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CAPÍTULO 15

O MÉTODO
CIENTÍFICO

A natureza não se vence, senão quando se lhe obedece.

Os descobrimentos até agora feitos de tal modo são que quase só se apoiam nas noções vulgares. Para
que se penetre nos estratos mais profundos e distantes da natureza, é necessário que tanto as noções quanto os
axiomas sejam abstraídos das coisas por um método mais adequado e seguro, e que o trabalho do intelecto se
torne melhor e mais correio.
(Francis Bacon)

1. Introdução
Etimologicamente, método vem de pelos filósofos do século XVII. Até então a
meta, "ao longo de", e hodós, "via, caminho". filosofia se preocupara com o problema do
É a ordem que se segue na investigação da ser. mas na Idade Moderna se volta para as
verdade, no estudo feito por uma ciência, ou questões do conhecer. Daí surgem os temas
para alcançar um fim determinado. privilegiados de epistemologia, ou seja, a dis-
Sempre que nos propomos a fazer algu- cussão a respeito da crítica da ciência e do
ma coisa, como, por exemplo, uma viagem, o conhecimento.
ato mesmo de viajar é precedido de inúmeras Nessa "virada" temática, dá-se também
antecipações mentais pelas quais nos organiza- outra inversão: enquanto o filósofo antigo não
mos, a fim de que o acontecimento tenha o su- questiona a realidade do mundo, Descartes, se-
cesso esperado. Quando fazemos com frequên- guindo rigorosamente o caminho, o método por
cia a mesma coisa, desenvolvemos artifícios ele estabelecido, começa duvidando de tudo,
novos e formas que facilitam nosso trabalho. até reconhecer como indubitável o ser do pen-
Essas antecipações mentais são formas samento. É na descoberta da subjetividade que
de racionalização do agir, de modo a melhor residem as variações do novo tema. O filósofo
adequar os meios e os fins, impedindo que se- passa a se preocupar com o sujeito cognoscen-
jamos guiados apenas pelo acaso. Porém, nem te (o sujeito que conhece) mais do que com o
sempre esses processos são muito claramente objeto conhecido (ver a Terceira Parte do Ca-
percebidos, pois na vida cotidiana não para- pítulo 10 — Teoria do conhecimento).
mos para pensar a respeito deles. Vamos "pe- É tão importante a questão do método
gando o jeito" e melhorando nossa habilida- no século XVII que Descartes a coloca como
de, e só nos preocupamos em mudar quando ponto de partida do seu filosofar. A dúvida
os processos usados até então começam a se metódica é um artifício com que demole todo
mostrar inadequados. o edifício construído e pretende recomeçar
tudo de novo. O método adquire um sentido
de invenção e descoberta, e não mais uma pos-
2. O método na Idade Moderna sibilidade de demonstração organizada do que
já é sabido.
Embora o método tenha sido sempre Outros filósofos, além de Descartes,
objeto de discussão na filosofia, nunca o foi também se dedicam ao problema do método,
com a intensidade e a prioridade concedidas tais como Bacon, Locke, Hume, Spinoza.
O método filosófico passa por uma transfor- de generalização ou didática, explicamos as
mação e até hoje não cessa de desencadear as etapas do método científico, mas no processo
mais diversas polémicas. O próprio Galileu, mesmo de execução temos de reconhecer que
também no século XVII, teoriza sobre o méto- nunca ocorre tal como é descrito.
do científico, que significou uma verdadeira Comecemos pelo exemplo do procedi-
revolução: é justamente naquele momento que mento levado a efeito por Claude Bernard, mé-
a ciência rompe com a filosofia e sai em busca dico e fisiólogo francês conhecido não só por
do seu próprio caminho. suas experiências em biologia, mas também
pelas reflexões sobre o método experimental.
Claude Bernard percebeu que coelhos
3. A classificação das ciências trazidos do mercado têm a urina clara e ácida,
característica dos animais carnívoros (obser-
A experimentação e a matematização da vação). Como ele sabia que os coelhos têm a
física serviram de modelo às ciências que fo- urina turva e alcalina, por serem herbívoros,
ram se tornando autónomas, o que despertou supôs que aqueles coelhos não se alimenta-
a necessidade de classificação das ciências. vam há muito tempo e se transformaram pela
Vários filósofos se propuseram à tarefa, mas abstinência em verdadeiros carnívoros, viven-
o resultado foi uma enorme variação, o que se do do seu próprio sangue (hipótese). Fez va-
compreende pelo fato de as ciências estarem riar o regime alimentar dos coelhos, dando a
em contínua transformação e se situarem às alguns alimentação herbívora e a outros, car-
vezes em limites não muito bem definidos. nívora; repetiu a experiência com um cavalo
Embora ajudem a sistematizar e organizar, as (controle experimental). No final, enunciou
classificações são sempre provisórias e insu- que "em jejum todos os animais se alimentam
ficientes. de carne" (generalização).
Francis Bacon, no século XVII, classifi- Vamos explicar, agora, cada uma das
cou as ciências com base em três faculdades etapas do método experimental.
mentais: memória (história), razão (filosofia
e ciência) e imaginação (poesia). Observação
No século XIX, tornou-se famosa a clas-
sificação de Comte, que adotou o critério da A todo momento estamos observando;
crescente complexidade das ciências, partin- mas a observação comum é com frequência
do das mais abstraias para as mais concretas: fortuita, feita ao acaso, dirigida por propósi-
matemática, mecânica, física, química, biolo- tos aleatórios. Ao contrário, a observação
gia e sociologia. científica é rigorosa, precisa, metódica e, por-
Wundt (final do séc. XIX, começo do tanto, orientada para a explicação dos fatos.
XX) dividiu as ciências em formais (matemá- Há situações em que apenas nossos sen-
tica) e reais (ciências da natureza e ciências tidos são suficientes para a observação cientí-
do espírito). fica, mas às vezes torna-se necessário o uso
De maneira geral, sem preocupações de instrumentos (microscópio, telescópio, sis-
com as divisões clássicas, costumamos consi- mógrafo, balança, termómetro) que empres-
derar: as ciências formais (matemática e lógi- tam maior rigor à observação, como também
ca), as ciências da natureza (física, química, a tornam mais objetiva, porque quantificam o
biologia, geologia, geografia física etc.) e as que está sendo observado. E mais rigorosa a
ciências humanas (psicologia, sociologia, indicação da temperatura no termómetro do
economia, história, geografia humana, lin- que a percebida pela nossa pele.
guística etc.). Aqui já temos de considerar a primeira
dificuldade. A observação científica não é a
simples observação de fatos. Que fatos?
4. O método experimental Quando observamos, já organizamos as inú-
meras informações caoticamente recebidas e
É difícil a abordagem do tema do méto- privilegiamos alguns aspectos. Por exemplo,
do experimental, pois precisamos dizer o que duas pessoas diferentes observando a mesma
é esse método e, ao mesmo tempo, mostrar paisagem selecionam aspectos diferentes, pois
-3Je "não é bem assim"... Ou seja, por questão o olhar não é uma câmara fotográfica que tudo
registra, mas há uma intenção que dirige nos- inspirado que descobre uma nova forma de
so olhar, o que significa que o olhar tende para expressão. Muitas vezes a descoberta se faz
alguma coisa. por insight ("iluminação súbita"), cujo exem-
Quando se trata do olhar de um cientis- plo clássico é o de Arquimedes que, ao desco-
ta, este se acha impregnado por pressupostos brir a lei do empuxo, teria gritado "Eureca"
que lhe permitem ver o que o leigo não perce- (em grego, "descobri"). Nesse sentido, a hi-
be. Se olhamos uma lâmina ao microscópio, pótese pode ser entendida como um processo
quando muito percebemos cores e formas. heurístico (de descoberta).
Precisamos estar de posse de uma teoria para Mas com isso não se deve mistificar a
"aprender a ver". formulação da hipótese apresentando-a como
Em outras palavras, ao fazer a coleta de algo misterioso, pois, mesmo em casos em que
dados, o cientista seleciona os mais relevan- houve nitidamente a intuição adivinhadora, ela
tes para o encaminhamento da solução do pro- foi precedida e preparada por longa elaboração
blema. O critério para a seleção dos fatos ob- racional, da qual a descoberta foi apenas o mo-
viamente já orienta a observação. mento culminante. É o próprio Newton quem
Há um vício decorrente da posição diz: "Se minhas pesquisas produziram alguns
empirista, baseado na crença de que a ciência resultados úteis, eles não são devidos senão ao
parte do sensível, da observação dos fatos. trabalho, a um pensamento paciente... Eu tinha
Ora, pelo que consideramos anteriormente, os o objeto de minha pesquisa constantemente
fatos não são o dado primeiro. Como dizem diante de mim e esperava que os primeiros cla-
os franceses, lês faits sont fait (os fatos são rões começassem a aparecer, lentamente, pou-
feitos), os fatos são o resultado da nossa ob- co a pouco, até que eles se transformavam em
servação interpretativa. uma claridade plena e total".
Além disso, não é sempre que os dados Há vários tipos de raciocínio usados
aí estão, bastando que os identifiquemos. Por pelo cientista ao formular a hipótese:
exemplo, em 1643, ao limpar os poços de
• a indução — na experiência da queda
água de Florença, verificou-se que a água não
dos corpos, Galileu supõe que todos os cor-
subia a mais de 18 braças, ou seja, 10,33 m.
pos caem ao mesmo tempo, independente-
Torricelli, chamado para elucidar o problema,
mente do peso: trata-se da generalização de
explicou-o pela existência da pressão atmos-
casos diferentes e particulares.
férica. Esse fato, isto é, a pressão, não "salta-
• o raciocínio hipotético-dedutivo —
va à vista" das pessoas que observavam per-
plexas o fenómeno. Ele quase teve de "ser in- quando é formulada uma hipótese e verifica-
ventado" pelo génio de Torricelli... se as consequências que são tiradas dela; por
exemplo, uma das consequências da hipótese
da teoria da relatividade de Einstein era o des-
vio da luz por um campo gravitacional; isso
Hipótese pôde ser verificado em 1905, por ocasião de
um eclipse.
Hipótese vem de hypó, "debaixo de", • a analogia — quando são estabeleci-
"sob", e thésis, "proposição". Hipótese é o que das relações de semelhança entre fenómenos;
está sob a tese, o que está posto por baixo, o por exemplo, o modelo atómico de Bohr é fei-
que está suposto. A hipótese é a explicação to em analogia ao modelo do sistema solar.
provisória dos fenómenos observados. É a in-
terpretação antecipada que deverá ser ou não A hipótese, para ser científica, deve ser
confirmada. Diante da interrogação sugerida passível de verificação.
pelos fatos, a hipótese propõe uma solução. O astrónomo Lê Verrier, observando o
Portanto, o papel da hipótese é reorganizar os percurso de Urano, percebeu uma anomalia
fatos de acordo com uma ordem e tentar que só poderia ser explicada se houvesse a hi-
explicá-los provisoriamente. pótese da existência de um outro planeta ain-
E qual é afonte da hipótese! A formula- da desconhecido. Com base nas leis de
ção da hipótese não resulta de procedimentos Newton, Lê Verrier calculou não só a massa
mecânicos, mas é a expressão de uma lógica como a distância do suposto planeta, o que
da invenção. Nesta etapa do método científi- permitiu a outro astrónomo, chamado Gall,
co, o cientista pode ser comparado ao artista descobrir a existência de Netuno.
No caso da astronomia, basta realizar valiosa, na medida em que unifica e torna in-
nova observação orientada pela hipótese. Mas teligível um grande número de dados.
em outras ciências a verificação é um pouco No entanto, quando a experimentação
mais complexa e deve ser feita por meio de não confirma a hipótese, o trabalho do cien-
experimentação. tista deve ser recomeçado, na busca de outra
hipótese.

