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UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Relatório sobre:

TRIBUTO: A IMPORTÂNCIA DO PLANEAMENTO FISCAL


E DA FISCALIZAÇÃO NAS SOCIEDADES ANÓNIMAS

Por: Fernando Vagner dos Santos Caminha

Relatório sobre “PRINCÍPIOS DO


DIREITO FISCAL” apresentado ao
Departamento de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto, como requisito para
Dissertação de Mestrado em Direito
Fiscal.

Professor:
Jorge Bacelar Gouveia, Prof. Dr.

Luanda, Abril de 2023

2
TRIBUTO: A IMPORTÂNCIA DO PLANEAMENTO FISCAL
E DA FISCALIZAÇÃO NAS SOCIEDADES ANÓNIMAS

Por: Fernando Vagner dos Santos Caminha

Relatório sobre “PRINCÍPIOS DO


DIREITO FISCAL” apresentado ao
Departamento de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto, como requisito para
Dissertação de Mestrado em Direito
Fiscal.

Professor:

Jorge Bacelar Gouveia, Prof. Dr.

3
Luanda, Abril de 2023

4
RESUMO
A razão de ser da presente abordagem prende-se na importância que a
fiscalização e Planeamento Fiscal ocupa nas sociedades comerciais Anónimas, como
um mecanismo de reforço na tentativa de restabelecer a confiança dos accionistas,
investidores e os demais stakeholders, nos mercados financeiros e nas entidades
responsáveis pela sua regulação e supervisão.

As decisões em matéria de responsabilidade empresarial, tal como qualquer


outro aspecto empresarial, são motivadas, em última análise, pela obrigação da empresa
de assegurar de uma empresa de garantir fortes retornos para os seus accionistas.

Tendo isto em depreende-se que existe uma razão de ser para encarar o
planeamento fiscal através de uma lente. Os factores determinantes incluem o aumento
do escrutínio público sobre a evasão fiscal das empresas e um esforço renovado para
combater a evasão fiscal por parte das autoridades fiscais do país.

É claramente neste contexto que surge a figura do Administrador Independente


enquanto auspicioso instrumento de reacção contra as fragilidades e deficiências
evidenciadas pelas estruturas de fiscalização tradicionais das Sociedades Anónimas.

Palavras-chaves: Corporate Governance, Instituições F. Bancárias de Capitais


Públicos, Administrador Independente e Fiscalização Sociedades Anónimas

5
ABSTRACT

When addressing tax revenues in the Angolan legal system, it raises some
consequences, especially the issue on the Circulation Rate, since it has been a long time
since skeptical positions have arisen for jurists, jurists, inspectors and accountants.

Some pointed out as taxons, others as a tax and some asked that it is a special
contribution, but it should be noted that it required a thorough analysis of the authority
to whom it is entitled, because it is not enough for taxes to be competent in compliance
with the law, however there must be a consonance between the point of view of the
creation of the tax rule with the application of these to the facts and recipients in
question.

Subsequently, we will enter more specifically into the problem of which legal
nature the tax figure fits, in which, despite the multiple facets in which it appears, it
requires above all a more unitary view of it, thus recovering the genuine sense of the
tax, as well how to question ourselves about the non-morality that falls on taxpayers
since it is a tax, at the same time the reason that left something to be desired not to
respect its nomenclature previously applied. Finally, we will make an allusion to the tax
reform on the Motor Vehicle Tax (IVM), which remains as levied on vehicles,
motorcycles, tricycles and quadricycles, but extends a discount to recreational vessels
and private aircraft.

Keywords: Circulation Rate, Rate, Tax, Tax Figure and Tax on Motor Vehicles.

6
INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

ENQUADRAMENTO GERAL SOBRE A FISCALIZAÇÃO DAS


SOCIEDADES ANÓNIMAS

1.1. Enquadramento Histórico

A questão de fiscalização das sociedades foi colocada pela primeira vez com o
surgimento do conceito de governação das sociedades. Fala-se em governação (ou
governo) das sociedades para designar o complexo das regras (legais, estatutárias,
jurisprudências e deontológicas) instrumentos e questões respeitantes à administração
e ao controlo (ou fiscalização) das sociedades1.

