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Wallace de Moraes1
RESUMO ABSTRACT
Defendemos que as características do We argue that the characteristics of the
Estado brasileiro não escondem a sua Brazilian State do not hide its lineage,
linhagem, mostrando-se como um showing itself as a legitimate heir to the
legítimo herdeiro do princípio do poder principle of sovereign power of killing
soberano de matar que fundou o Estado that founded the modern European State.
moderno europeu. Por consequência, Consequently, its racist and murderous
explica-se o seu DNA racista e assassino. DNA is explained. For that, under a
Para tanto, sob um viés decolonial e decolonial and anarchist bias, we resort
libertário, recorremos às categorias de to the categories of “biopolitics”
“biopolítica” (Foucault) e de (Foucault) and necropolitics (Mbembe).
necropolítica (Mbembe). Keywords: criticism of state racism;
Palavras-chave: crítica do racista- decolonial perspective; anarchist
Estado; perspectiva decolonial; perspective
perspectiva libertária.
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Prof. do Dept. Ciência Política e dos Programas de Pós-Graduação de Filosofia (PPGF) e de História
Comparada (PPGHC) todos da UFRJ. Coordenador dos grupos de pesquisas: CPDEL (Coletivo de Pesquisa
Decoloniais e Libertários); OTAL (Observatório do Trabalho na América Latina). Bolsista da FAPERJ.
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Sobre as governanças institucionais ver De Moraes (2018b). Disponível em:
https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-
paradigma-anarquista-de-analise1/
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“É preciso que se chegue a um ponto tal que a Nestes termos, o racismo é pensado
população inteira seja exposta à morte. Apenas
como um constructo social. É importante
essa exposição universal de toda a população à
morte poderá efetivamente constituí-la como ressalvar que a literatura decolonial
raça superior e regenerá-la definitivamente
perante as raças que tiverem sido totalmente ratifica essa premissa.
exterminadas ou que serão definitivamente
sujeitadas” (Foucault, 2002: 310).
BIOPODER E RACISMO INTERNO
Em resumo, o modelo nazista E EXTERNO
conciliou a mais fiel aplicação do Para discutirmos as concepções
biopoder e do direito soberano de matar, de Foucault sobre o racismo, é
levando-o ao paroxismo. Constituiu-se, necessário fazer uma ressalva: ter
portanto, como a aplicação de um Estado lucidez que o intelectual francês
racista, assassino e suicida. É modelar a interpretava o mundo desde a Europa.
análise e a crítica de Foucault a esse Para quem pensa sob uma perspectiva
arquétipo como protótipo máximo da decolonial, essa advertência está longe
biopolítica e da implementação do de ser trivial, porque negamos a
racismo. possibilidade de um universalismo
Não obstante, como veremos à epistemológico.
frente, ele só pôde chegar a essa A partir destas balizas, façamos o
conclusão porque não levou em conta o exercício de nos colocarmos na posição
colonialismo e a colonialidade do poder. de Foucault. Logo, achamos necessário
Embora tenha dito que esse jogo esteja conceber a existência de dois tipos de
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Quando citamos governantes, estamos pensando não só nos ocupantes dos altos escalões do Estado, mas
também aqueles que controlam a economia, como grandes empresários, que são os governantes
econômicos; os altos magistrados, que são os governantes jurídicos; os generais, que são os governantes
militares; os altos escalões das igrejas, que são os governantes igrejistas (socioculturais). Para melhor
descrição das diferentes governanças institucionais, ver De Moraes (2018), disponível também em:
https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria-plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-
paradigma-anarquista-de-analise1/
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Governança oficialista consiste na opressão sobre aqueles que não respeitam as leis, as regras e a cultura
impostas pelos governantes no poder. Seus principais alvos são: rebeldes, fora da lei, anarquistas e
equivalentes (ver De Moraes, 2018), disponível também em: https://otal.ifcs.ufrj.br/estadolatria-
plutocracias-governancas-sociais-e-institucionais-preambulo-de-um-paradigma-anarquista-de-analise1/
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Ver Bourdieu (1998).
