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ATUALIDADES
Política da Rússia
ATUALIDADES Alessandra de Fatima Alves

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Rússia: política e conflitos separatistas
“(...) a Rússia reconhece plenamente a sua responsabilidade pela manutenção de segurança quer global
quer regionalmente e está preparada para tomar medidas conjuntas com outros Estados no sentido de encontrar
soluções para problemas comuns. Mas se os nossos parceiros se revelarem mal preparados para desenvolverem
esforços conjuntos, a Rússia, de modo a proteger os seus interesses nacionais, terá que agir unilateralmente, mas
sempre tendo como base o direito internacional.”
(Federação Russa, 2008)

Introdução
Em 1991, todo o sistema, a integridade territorial soviética, a sua identidade jurídico-política e as suas
instituições governamentais foram postos em causa. A desintegração da URSS foi profundamente marcante para a
população russa. Do desmembramento da União Soviética, as quinze repúblicas tornaram-se independentes.

Desde o colapso da União Soviética, a Rússia enfrentou sérios desafios no seu esforço para criar um sistema
político, após 75 anos de governo socialista. As principais figuras nos ramos Legislativos e Executivos defendiam
visões distintas da direção política da Rússia e dos instrumentos governamentais que deveriam ser utilizados. O
conflito alcançou o seu clímax em setembro de 1993, quando o presidente Boris Ieltsin usou força militar para dis-
solver o parlamento e convocou novas eleições legislativas. Uma nova constituição, criando uma presidência forte,
foi aprovada em referendo, em dezembro de 1993.
Com uma nova constituição e um novo parlamento multipartidário, a estrutura política russa demonstrou
sinais de estabilidade. Como o período de transição se estendeu pela primeira metade da década de 1990, a
centralização do poder, a nível nacional, continuou a declinar, já que as regiões passaram a desfrutar de certa
autonomia política. Apesar do fim do conflito entre os Poderes Executivo e Legislativo, ambos permaneceram como
representantes de duas visões distintas sobre o futuro do país.
Vladimir Vladimirovitch Putin tem governado a Rússia desde a renúncia de Boris Iéltsin, em 1999. Seu
primeiro governo foi marcado por profundas reformas políticas e econômicas, pelo estadismo, por novas tensões