O tema da governação das sociedades comerciais começou a ser debatido na


década de 70 do século XX, nos Estados Unidos da América, no âmbito do célebre
processo Watergate. Durante as investigações do processo de Watergate veio ao público
a informação de que algumas sociedades americanas financiaram ilegalmente a
campanha eleitoral de Richard Nixon e ainda que financiaram e financiavam membros
de governos estrangeiros.

Outros escândalos financeiros como (Enron, Dona Branca, Bernard Madoff, etc)
e o colapso mercados de capitais reavivaram a questão da governação das sociedades,
fazendo com que os Estados, entidades reguladoras, os accionistas e os investidores se
questionassem e continuem a questionar ( pois, para muitos países a crise dos mercados
ainda se continua a fazer sentir) sobre bondade, eficiência, eficácia dos sistemas e regras
existentes.

1
COUTINHO DE ABREU, Jorge Manuel, Governação das Sociedades Comerciais, 2ª edição, Almedina,
p. 7.

7
Ao longo dos tempos as convulsões dos mercados internacionais, tiveram
respostas diversas, como por exemplo a aprovação de um conjunto de normas 2,
publicação de relatórios, recomendações, posturas, etc.

1.2. Enquadramento Legal

As sociedades Anónimas estão reguladas na Lei das Sociedades Comerciais nº


01/04 de 13 de Fevereiro, doravante designada por LSC, artigo 3º, nº1, alínea c, como
um dos tipos que devem as sociedades comerciais devem adoptar. As disposições
relativas as Sociedades Anónimas encontram-se previstas no título V, capítulo I,
nomeadamente nos artigos 301º à 462º da LSC.

1.3. Enquadramento Conceptual

É actividade societária com capital social dividido em acções, espécie de valor


mobiliário, na qual os sócios respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço e
emissão das acções que possuem3.

O conceito de sociedade Anónima vem prescrito no artigo 301º da LSC, que


dispõe o seguinte: “ na Sociedade Anónima, o capital social está dividido em acções e a
responsabilidade de cada sócio é limitada ao valor das acções que subscrever.

A sociedade Anónima é uma pessoa colectiva de direito, público ou privado,


cujo objecto consiste na prática de actos de comércio 4. É ainda de referir relativamente
ao objecto de prática de comércio que, existem excepções, nomeadamente àqueles
Sociedades que tendo por objecto a prática de actos não comerciais, adoptem um dos
tipos referidos na lei5.

2
The Sarbanes-Oxley Act of 2002, aprovado pelo Congresso do EUA.
3
JUNG, Salete, Sociedade Anónima, Noção Histórica e a Breve Visão sobre Acções de
Responsabilidade Civil, 2008.
4
Cfr no artigo 1º nº 2, da LSC.
5
Cfr o artigo 1 nº 3, da LSC.

8
2.1. Características

É aquela que se caracteriza por uma maior complexidade de modelo orgânico6. É


o tipo de sociedade mais utilizado por empresas de negócios ou investimentos de
maiores volumes. Ela contitui-se com um minímo de cinco sócios 7, podendo este
número ser reduzido a dois, apenas quando o capital social for detido maioritariamente
pelas seguintes entidades: Estado, Empresas Públicas, Empresas do domínio Público, ou
por aquelas entidades que em virtude da lei, sejam equiparadas ao Estado.

Os administradores das sociedades anónimas angolanas têm dois poderes


característicos, ambos de conteúdo extenso: (i) o poder de gestão ou de administração; e
(ii) o poder de representação8. A compreensão das funções dos administradores das
sociedades comerciais passa, desta forma, primeiramente pela apreensão da extensão
destes poderes.

O poder de gestão corresponde a um direito potestativo, que se traduz na


permissão normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos
matérias jurídicas, no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Trata-se, pois, de
um poder genérico de formular a vontade societária em todos os aspectos que sejam da
sua competência.

