulados e reinvestidos a
rankings bibliométricos que são administrados fim de sustentarem o trabalho de alguém, para
Resumo Colaboradores
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