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Revista Estudos Libertários – REL (UFRJ) Vol.

2 Nº 6 | 2º Sem/2020 | ISSN 2676-0619

AS ORIGENS DO NECRO-RACISTA-ESTADO NO BRASIL –


CRÍTICA DESDE UMA PERSPECTIVA
DECOLONIAL & LIBERTÁRIA

Wallace de Moraes1

RESUMO ABSTRACT
Defendemos que as características do We argue that the characteristics of the
Estado brasileiro não escondem a sua Brazilian State do not hide its lineage,
linhagem, mostrando-se como um showing itself as a legitimate heir to the
legítimo herdeiro do princípio do poder principle of sovereign power of killing
soberano de matar que fundou o Estado that founded the modern European State.
moderno europeu. Por consequência, Consequently, its racist and murderous
explica-se o seu DNA racista e assassino. DNA is explained. For that, under a
Para tanto, sob um viés decolonial e decolonial and anarchist bias, we resort
libertário, recorremos às categorias de to the categories of “biopolitics”
“biopolítica” (Foucault) e de (Foucault) and necropolitics (Mbembe).
necropolítica (Mbembe). Keywords: criticism of state racism;
Palavras-chave: crítica do racista- decolonial perspective; anarchist
Estado; perspectiva decolonial; perspective
perspectiva libertária.

1
Prof. do Dept. Ciência Política e dos Programas de Pós-Graduação de Filosofia (PPGF) e de História
Comparada (PPGHC) todos da UFRJ. Coordenador dos grupos de pesquisas: CPDEL (Coletivo de Pesquisa
Decoloniais e Libertários); OTAL (Observatório do Trabalho na América Latina). Bolsista da FAPERJ.

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O objetivo deste paper é o Estado moderno europeu. Por


discutir/problematizar um saber consequência, explica-se o seu DNA
antirracista, decolonial e libertário. Para racista e assassino.
tanto, abordaremos as heranças Como parte desse debate,
filosóficas do Estado brasileiro herdadas defendemos o conceito de Necrofilia
do direito de matar do soberano. Colonialista Outrocida (NCO), no afã de
Recorremos às categorias de resumir um específico racismo marcado
“biopolítica” e de “poder de soberania” pelo desejo da morte de negros,
(Foucault, 2002), de necropolítica indígenas e seus descendentes que não
(Mbembe, 2018), sub-humanidade dos aceitam e/ou não se subordinam aos
condenados da terra (Fanon, 1968), de papéis que a modernidade lhes designou.
colonialidade do poder (Quijano, 2000), Isto é, todos os negros e indígenas que se
da mais profunda crítica do exercício negam a estar disponíveis para colaborar,
assassínio da autoridade pelo Estado de todas as maneiras, para o bem-estar de
(Kropotkin, 2000; Bakunin, 2000). Por europeus e seus descendentes pelo
conseguinte, nos nutrimos mundo, produzindo riquezas,
epistemologicamente de duas reproduzindo sua cultura, pedindo
perspectivas absolutamente críticas do benção todos os dias, estarão mais
projeto civilizacional racista imposto sujeitos à morte e ao cárcere.
pela modernidade/colonialidade, a saber: Mostraremos que esse processo racista,
1) decolonial, que reconhece o racismo moderno, capitalista, colonialista, que
como princípio organizador da também é patriarcal (branco), é garantido
Modernidade iniciada em 1492; 2) do através de políticas institucionais postas
anarquismo, que apresenta uma crítica em prática pelo necro-racista-Estado
profunda ao Estado, advogando as brasileiro.
bandeiras do abolicionismo penal, da O artigo está organizado da
autogestão, da liberdade, da igualdade e seguinte maneira. Primeiro,
da autodeterminação dos povos. Em apresentamos as reflexões de Foucault
suma, defenderemos a seguinte tese: as sobre o direito soberano de matar,
características do Estado brasileiro não associando-as com o conceito de
escondem a sua linhagem, mostrando-se necropolítica de Mbembe. Em seguida,
como um legítimo herdeiro do princípio abordaremos a noção de biopolítica, da
do poder soberano de matar que fundou sub-humanidade de negros e indígenas,

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da colonialidade do poder e é que detém efetivamente em si a própria


concluiremos exibindo nossa categoria, a essência desse direito de vida e de morte:
NCO. No bojo desse debate, serão é porque o soberano pode matar que ele
perceptíveis as perspectivas decolonial e exerce seu direito sobre a vida. É
libertária por todo o processo de análise, essencialmente um direito de espada”
explícitas tanto pela crítica antirracista e (Foucault, 2002: 286/287).
antiestadolátrica quanto pela proposição Mesmo sem mencionar, é
do fim do Estado, que mata e aprisiona possível inferir que Foucault está
negros e indígenas. pensando exatamente na teoria
Vamos ao primeiro passo. hobbesiana, segundo a qual os homens
através do contrato social abriram mão
DO DIREITO SOBERANO DE de sua liberdade em favor do soberano,
MATAR À NECROPOLÍTICA dando-lhe totais direitos sobre a vida e
Foucault (2002), na segunda morte de seus súditos. Na prática,
metade do século XX, na Europa resultou no poder absoluto da realeza,
ocidental, elucida o conceito de poder exercido em toda Europa durante a
soberano, praticado amplamente naquele modernidade.
continente, associando-o ao direito de “Em relação ao poder, o súdito não é, de pleno
direito, nem vivo nem morto. Ele é, do ponto de
vida e de morte dos súditos como um de
vista da vida e da morte, neutro, e é simplesmente
seus atributos fundamentais. Ao realizar por causa do soberano que o súdito tem direito,
eventualmente, de estar morto. Em todo caso, a
essa caracterização, o intelectual francês vida e a morte dos súditos só se tornam direitos
pelo efeito da vontade soberana (Foucault, 2002:
alerta para o direito que o soberano tem 286).”
de matar. Fato, amplamente, realizado na Suas reflexões embasam-se em
Europa e em outros continentes. Ao dois pontos fundamentais: 1) na análise
jogar luz para esse truísmo, o autor das proposições dos juristas dos séculos
efetua uma revolução na teoria da XVII e XVIII, que evocavam a teoria do
soberania clássica europeia, contrato social, de acordo com a qual
desmascarando sua premissa de concederia o direito absoluto ao
racionalidade. Em suas palavras, tratava- soberano sobre a vida dos seus súditos;
se de uma prerrogativa “absoluta, 2) na tecnologia disciplinar do trabalho
dramática, sombria”, que consistia em que se baseia em “um sistema de
“poder fazer morrer” e, ao mesmo vigilância, de hierarquias, de inspeções,
tempo, deixar viver. “O direito de matar de escriturações, de relatórios”. Em

