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Universidade Lusíada de Angola

Centro de Estudos, Investigação e Pós-graduação


Mestrado em Contabilidade e Finanças

Estanislau Piedade Sacaunda

Estudo de Caso sobre conflito entre sócios – Empresa


MINING & EXPLORATION, SA.

LUANDA
2023

Estanislau Piedade Sacaunda


Estudo de Caso sobre conflito entre sócios –
Empresa MINING & EXPLORATION, SA.

Estudo de caso apresentado no módulo


de Corporate Governance como requisito
para obtenção de avaliação positiva,
realizado sob proposta do Professor
Doutor Afonso Zinga.

LUANDA
2023
APRESENTAÇÃO DO CASO

“Um empreendedor, de nome Mateus, casado, de 44 anos de idade, criou em Março


de 2010, com a sua esposa, Dona Joana, de 42 anos, a Empresa MINING &
EXPLORATION SA, com participações desiguais. Dois anos depois, o estatuto
societário foi alterado com a integração de mais dois sócios, Alberto e Francisco,
antigos colegas de ambos, no tempo em que eram estudantes da Faculdade de
Engenharia da Universidade Agostinho, aos quais foram cedidos participações de
15% e 10%. Mateus e Joana passaram assim a ter 40% e 35% da participação
societária, respetivamente, mantendo o controlo da empresa.
O objecto social da empresa é a pesquisa, exploração, e mineração de dois tipos de
depósitos minerais (metálicos e não metálicos), bem como a exploração de pedras
preciosas. A empresa tem a sua sede na província da Huíla e possui instalações
próprias.
Um dos novos sócios, com participação de 15%, tem um elevado capital social,
sobretudo excelentes relações políticas. Por conta desta rede de contactos, em
2015, a empresa beneficiou de um financiamento de vinte milhões de dólares
americanos pela INTERNATIONAL INVESTMENTS BANK OF SOUTHERN AFRICA,
a uma taxa de juro de 3.5%, com maturidade de 15 anos, e com garantias reais.
Nesta indústria já existem empresas com mais de 20 anos a operar no mercado
nacional. O relatório e contas da empresa dos últimos cinco anos apresenta um
declínio do ROA, custos operacionais significativos, vendas em declínio notável, e
com atrasos no cumprimento do serviço da dívida. As despesas dos membros
familiares e pessoais dos administradores são pagos pela empresa.
Mateus acumula as funções de PCA e PCE, e a Joana é administradora executiva
com o controlo do pelouro das finanças e de recursos humanos. O irmão de Mateus
é também administrador executivo, e dois sobrinhos do casal, de 25 e 29 anos,
respetivamente, fazem parte do Conselho de Administração com funções de
administradores não executivos. Uma das cláusulas do estatuto societário
estabelece que o sócio que acumula as funções de PCA e PCE, cuja participação
societária é superior a 30% tem o direito de indicar o próximo PCA e PCE da
empresa.
O PCE anunciou na última Assembleia Geral que vai expandir o negócio da empresa
com a construção de instalações mineiras nas províncias do Namibe, Huambo, Bié e
Cabinda para fazer prospeção e exploração de pedras preciosas e depósitos de
ouro. Os novos sócios sentiram-se desconfortáveis e desagradados com a ideia,
uma vez que os seus interesses na sociedade não estão a ser acautelados, e
comunicaram por carta registada e com aviso de recepção de que, nos termos da lei
das sociedades comerciais, vão apresentar na próxima Assembleia Geral, que terá
lugar no dia 19 de Junho de 2023, uma resolução para destituir o PCA e PCE da
empresa.
Alberto e Francisco recorrem os seus serviços de consultoria. Diante desta situação,
analise, discute o caso e aconselhe os dois novos sócios.”
RESOLUÇÃO DO CASO:

O Caso que me é apresentado é, deveras, bastante complexo, pois, se por um lado


vemos nele uma clara violação aos princípios, normas e orientações da boa
governação corporativa, por outro chocamos com administradores que se encontram
blindados pelo próprio estatuto societário. No entanto, é importante precisar que, de
acordo com as bases advindas do aprendizado em Corporate Governance, graças
às aulas ministradas pelo Insigne Professor Doutor Afonso Zinga, estamos diante de
um conflito de agência Principal-Agente que é, na verdade, um conflito entre
Principais com a nota de uns serem administradores da empresa e sócios ao mesmo
tempo. Sendo assim, precisamos considerar alguns aspectos antes de aconselhar
medidas a serem tomadas. Minhas considerações serão fundamentadas com base
na Lei nº 1/04 de 13 de fevereiro, Lei das Sociedades Comerciais angolanas, no
Guia Anotado de Boas Práticas de Governação Corporativa da Comissão do
Mercado de Capitais de Angola (2015), na Lei Sarbanes Oxley – Act (2002) e nos
Princípios da Governação Corporativa da OCDE – Organization for Economic
Cooperation and Development, 1999 (Revistos em 2004)

O primeiro aspecto que chama a minha atenção é a desigualdade de participação na


estrutura acionária, pois o facto de Mateus e Joana deterem participações
maioritárias aumenta o seu poder e influência na tomada de decisões. Alberto e
Francisco entraram na sociedade e concordaram que, na revisão dos estatutos,
suas quotas fossem de 15% e 10% respectivamente e isso reduz a sua capacidade
de manobra pelo seu reduzido poder de influência e decisão. À luz do Art. 403.º da
Lei das Sociedades Comerciais o quórum para as deliberações sociais terem efeitos
deve ter, no mínimo, sócios com 1/3 do capital social e Alberto e Francisco detêm
participações que correspondem a, apenas, ¼ do Capital social da Sociedade (25%
no total). Para o efeito, precisariam da colaboração da dona Joana que, tristemente,
é esposa do sócio visado.

Em seguida percebo que financiamento obtido pela empresa, com base nas
relações políticas de Alberto, demonstra a grande importância que tem na sociedade
e isso pode ser usado a seu favor, pois se ameaçar afastar poderá exercer pressão

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sobre a estrutura administrativa fazendo com estes cedam, por exemplo, fazendo
com que o sócio que ocupa os cargos de PCA e PCE decida libertar uma das
posições.

A vertente financeira é a que a mim, na qualidade de consultor, mais preocupa, pois


o declínio do ROA (Return On Assets) ou retorno sobre os activos, em português,
custos operacionais significativos, vendas em queda e atrasos no serviço da dívida
indicam problemas graves na empresa. Neste quesito, Alberto e Francisco devem
analisar minuciosamente os relatórios e contas da empresa para entender as causas
desses problemas. Eles devem solicitar uma auditoria independente para obter uma
visão objetiva da situação financeira da empresa. É importante garantir que a
empresa esteja em conformidade com as normas de transparência financeira,
fornecendo informações claras e precisas aos acionistas. A legislação angolana e as
normas internacionais orientam os administradores a prestarem contas de forma
clara e regular e a protegerem os interesses dos Shareholders da empresa, porém
nota-se claramente que este não tem sido o procedimento. Há uma violação clara
aos princípios nº 2, 3, 5 e 6 da OCDE (Direitos dos Shareholders, Tratamento
equânime dos Shareholders, Divulgação e transparência e Responsabilidade do
Conselho de Administração, respectivamente), pois não são respeitados o direito à
informação regular, e nem são informados atempadamente acerca de todas as
situações subjacentes à actividade e passíveis de prejudicar o negócio. Isso se
configura também na violação do Dever de relato à gestão e apresentação de contas
constante do Art. 70.º da Lei das Sociedades Comerciais nos seus pontos 1 e 2,
conjugado com o Art. 71.º da mesma Lei. Tal facto nos leva a responsabilizar os
administradores por danos causados à sociedade, com base no que vem plasmado
no Art. 77.º da mesma Lei.

A acumulação de cargos por Mateus, a participação de familiares no conselho de


administração e a falta de diversidade podem prejudicar a governança corporativa.
Alberto e Francisco devem avaliar se a estrutura atual está em conformidade com os
interesses da sociedade e os seus próprios interesses e com as boas práticas de
governança corporativa. Eles podem propor alterações estatutárias para garantir
uma distribuição equitativa de poder e responsabilidade no conselho de

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administração, além de buscar a inclusão de membros independentes com
experiência relevante para fortalecer a governança.

