Você está na página 1de 6

O mito da democracia racial no Brasil

Maria Eduarda Vigolo- 00329806

O capítulo nove da obra “Da Monarquia à República", escrita por Emília Viotti da
Costa, apresenta a temática sobre o mito da democracia racial no Brasil, frase que nomeia o
capítulo. Esse capítulo fará importante papel na compreensão da edificação da sociedade
brasileira, e em como chegamos ao século XXI com o racismo velado no país.
A priori, faz-se necessário explicitar o que é o, tão mencionado, racismo velado.
Segundo o artigo científico de Miriã Anacleto: “o racismo velado, não reconhecido,
escondido atrás das máscaras do liberalismo e do discurso democrático.”1. Ou seja, é
onipresente na sociedade e na maioria das relações sociais, mas se faz turvo, passando sem ser
notificado em diversas situações.
Dessa forma, “Da monarquia à República”, traz o leitor a priori da situação já
existente, o racismo velado, levando-o a conhecer como nosso país desenvolveu uma cultura
racista abdita.
Assim, a narrativa inicia comentando o mito da democracia racial, e por que ele foi
estruturado no país em favor da elite nacional. O contexto inicial dado pela autora mostra e
critica como ocorreu a segregação racial no Brasil.
Em decorrência disso, somos levados a repensar a sociedade brasileira, já que, o
racismo no Brasil, desde o princípio, não era sobre evidenciar as diferenças entre brancos e
negros, ao contrário, foi uma tentativa constante de anular a população negra e mestiça
presente no país. Ademais, podemos averiguar que é uma cultura do mito racial que continua
em proposição em alguns âmbitos atuais. Dessa maneira, são constantes propagandas de
grandes lojas em dias comemorativos da luta negra, mas no resto do ano, a população negra,
segue sendo marginalizada e desvirtuada de oportunidades de trabalho nas mesmas empresas
que se dizem anti-racistas.
Logo, como cita a autora, a identidade de grupo dos negros brasileiros foi, desde cedo,
muito precarizada. “Como os negros brasileiros desfrutavam mobilidade social e
oportunidades de expressão cultural, não desenvolveram uma consciência de serem negros da
mesma forma que seus congêneres norte-americanos.”2. Percebe-se, portanto, que também foi
uma prática estrutural e programada ao movimento racista ceder alguns direitos aos negros

1
Anais do XI Seminário de Ciências Sociais - 21 a 25 de Outubro de 2013 Ciências Sociais em foco: faces do
Brasil no mundo contemporâneo. Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais, p. 7
2
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República. 6. ed. São Paulo: Unesp, 1999, p.365
1
para que eles não se organizassem como classe social, e a dominância seguisse sendo entre
patrão e vassalo, embora seja de conhecimento geral que ia muito além disso e se estendia ao
racismo propriamente dito.
Além disso, a análise possível sobre como o racismo foi institucionalizado na
sociedade brasileira, tem relação com o apagamento da majoritária população negra. Explico,
portanto, fala-se muito em racismo velado e ele se inicia quando qualquer indivíduo não
obviamente negro era considerado branco. Assim, dissemina-se a cultura do esquecimento das
tradições, raízes e culturas negras trazidas da África. Desde o início do período escravocrata,
ao chegar ao Brasil, os escravos eram separados, com o objetivo de se deslocarem de suas
tribos, tinham seus nomes trocados, americanizando a língua, além de serem proibidos de
falar suas línguas nativas.
Em decorrência dos fatos citados, faz-se mais que evidente que o projeto de
transformar o Brasil em um país “branco” foi articulado desde que os negros foram
escravizados. A mão de obra escrava era requisitada, desde que apagados todos os traços
culturais negróides, tornando o corpo negro, propriamente dito, em coisa. Nessa circunstância,
havia explicitamente a alienação da personalidade, o que também foi feito séculos mais tarde,
mas de maneira mais sútil.
Portanto, não se pode falar que a ideia de transformar o mulato, o negro de pele clara e
o miscigenado em branco foi inovadora, pois ela é só a continuação branda da política racista
que já estava em vigor no Brasil.
Assim, torna-se importante citar frase da obra para evidenciar o que foi dito: “Os
brancos no Brasil foram preconceituosos e de que os negros, apesar de não terem sido
legalmente discriminados, foram “natural” e informalmente segregados.”3.
Outrossim, após a elucidação sobre a origem do racismo estrutural, voltamos ao tópico
da construção do mito, propriamente dito. Muitas vezes, um mito surge a partir do que uma
geração passada acreditava como verdade, não se sabe exatamente a origem, mas de tanto ser
perpetuado se enraíza socialmente. Assim, a “verdade” de uma geração acaba sendo o mito de
outra. No Brasil, o mito da democracia racial dificultou a percepção das diferenças raciais e
do racismo em si mesmo.
Por exemplo, hodiernamente, temos consciência dos problemas raciais existentes de
décadas atrás, temos estatísticas para comprovar as divergências raciais. Mas, sob análise,
também percebemos que essas estatísticas já existiam e foram ignoradas sob o paradigma de