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outro trabalho, Foucault (1987) cunhou suavidade, ao ilustrar a capacidade que o


esse artifício como de produção de soberano tem de definir quem deve
corpos dóceis. morrer. São seus objetivos:
Como o intelectual francês não “dar conta das várias maneiras pelas quais, em
nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo
denominou o direito soberano de matar
são dispostas com o objetivo de provocar a
com um conceito específico, muito destruição máxima de pessoas e criar ‘mundos da
morte’, formas únicas e novas de existência
oportunamente, Achille Mbembe (2018) social, nas quais vastas populações são
submetidas a condições de vida que lhes
o fez e nos apresentou o conceito de conferem o estatuto de ‘mortos-vivos’”
(Mbembe, 2018: 71).
necropolítica. Para tanto, ele relacionou
as noções de biopoder, estado de exceção
Assim, Mbembe revisita as teses
e estado de sítio, mesclando Foucault,
de Foucault (2002) de racismo de Estado
Carl Schimitt e Georges Bataille. Por
e de direito de soberania. Não obstante,
consequência, Mbembe defendeu a
para o que nos interessa aqui, a
política como trabalho da morte e a
necropolítica pode ser resumida como o
soberania como o direito de matar: “a
direito soberano de matar. Daqui em
política é a morte que vive uma vida
diante, trataremos desse direito, tanto
humana” (Mbembe, 2018: 12/13). Ao
pelo conceito vislumbrado por Foucault,
defender suas teses, ratificou Foucault,
quanto pelo criado por Mbembe e
décadas depois, e impulsionou sua
buscaremos aprofundar o truísmo de
interpretação revolucionária ao revirar
racismo de Estado, trazendo-a para a
novamente o conceito de soberania de
realidade brasileira.
cabeça pra baixo com relação à forma
A partir das teses dos autores, é
como é tratado pelos considerados
importante reter que, certamente, todos
clássicos da filosofia política
os Estados funcionam a partir do direito
ocidentalizada.
de matar. Assim, podemos dizer que, de
Max Weber, no interior da
acordo com estas perspectivas, o outro
perspectiva eurocentrada, e como forma
deve ser eliminado quando representa
de suavizá-la, legitimando o seu papel,
ameaça ao poder do soberano seja ele
argumentou que o Estado tinha o
estabelecido por uma ou mais
“monopólio da força”, um direito
exclusivo e legítimo, segundo o alemão.
A categoria necropolítica consiste, por
conseguinte, em por a nu aquela suposta

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governanças institucionais2, isto é, embasadas em estatísticas de saúde. Ela


política, econômica, jurídica, introduziu instituições de assistências
sociocultural e/ou penal. para dar conta da velhice e dos acidentes.
Segundo Foucault (2002), uma
DA BIOPOLÍTICA assistência mais sútil e economicamente
No final do século XVIII, mais racional do que a realizada pela
Foucault (2002) identificou o Igreja. Tudo isso definiu o campo de
nascimento de outra tecnologia de poder intervenção do seu poder e também de
na Europa, que não exclui a primeira, onde extraiu o seu saber. Ela tratou,
baseada no direito soberano de matar, assim, de obstáculos que se constituíam
mantendo, inclusive, sua essência como custos econômicos da produção. O
controladora, mas adotando outra biopoder se instituiu enquanto problema
roupagem, em outra escala. Essa nova científico e político, como problema
tecnologia se dirige a verificar os biológico e de poder. Ademais, foram
processos de nascimento, de morte, das criados mecanismos de regulamentação
doenças, da produção. Ele a denominou sobre a vida, de disciplina, de ordem, de
de biopolítica (ou biopoder), que nasceu controle.
mensurando as estatísticas sobre a vida e Feito esse introito, já temos
sobre a morte. Ela se debruçou sobre a subsídios para diferenciar plenamente o
análise dos problemas das endemias, isto poder da soberania (que predominou até
é, das doenças cotidianas, das o final do século XVIII) do biopoder, que
incapacidades biológicas, da natalidade, nasceu daquele e manteve alguns de seus
da morbidade, e das doenças mais ou traços, mas levou a atuação do Estado
menos difíceis de extirpar. Seu objetivo para um outro patamar. O poder da
foi combater a morte permanente, soberania, absoluto, consistiu na
prematura, buscando alongar o tempo de prerrogativa dos governantes terem o
vida. A biopolítica combateu a direito de matar (seus opositores e
morbidade e passou a gerir a higiene indisciplinados) e, ao mesmo tempo,
pública, a medicalização da população, a deixar viver seus aduladores,
construção de seguridades sociais, subservientes e indiferentes. O biopoder,

2
Sobre as governanças institucionais ver De Moraes (2018b). Disponível em:
https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-
paradigma-anarquista-de-analise1/

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descendente do poder da soberania, medicina ocupa um papel central na


manteve seus traços de direito de matar, biopolítica, enquanto “saber-poder que
mas estabeleceu uma peculiaridade incide ao mesmo tempo sobre o corpo e
principal diante da forma de exercício do sobre a população, sobre o organismo e
poder anterior, materializando uma sobre os processos biológicos e,
preocupação em fazer viver através de portanto, tem efeitos disciplinares e
meios científicos mais apurados. efeitos regulamentadores” (Foucault,
Deste modo, segundo Foucault 2002: 302). Destarte, a ritualização
(2002), foram adotadas duas tecnologias pública da morte desapareceu no fim do
de poder sobrepostas: 1) centrada no século XVIII e, desde então, se tornou
corpo, disciplinadora, individualista, “mais privada e vergonhosa”, nos termos
com vistas a produzir corpos dóceis, de Foucault (2002).
úteis (produtivos); 2) centrada na vida da Outro componente central da
população, buscando preparar-se para biopolítica é a norma, que se aplica tanto
eventos fortuitos nos processos ao corpo quanto à população, “que
biológicos. Com efeito, surgiram permite a um só tempo controlar a ordem
instituições disciplinares como as disciplinar do corpo e os acontecimentos
escolas, os quarteis, os hospitais, as aleatórios de uma multiplicidade
oficinas. Instituições que, nos moldes biológica” (Foucault, 2002: 302). A
criados e de acordo com seus objetivos, norma enquanto instrumento
se casavam perfeitamente e fundamental da biopolítica, pode tanto se
necessitavam de coordenação e de “aplicar a um corpo que se quer
centralização. A partir dessas disciplinar quanto a uma população que
percepções, o intelectual francês se quer regulamentar” (Foucault, 2002:
identificou duas séries: “a série corpo – 302). É, nesse sentido, um instrumento
organismo – disciplina – instituições; e a da medicina a serviço do poder político.
séria população – processos biológicos – Cria-se, assim, segundo o autor, uma
mecanismos regulamentadores – sociedade da normalização,
Estado” (Foucault, 2002: 298). Essas fundamentada na cláusula da disciplina e
duas séries articulam-se e não são da regulamentação.
estanques, nem concorrentes. Simultaneamente, o historiador e
A partir das constatações filósofo francês faz a distinção entre
supracitadas, devemos entender que a aparelho de disciplina e de Estado. A