Experimentação
Generalização
Enquanto a observação é o estudo dos
fenómenos tais como se apresentam natural- Aristóíeles já dizia que não existe ciên-
mente, a experimentação é o estudo dos fenó- cia senão do geral. As análises dos fenóme-
menos em condições que foram determinadas nos nos levam à formulação de leis, que são
pelo experimentador. Trata-se de observação enunciados que descrevem regularidades ou
provocada para fim de controle da hipótese. normas.
Segundo Cuvier, zoólogo do século XIX, en- Se na fase da experimentação analisa-
quanto "o observador escuta a natureza, o mos as variações dos fenómenos, na generali-
experimentador a interroga e a força a se des- zação estabelecemos relações constantes, o
vendar". que nos permite enunciar, por exemplo: sem-
Já nos referimos à experimentação feita pre que a temperatura de um gás aumentar,
por Claude Bernard com os coelhos. Outro mantida a mesma pressão, o seu volume au-
exemplo clássico de controle experimental foi mentará.
o desenvolvido por Pasteur ao testar a hipóte- Podemos dizer que foi descoberta a re-
se da imunização de um animal vacinado com lação constante e necessária entre os fenóme-
bactérias enfraquecidas de carbúnculo. Sepa- nos', necessária porque, se aumentarmos a
rou sessenta ovelhas da seguinte maneira: em temperatura do gás o seu volume aumentará,
dez não aplicou nenhum tratamento; vacinou e não poderá deixar de aumentar. Não se trata
25 inoculando após alguns dias uma cultura de uma contingência (algo que pode ou não
contaminada pelo bacilo do carbúnculo; não ocorrer), mas de um determinismo. Segundo
vacinou as 25 restantes, em que também ino- Cuvillier, "o determinismo é um princípio da
culara a cultura contaminada. Depois de al- ciência experimental segundo o qual existem
gum tempo, Pasteur verificou que as 25 ove- relações necessárias (leis) entre os fenómenos,
lhas não vacinadas morreram, as 25 vacina- de tal sorte que todo fenómeno é rigorosamen-
das sobreviveram e, comparando-as com as te condicionado pelos que o precedem ou
dez que não tinham sido submetidas a trata- acompanham".1
mento, verificou que aquelas não sofreram al- As leis podem ser de dois tipos: as ge-
teração de saúde. neralizações empíricas e as leis teóricas.
A importância da experimentação é que
ela proporciona condições privilegiadas de Generalizações empíricas
observação: podem-se repetir os fenómenos;
variar as condições de experiência; tornar As generalizações empíricas (ou leis
mais lentos os fenómenos muito rápidos particulares) são inferidas da observação de
(o plano inclinado de Galileu para estudar a alguns casos particulares. Por exemplo, "o ca-
queda dos corpos); simplificar os fenómenos lor dilata os corpos", "os mamíferos produ-
(manter constante a pressão dos gases para zem a sua própria vitamina E", "o fígado tem
estudar a variação de volume). função glicogênica" ou, ainda, a lei da queda
Nem sempre a experimentação é sim- dos corpos, a lei dos gases etc.
ples ou viável. E impossível observar a evolu- Mas nem sempre é possível atingir uma
ção darwiniana, que se processa durante mui- regularidade rigorosa. Daí existirem leis esta-
tas gerações; mesmo assim é uma hipótese tísticas baseadas em probabilidades.