A proposta de expansão da empresa requer uma avaliação cuidadosa dos


interesses de todos os acionistas. Alberto e Francisco têm o direito de expressar
suas preocupações e propor alternativas. Eles devem garantir que a próxima
Assembleia Geral seja conduzida de acordo com os requisitos legais e estatutários,
apresentando uma resolução para destituir o PCA e o PCE. É essencial que eles
comuniquem claramente suas preocupações aos demais acionistas e apresentem
soluções viáveis para garantir uma gestão mais eficiente e inclusiva. À luz do Art.
423.º da Lei das Sociedades Comerciais, a Assembleia Geral tem o poder de
destituir um administrador, independentemente da sua quota acionária, porém, será
necessário que isso seja feito com a maioria dos votos.

A Governação na empresa não está a ser feita de acordo com o orientado pelos
principais diplomas reguladores da Corporate Governance em Angola e no mundo. A
Sarbanes Oxaley defende valores como a Compliance, Accountability, Disclousure e
Fairness como sendo pilares da boa governação, mas vemos nessa empresa uma
debilidade tremenda na adequação a tais normas. Por outra, as recomendações 1, 2
e 3 do Guia anotado das boas práticas da Corporate Governance em Angola (CMC,
2015) e alíneas correspondente, enfatizam a necessidade de uma prestação de
contas regular, o que não tem sido prática na MINING & EXPLORATION, SA.

No contexto das leis e regulamentações mencionadas, é altamente recomendável


que Alberto e Francisco busquem aconselhamento jurídico especializado para
garantir que todos os passos sejam tomados de acordo com a legislação vigente em
Angola e com os princípios de governança corporativa.

Como consultor financeiro, eu, forneço os seguintes conselhos para ajudá-los a


resolver o conflito:

 Avaliação legal e estatutária: Recomendo uma análise minuciosa dos


estatutos da empresa, da legislação societária de Angola e das obrigações
estabelecidas nos acordos de acionistas para entender seus direitos e opções
como acionistas. Isso inclui examinar os procedimentos necessários para

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apresentar uma resolução para destituir o PCA e o PCE e garantir que eles
estejam cumprindo todos os requisitos legais.
 Estamos claramente diante de um conflito de agência que envolve principais,
embora uns sejam agentes (administradores). Sugiro que Alberto e Francisco
solicitem uma reunião com os outros acionistas, incluindo Mateus e Joana,
para discutir suas preocupações e buscar um diálogo aberto e transparente.
Durante essa reunião, eles devem apresentar de forma clara as razões pelas
quais desejam destituir o PCA e o PCE, destacando os problemas de
governança corporativa, desempenho financeiro e transparência.
 É importante que Alberto e Francisco proponham soluções alternativas para
resolver o conflito e garantir uma gestão mais eficiente e inclusiva. Isso pode
incluir a sugestão de alterações na estrutura de governança corporativa,
como a inclusão de membros independentes no conselho de administração, a
revisão da estrutura acionária para garantir uma distribuição equitativa de
poder e a implementação de medidas de transparência financeira mais
robustas.
 Se o conflito persistir após a reunião com os acionistas, aconselho a busca de
mediação profissional ou de um especialista em resolução de disputas. Essa
terceira parte imparcial pode ajudar a facilitar a comunicação e a encontrar
um terreno comum entre os acionistas, buscando uma solução que atenda
aos interesses de todas as partes envolvidas.
 Recomendaria fortemente que Alberto e Francisco busquem aconselhamento
jurídico especializado para entender melhor seus direitos e opções legais. Um
advogado especializado em governança corporativa e legislação societária
em Angola pode fornecer orientação específica e ajudar a tomar medidas
legais adequadas, se necessário.

Lembrando que, como consultor financeiro, minha função é fornecer orientações


gerais e aconselhamento financeiro, ainda assim, não deixei de dar conselhos
ligados à vertente jurídica, com base nas legislações, normas e procedimentos
mencionados. A consulta com profissionais especializados em direito societário e
governança corporativa seria fundamental para uma análise jurídica mais

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aprofundada e aconselhamento adequado à situação específica de Alberto e
Francisco.

Fontes Consultadas
 Lei Nº 1/04 de 13 de Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais
 Lei Sarbanes Oxley
 Principles of Corporate Governance – OCDE, 2004
 Guia Anotado de Boas Práticas – CMC, 2015
 Andrade, Adriana; Rossetti José Paschoal. Governança Corporativa.
Fundamentos, Denvolvimento e Tendências. São Paulo: Atlas, 2009. P. 171-
183

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