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disciplina nem sempre é institucional. A soberano de legitimação do assassínio do


polícia, por exemplo, é tanto um outro?
aparelho de disciplina, quanto de Estado. Essa pergunta só pode ser
De acordo com Foucault (2002), respondida com o entendimento do
a ritualização pública da morte significado de racismo. Por conseguinte,
desapareceu no fim do século XVIII. Foucault o identifica como produto
Para ele, desde então, a morte se tornou biológico da biopolítica que dividirá a
“mais privada e vergonhosa”. espécie através de cesuras em raças.
Em resumo, o poder da “Não quero de modo algum dizer que o racismo
foi inventado nessa época. Ele existia há muito
soberania, no continente europeu,
tempo. Mas eu acho que funcionava de outro
consistia no direito de matar (“fazia modo. O que inseriu o racismo nos mecanismos
do Estado foi mesmo a emergência desse
morrer”) e “deixava viver”; a biopolítica biopoder. Foi nesse momento que o racismo se
inseriu como mecanismo fundamental do poder,
herdou o direito de matar, continuando- tal como se exerce nos Estados modernos, e que
faz com que quase não haja funcionamento
o, mas também se preocupou com o moderno do Estado que, em certo momento, em
certo limite e em certas condições, não passe pelo
prolongamento da vida (em “fazer
racismo” (Foucault, 2002: 304).
viver”). Alguns, entretanto, ela “deixava Nos termos postos acima, o autor
morrer”. Todavia, em ambos os modelos, reconhece o racismo enquanto
o racismo atravessava-os, compondo mecanismo do poder que atravessa
aquilo que o próprio intelectual francês diretamente ou não todo o
chamou de racismo de Estado. Em suma, funcionamento do Estado moderno.
a escolha para matar, deixar morrer e Assim, a interveniência do racismo na
fazer viver estava baseada no racismo. biopolítica gera a seguinte lógica:
Vejamos.
“se você quer viver, é preciso que o outro morra.
(...) O racismo vai permitir estabelecer, entre a
minha vida e a morte do outro, uma relação que
RACISMO COMO PARTE não é uma relação militar e guerreira de
enfrentamento, mas uma relação do tipo
CONSTITUTIVA DA biológico (...). A morte do outro não é
BIOPOLÍTICA simplesmente a minha vida, na medida em que
seria minha segurança pessoal; a morte do outro,
A partir dos conceitos de a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do
degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a
Foucault, surge uma questão digna de vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura.
(...) Portanto, relação não militar, guerreira ou
reflexão que pode ser resumida com uma política, mas relação biológica” (Foucault, 2002:
305).
pergunta. Como o crescimento do
De fato, o racismo encontrou
biopoder, preocupado em prolongar a
uma justificativa “científica” baseada na
vida, pode manter o princípio do poder

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teoria biológica do século XIX e numerosos forem os que morrerem entre


apropriada pelo biopoder. Essa nós, mais pura será a raça a que
associação ocorreu a partir de uma pertencemos” (Foucault, 2002: 308).
leitura da teoria da evolução de Darwin, Destarte, chegamos na tese
o chamado darwinismo social, que central do intelectual francês, segundo a
trazido para entender a sociedade, qual, o racismo assegura a função da
legitimou o colonialismo, as guerras para morte dos outros como reforço biológico
purificação e aprimoramento das raças, a da própria raça. Se levarmos essa
luta contra a criminalidade, os premissa para as instituições,
“anormais”, os degenerados e rebeldes perceberemos que os Estados mais
(muitos dos quais eram denominados por assassinos são os mais racistas. Segundo
anarquistas). Foucault, o nazismo foi seu exemplo
Nesse contexto, no plano máximo. Para ele, o Estado nazista não
externo, legitimou aquilo que já vinha paradoxalmente implementou no seu
sendo realizado nas Américas desde nível mais profundo tanto o poder
1492/1500: o extermínio e/ou disciplinar quanto o biopoder. O controle
subjugação, através da colonização de dos processos biológicos foi um dos seus
povos inteiros, considerados como principais objetivos. Seu estímulo, para
inumanos ou sub-humanos, tratados com tanto, foi uma prerrogativa racista.
extrema violência e obrigados a produzir “Não há Estado mais disciplinar, claro, do que o
regime nazista; tampouco há Estado onde as
riqueza para os governantes brancos.
regulamentações biológicas sejam adotadas de
O próprio Foucault reconheceu a uma maneira mais densa e mais insistente. Poder
disciplinar, biopoder: tudo isso percorreu,
conexão entre racismo e colonialismo: sustentou a muque a sociedade nazista (assunção
do biológico, da procriação, da hereditariedade;
“o racismo vai se desenvolver primo com a assunção também da doença, dos acidentes). Não
colonização, ou seja, com o genocídio há sociedade a um só tempo mais disciplinar e
colonizador. Quando for preciso matar pessoas, mais previdenciária do que a que foi implantada,
matar populações, matar civilizações, como se ou em todo caso projetada, pelos nazistas. O
poderá fazê-lo, se se funciona no modo do controle das eventualidades próprias dos
biopoder? Através dos temas do evolucionismo, processos biológicos era um dos objetivos
mediante um racismo” (Foucault, 2002: 307). imediatos do regime” (Foucault, 2002: 309).