1
A.-J. Cuvillier, Pequeno vocabulário da língua filosófica.
Leis teóricas lo XIX, desenvolve a teoria ondulatória. Qual
teoria é a verdadeira? Com esta pergunta, colo-
As leis teóricas ou teorias propriamente camos mal o problema. A teoria corpuscular
ditas são leis mais gerais e abrangentes que explica fenómenos como a refração e a refle-
reúnem as diversas leis particulares sob uma xão da luz, enquanto a teoria ondulatória expli-
perspectiva mais ampla. A primeira grande ca fenómenos de interferência de ondas.
teoria de que se tem notícia na moderna ciên- Outro exemplo: a teoria da relatividade
cia é a da gravitação universal de Newton, que de Einstein teria superado a teoria newtoniana É
engloba as leis planetárias de Kepler e a lei da da gravitação universal? Ora, Einstein não só "
queda dos corpos de Galileu. A importância parte de pressupostos diferentes daqueles uti-
da teoria já se nota nesse exemplo, pois lizados por Newton, como também chega a
Newton reúne leis referentes a domínios dis- conclusões diferentes. Isso não significa que
tintos numa só explicação. Daí o caráter coor- a teoria newtoniana tenha se tornado ultrapas-
denador da teoria. sada, mas sim que é preciso reconhecer os li-
Além disso, a teoria da gravitação uni- mites dela, já que a sua aplicação se acha res-
versal permite calcular a massa do Sol e dos trita a determinado setor da realidade. Ou seja,
planetas, explicar as marés etc., o que mostra quando se trata do microcosmo (interior do
o seu poder heurístico (de descoberta). Por- átomo) ou do macrocosmo (universo), a teo-
tanto, a teoria não só coordena o saber adqui- ria newtoniana se mostra insuficiente, haven-
rido, articulando leis isoladas, mas é fecunda, do necessidade de se recorrer à teoria da rela-
possibilitando novas investigações. tividade.
Outro exemplo é o da teoria cinética dos
gases: "A finalidade dessa teoria é explicar o
comportamento dos gases sob várias condi- 5. O conceito de modelo
ções. Antes de a teoria ser formulada, várias
generalizações sobre o comportamento dos O que observamos no sucessivo alternar
gases já tinham sido propostas e confirmadas. de teorias que se completam ou se desmen-
Viu-se então que essas generalizações pode- tem, ou que são ultrapassadas, é que a ciência
riam ser logicamente relacionadas e que as re- não é um conhecimento "certo", "infalível",
gularidades nelas expressas eram passíveis de nem as teorias são o "reflexo" do real.
explicação, caso se admitisse que um gás é Na controvérsia entre os filósofos da
realmente um aglomerado de partículas mi- ciência, a teoria científica aparece como cons-
núsculas e colidentes, deslocando-se a altas trução da razão, como hipótese de trabalho,
velocidades em linhas retas. Com base nestes como função pragmática que torna possível a
pressupostos, somados às leis do movimento previsão e a ação, como descrição de relações
de Newton, foram deduzidas certas generali- entre elementos sem referência ao conteúdo
zações conhecidas acerca do comportamento dos fenómenos. Interessa-nos aqui mostrar
dos gases, incluindo as leis de Boyle e de que a discussão dos fundamentos da ciência é
Charles, que descrevem como os gases rea- atual e que esta se faz por meio de um longo
gem a várias temperaturas e pressões. Mas os processo que não é linear, mas cheio de con-
cientistas fizeram também diversas deduções tradições.
sobre algumas propriedades até então insus- O conceito de modelo também não é cla-
peitadas dos gases, como viscosidade, difusão ramente estabelecido. Modelo pode ser uma
e condução de calor. Portanto, como todas as maquete, um esboço, ou até uma teoria. Às
boas teorias, a teoria cinética não só organi- vezes faz-se distinção entre modelo e teoria,
zou e explicou um certo número de leis co- mostrando como a teoria pode ter diversos
nhecidas mas também produziu novas gene- modelos ou pode "modelar-se" de várias ma-
ralizações testáveis".2 neiras. Assim, tanto podemos considerar o
Consideremos ainda um outro exemplo: modelo mecânico de Newton, como o modelo
o da teoria da luz. Newton admite a emissão de Ptolomeu, o modelo da seleção natural de
corpuscular da luz, enquanto Fresnel, no sécu- Darwin ou o modelo atómico.

G. F. Kneller, A ciência como atividade humana, p. 136.


Um modelo apresentado inicialmente gredos da natureza. A confiança baseia-se na
como algo hipotético — o coração é uma bom- profunda crença na ordem e racionalidade do
ba, diz o anatomista Harvey — pode ajudar a mundo.
compreender o funcionamento do coração. O método científico se aperfeiçoa, se
Mas, afinal, o que é modelo? Segundo o universaliza e serve de modelo e inspiração a
professor norte-americano Kneller, o conceito todas as outras ciências particulares que vão
de modelo é um dos mais sobrecarregados de se destacando do corpo da "filosofia natural".
toda a ciência. E apresenta uma classificação: É interessante notar que a ligação inicial entre
"Um modelo representacional é uma filosofia e ciência persistiu por muito tempo
representação física tridimensional de algo, na nomenclatura dos cientistas. Não raro se
como um modelo de museu do sistema solar, encontravam livros com o título "filosofia na-
um modelo de engenharia de uma represa ou tural" para se referir à física. Até hoje há re-
de um avião, ou um modelo de bolas colori- miniscências na classificação das "Faculdades
das da estrutura de uma molécula. Uma va- de Filosofia", onde se estuda não só a própria
riante é o modelo análogo, o qual representa filosofia, mas também matemática, física,
um objeto sem produzir as suas propriedades, química etc. Além disso, a graduação do
como no caso de um circuito elétrico usado aluno que faz tese de doutoramento em qual-
como modelo de um sistema acústico. quer área é conhecida como PhD, ou seja,
"Um modelo teórico é um conjunto de Philosophiae Doctor.
pressupostos sobre um objeto ou um sistema. Vejamos o desenrolar de algumas das
(Um sistema, ao contrário de uma partícula, é ciências particulares.
um objeto com partes componentes.) São
exemplos o modelo de bola de bilhar (partícu- A síntese newtoniana
la esférica) de um gás (proposto originalmen-
te pelo físico escocês John James Waterston, Os resultados obtidos por Galileu na fí-
um exímio jogador de bilhar!), o modelo sica e na astronomia, bem como as leis das
corpuscular da luz (segundo o qual a luz con- órbitas celestes de Kepler e os dados acumu-
siste em partículas em movimento) e o mode- lados por Tycho-Brahe possibilitaram a
lo helicoidal da molécula de DNA de Watson- Newton (1642-1727) a elaboração do primei-
Crick. Um modelo teórico pode expressar-se ro exemplo de teoria científica encontrado na
na forma de equações matemáticas, mas deve ciência moderna: a teoria da gravitação uni-
ser distinguido de quaisquer diagramas, dese- versal. As leis formuladas anteriormente refe-
nhos ou construções físicas usadas para ilustrá- riam-se apenas a aspectos particulares dos fe-
lo. Assim, o modelo teórico de Watson-Crick é nómenos considerados. O sistema newtoniano
distinto dos modelos representacionais que os cobre a totalidade de um certo setor da reali-
dois cientistas construíram no decurso da reali- dade e, portanto, realiza a maior síntese cien-
zação do primeiro. Um modelo teórico atribui tífica sobre a natureza do mundo físico.
ao objeto ou sistema que descreve uma estrutu- Segundo o professor Maurício Rocha e
ra ou mecanismo interno que é responsável por Silva, "em determinado momento de suas
certas propriedades desse objeto ou sistema. elucubrações juvenis, Newton teve subita-
Por exemplo, o modelo corpuscular da luz atri- mente a ideia de uma força de atração de to-
bui uma estrutura particulada à luz a fim de ex- dos os corpos no universo, e o seu génio foi
plicar propriedades tais como a reflexão e a re- capaz de deduzir dessa simples possibilidade
fração da luz."3 as leis da gravitação universal, segundo as
quais a força de atração é proporcional às
massas e inversamente proporcional ao qua-
6. As ciências após o século XVII drado das distâncias. Com essa formulação
básica e os postulados da inércia, pôde deri-
A descoberta do método científico no var um novo sistema do universo que encer-
século XVII aumentou a confiança do homem rou, para o mundo científico, a antiga contro-
na possibilidade de a ciência conhecer os se- vérsia de saber se o sistema de Copérnico era