3
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República. 6. ed. São Paulo: Unesp, 1999, p.366.
2
que “todos eram iguais”, mesmo os negros sendo 50% da população brasileira e somente 4%
estando no ensino superior, como cita a autora.
Logo, torna-se óbvio que os negros brasileiros demoraram mais tempo para adquirir
consciência de classe, já que, todo sistema, foi feito para que eles olhassem para aquele 4%
que ocupou o ensino superior, e não para os 46% largados à miséria.
A verdadeira natureza das relações sociais, no Brasil, só será escancarada quando uma
nova classe de analistas sociais, não engajados com a elite tradicional, tem coragem para olhar
para a situação racial no país de maneira crua e verídica.
No livro, Costa cita uma pesquisa financiada pela Unesco, que originalmente deveria
confirmar a boa relação racial que o Brasil expunha ter. Contudo, os resultados divergiram
drasticamente do esperado. O que se pode fazer quando o mito, longamente construído e
enraizado na sociedade, está prestes a ser desmascarado na sociedade?
É bastante óbvio que a elite social lutou contra as tentativas de desmonte do mito da
democracia racial, mas cada vez mais, surgia no Brasil, uma geração de cientistas sociais
preocupados em estudar e expor a verdade, para que, talvez, algum clamor social por
mudança pudesse nascer.
No contexto histórico apresentado, é bastante razoável a compreensão de por que os
intelectuais brasileiros aceitaram o eurocentrismo como modo principal de conhecimento.
Assim, a maioria das famílias ricas, mandavam seus filhos para estudar na Europa. Quando
esses homens voltavam ao país, recebiam destaque, não só por serem filhos de grandes
figuras, mas também pelo ensino letrado europeu.
Assim, é questionado na obra como algumas teorias escancaradamente racistas foram
transportadas de países onde a população é majoritariamente branca, para países como o
Brasil, onde 40% da população era negra, além da porcentagem populacional mestiça. Além
disso, cita a autora, que alguns membros da elite nem podiam garantir que eles mesmos tinha
“pureza racial”.
Muito disso se explica porque, desde o período colonial, a elite foi ensinada a ver os
negros como inferiores, e esse preconceito foi carregado por gerações. Contudo, em um
cenário bastante diferente da Europa, no Brasil, a elite adotava para si alguns negros, ou
mulatos, “bons”, para comprvar que o preconceito racial não existia no Brasil.
A farsa da ideologia racial foi mantida por muitos annos, embora bastante visível que
era um sistema completamente falho, servia para manter harmonia no Brasil, um país
escravocrata, racista e elitista.

3
Por isso, embora racistas, eles tinham meios de aceitar negros em seus grupos, o
objetivo, na verdade, era tranformas o Brasil em um país cada vez menos nergo, ou seja,
objetivaram que a miscigenação pudesse, aos poucos, ir apagando os traços, a cultura e os
prórios negros do Brasil.
Hodiernamente, nem conseguimos imaginar o quão cruel e sádica são esses tipos de
teorias, uma alusão óbvia ao antissemitismo.
Em decorrência do analisado, muitas comparações podem ser feitas entre Brasil e
Estados Unidos da América, inclusive olhando para os dias hodiernos como resultado de um
processo histórico. Sabe-se que a cultura norte-americana é bastante influenciada pelo
movimento negro, durante o período de segregação racial, brancos e negros eram,
explicitamente, diferenciados. Não havia, como no Brasil, um mito de democracia racial,
sabia-se que onde brancos entravam, negros não eram permitidos.
Assim, a simples diferenciação entre expor e velar o racismo, criou nas duas
sociedades movimentos muito diferentes. Com cita a autora:
A negação do preconceito, a crença no “processo de branqueamento”, a identificação
do mulato como uma categoria especial, a aceitação de indivíduos negros entre as camadas da
elite branca tornaram mais difícil para os negros desenvolver um senso de identidade como
grupo.4