A guerra foi utilizada como Para efeito da nossa pesquisa, a


instrumento para destruir o outro (tanto o maior contribuição de Foucault é o
inimigo político como a “raça” adversa) entendimento da relação recíproca entre
e, acrescenta o autor, como forma de guerra e política. Nesse sentido, a guerra
“regenerar a própria raça. Quanto mais é posta como objetivo político, diz ele:

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“como uma espécie de fase última e inscrito no funcionamento de todos os


decisiva de todos os processos políticos - Estados, ele não se debruçou sobre as
, a política deve resultar na guerra, e a conquistas das Américas e da África que
guerra deve ser a fase final e decisiva que foram as mais fiéis aplicações de
vai coroar o conjunto” (Foucault, 2002: racismos e de destruição de populações,
310). civilizações e culturas inteiras.
Desta maneira, o objetivo do Por fim, o racismo para Foucault
nazismo foi a guerra permanente, cuja não significa necessariamente e não se
subjugação/destruição das outras etnias resume às discriminações étnicas, mas
ocupou papel central, mas significou inclui o princípio da eliminação do outro,
também expor a sua própria raça ao risco do adversário político, do explorado, da
da morte. outra classe social, por meio da guerra.

“É preciso que se chegue a um ponto tal que a Nestes termos, o racismo é pensado
população inteira seja exposta à morte. Apenas
como um constructo social. É importante
essa exposição universal de toda a população à
morte poderá efetivamente constituí-la como ressalvar que a literatura decolonial
raça superior e regenerá-la definitivamente
perante as raças que tiverem sido totalmente ratifica essa premissa.
exterminadas ou que serão definitivamente
sujeitadas” (Foucault, 2002: 310).
BIOPODER E RACISMO INTERNO
Em resumo, o modelo nazista E EXTERNO
conciliou a mais fiel aplicação do Para discutirmos as concepções
biopoder e do direito soberano de matar, de Foucault sobre o racismo, é
levando-o ao paroxismo. Constituiu-se, necessário fazer uma ressalva: ter
portanto, como a aplicação de um Estado lucidez que o intelectual francês
racista, assassino e suicida. É modelar a interpretava o mundo desde a Europa.
análise e a crítica de Foucault a esse Para quem pensa sob uma perspectiva
arquétipo como protótipo máximo da decolonial, essa advertência está longe
biopolítica e da implementação do de ser trivial, porque negamos a
racismo. possibilidade de um universalismo
Não obstante, como veremos à epistemológico.
frente, ele só pôde chegar a essa A partir destas balizas, façamos o
conclusão porque não levou em conta o exercício de nos colocarmos na posição
colonialismo e a colonialidade do poder. de Foucault. Logo, achamos necessário
Embora tenha dito que esse jogo esteja conceber a existência de dois tipos de

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racismo: 1) interno (a partir de uma visão obrigados a produzir riquezas e


desde a Europa, onde Foucault estava); e obedecerem aos governantes
2) externo (para fora da Europa). Ao institucionais. Empiricamente, esses são
criarmos essa metodologia, jogamos luz exemplos da prática do racismo interno
para contrabalançar as interpretações europeu, cujo papel estatal foi
pretensamente universalistas, que protagônico em associação com o poder
caracterizam o eurocentrismo. Isto de vigilância eterno das igrejas e do
posto, podemos avançar. militarismo.
Através do racismo interno, Essas ponderações e a própria
bruxas, hereges, rebeldes e não concepção de duas formas de racismo
enquadrados nos princípios modernos têm por objetivo destacar que quando
eurocêntricos estatais, capitalistas, Foucault afirma que o nazismo foi a
judaico-cristãos, patriarcais, maior expressão de segregacionismo, ele
heterossexuais, militaristas, foram deveria estar pensando apenas no
perseguidos, aniquilados. O necro- racismo interno europeu. Explicita,
racista-Estado europeu trabalhou para assim, exatamente o seu lugar de fala e
vigiar, prender, assassinar, grupos de sua visão ainda presa ao eurocentrismo.
pessoas dentro da própria Europa. De tal Neste contexto, é também
modo, milhares de mulheres brancas fundamental marcar que o racismo
foram queimadas vivas acusadas de interno europeu ocorreu,
bruxaria. O mesmo aconteceu com os simultaneamente, ao seu racismo externo
considerados hereges. Centenas de aplicado à conquista de outros
anarquistas e comunistas revolucionários continentes pela subjugação de seus
foram presos e/ou condenados à morte povos. Também é essencial frisar que
porque lutavam por direitos, dignidade, tanto o racismo interno, quanto o
igualdade e liberdade. Corpos sem externo, foram práticas de militaristas,
sangue azul, isto é, camponeses e aldeãos igrejistas e dos governantes europeus.3
foram humilhados, subjugados e Destarte, os efeitos foram diferentes:

3
Quando citamos governantes, estamos pensando não só nos ocupantes dos altos escalões do Estado, mas
também aqueles que controlam a economia, como grandes empresários, que são os governantes
econômicos; os altos magistrados, que são os governantes jurídicos; os generais, que são os governantes
militares; os altos escalões das igrejas, que são os governantes igrejistas (socioculturais). Para melhor
descrição das diferentes governanças institucionais, ver De Moraes (2018), disponível também em:
https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria-plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-
paradigma-anarquista-de-analise1/

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enquanto o patriarcado e as opressões de como animais, um não sujeito, um “não