3
G. F. Kneller, A ciência como atividade humana, p. 139.
melhor ou mais verdadeiro do que o de Ptolo- tornando a química uma ciência de medidas
meu, se Aristóteles tinha mais razão do que precisas. Serviu-se do termómetro e do baró-
Galileu ou se a condenação deste último foi metro, aperfeiçoou vários tipos de balança de
justa ou injusta. As leis do universo podiam precisão, e foi a constância dos pesos que lhe
ser deduzidas de um punhado de axiomas ou possibilitou a intuição genial: "Na natureza
postulados de maneira análoga à geometria de nada se cria, nada se perde, tudo se transfor-
Euclides ou à estática de Arquimedes".4 ma" (princípio da conservação da massa).
Pela análise das substâncias, descobriu tam-
A química bém que era falsa a teoria clássica dos quatro
elementos. Com Laplace estudou o calor e in-
Vimos no Capítulo 13 (A ciência medie- ventou o calorímetro. Deu o golpe de morte
val) que os alquimistas reuniram uma quanti- na teoria do flogístico, fluido imaginado pe-
dade muito grande de observações sobre a na- los químicos para explicar o fenómeno da
tureza química dos corpos. Mas a alquimia combustão, revelando de maneira científica e
não se transformou propriamente em ciência. racional as propriedades do oxigénio nesse
Usava-se uma linguagem obscura, cheia de processo.
metáforas e alegorias, compreensível apenas Outros como Dalton, Gay-Lussac e
para os "iniciados" e adeptos. Berzelius completaram o trabalho iniciado por
No século XVII, Boyle deu o primeiro Lavoisier.
exemplo do ideal moderno de química, basea-
do na nova concepção da natureza e das leis A biologia
naturais. Mas foi apenas no século XVIII que
a química se tornou ciência no sentido moder- As ciências biológicas e a medicina de-
no da palavra. senvolveram-se no século XIX. O feito mais
Lavoisier, experimentador rigoroso, to- notável da biologia foi o estabelecimento e a
mou "emprestada" a metodologia da física, comprovação da teoria da evolução orgâni-

O recurso ao método experimental e às medidas rigorosas transforma a química numa ciência. Lavoisier,
em seu laboratório, realiza uma experiência sobre respiração.

~ M Rocha e Silva. A evolução do pensamento científico, p. 98.