Já o poder de representação consiste na situação potestativa que permite ao


administrador imputar à sociedade os efeitos jurídicos dos actos praticados perante
terceiros, designadamente credores, fornecedores, clientes e trabalhadores da sociedade.
O poder de representação dos administradores das sociedades comerciais abrange,
ademais, o poder de representar a sociedade em juízo.

O capital social minímo exigido por lei é o equivalente a USD 20.000,00 (vinte
mil dólares norte-americanos). São sempre expressos num valor nominal o capital e as
acções, não podendo esse valor nominal, ser inferior a quantia equivalente a USD 5,00
expresso em moeda nacional, devendo ser sempre indexado a esse valor, sendo o valor
nominal das acções igual para todas9.
6
OLAVO CUNHA, Paulo, Manual de Direito das Sociedades Comerciais, p. 494, “ O caso Específico
das Sociedades Anónimas ”.
7
Cfr. artigo nº 1 do 304º LSC.
8
VALE, Sofia, As empresas cit, p 779.
9
Cfr os artigos 304º nº 1 e 2 e nº 3 do artigo 305º, da LSC.

9
Pelo menos 30% do capital social deve estar realizado no momento de
constituição da sociedade10. Nas Sociedades Anónimas a responsabilidade de cada sócio
é limitada ao valor das acções que subscrever, sendo o capital social dividido em
acções. Essas acções são de igual valor nominal, e de livre negociação.

A firma da Sociedade Anónima, contitui-se pelo nome ou firma de um ou alguns


dos sócios, podendo ainda sê-lo de uma denominação particular, ou a junção daqueles,
sendo seguida da expressão « Sociedade Anónima» ou abreviatura «S.A», sendo que, as
expressões cujo objecto social não esteja previsto com especificidade no contrato, estão
proibidas de serem incluídas, ou mesmo mantidas na firma11. Vindo a ser alterado o
contrato de sociedade, e por esta razão ficar a actividade mencionada na firma, sem
inclusão na referida alteração, não se poderá celebrar a escritura pública de alteração do
objecto social sem se porceder simultaneamente à modificação da firma o artigo 303º nº
2, da LSC.

Denomina-se accionistas, os sócios desse tipo de sociedade, e esta qualidade de


sócio, é adquirida a quando da escritura pública de aumento de capital social ou, da
celebração do contrato de sociedade, independemente da emissão e entrega dos títulos
das acções subscritas, conferir a este respeito o art.º 304.º n.º3, da LSC. A possibilidade
da contitularidade das acções é uma excepção à regra da indivibilidade destas,
exercendo os contitulares das acções os seus direitos nela ligada por intermédio de um
representante comum, respondendo os contitulares, solidariamente pelas obrigações
legais ou contratuais inerente a acção12.

2.2. Modelos de Organização Societária

10
Cfr o artigo 306º nº 1, da LSC.
11
Cfr o artigo 303º nº 1, da LSC.
12
Cfr o artigo 305º e 334º, todos da LSC.

10
Quando se aborda da estruturação orgância da governação das sociedades,
alguns dos autores portugueses13 dividem os sistemas de governação das sociedades em:

a) Sistema monístico ou monista: típico dos países anglo-saxónicos e dos


pertecentes à respectiva família, que predomina na maioria dos países
europeus, no qual a administração e o controlo (fiscalização) das sociedades
são confiados a um único orgão (board, conseil d´ administration, etc);
b) Sistema dualístico ou dualista: de origem alemã, adoptado por países como
Alemanha, Áustria, Dinamarca e Holanda, caracteriza-se por a administração
e o controlo (fiscalização) da sociedades ser confiada a órgaõ distintos,
designadamente, a direcção e o conselho de supervisão.