classe e oficialista4 marcavam o racismo ser” baseado na dúvida sobre a
interno europeu, o equivalente externo, humanidade da vítima, enquanto outros
além de conter as mesmas opressões do europeus eram tratados como inferiores
interno, foi e é marcado profundamente ou não adaptados às normas capitalistas,
pela ideia abstrata de raça. Sobre os igrejistas e militaristas.
pilares desses racismos se ergueram a Desse modo, os racismos interno
modernidade, a colonialidade, o e externo praticados pelo conluio entre
capitalismo, o patriarcado branco, a igrejas, nobres/reis e militares serviu de
heteronormatividade, a cisnormatividade grande laboratório de implementação de
e a esdrúxula crença na liberdade como uma política dogmática do terror e da
limitada pelas leis criadas pelos discriminação. Em suma, o Estado
governantes. O Estado, em suma, foi o moderno europeu nasceu do direito
propulsor e fiador de tudo isso. soberano de matar o outro. Foi, portanto,
É importante destacar que o desde o início, um necro-Estado. Todos
racismo externo europeu, que Foucault aqueles que não se adaptaram aos
considerou apenas lateralmente, foi princípios igrejistas, militaristas ligados
deveras mais impactante e cruel do que ao poder soberano de um único Estado
aquele praticado na Europa, sobretudo com poder centralizado, uma única
porque seus tentáculos perduram até hoje religião, um território, uma única cultura,
e moldam as relações sociais, uma lei, foram aniquilados, varridos para
econômicas, políticas e culturais nas fora das fronteiras, para as cadeias, as
Américas e em países da África. Em fogueiras, os cemitérios.
outras palavras, é mais que necessário
sopesar que a maior expressão de AJUDA MÚTUA ENTRE AS
racismo foi a praticada contra povos de EPISTEMOLOGIAS DECOLONIAL
alhures dos europeus. Isto é, a matança E ANARQUISTA NA LUTA
generalizada de indígenas, negros e ANTIRRACISTA
asiáticos, mas também por concebê-los Feitas as ressalvas necessárias e

4
Governança oficialista consiste na opressão sobre aqueles que não respeitam as leis, as regras e a cultura
impostas pelos governantes no poder. Seus principais alvos são: rebeldes, fora da lei, anarquistas e
equivalentes (ver De Moraes, 2018), disponível também em: https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria-
plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-paradigma-anarquista-de-analise1/

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apresentadas as características centrais depois do fim da Segunda Guerra, no


do Estado europeu, baseado no seu poder contexto de vigência dos direitos
soberano de matar, podemos começar o humanos e de implementação do welfare
esboço de uma ajuda mútua entre as state com quase pleno emprego e direitos
epistemologias decolonial e anarquista sociais crescentes para os trabalhadores.
desde uma simbiose entre ambas com Diante desse cenário, ele pôde criar o
vistas à possibilidade de construção de conceito de biopolítica e tinha motivos
categorias que possam colaborar para para isso. Em outras palavras, enquanto
entendimento da nossa realidade e de europeu, francês, escrevendo na década
caminhos para superação da de 1970, podia apresentar tal teses aos
modernidade/colonialidade, capitalista, seus pares.
patriarcal, igrejista, militarista e racista. Já há algum tempo, mesmo no
Apresentaremos adiante uma perspectiva Europa, o pleno emprego já faz parte do
a partir do Brasil, aprofundando o debate passado. A adoção de políticas
com os conceitos de Foucault e Mbembe. neoliberais pelo mundo acirrou as
desigualdades.5 A busca incessante pelo
PONDERAÇÕES A PARTIR DA lucro, característica do capitalismo,
PERSPECTIVA DECOLONIAL ignora os seus resultados para a vida na
SOBRE A BIOPOLÍTICA E O terra (humana e da natureza). O racismo
CONCEITO DE RACISMO DE continua e até se exacerbou em alguns
FOUCAULT países onde governantes rechaçam com
Antes de aprofundarmos o debate toda força imigrantes, negros e
com Foucault, é de fundamental indígenas. O governo dos EUA separa as
importância ratificar que toda teoria está crianças dos pais imigrantes ilegais que
diretamente relacionada com o corpo, o tentam entrar no país, causando-lhes um
espaço e o tempo na qual foi produzida. profundo trauma através desse terror
Portanto, é importante entender que, psicológico. Os direitos humanos são
quando Foucault advoga que o devir do amplamente contestados por diversos
poder soberano não é mais o de fazer governos no mundo. Castelo Branco
morrer, mas de fazer viver, ele está na (2019: 78) resume muito bem como a
França na década de 1970, trinta anos migração é tratada na atualidade:

5
Ver Bourdieu (1998).

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“a multidão dos ameaçados pela fome nos países tanto por militares, quanto por
periféricos, os que abandonam suas casas e
países às vezes sem poder levar nada, os grandes paramilitares.
contingentes populacionais que vão em busca de
uma vida melhor (ainda que seja uma vida Nestes termos, para o caso
humilhada) são milhões; estão em outros países e
continentes, desenraizados, quase sempre tidos
brasileiro, as teses de Foucault estão
como indesejáveis e considerados párias nesses corretas apenas em parte. Aqui, o
países ‘centrais’ e perigosa, os caminhos são
difíceis, e milhares de pessoas morrem à míngua racismo e o exercício do poder soberano
em barcos, em meio a transportes inapropriados
ou simplesmente assassinados por sobre quem deve morrer é praticado sob
contrabandistas de carga humana.”
a normalização da biopolítica, através da
relação militar e biológica. Destarte,
Nas Américas, na África, na
pode-se tirar a vida dos “súditos” com
Ásia, a ritualização pública da morte que,
base no racismo, na posição de classe
segundo Foucault, desapareceu da
social, na heteronormatividade e na
Europa, continuou sendo realizada a
cisnormatividade. Isto significa que o
mando e/ou a favor de governantes
biopoder, entendido como fazer viver e
europeus e de seus descendentes contra
deixar morrer, é exclusivo dos povos da
não europeus, os povos colonizados, os
Europa ocidental, para seus autóctones e
sub-humanos.
descendentes pelo mundo.
Certamente, a constatação de
Para os outros povos sempre
Foucault não vale para o Brasil. Aqui,
prevaleceu a lógica do “fazer morrer”
em pleno século XXI, pobres, negros,
ditada pelo poder do soberano que, não
indígenas e seus descendentes são
coincidentemente, é, normalmente,
assassinados nas favelas e florestas à luz
branco, e quando não o é, está
do dia e este mecanismo é exatamente
desavergonhadamente a seu serviço.
utilizado como expressão de poder.
Essas são as bases da
Estima-se que morra assassinado um
colonialidade do poder e do seu racismo
negro/indígena a cada 23 minutos.6 Esse
estrutural, garantido pelo Estado.
tipo de genocídio, é verdade, deixou de
Quando tratamos do direito de
ser um espetáculo em praça pública,
matar o outro, tal como Foucault (2002)
porém, continua acontecendo e, muitas
e Mbembe (2018), pensamos em
vezes, é filmado e distribuído
diferentes tipos de assassínios que não se
orgulhosamente pelas redes sociais,
resumem à liquidação física do corpo,
todavia também os assassínios indiretos

6
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36461295 acessado em 28 de junho de 2020.

