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A Filosofia de Sócrates Enquanto Ação Pedagógica
A Filosofia de Sócrates Enquanto Ação Pedagógica
ISSN 2177-6687
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Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais
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verá a seguir, Sócrates se mostrava preocupado com os valores educativos que viriam
formar os gregos e, por isso, repensou a tarefa da filosofia.
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“E abertamente pretendem fazer dinheiro em troca disso? Eu decididamente não consigo acreditar em ti.
Pois sei de um único homem, Protágoras que adquiriu mais dinheiro com sua sabedoria do que Fídias,
que tão brilhantemente produziu obras-primas, e mais outros dez escultores” (PLATÃO, 2001, 91d).
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São conhecidos alguns fatos sobre a vida de Sócrates e o fim que obteve em um
tribunal, quando foi condenado e morto, em 399 a.C., ao ingerir cicuta. Por meio de
Platão, especialmente, conhecemos os relatos de seu julgamento, os acusadores, os
motivos, a sua defesa e a missão que acreditava seguir: interrogado sobre qual seria a
sua tarefa, Sócrates afirmou estar em uma missão divina, a fim de investigar quem eram
os verdadeiros sábios (PLATÃO, 1987, 20e; 21a.ss). A princípio, não considerava
sábios aqueles que se ocupavam dos fenômenos celestes e os que se dedicavam a fazer
prevalecer a razão mais fraca, isto é, os retóricos (PLATÃO, 1987, 23d). Se Sócrates
não estava convencido de que nem um e nem outro pudessem alcançar a verdadeira
sabedoria é porque entendia que a filosofia deveria se ocupar de outra realidade, a
humana, para torná-la feliz.
Em linhas gerais, a ele é atribuído o mérito de ser desbravador de um tipo de
filosofia que não se vinculava às especulações da physis, que até então os pré-socráticos
desempenharam. A filosofia socrática foi construída em oposição aos pré-socráticos,
naturalistas que se dedicaram a compreender as causas físicas ou materiais. Xenofonte,
em suas Memoráveis, assinala que o interesse especulativo de Sócrates distanciava-se
“das leis que presidem a cada um dos fenômenos celestes” para centrar-se no estudo dos
“assuntos humanos” (XENOFONTE, 2010, I, 12). Essa posição negativa de Sócrates
em relação aos físicos parece resultar do entendimento de que não era possível
encontrar resposta para tais questões, já que “o mais conceituado desses pensadores
discute estas teorias sem conseguir harmonizá-las e comportam-se uns com os outros
como se fossem loucos” (XENOFONTE, 2010, I, 13-14).
Segundo Conford, Sócrates rejeitou a especulação sobre a natureza por dois
motivos: a considerou dogmática e inútil. Ao julgar a filosofia da natureza como
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Dessa maneira, Sócrates propõe um novo exercício filosófico, cuja finalidade era
fazer o homem repensar, a partir de sua alma ou consciência, aquilo que considerasse
virtuoso e possibilitasse uma vida feliz. Se a ignorância, em particular a de si mesmo,
era um obstáculo para a materialização desse objetivo, tratava-se, então, de conhecer-se
para corrigir-se. A vida boa e a felicidade decorriam da capacidade que o homem tinha
de examinar, por meio da razão, os princípios que orientariam a prática de vida,
especialmente na ambiência política. Sócrates, na sua atividade educadora, além do
ethos, exigia a clareza teórica e a competência para desempenhar as funções, sejam elas
quais fossem.
Mais até, com os amigos mais chegados, a sua atitude era esta: no
que de facto já estava destinado, aconselhava-os a agir do modo que
acreditassem ser o melhor; agora, tratando-se de coisas cujo resultado
fosse incerto, enviava-os a consultar os oráculos para saberem de que
modo agir. E dizia ele que os que pretendiam gerir correctamente
casas e cidades necessitavam de adivinhação, porque todos esses
saberes, o de ser carpinteiro, ferreiro, agricultor, governante de
homens, perito nestes ofícios, contabilista, administrador, estratego,
podiam - pensava ele - ser adquiridos pela inteligência humana
(XENOFONTE, 2010, I, 6-7).
Para ele, o homem comprometido com a arte investigativa não deveria se abster
de pensar em proveito dos serviços públicos. Apesar de realizar críticas às leis e
instituições que lhes pareciam contrárias ao bem do Estado, também expressava respeito
a outros regulamentos da cidade, como aqueles que o fizeram desistir da fuga, antes de
sua execução. Além disso, Sócrates mostrava-se convencido da necessidade do
adequado preparo dos magistrados, apelando aos políticos para que considerassem sua
missão comparável à do médico ou à de qualquer outro especialista (MONDOLFO,
1972, p.32-33).