ca. O primeiro a desenvolver uma hipótese nas ciências da natureza (tendência natura-
sistemática foi Lamarck, cuja teoria foi supe- lista); ora porque elas procuram o próprio
rada por Darwin com uma hipótese mais cien- método, distinto de tudo o que já tinha sido
tífica, publicada em 1839 na famosa obra A visto até então, tendo em vista a especifici-
origem das espécies, na qual considera a va- dade do seu objeto (tendência humanista).
riação e a seleção natural os fatores principais A primeira ciência humana a se desen-
na origem de novas espécies. A teoria de volver foi a economia, que até o século XVII
Darwin refere-se não só aos animais, mas tinha sido, com a teoria mercantilista, uma
também ao homem. Na sua obra seguinte, ten- simples constatação da existência de certas
ta mostrar que a raça humana descende origi- relações de troca entre indivíduos e países.
nalmente de algum ancestral simiesco há mui- No século XVIII, Adam Smith (1723-
to extinto, provavelmente antepassado tam- 1790) foi o primeiro a explicar o funciona-
bém dos antropóides existentes. mento de um sistema económico em termos
A hipótese darwiniana foi elaborada e matemáticos, embora com muitos conceitos
melhorada por diversos biólogos que o su- ainda obscuros. Outro teórico da economia
cederam, como De Vries, que concebe a foi David Ricardo (1772-1823). Malthus
evolução como sendo processada por saltos (1766-1834) introduziu a dinâmica do cres-
repentinos (mutações). As descobertas de De cimento da população na análise económica.
Vries basearam-se nas leis da hereditarieda- Defendendo a lei de que "a população cresce
de descobertas anteriormente por Mendel em progressão geométrica, enquanto a pro-
(genética). dução de alimentos cresce em progressão
Em 1865, num memorável ataque à teo- aritmética", Malthus mostrou que o equilí-
ria da geração espontânea, Pasteur lançou as brio económico não é atingido facilmente
bases da ciência da bacteriologia, cujas con- como queria o otimismo do sistema de mer-
sequências foram fecundas para o progresso cados, mas exigia restrições violentas da po-
da medicina, devido à descoberta de que as pulação, das quais se encarregava a própria
moléstias são produzidas por germes. natureza humana, por meio de guerras, pes-
Foi Claude Bernard que, na metade do tes etc. Com Karl Marx (1818-1883) a eco-
século XIX, fez da fisiologia uma ciência po- nomia se torna rigorosa pela precisão intro-
sitiva, tendo por modelo o método experimen- duzida em seus conceitos e por considerar
tal da física e da química. a explicação científica do conjunto dos fatos
Em resumo, a moderna biologia quis humanos e não apenas dos fenómenos eco-
calcar seus princípios e métodos naqueles que nómicos.
deram resultado nas ciências da matéria iner- Outra ciência humana que surgiu no
te. Assim é que o uso da linguagem matemáti- século XIX foi a sociologia, iniciada por
ca e sobretudo a compreensão do determinis- Augusto Comte (1798-1857), que designa,
mo físico-químico foram importantes para o por essa palavra, uma ciência positiva: a
desenvolvimento das ciências biológicas. ciência dos fatos sociais, isto é, das institui-
ções, dos costumes, das crenças coletivas.
As ciências humanas Durkheim (1858-1917) quis fazer da socio-
logia uma disciplina objetiva, colocando
No século XIX o desenvolvimento das como regra fundamental do método socioló-
ciências da natureza atinge a discussão dos gico a consideração dos fatos sociais como
fatos humanos, com a exigência de que tam- coisas. Devido às dificuldades da experimen-
bém as ciências humanas se tornassem autó- tação, utiliza-se amplamente do método es-
nomas, desligadas do pensamento filosófico. tatístico. Max Weber (1864-1920), mesmo
Veremos no Capítulo 16 (As ciências sem eliminar o estudo das causas e o rigor na
humanas) como a procura do estatuto episte- coleta dos dados e no tratamento dos fatos,
mológico das ciências humanas não se faz enfatiza a necessidade de se usar o método
sem dificuldade. Ora porque lhes é negado o da "compreensão", em oposição ao critério
caráter de cientificidade, isto é, não são con- da "explicação", típico das ciências da natu-
sideradas ciências (é nisto que consiste o reza. Também na sociologia foi importante a
chamado veto positivista)', ora porque só são contribuição de Marx, com a análise do
considerados científicos os métodos calcados modo de produção.
Outras ciências humanas como a etno- quência, seria preciso repensar a "verdade" na
logia, a geografia, a história também coloca- matemática, que dependia do sistema de axio-
ram em questão o seu método. Quanto à psi- mas inicialmente colocados e a partir do qual
cologia, faremos uma abordagem mais ampla poderiam ser construídas geometrias igual-
no Capítulo 16. mente coerentes e rigorosas.
Esses esquemas operacionais diferentes
podem se revelar de grande fecundidade: a
teoria da relatividade generalizada de Einstein
7. A crise da ciência no final do não se explica pela geometria euclidiana, mas
século XIX se traduz muito bem na proposta de Riemann.
É fácil imaginar o impacto das novas desco-
Até o século XIX o desenvolvimento da bertas para o homem, cujo universo de per-
ciência tinha sido tão grande que o homem cepção imediata é euclidiano...
estava convencido da excelência do método
científico para conhecer a realidade. Filoso-
fias como o positivismo de Comte e o evolu- A física não-newtoniana
cionismo de Spencer traduziam o otimismo
generalizado que exaltava a capacidade de Como dissemos, até o século XIX, em
transformação humana em direção a um mun- pleno cientificismo, o homem estava ciente da
do melhor. A educação, antes baseada exclu- sua capacidade de conhecer o mundo pela
sivamente na cultura humanística, é reformu- ciência, cujas teorias pareciam adequar-se
lada visando a inclusão dos estudos científi- perfeitamente à realidade percebida pelos sen-
cos no currículo escolar, a fim de atender a tidos. A física newtoniana era considerada a
demanda de técnicos e cientistas decorrente imagem absolutamente verdadeira do mundo,
do avanço da tecnologia. tendo como pressupostos o mecanicismo e o