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que expõem à morte, que multiplicam A partir dos conceitos de


para alguns o seu risco, a morte política, necropolítica (Mbembe) e do direito
a morte psicológica, a humilhação, a soberano de matar e de biopolítica
exploração, a discriminação, o (Foucault), os quais expressam a
preconceito, o achincalhamento público existência de uma política da morte ou de
e privado, a expulsão, a rejeição etc. deixar morrer, atravessada pelo racismo,
Com efeito, as mulheres e a comunidade propusemos o aprofundamento daqueles
LGBTQIA+, não enquadradas nos referenciais com vistas a melhor
padrões igrejistas, são alvos constantes representar a política brasileira atual (De
das perspectivas patriarcais. Elas sabem Moraes, 2020). Trata-se da categoria
exatamente o que é serem rejeitadas, “Necrofilia Colonialista Outrocida
subalternizadas, exterminadas. Aqueles (NCO)”, que externaliza não apenas o
que não professam os princípios direito soberano de matar
religiosos judaico-cristãos também. Os (necropolítica), mas um desejo, um
rebeldes/insubmissos são, igualmente, anseio, um ódio exacerbado e racista de
alvos preferidos do necro-racista-Estado. determinados governantes por liquidar,
Abordaremos essas questões mais à fisicamente e/ou psicologicamente,
frente. grupos específicos como negros,
Aqui, no Brasil, existe uma indígenas, pobres, LGBTQIA+,
política de amor pela morte do “inimigo” mulheres independentes,
e o assassinato continua na arena pública revolucionários, rebeldes e “bandidos”.
onde os mais pobres habitam. Seu Em outras palavras, enquanto a
principal executor é o Estado, seja por necropolítica está mais voltada para o
meio da ação de seus militares, seja papel do soberano de decidir sobre quem
garantindo a plena atuação de pode morrer, a NCO expressa um anseio,
paramilitares impunemente. É desta um amor, pela morte de grupos
mirada brasileira e com essas ressalvas particulares e um “não fazer” por suas
que devemos consolidar nosso diálogo vidas ou uma ação que sabe resultará no
com as categorias supracitadas de assassinato de pessoas desses grupos
Foucault e Mbembe. sociais. O conceito de NCO busca
resumir determinadas ações políticas
NECROFILIA COLONIALISTA realizadas por governantes, tendo seu
OUTROCIDA (NCO) lócus indutor o Estado, que procura

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atender as reivindicações de específicos Sob a perspectiva filosófica anarquista, o


setores sociais. Em suma, a deliberada Estado constitui-se na expressão máxima
aplicação da NCO ocorre pelo Estado, da negação da liberdade para seus
assassino e racista, um necro-racista- governados, tratados desde sempre como
Estado. súditos.
Nestes termos, foram os Estados
DO NECRO-RACISTA-ESTADO eurocentrados (situados na Europa e fora
O papel de liquidar o outro dela) marcados pelo direito soberano de
(desobediente e não adaptado aos matar... o outro (indígena, negro,
ditames modernos) constitui-se como asiático, a mulher acusada de bruxaria, a
principal característica do Estado, comunidade LGBTQIA+, os adeptos de
surgido desde o direito de matar do religiões diferentes das judaico-cristãs,
soberano, ou da necropolítica, se rebeldes, os que atentam contra os
transforma em um truísmo, uma marca pilares do capitalismo), que cumpriram e
indelével do colonialismo que perdura cumprem um papel central na
como colonialidade do poder, quando estruturação da modernidade e do
aplicado para análise de países latino- racismo que a caracteriza. Assim, foram
americanos e caribenhos. os Estados que não só patrocinaram,
Segundo Kropotkin (2000), a como executaram o colonialismo, a
formação histórica do Estado europeu escravidão, os estupros, as humilhações,
teve como sua essência o militarismo e o as extorsões, a destruição da
assassinato do rebelde, do insubmisso, pachamama, o genocídio de diferentes
do escravizado, do servo, do trabalhador, povos. Foram essas instituições através
por meio da morte física ou da de seus militarismos e com apoio das
destinação desses corpos para a prisão. igrejas cristãs que trataram indígenas e
Bakunin (2008) observou que o Estado negros como sub-humanos (Fanon,
não admite no interior das suas fronteiras 1968), situado em uma zona diferente da
outro Estado, tampouco uma do europeu ocidental (Grosfoguel,
comunidade independente, nem 2013).
revolucionários com força suficiente A partir dessas constatações,
para lhe causar medo, arrepios. Ele não comprovamos que o Estado moderno
admite um negro, um indígena autônomo europeu se alimentou reciprocamente
que não lhe peça benção todos os dias. com o colonialismo, praticando-o e

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sendo, portanto, desde a sua gênese, um amigo para manter o colonizado no seu
necro-racista-Estado, manchado pelo lugar e não importunar os governantes
sangue, suor e dor das suas vítimas. econômicos, políticos, socioculturais,
O Estado, para negros e jurídicos e penais. Mas também não é
indígenas, desde a sua origem na correto dizer que apenas a polícia, como
Modernidade, baseada no colonialismo, seu braço armado, se faz exposta. O
significa forças militares que existem Estado está presente também na
não para lhes proteger, mas para lhes cobrança dos impostos extraídos
matar, aprisionar, humilhar e lhes manter compulsoriamente quando se faz a
como meros reprodutores de capital para compra de qualquer produto ou serviço
os governantes brancos. Assim, os legal. Isto posto, é necessário dizer que o
humanos de cor, não brancos, são mortos Estado está nas favelas na forma de
por asfixia, ou não, à luz do dia e em extrator de dinheiro e também como
qualquer lugar e, às vezes, inclusive, sob repressor. Como nessas novas senzalas
filmagem de populares. não há praticamente nenhuma
Se concordamos com as retribuição em forma de serviços
afirmações supracitadas, no Brasil, básicos, materializa-se o ato de um roubo
existe uma guerra permanente estatal,7 que se for necessário, ocorrerá
patrocinada pelo Estado contra pobres, literalmente à mão armada.
negros, indígenas e insubmissos. A presença do Estado nessas
comunidades não só se constitui na mais
DA PRÁTICA DO NECRO-ESTADO significativa materialização do poder
RACISTA NO BRASIL soberano de decidir sobre quem pode
Nas comunidades e nos bairros morrer, mas expressa um desejo pela
mais pobres do Brasil não existe a morte dessas pessoas que não se
presença estatal para garantir enquadram no papel de obediência e de
saneamento, direitos básicos de saúde e produtor de riqueza para os brancos
educação, emprego, assistência social. A ricos, tal como é esperado pelo necro-
principal ação estatal se faz pelas forças racista-Estado. Assim, consubstancia-se
de repressão. A polícia mata, prende, como aplicação da NCO. Nada diferente
tortura e recebe o “arrego” do traficante do papel imperialista exercido nas

7
Foi como um ato de roubo que Proudhon (1977) chamou o processo de legalização da propriedade privada
da terra para alguns em detrimento da maioria na História da humanidade.

