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ConJur - Diário de Classe Doping No Processo Penal Ou Complexo de Lance Armstrong
ConJur - Diário de Classe Doping No Processo Penal Ou Complexo de Lance Armstrong
DIÁRIO DE CLASSE
Na linha do que venho pesquisando, especialmente sobre a aplicação da Teoria dos Jogos
no Processo Penal[1], cabe expor algumas linhas sobre a noção de doping aplicada ao
Processo Penal. A pretensão é a de promover nova compreensão do fair play e da teoria das
nulidades, em trabalho futuro.
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Grosso modo, doping é fraude, jogo sujo! Surgido no âmbito dos esportes, o doping se
constitui como problema privado e público[2], especialmente nas competições, tanto assim
que o Comitê Olímpico Internacional criou uma entidade para “combater” o fenômeno, a
World Anti-Doping Agency — WADA. A função básica seria a prevenção e repressão da
fraude e da trapaça nas disputas, garantindo-se o fair play (jogo limpo) e protegendo tanto
os atletas como o próprio jogo.
No campo do processo penal entendido como jogo, pode-se invocar, quem sabe, a noção de
doping processual para superar a teoria das nulidades. No Brasil, a teoria das nulidades do
processo penal, com origem civilista, é caótica. Prevalece a discussão entre ausência de
prejuízo, malversação das normas procedimentais, enfim, dilemas ideológicos travestidos
de questões processuais, cuja superação é necessária.
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Nesse breve texto, para fim exemplificativo, ainda que o art. 212 do CPP exclua o juiz da
gestão da prova, ou seja, descabe o papel de jogador (art. 212. As perguntas serão
formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que
puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de
outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição.), parte significativa dos julgadores permanece atrelada ao
modelo presidencialista e inquisidor. A atual redação não deixa dúvida acerca do papel do
juiz no desenrolar da colheita da prova testemunhal, colocando-o no papel de mero
espectador, sendo atribuída aos jogadores a formulação direta das perguntas à testemunha
(nos moldes do cross-examination norte-americano ou do esame incrociato[4] italiano). Tal
mudança, pois, é decorrente da busca de adequação da norma processual penal à
Constituição da República, eis que, ao abandonar o modelo presidencialista de condução da
colheita da prova testemunhal, situa o magistrado no lugar de garantidor da forma da
informação oral. Na estratégia processual a tática das perguntas é dos jogadores, inclusive
quando se pretende inserir a dúvida[5]. Daí que não há sentido sequer na possível alegação
da produção em favor da defesa, uma vez que o esclarecimento só acontece no caso de
dúvida e, por evidente, a dúvida absolve (CPP, art. 386, VII). Até mesmo porque, a Teoria
do Prejuízo (pas nullitè sans grief, encampada pelo CPP, art. 563) como hoje posta,
encontra-se ultrapassada (neste sentido também Lopes Jr., Tovo Loureiro[6], Jacinto Nelson
de Miranda Coutinho[7], dentre outros), e a desconsideração do lugar de julgador é a
manifestação inequívoca de dano à parte, porquanto a condução do processo por juiz
imparcial e equidistante restou atingida, como bem pontua Lenio Streck (clique aqui para
ler).
Para tanto, resta evidente que a questão das autolesões permanece impunível, dado o
consentimento válido, o sujeito não pode invocar nulidade a que deu causa. Logo,
Autodoping se vincula às escolhas táticas dos jogadores processuais, ou seja, a escolha por
não apresentar uma prova, deixar de formular alguma pergunta, etc. Já o Heterodoping,
todavia, significa a inclusão de aspectos externos, como a corrupção, a coação de
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No caso da acusação pública, via Ministério Público, diante dos princípios democráticos da
atividade, não se pode aceitar o autodoping, como por exemplo, a exclusão de prova
favorável à defesa, a manipulação da investigação, perguntas sugestionáveis, realização de
reconhecimento sem linha de suspeitos, proporcionalidade em favor do Estado, utilização
de argumentos “para torcida”, estilo MacGyver (clique aqui para ler).