Quanto aos autores portugueses 14, por sua vez, defendem no que diz respeito à
estruturação orgânica de (administração e) fiscalização das sociedades anónimas
existem três e não dois sistemas:

1. Sistema Monista do tipo Latino: no qual a administração e fiscalização da


sociedade são confiadas a dois órgãos distintos, designadamente o Conselho de
Administração e o Conselho Fiscal (Fiscal Único);
2. Sistema Monista do tipo Anglo-saxónico: teoricamente a administração e a
fiscalização da sociedade ficariam entregue a um órgão, o Conselho de
Administração, que integra também a Comissão de Auditoria e o Revisor de
Conta. É um modelo acolhido no sistema jurídico de Common Low.
3. Sistema Dualista ou Germânico: no qual a administração e fiscalização da
sociedade é levada a cabo por dois órgãos, a Direcção e o Conselho Vigilância
(Conselho Geral e de Supervisão e o Revisor Oficial).

2.3. Admininstração das Sociedades Anónimas no Direito


Angolano

13
COUTINHO DE ABREU, Jorge Manuel, PEREIRA DE ALMEIDA, António.
14
MENEZES CORDEIRO, António, Manual de Direito das Sociedades, Vol I, Das Sociedades em
Geral, 2ª edição, 2007, Almedina, p. 944 e seg.; FIGUEREDO DIAS, Gabriela, Fiscalização de
Sociedades e Responsabilidade Civil (antes da reforma CSC); PEREIRA DE ALMEIDA, António,
Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, Coimbra Editora, 5ª Edição, 2008, p. 417, demonstra
partilhar da mesma opinião que António Menezes Cordeiro.

11
A integração na estrutura societária de um órgão de fiscalização pode, consoante
o tipo societário em questão, ser permitida ou obrigatória. De facto, para as sociedades
por quotas, o regime supletivo é o da inexistência de um órgão de fiscalização, podendo,
porém, os sócios prever nos estatutos a existência de um órgão de fiscalização 15. Esta
distinção assenta no pressuposto de que as sociedades anónimas apresentam estruturas
de uma maior complexidade e que correspondem as empresas de maior envergadura.

A Lei das Sociedades Comerciais atribui às sociedades anónimas a possibilidade


de optarem entre dois modelos de fiscalização, consoante se atribua essa função a:

i. Um Conselho Fiscal, composto por três ou cinco membros efectivos e dois


suplentes (artº 432.º, n.º 1, alínea a), da Lei das Sociedades Comerciais);
ii. Um Fiscal Único (artº 432.º, n.º 1, alínea b), da Lei das Sociedades Comerciais).
No ordenamento jurídico Angolano, no que diz respeito à estruturação orgânica
da administração e fiscalização da sociedades anónimas, há uma clara divisão entre o
exercício de funções de fiscalização das sociedades que foram por lei confiadas a dois
órgãos distintos: o Conselho de Administração16 e o Conselho Fiscal (Fiscal Único)17.

Nas sociedades Anónimas com estrutura organizatória tradicional ou monística,


modelo que foi acolhido em Angola, o contrato de sociedade pode estar contemplado a
autorização do conselho de administração a delegar um ou mais administradores ou
numa comissão executiva a gestão corrente da sociedade18.

Administração é “a arte de fazer coisas através de pessoas”, na definição


perfilhada pela American Management Association 19. E os administradores,
15
Cfr. o artigo 292.º da LSC
16
Cfr. o artigo 410.º e ss da LSC
17
Já para as sociedades anónimas, a existência de um órgão de fiscalização é obrigatório, havendo,
contudo, alguma liberdade na sua conformação (artigo 432.º, n.º 1, da Lei das Sociedades Comerciais).
18
Conforme nos diz Coutinho De Abreu, “ nas sociedades anónimas com estrutura organizatória
tradicional ou monística, pode o estatuto social autorizar o conselho de administração a delegar em um ou
mais administradores ou numa comissão executiva a gestão corrente da sociedade, assim, sempre que o
estatuto autorizar a delegação de poderes, a deliberação do conselho que defina a delegação também
“deve fixar os respetivos limites, havendo certas matérias que não podem ser objeto de delegação, casos
da aprovação (interna) das contas, prestação de garantias e actos de competência excepcional deste órgão,
como são a mudança de sede e o aumento de capital, quando autorizados”.
19
A American Management Association (AMA) é uma associação norte-americana criada através da
National Association Schools em 1913. Consolidada em 1973,transformou-se numa ver- dadeira
organização,que lhe valeu o reconhecimento pelo Reitor da Universidade de Nova Ior- que como
instituição educacional.Trata-se de uma organização vocacionada para a formação dos “managers” –
www.amanet.org/aboutama/pdfs/ama_history.pdf.Ver definição de administração de empresa por JOÃO
GUIMARÃES ASSÉDIO, Administração da empresa, Polis 1 (1983), 128-131.