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“a multidão dos ameaçados pela fome nos países tanto por militares, quanto por
periféricos, os que abandonam suas casas e
países às vezes sem poder levar nada, os grandes paramilitares.
contingentes populacionais que vão em busca de
uma vida melhor (ainda que seja uma vida Nestes termos, para o caso
humilhada) são milhões; estão em outros países e
continentes, desenraizados, quase sempre tidos
brasileiro, as teses de Foucault estão
como indesejáveis e considerados párias nesses corretas apenas em parte. Aqui, o
países ‘centrais’ e perigosa, os caminhos são
difíceis, e milhares de pessoas morrem à míngua racismo e o exercício do poder soberano
em barcos, em meio a transportes inapropriados
ou simplesmente assassinados por sobre quem deve morrer é praticado sob
contrabandistas de carga humana.”
a normalização da biopolítica, através da
relação militar e biológica. Destarte,
Nas Américas, na África, na
pode-se tirar a vida dos “súditos” com
Ásia, a ritualização pública da morte que,
base no racismo, na posição de classe
segundo Foucault, desapareceu da
social, na heteronormatividade e na
Europa, continuou sendo realizada a
cisnormatividade. Isto significa que o
mando e/ou a favor de governantes
biopoder, entendido como fazer viver e
europeus e de seus descendentes contra
deixar morrer, é exclusivo dos povos da
não europeus, os povos colonizados, os
Europa ocidental, para seus autóctones e
sub-humanos.
descendentes pelo mundo.
Certamente, a constatação de
Para os outros povos sempre
Foucault não vale para o Brasil. Aqui,
prevaleceu a lógica do “fazer morrer”
em pleno século XXI, pobres, negros,
ditada pelo poder do soberano que, não
indígenas e seus descendentes são
coincidentemente, é, normalmente,
assassinados nas favelas e florestas à luz
branco, e quando não o é, está
do dia e este mecanismo é exatamente
desavergonhadamente a seu serviço.
utilizado como expressão de poder.
Essas são as bases da
Estima-se que morra assassinado um
colonialidade do poder e do seu racismo
negro/indígena a cada 23 minutos.6 Esse
estrutural, garantido pelo Estado.
tipo de genocídio, é verdade, deixou de
Quando tratamos do direito de
ser um espetáculo em praça pública,
matar o outro, tal como Foucault (2002)
porém, continua acontecendo e, muitas
e Mbembe (2018), pensamos em
vezes, é filmado e distribuído
diferentes tipos de assassínios que não se
orgulhosamente pelas redes sociais,
resumem à liquidação física do corpo,
todavia também os assassínios indiretos
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Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36461295 acessado em 28 de junho de 2020.
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sendo, portanto, desde a sua gênese, um amigo para manter o colonizado no seu
necro-racista-Estado, manchado pelo lugar e não importunar os governantes
sangue, suor e dor das suas vítimas. econômicos, políticos, socioculturais,
O Estado, para negros e jurídicos e penais. Mas também não é
indígenas, desde a sua origem na correto dizer que apenas a polícia, como
Modernidade, baseada no colonialismo, seu braço armado, se faz exposta. O
significa forças militares que existem Estado está presente também na
não para lhes proteger, mas para lhes cobrança dos impostos extraídos
matar, aprisionar, humilhar e lhes manter compulsoriamente quando se faz a
como meros reprodutores de capital para compra de qualquer produto ou serviço
os governantes brancos. Assim, os legal. Isto posto, é necessário dizer que o
humanos de cor, não brancos, são mortos Estado está nas favelas na forma de
por asfixia, ou não, à luz do dia e em extrator de dinheiro e também como
qualquer lugar e, às vezes, inclusive, sob repressor. Como nessas novas senzalas
filmagem de populares. não há praticamente nenhuma
Se concordamos com as retribuição em forma de serviços
afirmações supracitadas, no Brasil, básicos, materializa-se o ato de um roubo
existe uma guerra permanente estatal,7 que se for necessário, ocorrerá
patrocinada pelo Estado contra pobres, literalmente à mão armada.
negros, indígenas e insubmissos. A presença do Estado nessas
comunidades não só se constitui na mais
DA PRÁTICA DO NECRO-ESTADO significativa materialização do poder
RACISTA NO BRASIL soberano de decidir sobre quem pode
Nas comunidades e nos bairros morrer, mas expressa um desejo pela
mais pobres do Brasil não existe a morte dessas pessoas que não se
presença estatal para garantir enquadram no papel de obediência e de
saneamento, direitos básicos de saúde e produtor de riqueza para os brancos
educação, emprego, assistência social. A ricos, tal como é esperado pelo necro-
principal ação estatal se faz pelas forças racista-Estado. Assim, consubstancia-se
de repressão. A polícia mata, prende, como aplicação da NCO. Nada diferente
tortura e recebe o “arrego” do traficante do papel imperialista exercido nas
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Foi como um ato de roubo que Proudhon (1977) chamou o processo de legalização da propriedade privada
da terra para alguns em detrimento da maioria na História da humanidade.
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Ver ROCKER (2007).
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Kom’Boa Ervin (2018) demonstrou todo esse processo nos EUA. Quando foi criada a ideia de raça pela
elite branca governante justamente para diferenciar pretos e brancos, separando-os e facilitando a
dominação de classe, que impôs aos negros uma exploração ainda maior.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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