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com os Estados Unidos e com Europa ocidental, pela cro real aumentou e os salários mais que triplicaram. O
rigidez com os rebeldes chechenos e pelo resgate do desemprego e a pobreza caíram em mais da metade,
nacionalismo russo, atitudes que lembram em parte o e a satisfação de vida da população russa aumentou
regime soviético e o czarismo. Entre os eventos mais significativamente. O primeiro governo de Putin foi mar-
notáveis de seu governo, estão: o decreto que permite cado pelo grande crescimento econômico: a economia
a indicação dos governadores dos distritos russos pelo russa cresceu diretamente em oito anos, observando um
próprio presidente; a restauração do controle russo so- aumento de 72% no PIB. Essas conquistas foram atri-
bre a república separatista da Chechênia; os assassina- buídas pelos analistas à boa gestão macroeconômica,
tos não esclarecidos de seus opositores políticos – Anna a importantes reformas fiscais, ao aumento do fluxo de
Politkovskaia e Alexander Litvinenko; o fim do colapso capitais, ao acesso às finanças externas de baixo custo
econômico russo; a estatização de setores estratégicos e a um aumento de cinco vezes no preço do petróleo e
que até então estavam nas mãos dos oligarcas russos gás, que constituem os principais produtos de exporta-
e as consequentes prisões de muitos deles; e vários ção da Rússia.
desacordos diplomáticos com a Otan, sendo os mais Como presidente da Rússia, Putin transformou
memoráveis a discussão quanto ao estabelecimento de em lei um aumento de 13% na taxa proporcional da
mísseis no leste europeu, que levou Putin a criticar pu- receita, uma taxa reduzida de impostos sobre a recei-
blicamente a política internacional dos EUA e o apoio ta e novos códigos legais territoriais. Como primeiro-
russo aos separatistas na Ucrânia, após este país ter se -ministro, foi responsável por reformas militar e policial
alinhado à Aliança Atlântica. de larga escala. Sua política energética afirmou a po-
Por dezesseis anos, Putin foi oficial do KGB, o sição da Rússia como superpotência em energia. Putin
serviço secreto da União Soviética, chegando à paten- apoiou indústrias de alta tecnologia, como as nucleares
te de tenente-coronel. Aposentou-se das atividades e de defesa. Um aumento no investimento de capital
militares para ingressar na política, em sua cidade, estrangeiro contribuiu pela explosão em certos setores,
São Petersburgo, em 1991. Mudou-se para Moscou, como na indústria automotiva. Somado a esse desen-
em 1996, para fazer parte da administração do então volvimento, inclui-se a construção de oleodutos e ga-
presidente Boris Iéltsin, na qual cresceu rapidamente, sodutos, a restauração do sistema de navegação por
tornando-se presidente interino em 31 de dezembro de satélite Glonass e a construção de infraestrutura para
1999, quando o presidente Iéltsin renunciou ao cargo. eventos internacionais.
Putin venceu as eleições do ano seguinte, tornando-se Na Rússia, a liderança de Putin goza de conside-
de fato presidente da Rússia, sendo reeleito em 2004. rável popularidade, com altas taxas de aprovação geral.
Putin foi impedido de concorrer para um terceiro man- Por outro lado, várias de suas ações têm sido caracte-
dato em 2008, já que, na época, a constituição russa rizadas pela oposição como antidemocráticas. Obser-
só permitia dois mandatos consecutivos. Assim sendo, vadores ocidentais e organizações também juntaram
seu aliado Dmitri Medvedev seria seu sucessor, o que vozes para criticar o governo de Putin. A classificação
levaria à escolha de Putin como primeiro-ministro do de 2011 do Índice de Democracia apontou que a Rús-
país, cargo que ele manteve até o final da presidência sia está em ”um longo processo de regressão graças à
de Medvedev. Em setembro de 2011, Putin anunciou mudança de um governo híbrido para um regime auto-
que concorreria a um terceiro mandato nas eleições do ritário”. Os cabos diplomáticos vazados pelo WikiLeaks
ano seguinte, gerando diversos protestos nas principais alegam que a Rússia se tornou um ”Estado mafioso
cidades do país. Como esperado, Putin foi reeleito por virtual”, devido à corrupção sistemática. Alguns críticos
mais seis anos, em seu terceiro mandato, com fim pre- o descrevem como ditador – alegações que o próprio
visto para 2018. Putin nega incondicionalmente. Sob Putin, a Rússia mo-
Putin tem sido amplamente responsabilizado dificou suas relações com os Estados Unidos e o Reino
pelo retorno da estabilidade política e do progresso Unido, já que adotou uma postura mais independente,
econômico da Rússia, pondo fim à crise dos anos 1990. caracterizada pela política de não intervenção, contrária
Durante a primeira gestão de Putin (1999-2008), o lu- à dos estadunidenses e britânicos. Putin projeta uma

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imagem pública de aventureiro, homem viril, sempre engajado em atividades perigosas e incomuns. Algumas
destas jogadas publicitárias são criticadas ocasionalmente. Assíduo praticante de artes marciais, teve ampla parti-
cipação no desenvolvimento do esporte russo, sendo o exemplo mais notável a colaboração para fazer da cidade
de Sochi a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014.

Política interna
A política interna de Putin, principalmente durante seu primeiro mandato, visou a criação de um ”poder
vertical”. Em 13 de maio de 2000, ele sancionou um decreto dividindo as 89 subdivisões da Rússia entre sete dis-
tritos comandados por representantes nomeados por ele mesmo, de forma a facilitar a administração federal. Putin
também desenvolveu uma política de crescimento das subdivisões: o número caiu de 89, em 2000, para os atuais
83, após a fusão dos okrugs com demais subdivisões próximas.
Em julho de 2000, de acordo com uma lei proposta por Putin e aprovada pelo Soviete Federal, o presidente
ganhou o direito de despedir chefes das subdivisões federais e, no ano de 2004, as eleições para governadores
por voto direto foi extinta, estratégia essa que foi vista como necessária por Putin, para dar um fim às tendências
separatistas e livrar-se daqueles governadores que estavam conectados com o crime organizado. A medida, de fato,
parece ter sido temporária, já que, em 2012, segundo proposta do presidente Dmitri Medvedev, sucessor de Putin,
as eleições para governadores foram reintroduzidas e, junto delas, as reformas de Medvedev também simplificaram
o registro de partidos políticos e reduziram o número de assinaturas necessárias por candidatos de partidos não
parlamentares para lançar candidatos independentes à presidência, afrouxando a rigidez e restrições impostas pela
antiga legislação de Putin. A rígida legislação eleitoral foi outro motivo para a crítica da mídia independente russa
e de observadores estrangeiros, que a chamaram de ”anti-democrática”.
Em seu primeiro mandato, Putin se esforçou para inibir as ambições políticas de boa parte dos oligarcas
russos, resultando no exílio e/ou na prisão de muitos deles, como Boris Berezovski e Mikhail Khodorkovski. Intimi-
dados, outros oligarcas logo se aproximaram do círculo de Putin.