Em face das crises de seu momento histórico, é provável que tivesse
compreendido que as competências dos naturalistas e as discussões retóricas dos que
considerava ambulantes do saber, não respondiam as exigências das tensões de Atenas à
mercê de sua rival, Esparta. Para Guillermo Fraile, Sócrates havia refletido sobre a ruína
de Atenas e avaliado que físicos e retóricos haviam minado, com seu ceticismo e
cosmopolitismo, a fé na religião tradicional e também o respeito às leis e às instituições
da cidade. Seu esforço era para despertar nas ruas e nas praças a consciência dos
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atenienses, a fim de que voltassem sua atenção aos problemas urgentes da cidade com o
objetivo de salvá-la (FRAILE, 1982, p.240). Para isso, era fundamental que os filósofos
assumissem uma nova conduta que rompia com o que estava estabelecido: a ciência
filosófica, como já referido, devia se voltar para o conhecimento da natureza humana e
para o seu cuidado, de tal modo que, ao salvar o homem, socorreria também a cidade.
Conhecimento e cuidado expressam, assim, o núcleo do pensamento socrático, o
corolário pelo qual a natureza da sua filosofia e, por extensão do filósofo, é definida. O
apelo socrático ao cuidado da alma para torná-la ótima resultava no estabelecimento de
um novo ideal de filósofo e de filosofia: ele era aquele a quem, se dermos razão aos
testemunhos de Xenofonte, importava examinar tudo o que constituía o agir correto, isto
é, tudo o que diz respeito ao homem, como as noções de beleza e vergonha, justiça e
injustiça, bem como as questões relativas ao governo e aos governantes (XENOFONTE,
2010, I, 16).
À filosofia, Sócrates deu uma finalidade não meramente pragmática, mas
teórica. Ele a praticou como a ciência do discernimento, isto é, uma ciência na qual as
verdades estão submissas à soberania da razão e que, por isso, pode regular o bem viver.
Essa é a tarefa a que Sócrates se impôs em relação a polis porque, ao dar crédito à
existência de deuses e à medida em que propôs o autoconhecimento, buscou, não fora,
mas dentro de si mesmo os referenciais do destino humano (SPINELLI, 2006).
Dessa maneira, a atuação de Sócrates, na vida pública ou no tribunal diante de
seus acusadores, levava-o a construir um tipo de filosofia que, por meio da habilidade
argumentativa e especulativa, colocava em relevo o conhecimento de si mesmo como
condição primeira do agir bem. Para agir corretamente, era preciso, em primeiro lugar,
desejar saber o que é o bem. Ninguém procura o mal, mas poderá fazê-lo, se ignora o
que é o bem. Assim, a autêntica ação humana deve ser iluminada pela filosofia, já que a
razão é um fator crítico que possibilita o discernimento e favorece a escolha dos bens
que nos levam ao encontro da felicidade (BARROS, 2000).
Sua filosofia levou à descoberta da essência do homem e, sobretudo, dos meios
necessários para educá-lo, a fim de que fosse bom e justo. Enquanto ciência do homem,
a filosofia era uma teoria que se destinava, principalmente, a compreender os princípios
que tornariam o homem virtuoso, o que faz dela um autêntico pensar sobre a educação.
Por ela, Sócrates pôde determinar qual seria a finalidade do homem e de como ele
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cumpriria seu ideal de vida: ao escrutinar a si mesmo e aos outros, considerou que a
vida “sem exame não é digna de um ser humano” (PLATÃO, 1987, 38a), pois o homem
se distingue dos demais pela capacidade de interrogar a própria natureza e buscar, por
meio de uma ação pedagógica, a excelência moral.
Sócrates, enfim, em um momento no qual ocorria o desmantelamento da ordem
social e política de Atenas, compreendeu que era preciso repensar os fundamentos da
ação humana. Os remédios, antes de serem aplicados à cidade, deveriam, primeiro, ser
receitados ao homem. Essa constitui a natureza do filósofo e da filosofia, porque coube
a eles, mediante o uso da razão, procurar discernir os princípios que orientariam a vida,
em nome de uma felicidade comum. Ao fazê-lo, Sócrates patenteava uma filosofia que
estava preocupada em garantir os meios para salvar o homem, educando-o.
REFERÊNCIAS
CONFORD, F.M. Antes e depois de Sócrates. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
PLATÃO. A defesa de Sócrates. 4.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987, (Os
Pensadores).
_______, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2001.
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