No entanto, ainda no século XIX e no determinismo. Se pudéssemos conhecer as
início do século XX, algumas descobertas gol- posições e os impulsos das partículas mate-
pearam rudemente as concepções clássicas, riais num dado momento, poderíamos, segundo
originando o que se pode chamar de crise da a hipótese de Laplace, deduzir pelo cálculo
ciência moderna. São elas as geometrias não- toda evolução posterior do mundo.
euclidianas e a física não-newtoniana. Veja- Na década de 1920, no entanto, desco-
mos de que se trata. bertas de De Broglie no campo da física
quântica, considerando o elétron um sistema
ondulatório, permitiram a Heisenberg a for-
As geometrias não-euclidianas mulação do princípio da incerteza. Segundo
esse princípio, é impossível determinar simul-
Os postulados da geometria plana que taneamente e com igual precisão a localiza-
conhecemos foram estabelecidos por Euclides ção e a velocidade de um elétron.
no século III a.C. Dentre os postulados O aparecimento desse "irracionalismo"
euclidianos, o quinto enuncia que "por um na ciência foi um duro golpe na exaltação
ponto do plano pode-se traçar uma e só uma positivista do século XIX.
paralela a uma reta do plano". Ora, em 1826 o
matemático russo Lobatchevski construiu um
modelo de geometria que partia de outro
enunciado segundo o qual "por um ponto do
8. As novas orientações na
plano pode-se traçar duas paralelas a uma reta epistemologia contemporânea
do plano". Em 1854, o matemático alemão
Riemann usou um modelo em que "por um Não só esses fatos desencadearam uma
ponto do plano não se pode traçar nenhuma crise na ciência. Outros pensadores já tinham
paralela a uma reta do plano". posto em dúvida os métodos das ciências da
Os novos modelos não anulavam a geo- natureza: Duhem (1861-1916), Poincaré
metria euclidiana, mas faziam desmoronar o (1853-1912), Mach (1838-1916).
critério de evidência em que os postulados Poincaré, afirmando que "as teorias não
euclidianos pareciam repousar. Como conse- são nem verdadeiras, nem falsas, mas úteis",
quer mostrar que a crença na infalibilidade da às explicações de seus idealizadores e não dão
ciência é uma ilusão. condições de refutabilidade.
O que ocorre no início do século é uma
necessidade de reavaliação do conceito de
ciência, dos critérios de certeza, da relação en-
tre ciência e realidade, da validade dos mode- A posição de Kuhn
los científicos.
Thomas Kuhn (1922) se contrapôs à teo-
ria de Popper, negando que o desenvolvimento
da ciência tenha sido levado a efeito pelo ideal
O Círculo de Viena da refutação. Ao contrário, a ciência progride
pela tradição intelectual representada pelo
Surgido com a intenção de investigar até paradigma, que é a visão de mundo expressa
que ponto as teorias, através da análise da sua numa teoria. Nas fases chamadas "normais" da
estrutura lógica, têm probabilidade de ser ver- ciência, o paradigma (por exemplo, o newto-
dadeiras, e formado em 1928 por Carnap, niano) serve para auxiliar os cientistas na reso-
Schlick, Hahn e Neurath, o Círculo de Viena lução dos seus problemas, e o progresso se faz
sofreu influência de Wittgenstein e da lógica por acumulação de descobertas.
matemática de Russell e Whitehead. Esses au- Mas há situações privilegiadas, de cri-
tores representam a tendência neopositivista, ses, quando o paradigma já não resolve uma
ou do empirismo lógico. série de anomalias acumuladas. Revoluções
Nas suas teorias a experiência e a lin- desse tipo foram operadas por Copérnico,
guagem se completam: a experiência é trans- Newton, Darwin, Einstein e Heisenberg.
crita em forma de proposições, que são verda-
deiras enquanto exprimíveis. E as proposições
"têm sentido" enquanto mensuráveis (tudo o Feyerabend: contra o método
que não é mensurável não tem sentido).
Refletindo a influência positivista, os Se Popper afirmou que a ciência é ra-
lógicos do Círculo de Viena têm a convicção cional, na medida em que critica as suas teo-
de que a lógica, a matemática e as ciências rias (ideal de refutabilidade), e Kuhn argumen-
empíricas esgotam o domínio do conheci- tou que uma teoria, como paradigma, deve na
mento possível. O princípio de verificabilida- maior parte do tempo ser desenvolvida em
de, identificando significado e condições em- vez de criticada, outros, como Lakatos e
píricas de verdade, excluiu a filosofia do do- Feyerabend, tentam harmonizar esses pontos
mínio do conhecimento do real. de vista.
Feyerabend (1924) cedo abandonou o
empirismo, classificando-se como anarquista
epistemológico. Critica as posições positivis-
A reação de Popper tas ao considerar que as metodologias norma-
tivas não são instrumentos de descoberta e
Karl R. Popper (1902-1994) sofreu ini- defende o pluralismo metodológico. A famo-
cialmente a influência de Carnap e do Círculo sa afirmação de que "o único princípio que
de Viena, mas teceu diversas críticas a eles. não inibe o progresso é: tudo vale" aparece
Para Popper, o cientista deve estar mais preo- num livro cujo título sugestivo indica sua po-
cupado não com a explicação e justificação da sição: Contra o método.
sua teoria, mas com o levantamento de pos- Feyerabend quer dizer que não existe
síveis teorias que a refutem. Ou seja, o que norma de pesquisa que não tenha sido violada,
garante a verdade do discurso científico é a e é mesmo preciso que o cientista faça aquilo
condição de refutabilidade. Quando a teoria que lhe agrada mais. E que deve tornar persua-
resiste à refutação, ela é corroborada, ou seja, siva a teoria por recursos retóricos através da
confirmada. Somente a corroboração nos diz propaganda, a fim de melhor convencer a co-
qual de nossas teorias descreve o mundo real. munidade científica. Ele acha que foi exata-
Por isso Popper critica a psicanálise e o mar- mente isto que Galileu fez para convencer a to-
xismo, cujos universos teóricos se restringem dos acerca da hipótese do movimento relativo.
Exercícios
1. Qual é a importância do método (filosófico 'Há apenas fatos', eu digo: 'Ao contrário, fato é o
e científico) no século XVII? que não há; há apenas interpretações'".