Na política russa, a carga negativa do comunismo é mais pesada que seu legado.

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Putin governou diante de uma intensa luta com
o crime organizado e o terrorismo, que resultou em uma uma vez que a Geórgia não desistiu de reintegrar
taxa de assassinatos duas vezes menor em 2011, assim a região. A Rússia, por sua vez, apoia a decisão da
Ossétia do Sul em continuar independente.
como uma redução no número de ações de terroristas
No dia 8 de agosto, as tropas da Geórgia reali-
no final dos anos 2000. Também obteve êxito nos códi-
zaram uma ofensiva apoderando-se da Ossétia do
gos das legislações sobre terra e impostos e promulgou
Sul. Segundo o presidente da Geórgia, Mikhail Saa-
novos códigos acerca das legislações trabalhista, admi-
kashuili, a Rússia executou bombardeios em seu
nistrativa, criminal, comercial e civil. Sob a presidência
território, figurando como uma invasão que fere a
de Medvedev, o governo de Putin implementou diversas soberania nacional.
reformas na área da segurança de Estado, além da re- O principal motivo que envolve a Rússia nessa
forma na polícia e no exército. questão é que a Ossétia do Sul pretende ser ane-
xada ao território russo para se juntar ao restante
Política externa de sua etnia, que se encontra na Ossétia do Norte,
localizada em território russo, indo totalmente con-
No final de agosto de 2014, Putin afirmou: ”As tra os interesses da Geórgia.
O presidente da Geórgia afirmou que a Rússia
pessoas que têm suas próprias opiniões sobre a história
enviou veículos militares para a Geórgia e a Os-
e a história do nosso país podem discutir comigo, mas
sétia do Sul, com a finalidade de impedir a entrada
me parece que os povos russo e ucraniano são prati-
das forças militares georgianas. Esses fatos levam a
camente um povo”. Depois de fazer uma declaração
crer que essa divergência geopolítica pode condu-
semelhante no final de dezembro de 2015, Putin disse: zir a uma guerra, tendo em vista que já ocorreram
”(...) a cultura ucraniana, bem como a literatura ucra- confrontos armados com vítimas.
niana, certamente tem uma fonte própria”. Segundo o dirigente da república, Eduard Ko-
koiti, a Geórgia tem objetivos de realizar uma lim-
peza étnica na Ossétia do Sul, sendo que esse úl-
Conflito entre a Rússia e a Georgia
timo ataque figura o terceiro genocídio promovido
pelas forças militares georgianas.
Esse conflito está alicerçado na troca de
acusações entre Rússia e Geórgia. A Rússia afirma
que a Geórgia destruiu uma cidade na Ossétia do
Sul por meio de ataques aéreos. A Geórgia acusa a
Rússia de atacar sua base e se defende afirmando
às autoridades internacionais que está sendo víti-
ma das forças armadas russas.
De forma genérica, esse é mais um problema
geopolítico desenvolvido no leste europeu, quase
Um ponto culminante para a eclosão do foco sempre motivado pela intolerância étnica, cultural
de tensão entre Rússia e Geórgia foi desencadea- e religiosa.
do pelo interesse dos países citados em anexar o A Ossétia do Sul é um território de mais ou
território da República de Ossétia do Sul aos seus menos 4 mil km2 localizado a cerca de 100 km ao
domínios. Em 20 de setembro de 1990, surgiu a norte da capital da Geórgia, Tbilisi, na encosta sul
República da Ossétia do Sul. Apesar de estar dentro das montanhas do Cáucaso. O colapso da União
do território da Geórgia, alcançou sua autonomia. Soviética alimentou o nascimento de um movi-
No entanto, os líderes da Geórgia não aceitaram o mento separatista na Ossétia do Sul, que sempre
fato, declarando ser inconstitucional. se sentiu mais próxima da Rússia que da Geórgia.
A partir da autonomia da República da Ossétia A região livrou-se do controle georgiano durante
do Sul, houve o surgimento de um foco de tensão, uma guerra travada em 1991 e 1992 e na qual