12
constituindo o núcleo central da arte, são os sujeitos que desempenham a actividade de
administração20. A administração é, enquanto órgão coletivo, responsável por todas as
decisões relativas ao planeamento estratégico e pela gestão corrente. Não é um mero
executor, antes tem, desde logo, uma responsabilidade na gestão estratégica21.

A relação de cada um dos administradores com a sociedade assenta num contrato


de administração e gestão, que deve ser entendido como uma modalidade do contrato de
prestação de serviços22. Concomitantemente, a violação dos deveres que impendem
sobre o administrador dá origem à responsabilidade civil23 do mesmo perante a
sociedade.

São eles quem planeiam, organizam, coordenam e comandam o destino das


sociedades24, sob a vigilância isenta e diligente dos órgãos de fiscalização, observando
os deveres que conformam e delimitam a sua actuação. Os administradores, colocados
no topo da pirâmide da orgânica da sociedade,detêm um poder-dever de gestão,a nível
interno,e um poder-dever de representação, a nível externo 25. Há quem insira o poder-
dever de representação num conceito amplo de poderes de gestão, compreendendo
“actos meramente materiais e a prática de actos jurídicos e actos de representação”.

20
A título de exemplo, o Grupo SONAE, constituído por um Conselho de Administração e uma
Comissão Executiva, é administrado por engenheiros e economistas,entre outros. O mesmo se passa com
o Grupo PT, que apresenta a mesma estrutura de governação. A referência norte-americana de exigência
de uma pessoa prudente quererá significar que o administrador terá que deter uma diligência superior,
própria do sector comercial ou empresarial.Neste sentido GUILLERMO GUERRA MARTÍN,ob.cit..Na
Itália discute-se se o dever de diligência se poderá reconduzir ao conceito de profissionalidade ou ao
conceito de “bom pai de família”. PEDRO CAETANO NUNES, ob.cit., 29. FRANCO BONELLI
defende particularmente que o padrão que se aplica é o critério da diligência de “buon padre di famiglia”.
Todavia, considera que se trata de um critério geral e objectivo (e até severo) que significa a diligência
devida a um administrador naquela circunstância,ob.cit.,175 e ss.
21
PERESTRELO DE OLIVEIRA, Ana, Bancos e Insider Loans: Empréstimos destinados à Subscrição
ou Aquisição de Ações do Banco pelos Administradores, Revistas do Direito das Sociedades, UL-FD-
CIDP, Lisboa, 2019, p. 436.
22
VALE, Sofia, Direito Comercial, in Direito de Angola ( Coordenação Elisa R. Nunes e Jorge Barcelar
Gouveia), FD-UAN, Luanda, 2014, p. 155.
23
VALE, Sofia, As Empresas cit, 2º paragráfo, p. 13.
24
BRITO CORREIA, Luís, Os administradores de sociedades anónimas (1993), refere que os “admi-
nistradores exercem, na verdade, o poder na empresa – na cédula base da economia, e portanto, numa das
componentes fundamentais da humanidade”.
25
Neste sentido, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial (1983, reimp.), 390, BRITO COR-
REIA, ob.cit., ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Os Poderes de Representação dos
Administradores das sociedades Anónimas, BFD (1998), 18 e ss. Não obstante estes poderes não se
encontrarem, por vezes,conexos ou mesmo dirigidos ao órgão de administração.Neste sentido, vide
JORGE COUTINHO DE ABREU, Governação das sociedades (2006), p.37.