2. "Na física, com efeito, não se pode deixar 9. Distinga as diversas etapas do método ex-
à porta do laboratório a teoria que se quer testar,
perimental no exemplo: Claude Bernard descobriu
pois sem ela nem mesmo é possível regular um ins- que o sangue de todos os animais contém açúcar,
trumento ou interpretar uma leitura; ao espírito do mesmo que não o tenham ingerido (o que contra-
físico que experimenta, dois aparelhos estão cons-
riava uma ideia comum na época, de que o açúcar
tantemente presentes: um é o aparelho concreto, em existente nos animais provém exclusivamente dos
vidro e metal, por ele manipulado; outro é o apare- alimentos). Claude Bernard supôs que deveria ha-
lho esquemático e abstraio que a teoria coloca em
ver um órgão capaz de armazená-lo sob uma forma
lugar do aparelho concreto, e sobre o qual o físico particular e restituí-lo quando necessário (esta hi-
raciocina; essas duas ideias estão indissoluvelmen- pótese foi sugerida por analogia com o mundo ve-
te ligadas em sua inteligência; cada uma necessa-
getal: uma planta transforma a glicose em amido,
riamente chama a outra." (Duhem)
que é armazenado). Foi dosando a taxa de glicose
A partir da citação, explique por que na ciên- ao longo de todo o percurso do sangue, partindo do
cia não há "fato bruto". intestino, que Claude Bernard descobriu o órgão
regulador, cuja existência supusera: o fígado. Mas
3. O que é uma hipótese científica? Qual é o durante a dosagem de açúcar em fígados de ani-
seu papel? Quais são suas fontes? mais, certa vez, demorando-se para fazer a segun-
da dosagem, verificou maior quantidade de açúcar
4. Relacione o trabalho do cientista quando e concluiu que "o tecido do fígado vai se enrique-
cria uma hipótese ao trabalho do artista. cendo com açúcar continuamente, durante certo
tempo após a morte". Reiniciou as experiências
5. "Os eruditos são eunucos do saber." com fígado lavado e pôde demonstrar que o fígado
(Nietzsche) Relacione essa frase com a natureza da reserva a glicose sob a forma de glicogênio. (Adap-
hipótese científica. tado de Huisman e Vergez)