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milhares de pessoas morreram. A Ossétia do Sul A Rússia e as ex-repúblicas
mantém uma estreita relação com a vizinha russa
Ossétia do Norte, que fica do lado norte do Cáucaso. Após a anexação da península da Crimeia à
A maior parte de seus quase 70 mil habitantes Federação Russa, observadores se perguntam se
é etnicamente distinta dos georgianos e fala sua o presidente Vladimir Putin terá na mira outros
própria língua, parecida com o persa. Essas pes- países na periferia da Rússia.
soas afirmam terem sido absorvidas à força pela §§ Estônia: cerca de um quarto de seus 1,3
Geórgia, durante o regime soviético, e almejavam milhão de habitantes é de origem russa. O
exercer seu direito à autodeterminação. Estado no extremo nordeste da Europa tem
Cerca de dois terços do orçamento anual da muitas florestas, possui mais de 1.500 ilhas
região, aproximadamente de US$ 30 milhões, vêm e é considerado local promissor para em-
do governo russo. Quase todos os moradores dali presas de internet.
exibem passaportes russos e usam o rublo russo §§ Letônia: um pouco maior, era altamente
como moeda. industrializada na época soviética e atraiu
O estado de ”cristalização” do conflito na Os- muitos imigrantes russos. Mais de um quarto
sétia do Sul, assim como o da outra região sepa- de seus atuais 2 milhões de habitantes fala
ratista georgiana, a Abkházia, permitiu à Rússia russo. A agricultura, a pesca e a silvicultura
preservar um instrumento vital de influência sobre são os principais pilares da economia local.
seu vizinho do sul. §§ Lituânia: com 3 milhões de habitantes,
foi a primeira república a se declarar in-
dependente da URSS. No entanto, até hoje
mantém laços econômicos estreitos com a
Rússia, sua principal parceira de negócios,
para onde vai quase 18% das exportações
lituanas. Moscou observa o país com aten-
ção especial, pois ele faz fronteira com o
enclave russo Caliningrado.

Vizinhos na União Europeia


Mais para o sul, Belarus, Ucrânia e a Repúbli-
ca da Moldávia formam uma zona-tampão entre a
Rússia e a UE, que há alguns anos vêm se expan-
dindo em direção a leste. Enquanto Belarus aderiu
à União Aduaneira Russa, a Ucrânia e a Moldávia
A União Eurasiática com os atuais membros:
são do interesse ativo da UE.
Rússia, Armênia, Bielorússia, Cazaquistão e Quirguistão
§§ Belarus: após o colapso da União Sovi-
Apesar das tensões existentes ou passadas entre ética, tornou-se independente em 1991.
a Rússia e a maioria das ex-repúblicas soviéticas, Putin Desde 1994, o presidente Alexander Luka-
seguiu a política de integração euro-asiática, endossan- shenko governa o país com punho de ferro.
Ele se opõe à privatização das empresas
do a ideia de uma União Eurasiática, em 2011 – o con-
estatais – economia privada é praticamen-
ceito foi proposto pelo presidente do Cazaquistão, em
te inexistente – e tem grande interesse no
1994. Em 18 de novembro de 2011, os presidentes da
estreitamente das relações com Moscou.
Bielorrússia, do Cazaquistão e da Rússia assinaram um O país depende muito do petróleo russo.
acordo determinando o objetivo de estabelecer a União Grande parte do transporte do petróleo e
Eurasiática até 2015.

