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TRABALHO TEÓRICO-PRÁTICO
UBERABA
2021
O presente trabalho tem o objetivo de analisar quatro eventos da história
de aprendizado de um indivíduo. A aprendizagem é um processo contínuo e
demarcado pelas vivências do sujeito ao longo do ciclo vital. É influenciada por
uma multiplicidade de fatores, como as questões familiares, sociais, do sistema
educacional e as características do aprendiz (Coll & Solé, 2004). É importante o
caráter ativo do aprendiz, para que interprete e internalize o conhecimento,
resultando em uma aprendizagem significativa. Foi realizada uma conversa com
uma mulher, 21 anos, nome fictício Sofia.
Processo de alfabetização
A mãe serviu ao papel de mediadora para Sofia, ela conta que quando
encontrava problemas para escrever ou ler uma palavra, a mãe a ajudava
explicando melhor por meio de materiais concretos (com jogos educativos e o
alfabeto móvel). Segundo Vygotsky (1993), a Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP) é a distância entre o nível de desenvolvimento real (o que a criança já faz
sozinha/habilidades já conquistadas) e o nível de desenvolvimento potencial (a
criança possui potencial, o desempenho é possível com a ajuda de mais experientes).
A mãe (habilitada) mediou a relação de Sofia com o processo de apropriação do
conhecimento, seu ensino incidiu na ZDP e ela pôde promover o aprendizado
significativo da filha. Considerando isso, observamos a mãe como um “agente
educativo” (Del Prette & Del Prette, 2008).
Ademais, Sofia relata que seu pai lhe contava histórias à noite e ambos eram
muito fãs de gibis. Essas foram formas de encorajar a garota, inclusive com uma
leitura própria para a sua faixa etária, despertando seu interesse e havendo um sentido
na leitura para a menina. Essa relação próxima com os pais é essencial para
construir o sistema psicológico das crianças, pois as experiências no ambiente
familiar irão moldar e influenciar o comportamento do filho antes mesmo da idade
escolar (Piletti, 1984, citado por Hickmann, 2020). Além disso, averiguei que os
pais estabeleciam limites e disciplina, explicando as normas de funcionamento das
atividades e monitorando positivamente a aprendizagem da filha, sendo um
recurso vantajoso, pois ajuda a criança a discriminar comportamentos (Del Prette
& Del Prette, 2008). A escola também influenciou no processo de alfabetização,
Sofia recorda-se de ficar muito feliz com os elogios da professora quanto ao seu
desempenho nas leituras em classe. Ou seja, a professora disponibilizava
reforçadores positivos para ela. Segundo a abordagem comportamental skinneriana,
como citado por Hubner (1998), a professora estava promovendo a aprendizagem
através do método de arranjar contingências de reforço para estimular a frequência
do comportamento da leitura, criando condições favoráveis de ensino-aprendizagem
baseadas em um feedback positivo.
Outro ponto é que o pai de Sofia sempre gostou de ler e tinha uma pequena
biblioteca em casa. O fato de Sofia observar o comportamento do pai de ler a
influenciou positivamente por meio de uma aprendizagem por observação. Beck
(2018) elucida acerca do comportamento vicário, descrito por Bandura como a
aprendizagem influenciada pela observação do comportamento dos outros e de suas
consequências, por aquilo que a criança aprende observando seu entorno e toma
como modelo. É possível constatar que Sofia interiorizou o valor da leitura, pois ela
diz que gosta de ler e escrever, sendo algo que sente orgulho e satisfação. Ela
inclusive aponta que o curso universitário que escolheu tem muita leitura e ela ama.
Aprendizagem matemática
Sofia entrou para as aulas de piano ainda nova, com 8 anos, e realizou a
atividade até os 14 anos, foram 6 anos de piano. Foi uma experiência que ela relata
ter tido muita dificuldade e pude observar fatores que elucidam isso. Seus pais
sempre amaram a ideia da menina tocar na igreja e decidiram colocá-la nas aulas.
No começo, Sofia gostava de sua primeira professora e das músicas que aprendia.
Mas no segundo ano, ela trocou de professora e diz que não se adaptava aos seus
métodos de ensino. A professora não a deixava escolher as músicas que gostaria de
tocar, passando apenas músicas gospel e eruditas. Segundo Piaget (2002), não se
deve colocar para a criança problemas que ela não seja capaz de resolver, logo que
não se pode acelerar o desenvolvimento, apenas facilitá-lo por meio de atividades
desafiantes, mas de acordo com cada fase do desenvolvimento e com dificuldade
moderada. Vale ressaltar que a música clássica pode exigir especial esforço de uma
criança. A professora não propunha um ensino que fizesse sentido para Sofia e que
fosse de encontro com suas necessidades para motivá-la. Além de que, dizia “Fulana
tem a sua idade e já toca essa música, então você também consegue!”, isso não era
reforçador para a menina (mesmo que a professora não soubesse), ela se sentia menos
capaz. Ao comparar a capacidade de Sofia com a de outros alunos, a professora
estava desconsiderando as particularidades de Sofia e o modo que ela aprendia.
Segundo a abordagem humanística de Carl Rogers (1974), é essencial que o aprendiz
seja respeitado em suas especificidades e tenha liberdade para fazer escolhas, de
forma que isso promova a autorrealização e crescimento pessoal da pessoa. O
educando precisa adequar estratégias para modelar e regular a aprendizagem e
motivação dos alunos, levando em conta suas características próprias/individuais
(Ruiz, 2003). Fora isso, a professora utilizava de mecanismos punitivos, através de
repreensões verbais quando a menina não obtinha o desempenho esperado. Segundo
Skinner (1948), os efeitos colaterais da punição são comportamentos de
fuga/esquiva, Sofia começou a se afastar das situações de aprendizagem, a apresentar
comportamentos de desatenção e bloqueio da recepção das informações. Esse
modelo de ensino tradicional de punição é sem atrativos e gerou apatia na menina,
que passou a não estudar mais para as aulas semanais de piano e consequentemente
demorava um longo tempo para aprender uma música completa. Vale pontuar que
os interesses e a percepção de valor de uma atividade são fatores internos que afetam
o grau de esforço e persistência que o aluno dedica à atividade (Brophy, 1998).
Ela diz que o único motivo de ficar tanto tempo no piano foi pelos seus pais.
O que a manteve foi uma motivação extrínseca para atender às expectativas dos pais.
Ela também vivenciou situações que considerou aversivas, como as várias
apresentações nos palcos e tocar no culto da igreja semanalmente. Declara que
mesmo que tentasse fugir, seus pais pareciam não compreender seus sentimentos.
Ela conta que mesmo tendo ganhado um piano dos pais, atualmente é raro ela tocar,
o que demonstra que o “bloqueio” em relação ao piano perdurou. Pude notar que
caso Sofia tivesse trocado de professora, poderia ter se adaptado melhor, já que a
professora não influenciou positivamente no sentimento de autoeficácia da menina e
os materiais utilizados não “capturavam” sua atenção.
COLL, C; SOLÉ, I. Ensinar e aprender no contexto da sala de aula. In. COLL, C.;
MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. Desenvolvimento Psicológico e Educação:
psicologia da educação escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.
DEL PRETTE, Z. A. P., & DEL PRETTE, A. Um sistema de categorias de
habilidades sociais educativas. Paidéia, 18(41), p. 517-530, 2008.
SKINNER, B. F. Walden Two: uma sociedade do futuro, 1975. Tradução realizada por
R. Moreno & N. R. Saraiva São Paulo: Herder (trabalho original publicado em 1948).