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colônias na África, nas Américas e na sobre o colonizado, da obrigação de


Ásia. fazer trabalhar e produzir riquezas para
os governantes, é nesse sentido uma
“A cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade
indígena, a cidade negra, a cidade árabe pobre, a instituição escravista, criadora de corpos
reserva, é um lugar mal afamado, povoado de
homens mal afamados. Aí se nasce não importa dóceis, disciplinados, que prende e mata
onde, não importa como. Morre-se não importa
onde, não importa de quê. É um mundo sem
o rebelde, insubmisso.
intervalos, onde os homens estão uns sobre os Não obstante, esse Estado
outros, as casas umas sobre as outras. A cidade
do colonizado é uma cidade faminta, faminta de convive perfeitamente bem com
pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A
cidade do colonizado é uma cidade acocorada, paramilitares, que normalmente são
uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma
cidade de negros, uma cidade de árabes. O olhar constituídos por militares e ex-militares
que o colonizado lança para a cidade do colono é
um olhar de luxúria, um olhar de inveja. Sonhos
a serviço de poderosos políticos,
de posse. Todas as modalidades de posse: sentar- latifundiários, garimpeiros e/ou de si
se à mesa do colono, deitar-se no leito do colono,
com a mulher deste, se possível. O colonizado é mesmo. Em resumo, no Brasil, os
um invejoso. O colono sabe disto:
surpreendendo-lhe o olhar, constata paramilitares fazem o jogo mais sujo
amargamente mas sempre alerta: “eles querem
tomar o nosso lugar”. É verdade, não há um possível, contando, normalmente, com a
colonizado que não sonhe pelo menos uma vez
por dia em se instalar no lugar do colono” anuência de militares para cometer atos
(Fanon,1968: 29). covardes. É a necropolítica em favor da
necrofilia.
Amparados nas teses de Fanon
Esses exemplos não servem
(1968), podemos dizer que o Estado
apenas aos Estados colonialistas e
existe para impedir que o colonizado se
capitalistas europeus, os tidos socialistas
rebele e almeje tomar o lugar do colono.
praticaram a necropolítica em
Com efeito, o Estado criado nas colônias
abundância. Mataram milhares de
nada mais é que um filho legítimo do seu
anarquistas e populares que queriam
pai europeu moderno conquistador
liberdade e não se submetiam aos
baseado no direito soberano de matar.
ditames do partido no comando.8 Os
Um Estado que nasceu racista, cuja
Estados africanos, asiáticos, americanos
perseguição ao negro e ao indígena
mesmo quando comandados por
constitui-se como sua justificativa de
autóctones também impuseram o terror
existência. Não se trata de uma
para seus governados. Foram também
instituição qualquer, mas um Estado da
protótipos de necro-Estados todos os
morte, da prisão, da tortura, do controle
modelos antigos e medievais de

8
Ver ROCKER (2007).

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imposição de autoridade e hierarquia de acoitava um bicho. A função de todos os


uns sobre muitos. Já os Estados necro-racistas-Estados é garantir os
modernos possuem a característica de interesses dos ricos proprietários
serem racistas. Inaugurava-se, assim, os brancos, por isso seus governos são
necro-racistas-Estados capitalistas que plutocráticos. Essa é a lógica da
matam e prendem todos que atentam modernidade/colonialidade.
contra a instituição definidora da Contudo, não basta limitar o
desigualdade e sagrada para os liberais: a espaço do colonizado com a polícia e/ou
propriedade privada, que com o paramilitar. Segundo Fanon
desafortunadamente está acima da vida (1968), é necessário fazer do colonizado
em todo lugar. Nos necro-racistas- a quintessência do mal. Esse processo
Estados europeus e norte-americanos ocorre com a desvalorização da cultura,
seus alvos preferências eram os rebeldes, das vestimentas, dos mitos, das religiões
principalmente anarquistas, insubmissos e de tudo que o singulariza. Para além
que mataram centenas de autoridades na disso, a associação com os colonizados
passagem do século XIX para o XX. A representa a perversão, depravação, a
Interpol foi criada nesse momento heresia. O igrejismo em conluio com o
justamente para caçá-los pelo mundo. Estado cumpre papel fundamental nesse
Vários desses revolucionários, inimigos processo de “demonização” da cultura
mortais de todo e qualquer Estado, foram do colonizado.
assassinados tanto pelo militarismo Ao agir dessa maneira, os pais
quanto pelo paramilitarismo legítimos da instituição estatal – o
internacional. O nazismo foi apenas a igrejismo, o militarismo e os governantes
aplicação na Europa daquilo que já se em geral – emitem um sinal também para
fazia nas colônias há séculos, os governados brancos que devem seguir
constituindo-se na máxima relação entre seus valores “superiores” e se sentirem
militarismo e paramilitarismo. como parte, em unidade, de uma mesma
Todavia, o Estado colonialista foi
absolutamente mais cruel, pois dotado de
cunho racista, ultrajante, covarde,
invasor, em que o outro não tinha status
de humano. Era tido como um animal.
Na visão idílica liberal, matava, prendia,