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gás da Rússia para a Europa Ocidental se §§ Abkházia: em 1999, declarou sua indepen-
dá através de Belarus. dência em relação à Geórgia, que não reco-
§§ Ucrânia: há bastante tempo, o país está nas nhece a separação. Porém, a economia do
manchetes, devido a meses de protestos, de- país de 250 mil habitantes foi prejudicada
posição do presidente, novo governo interi- na luta pela autonomia. A Rússia procura
no e o referendo na Crimeia, que definiu a intensificar sua influência e, recentemente,
anexação da península pela Rússia. A Ucrâ- aumentou seus investimentos na Abkházia,
nia tem uma longa história de submissão a além de usar o país desde 2010 para esta-
potências estrangeiras: segundo certos estu- cionar seus mísseis antiaéreos.
diosos, seu nome significaria ”terra fronteiri- §§ Ossétia do Sul: reconhecida pela Rússia
ça”. No tocante ao idioma, história e política, como Estado independente depois da guer-
o país é profundamente dividido. Um terço ra na Geórgia, ela é hoje um enclave de 70
dos habitantes têm o russo como língua ma- mil habitantes, extremamente dependente
terna, e o leste é fundamentalmente pró-rus- de verbas russas. Sua cota de desemprego
so. A Ucrânia é vital para o abastecimento da é alta, assim como seu custo de vida. Há
Rússia com gêneros alimentícios e também anos, ela se empenha pelo ingresso na Fe-
um ponto nodal para as exportações russas deração Russa.
de energia, além de importante fornecedora §§ Inguchétia: república autônoma dentro
de água e eletrici-dade para a Crimeia. O país da Federação Russa, com 400 mil habitan-
e a UE traba-lham em direção a um acordo tes, na maioria muçulmanos. As origens
de associação, que já foi em parte assinado. étnicas são de grande importância em sua
§§ República da Moldávia: até ser anexada sociedade.
pela União Soviética em 1940, pertencia §§ Tchetchênia: em 1991, após o fim da
à Romênia. Com 4 milhões de habitantes, URSS, declarou sua independência em
relação à Rússia. Três anos mais tarde, o
luta contra tendências separatistas inter-
Kremlin enviou tropas para o país para
nas, sobretudo nas regiões da Transnístria
restabelecer sua autoridade, resultando
e da Gagaúzia. Em seus esforços por um
na primeira guerra da Tchetchênia, termi-
contato mais estreito com a Moldávia, a UE
nada em 1996 com a fragorosa derrota
está negociando um acordo de associação.
da Rússia. Em 1999, os militares russos
Em contrapartida, Moscou tenta forçar a re-
retornaram ao país. A taxa de desem-
pública a aderir a sua união aduaneira, por
prego e a pobreza são grandes entre os
exemplo, boicotando as exportações mol-
1,25 milhão de tchetchenos, apesar das
dávias de vinho e produtos agrícolas.
injeções financeiras de Moscou para a re-
construção.
Cáucaso § § Daguestão: assim como a Inguchétia e a
Tchetchênia, é uma república autônoma
O Cáucaso, na interface entre a Europa e a dentro da Rússia, com quase 3 milhões
Ásia, é uma das regiões de maior diversidade lin- de habitantes e maioria muçulmana. O
guística e cultural do Planeta, mas também é um russo é a primeira língua oficial, embora
viveiro de conflitos. Com exceção do Azerbaijão – apenas 3,5% da população seja de etnia
rico em petróleo –, a maioria dos países da região russa. A extração de petróleo e gás são
não conseguiu se firmar economicamente na era os setores econômicos mais importantes,
pós-soviética, o que origina grandes conflitos soci- ao lado da pesca. As autoridades do país
ais. A influência russa continua sendo enorme. Os são avaliadas como basicamente fiéis
principais focos de crise são: Abkházia, Ossétia do a Moscou, mas também extremamente
Sul, Inguchétia, Tchetchênia e Daguestão. corruptas.