6. Quais são as vantagens da experimentação?


10. Leia o texto complementar, de Popper, e
atenda o solicitado:
7. Qual foi a primeira grande teoria? Quais
são as funções da teoria? a) Indique no texto a passagem que identifica o
conceito popperiano de refutabilidade. E explique.
8. Comente a afirmação de Nietzsche: "Con- b) Por que não se pode dizer que a ciência é
tra o positivismo, que perante os fenómenos diz: um conhecimento certo e definitivo?

Texto complementar
[O conhecimento científico]
A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, nem um sistema que
avança constantemente em direção a um estado final. Nossa ciência não é conhecimento (episteme):
ela nunca pode pretender haver atingido a verdade, ou mesmo um substituto para ela, tal como a
probabilidade.
Entretanto, a ciência tem mais que um simples valor de sobrevivência biológica. Ela não é
apenas um instrumento útil. Embora não possa atingir a verdade nem a probabilidade, o esforço pele
conhecimento e a procura da verdade ainda são os motivos mais fortes da descoberta científica.
Não sabemos: podemos apenas conjecturar. E nossas conjecturas são guiadas pela fé não-
científica, metafísica (embora explicável biologicamente), nas leis ou regularidades que podemos
desvendar—descobrir. (...)
Todavia, testes sistemáticos controlam cuidadosa e seriamente essas nossas conjectoras
ou "antecipações" maravilhosamente imaginativas e audazes. Uma vez propostas, não susten-
tamos dogmaticamente nenhuma de nossas "antecipações". Nosso método de pesquisa não con-
siste em defendê-las para provar que estávamos certos. Pelo contrário, tentamos contestá-las. Em-
pregando todas as armas de nosso arsenal lógico, matemático e técnico, tentamos provar que nossas
antecipações eram falsas — com o fim de propor, em seu lugar, novas antecipações injustificadas
e injustificáveis, novos "preconceitos precipitados e prematuros", como Bacon pejorativamente
as chamou. (...)
Mesmo o teste cuidadoso e sério de nossas ideias pela experiência inspira-se, por sua vez, em
ideias: a experimentação é uma ação planejada na qual a teoria guia todos os passos. Não topamos
com nossas experiências, nem deixamos que elas nos inundem como um rio. Pelo contrário, temos
de ser ativos: devemos fazer nossas experiências. Somos sempre nós que formulamos as questões
propostas à natureza; somos nós que repetidas vezes tentamos colocar essas questões para então
obter um nítido "sim" ou "não" (pois a natureza não dá uma resposta, a menos que seja pressionada
a fazê-lo). E, finalmente, somos nós também que damos uma resposta; somos nós próprios que, após
severo escrutínio, decidimos sobre a resposta à questão que colocamos à natureza — após tentativas
insistentes e sérias de obter dela um inequívoco "não". (...)
O velho ideal científico da episteme — do conhecimento absolutamente certo, demonstrável —
mostrou ser um ídolo. A exigência da objetivídade científica torna inevitável que todo enunciado
científico permaneça provisório para sempre. Ele, com efeito, pode ser corroborado, mas toda cor-
roboração é relativa a outros enunciados que, novamente, são provisórios.
(Karl R. Popper, A lógica da pesquisa científica, in Marilena Chaui (org.), Primeira filosofia,
p. 213-215.)

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