Por isso, atualmente vemos no Brasil um movimento negro que sofre para crescer, não
tem uma união em todo país, e que enfrenta barreiras de reconhecimento. Enquanto nos
Estados Unidos, podemos reparar a força e o barulho que esses movimentos causam, sendo
frequentes suas aparições na mídia. Dessa forma, podemos entender que o sucateamento da
identidade dos negros brasileiros causou consequências centenárias, e não estamos perto do
fim deste dilema.
Dessa forma, o racismo da elite brasileira foi escondido atrás de nomes como
Machado de Assis e Nina Rodrigues. Utilizando dois ou três homens negros era possível
disfarçar representatividade, mesmo que mais de 50% da população fosse negra ou parda.
Eles eram evidência da possível mobilidade social dos negros, e de que, no Brasil, brancos e
negros tinham as mesmas oportunidades.
Dessa maneira, a decisão da ascensão social de pessoas negras estava sempre atrelada
aos brancos. Não existia um mercado capitalista forte que propusesse competição, o que
existia eram brancos selecionando qual negro seria o próximo exemplo de que racismo não
existia no Brasil.

4
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República. 6. ed. São Paulo: Unesp, 1999, p.375.
4
Assim, nergos e brancos, de classes inferiores, passavam a vida acreditando que
poderiam ganhar dinheiro e melhorar de vida, mas estavam todos dependentes do sistema de
clientela e patronagem vigente. A autora demonstra: “podiam viver na ilusão de solidariedade
criada pela pobreza compartilhada, pelo desamparo comum e pela dependência em relação à
elite branca”.5
Por fim, a autora se mostra temerosa sobre o mito da democracia racial no Brasil, já
que, é estruturado e enraizado em nossa sociedade. Mesmo que hodiernamente haja mais
conhecimento sobre as questões raciais, grande parte da sociedade ainda não consegue atrelar
nossa situação atual ao mito da democracia racial no passado, que fez a sociedade propor uma
vida tão difícil aos negros brasileiros.
O capítulo, portanto, proporciona reflexões extremamente bem fundamentadas pela
autora, e consegue fazer com que o leitor compreenda as faces, os dilemas e as consequências
do mito da democracia racial na história brasileira.
Dessa maneira, em rápida referência ao documentário “A negação do Brasil”6, pode-se
observar claramente que, em diferentes áreas, o mito da democracia racial continua a
influenciar a sociedade brasileira. O documentário trata de uma profissão relativamente
elitizada no Brasil: a cinematografia. Em decorrência disso, os negros começaram a serem
inclusos depois de muito tempo. Originalmente, temos marcas de blackface, o negro como
figura cômica, que serve apenas para fazer o branco rir. Depois, temos poucos negros nas
televisões e novelas e, em sua maioria, sempre interpretavam papéis de serventes, mordomos,
ou empregados.
A mídia televisiva é apenas um exemplo, mas sabe-se que muitas profissões no Brasil
têm uma pequena margem de negros, justamente para não poderem ser chamadas de racistas.
Por isso, ao analisarmos melhor nos perguntamos: o mito da democracia racial
realmente perdurou apenas até a década de 60?
E a resposta é bem simples, assim como o racismo era velado naquele tempo, agora
quem se vela é o mito da democracia racial, escondendo-se entre frases, processos seletivos e
oportunidades de ascensão social.
Por isso, creio eu, que, talvez, o capitalismo competitivo, como temos hoje em dia,
mascara, ainda mais, o racismo presente na sociedade. As empresas podem,
escancaradamente, escolher apenas brancos, as cotas são apenas em universidades públicas e
programas do Governo Federal, os negros seguem sendo maioria populacional e mesmo assim

5
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República. 6. ed. São Paulo: Unesp, 1999, p.380.
6
ARAÚJO, Joel Zito. A Negação do Brasil - O Negro nas Telenovelas Brasileiras ano: 2001.
5
não fazem parte dos mais ricos na sociedade. Acredito, portanto, que, mesmo com a
implantação de algumas políticas de democracia racial, os negros brasileirosa ainda não
atingiram 10% da sua necessidade.
Por isso, obras como “Da Monarquia à República” escritas por mulheres como Emília
Viotti Costa, são tão importantes no cenário nacional. Elas expõem para a sociedade
problemas intrínsecos e que precisam de um olhar mais caridoso .

Referências bibliográficas:

ANACLETO, Miriã. Anais do XI Seminário de Ciências Sociais - 21 a 25 de Outubro de


2013 Ciências Sociais em foco: faces do Brasil no mundo contemporâneo. Universidade
Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais.

ARAÚJO, Joel Zito. A Negação do Brasil - O Negro nas Telenovelas Brasileiras ano: 2001.

COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República. 6. ed. São Paulo: Unesp, 1999

Você também pode gostar