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As eleições de 2018 retorno da ”Grande Rússia”. Além disso, ao abandonar
o controle estatal sobre os preços, a sociedade sofreu,
Ao longo do último século, apenas um político na época, com a hiperinflação, agravada pela alta dívida
russo permaneceu no poder mais tempo que Vladimir externa. No entanto, durante os últimos anos, o nacio-
Putin: Josef Stalin, que ocupou por 31 anos, entre 1922 nalismo ressurgiu na Rússia, e muitos especialistas o
e 1953, o cargo de secretário-geral do Partido Comunis- atribuem a Putin e a seu discurso, que evoca a grandeza
ta na extinta União Soviética. do passado.
Com a vitória nas eleições de março de 2018, Um em cada três russos acredita que seu país
Putin será presidente da Rússia, pela quarta vez, até não integra a cultura europeia nem asiática, sendo uma
2024, quando somará 25 anos no poder – se contados ”civilização única”, conforme levantamento feito em
os quase cinco anos em que foi primeiro-ministro. 2014 pela agência russa Romir.
De acordo com os resultados oficiais, ele obte- O governo russo ”utiliza a história, elegendo as
ve mais de 76% dos votos. O segundo colocado, Pável partes do passado que quer ressaltar ou menosprezar”.
Grudinin, do Partido Comunista, só alcançou 12% dos Algo que ajuda a explicar porque, na Rússia de Putin, o
votos. O resultado não causou surpresa, já que Putin czar Nicolau II, convertido em santo pela Igreja ortodo-
liderava as pesquisas com margem ampla. Vale destacar xa russa, é amplamente admirado, assim como o princi-
que o principal líder da oposição, Alexei Navalny, esta- pal suspeito de ordenar seu assassinato, Vladimir Lênin,
va impossibilitado de concorrer por ter sido condenado o principal líder da Revolução Comunista de 1917.
em um caso de desvio de recursos públicos. Navalny
assegura que a condenação teve motivações políticas,
gerada por seu protagonismo nas manifestações contra
Putin nas eleições de 2012.
No Ocidente, o presidente russo é visto por mui-
tos como um autocrata que rejeita valores democráticos
e direitos humanos. Mas na Rússia, ele tem altos índices
de popularidade e sua política externa é motivo de or-
gulho para muitos russos.
Putin passou, nos últimos anos, de uma popularidade de 60% para 89%.
A queda da União Soviética no final de 1991
provocou ”confusão e ressentimento” entre os russos.
O êxito de Putin recai no fato de ter conseguido
A União Soviética, que havia sido uma das maiores po-
construir uma identidade nacional em uma sociedade
tências mundiais, de repente se desmembrava, perdia
tão étnica e culturalmente diversa como a Rússia. Para
território e renunciava a postulados políticos e ideoló-
unir grupos tão diferentes, como os tártaros e os russos
gicos para adotar práticas que, durante décadas, havia
da capital, ele não focou em ressaltar o que esses dois
desprezado.
povos têm em comum, mas sim o que os separam de
dissidentes. O argumento de Putin é o de que oposito-
res não compartilham ”valores tradicionais russos” de
patriotismo e moral.
Antes do conflito com a Ucrânia – que resultou
na anexação da Crimeia pela Rússia –, a popularidade
de Putin vivia seu ”pior momento”, girando em torno
de 60%. Um ano depois, disparou para 89%, segundo
o instituto de pesquisa de opinião russo Centro Levada.
Os atritos atuais com países europeus e a inter-
A maior parte dos russos enxerga ações de for- venção no conflito da Síria (a Rússia é a principal aliada
ça – por exemplo, a anexação da Crimeia – como o do presidente Bashar al-Assad) parecem ter devolvido

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ao país, aos olhos da população local, o lugar de desta- Essas atividades tradicionalmente associadas à
que em temas geopolíticos que costumava ter na época força e ao domínio contribuíram para criar uma imagem
da União Soviética. de ”macho alfa”– alguém forte e capaz de governar
Todos esses fatores têm contribuído para restau- com firmeza, o que inspira a segurança e a confiança
rar o orgulho de um povo que, no começo do milênio, em muitos russos.
sofria uma grave crise de identidade.

A economia e o medo de
reviver os anos 1990
A queda da União Soviética foi um duro golpe
econômico para a sociedade russa. O produto interno
bruto (PIB) per capita se reduziu de US$ 3.485,00, em
1991, para US$ 1.330,00, em 1999, uma queda de
38%, segundo dados do Banco Mundial estimados em
função do valor atual do dólar.
No entanto, nos anos 2000, quando a era Putin
teve início, a economia voltou a crescer. O PIB per capita
aumentou até alcançar, em 2013, o valor recorde de
US$ 16 mil (R$ 52 mil, aproximadamente). A proporção
de russos que vivem na pobreza passou de 33,5%, em
”Sem Putin não há Rússia”, disse, recentemente, o presidente do parla-
1992, para 13,4%, em 2016, segundo o Serviço Federal mento russo Oleo Sokolov, que integra um grupo jovem de simpatizantes
Russo de Estatísticas. de Putin.

Durante o governo de Putin, também surgiram


Mas nem todos os que votam por Putin simpa-
os primeiros multimilionários russos. Desde 2013, co-
tizam com suas políticas. Alguns russos simplesmente
meçou a haver um retrocesso na expansão e na redução
da pobreza. No entanto, a sociedade russa ainda asso- optam por manter o status quo diante do temor de que
cia a bonança a Putin e não se esqueceu das ”penúrias” um novo cenário seja pior.
sofridas na década de 1990.