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cultura9 estadolátrica, autoritária, Estado representa para negros e


hierárquica, narcisista, igrejista, indígenas.
militarista, destilando profundo ódio O termo colonialidade do poder
contra os diferentes. Para tanto, na (QUIJANO, 1990) tem por objetivo
Europa, o fascismo e o liberalismo capturar as continuidades dos princípios
econômico são suas ideologias perfeitas. do colonialismo ainda na atualidade,
Nas Américas e no Brasil, em particular, jogando luz para o fato de o racismo
a colonialidade (do poder, do saber, do figurar como componente principal,
ser e da natureza) justifica as supostas fundador e organizador da modernidade,
superioridades de raça, de classe, que exportou o capitalismo e um modelo
patriarcal, heterossexual, cisnormativa e próprio civilizacional para o mundo
epistemológica, baseadas no racismo inteiro. Sob uma perspectiva decolonial
xenofóbico ufanista e nacionalista, que e libertária, percebemos que nas
no conjunto justifica a subordinação e a Américas os pobres são prontamente
exploração dos colonizados, negros, identificados pela cor da pele. Por
indígenas, mulheres, LGBTQIA+, conseguinte, a discriminação étnica
trabalhadores, assalariados ou não. permanece como a maior definidora de
classe no mundo inteiro. Esse uso ocorre
CONCLUSÃO por duas maneiras: prisão e morte.
Depois do debate com as Ademais, entram como intermediários
categorias de poder de soberania, humilhações, torturas, estupros,
biopolítica (Foucault, 2002), desemprego, ausência e/ou precariedade
necropolítica (Mbembe, 2018), dos sub- de moradia, terras, saúde, educação etc.
humanos (Fanon, 1968), colonialidade Tal como identificamos as
do poder (QUIJANO, 1990; Grosfoguel, permanências do colonialismo que
2013); anarquismo (Kropotkin, 2000; marcam a colonialidade, percebemos as
Bakunin, 2006) e propor a NCO, permanências do poder soberano de
podemos retomar as nossas principais matar nos Estados latino-americanos,
conclusões sobre o papel histórico que o mesmo após os processos de
independência. Assim, as regiões do

9
Kom’Boa Ervin (2018) demonstrou todo esse processo nos EUA. Quando foi criada a ideia de raça pela
elite branca governante justamente para diferenciar pretos e brancos, separando-os e facilitando a
dominação de classe, que impôs aos negros uma exploração ainda maior.

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globo colonizadas, normalmente assassinas. Simultaneamente, utilizamos


governadas por descendentes de a colonialidade do saber para marcar
europeus ou de colonizados (a serviço de como ainda vivemos sob princípios
valores conservadores coloniais) ocidentalizados que, certamente, não
continuam usando o militarismo e o permitem fazer a crítica da instituição, a
igrejismo para manter os seus privilégios qual, segundo Hegel, representaria a
como extratores de riquezas dos essência da razão.
governados/colonizados. É inegável que o Estado é a
Mostramos que os novos Estados principal instituição mantenedora dos
latino-americanos, caribenhos e da princípios da colonialidade. Como
América do Norte, instituídos depois das mostram os estudos decoloniais
supostas independências coloniais, com (Grosfoguel, 2013), o Estado que nasceu
o fim formal do colonialismo, foram na Europa a partir da conquista e da
gestados à imagem e semelhança dos centralização do poder realizadas pelos
seus pais: Estados europeus, por sua vez, reinos de Portugal e da Espanha, no
criados a partir do direito soberano de século XV, antes da conquista das
matar. Portanto, continuaram a política América, foi uma instituição racista.
da morte e do encarceramento Mesmo depois dos movimentos
colonialista, majoritariamente, contra históricos de descolonização, tanto na
negros, indígenas e seus descendentes, África quanto nas Américas, seus novos
baseados nas leis ou não. Cada cidade Estados “independentes” foram criados a
criada nas Américas seguia praticamente imagem e semelhança de seus ancestrais,
o mesmo padrão com a instalação de portanto, continuaram sendo governados
uma igreja, uma prisão e uma por descendentes brancos e o racismo
representação político/militar da continuou a predominar. O racismo está
metrópole. inscrito no DNA dos Estados latino-
A despeito dessa História, americanos. Foi, nesse sentido, desde
filósofos, historiadores e cientistas sempre um necro-racista-Estado.
sociais eurocentrados, estadolátricos, Não obstante as evidências do
continuam a venerar o Estado, enquanto papel assassino cumprido pelo Estado
instituição necessária para a organização nas Américas, ainda perdura, mesmo na
da sociedade, ignorando o seu histórico perspectiva decolonial, uma certa crença
de fundamentos e práticas racistas e na possibilidade de o Estado cumprir um

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papel positivo para indígenas e negros. eurocentrismo, aquilo que chamamos


Aparentemente, essa crença tem uma por interpretação decolonial e libertária,
origem marxista, baseada na defende que o Estado representa racismo
possibilidade de tomada do Estado e estrutural e morte. Por isso, é um necro-
fazê-lo estar a favor dos interesses dos racista-Estado. O Estado moderno
operários prioritariamente. Fato que não europeu nasceu racista. Os Estados pós-
aconteceu em nenhum lugar, muito coloniais instituídos nas Américas e na
menos por meio de governos eleitos. Se África possuem o mesmo DNA dos seus
levarmos em conta a história e a própria entes paternos. Todos esses Estados são
constituição militarista, autoritária e frutos do casamento perfeito entre
hierárquica de todo Estado, acreditar no militarismo e igrejismo, carregando
seu papel benevolente para negros, todos seus preconceitos nas suas veias e
indígenas, trabalhadores e pobres em corações. Por isso, perseguem negros e
geral, é o mesmo que confiar na indígenas sem alma, sem religião, sem
domesticação da raposa para tomar conta humanidade, que devem servir, quando
do galinheiro. É sob estas apreciações domesticados, apenas para produção de
que a perspectiva libertária contribui riquezas. Devem ser obedientes,
para a libertação de negros, indígenas e disciplinados e respeitar os princípios da
seus descendentes. supremacia patriarcal branca e
Acreditamos que a crítica heterossexual. Assim, se explica porque
profunda ao Estado realizada pela não gostam de negros, indígenas,
literatura e sobretudo pelas lutas rebeldes, LGBTs, nem de mulheres
históricas anarquistas deve cooperar independentes. Toda essa base está nas
sobremaneira para a perspectiva estruturas militares e igrejistas. Se isso é
decolonial, livrando-a talvez do seu verdade, o caminho para a libertação de
último bastião da todas as opressões passa
modernidade/colonialidade: o respeito e necessariamente por liquidar as
a crença em alguma possibilidade de um instituições parteiras e que as
papel positivo cumprido pelo Estado institucionalizam, a saber: militarismo,
para as vítimas dos mais diversos igrejismo, capitalismo, que se
racismos. retroalimentam na defesa e justificativa
Em suma, em postura de uma instituição em comum: o necro-
absolutamente antagônica ao racista-Estado.

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