O filme “Tubarão” contou com um recurso que o próprio Steven Spielberg não contava nas
filmagens: o efeito suspense conseguido somente porque o terror da surpresa era precedido
do suspense em que o predador apenas era sugerido, indicado, como se não estivesse
presente. Consta que “o principal atrativo do filme, o tubarão mecânico, apresentou vários
problemas durante as filmagens, causados pela água salgada do mar, pois Spielberg não
quis filmar em uma piscina, como seria o convencional. Várias sequências em que o
Tubarão apareceria, Spielberg teve que substituí-lo por filmagens de marolas e movimentos
de água. Mesmo nas poucas ocasiões em que o Tubarão podia ser usado, a responsável pela
montagem teve que usar de muita habilidade, para que as cenas não parecessem falsas. As
platéias do mundo todo não notaram essas falhas, graças ao exímio trabalho de direção e
montagem. Mas para todos os artistas que trabalharam no filme ficou a irritação com aquele
"maldito tubarão", conforme diziam nas entrevistas e depoimentos posteriores”. Esse efeito
semblant que o filme proporciona, a saber, de se estar com medo em qualquer lugar, pois o
“Tubarão” poderia se fazer presente, do nada, no efeito surpresa, ocasionou o “suspense” de
toda uma geração... Essa estrutura de se aproveitar de uma “surpresa” violenta para causar
“suspense” e se usar ideologicamente, de fato, está presente na nossa película diária: a
continuação incessante do medo!
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fomentado por uma realidade excludente, na qual o neoliberalismo (e sua faceta penal forte)
se esgueira como financiador oculto desta economia criminal e obscena. A surpresa é, no
caso, falsa, da ordem do semblant. Sabe-se, desde antes, que as possíveis variáveis do crime
não decorrem, de regra, de um ato de terror individual, mas sim de toda uma coletividade
que produz e se regozija com o crime. De qualquer modo, percebe-se que o destino de
quem pretende sair desta metáfora é complicado, justamente porque as coordenadas
culturais em que se está submerso reproduzem o modelo da única possibilidade capaz de
nos livrar do tubarão: matando-o! E se mata; muito. O sistema penal produz vítimas de
todos os lados. Somente não percebe quem continua acreditando nos contos de mocinho e
bandido. De um lado o mal, organizado para causar o desespero dos que se situam —
imaginariamente e sem culpa — do lado do bem. O poder se organiza assim, especialmente
no Direito Penal.
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[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria
dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. Os autores citados encontram-se no livro.
[2] Dentre as diversas obras, vale indicar ROXIN, Claus; GRECO, Luis; LEITE, Alaor.
Doping e Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2011, bem assim as obras de Leonardo Schmitt
de Bem, dentre elas: Intervenção penal no doping desportivo. In: APPROBATO, Machado.
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[3] PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013;
BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma
crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitação do
Poder de Punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; LOPES JR, Aury. Direito Processual
Penal. São Paulo: Saraiva, 2012; PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo
Penal: São Paulo: Atlas, 2013.
[4] TONINI, Paolo. Lineamenti di Diritto Processuale Penale. Milano: Giuffrè, 2008. p.
133.
[6] LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitação do Poder de Punir...., p. 93-100:
"Ainda que se aceite a distinção entre nulidades relativas e absolutas na qual se apoiam os
autores e da qual não se compartilha, cumpre apontar uma vulnerabilidade deste
entendimento. Os autores realizam uma abertura conceitual excessiva no limite entre os
casos em que é necessário demonstrar o prejuízo, pois apenas atrela-se a necessidade
demonstração do prejuízo ao fato de constituir a hipótese uma nulidade relativa. A falha
deste raciocínio é que não há previsão explícita de quais atributos a violação deve possuir
para que seja digna de nulidade absoluta."
[7] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Introdução aos Princípios Gerais do Processo
Penal Brasileiro in Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01,
2001. p. 44.
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e
professor de Processo Penal na UFSC.
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