Valores como democracia e liberdades parecem ocupar o segundo plano,


atrás de bem-estar econômico, na Rússia.
Na Rússia de hoje, o poder e a liderança estão
Aos seus 66 anos, o presidente russo não he- centralizados na figura de Putin. A equipe dele se en-
sita na hora de tirar a blusa e exibir os músculos. Ele carregou de construir essa dinâmica, como demonstram
se deixa fotografar enquanto faz exercícios, nada, voa declarações do atual presidente da Duma (parlamento
de asa delta, pratica caratê, sai para pescar, caçar ou russo), Vyacheslav Volodin: ”Na atualidade, sem Putin
montar a cavalo. não há Rússia” ou ”Qualquer ataque a Putin é um ata-

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que à Rússia”. Alguns russos temem que, sem Putin, a de convencer o presidente Nicolás Maduro a não fugir
Rússia se desmorone. para Cuba.
”Se Putin morresse, ninguém saberia o que acon- A Rússia tem seus motivos para apoiar Maduro.
teceria no dia seguinte. Seria como no filme A morte de Além de ser um dos poucos aliados na América latina,
Stalin”, afirmam os editores do serviço russo da BBC, Moscou investiu milhões na economia venezuelana.
em referência ao filme que narra de maneira cômica as A tensão na Venezuela foi acentuada desde que
Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino em
traições e disputas pelo poder, após a morte do líder
janeiro, afirmando que a reeleição de Maduro no ano
soviético. Para quem pensa assim, ter Putin novamente
passado era ilegítima e baseada em três artigos da
como presidente seria um mal menor.
Constituição.
Mais de 50 países, liderados pelos Estados Uni-
A expulsão de diplomatas russos dos, apoiaram o presidente da Assembleia Nacional,
enquanto China e Rússia deram seu apoio a Maduro.
Até então, 14 países da União Europeia, Ca-
Atingida pelas sanções ocidentais, a Rússia rapi-
nadá, EUA e Ucrânia se aliaram ao Reino Unido, no
damente percebeu uma oportunidade, mesmo que isso
que diz respeito à acusação contra a Rússia – até
então sem provas – do envenenamento perto de
signifique abrir um confronto com os Estados Unidos
um shopping em Salisbury. na América latina, tradicional esfera de influência de
Em especial, a Alemanha mandou embora Washington.
quatro diplomatas russos; já a Dinamarca e a Ho- Os laços entre a Rússia e os países ocidentais
landa mandaram de volta para casa dois diplomatas se deterioram muito desde a anexação da Crimeia, em
russos, cada. Países bálticos, no total, mandaram em- 2014, por parte de Moscou e de seu apoio aos sepa-
bora cinco diplomatas russos, enquanto os governos ratistas no leste da Ucrânia e do presidente Bashar al-
italiano, romeno, croata, sueco e finlandês optaram -Assad na Síria.
por expulsar um diplomata russo, cada. Além disso, ”A Rússia está fazendo a seguinte jogada em
quatro funcionários russos desaíram da Polônia, sen- nosso hemisfério, e a Otan está rejeitada”, escreveu no
do esta quantidade igual aos que deixaram a França. mês passado o presidente do Think Tank Atlantic Coun-
Quanto à Ucrânia, o governo mandou expulsar treze
cil, Frederick Kempe.
diplomatas, e no caso da República Tcheca são três.
Rússia e Venezuela mantêm vínculos há algum
Trump, por sua vez, ordenou a expulsão de 60 diplo-
tempo, e o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, era
matas, entre os quais, 48 trabalhavam na embaixada
muito bem quisto pelo Kremlin.
russa, e outros doze na ONU.
Após a morte de Chávez, em 2013, a relação
No entanto, o embaixador da Rússia nos EUA,
Anatoly Antonov, frisou que a responsabilidade com o país com as maiores reservas de petróleo do
das consequências da fratura das relações russo- mundo continuou a ganhar força.
-americanas cabe aos EUA. Antonov acrescentou: A Rússia é o segundo credor mais importante em
”(...) por sua vez, expresso protesto rigoroso em Caracas depois da China, e Moscou investiu pesada-
relação às ações ilegais dos EUA, ressalto que hoje mente em recursos petrolíferos da Venezuela.
em dia não há nenhuma prova sobre a intervenção
da Federação da Rússia na investigação do caso,
bem como sobre envolvimento da Rússia na tragé-
dia em Salisbury”.

A influência de Putin na Venezuela


A Rússia emergiu como um ator influente na cri-
se na Venezuela, quando Washington acusou Moscou

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