13
Na nossa precepção, a expressão que assume maior importância, uma vez que a
disponibilidade e o conhecimento da actividade da sociedade são naturalmente inerentes
à actividade de administrar – é a referência à “competência técnica” que exprime
claramente e reforça a ideia de profissionalização da qualidade de administrador. Com o
desenvolvimento crescente das sociedades anónimas e a importância fulcral dos
administradores na condução do destino das mesmas, que se reflecte no crescimento e
no desenvolvimento económico, impõe-se que os administradores possuam capacidades
técnicas26, que sejam capazes de responder aos desafios actuais e futuros da sociedade
que administram.

Ambos órgãos27, são eleitos em assembleia geral, em regra para mandatos de até
quatro anos28. Ao conselho administração cabe representar a sociedade em juízo, em
exclusivo e com plenos poderes e ainda geri-la com autonomia, devendo, porém,
durante a sua actuação, subordinar-se ás deliberações de assembleia geral e às
intervenções do conselho fiscal nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o
imponham.

2.4. Conflitos em relação à Actuação do Administrador

A abordagem do conflito de interesses não fará qualquer sentido se tivermos em


conta que o legislador repartiu as competências nas sociedades anónimas. Tal repartição
reveste-se de capital importância, porque constitui um meio de tutela dos interesses de
terceiros, mas, como já temos vindo a referir, poderão existir situações em que o mesmo
administrador tem também, coincidentemente, algum poder decisório, sobretudo se o
mesmo (numa situação concreta) ter que incidir sobre uma matéria que pertence,
exclusivamente, à assembleia-geral por força da lei.

O facto do legislador ter consagrado, como já vimos, limites aos poderes de


representação da administração, exigindo que certos actos só sejam praticados pela

26
CAIAIA, Moses, Investimento Privado no Direito Angolano, edição Ponto de Vista, Luanda, junho de
2019, p.38.
27
Cfr. o artigo 411º, 412º, 435º e 436º da LSC.
28
No pacto social pode estabelecer-se que os mandatos tenham duração inferior a quatro anos, contudo,
não é legalmente admitida a possibilidade de os mandatos serem de duração de superior a quatro anos
(cfr. 412º, nº 1 e 435º, nº 1 LSC)

14
administração após a obtenção de consentimento ou autorização da assembleia-geral
pode suscitar alguns conflitos de interesse, sobretudo no caso do administrador, que tem
também um interesse accionista, e que se repercutem no campo da representação, em
sentido lato (representação e vinculação) sociedade29.

A noção de conflito de interesses tem assumido contornos diferentes nas mais


variadas áreas de saber, mormente das ciências humanas. No Direito, campo aonde se
assistem várias discussões a volta do tema, a relevância tem sido atribuída pelo facto do
direito subjectivo constituir um interesse juridicamente protegido, conforme se referia
Jhering30.

Impõe-se, assim, a nível de várias diplomas legais, um conjunto de obrigações,


com vista a resolver tais conflitos e propiciar a estabilidade jurídica nas relações que se
estabelecem entre as várias partes que intervêm numa relação jurídica. Neste sentido, o
CSC define conjunto de regras que devem ser atendidas, visando garantir que o direito
ao voto conferido aos accionistas e gestão da sociedade, latu sensu, seja exercido no
interesse da sociedade.

A doutrina tem procurado definir um conjunto de situações que não tem sido
fácil, porquanto o tema é tratado de forma diversa pelas várias Legislações. Nos Estados
Unidos, a legislação, assim, como a doutrina e a jurisprudência, tratam-na no âmbito do
Contratos de Agência. A propósito, Clark31 apresenta quatro categorias, a saber:

1. Actos com conflito de interesse por falta de independência (basil self-dealing);


2. Decisões sobre a compensação dos membros da administração (executive
compensation);
3. Usurpação de negócio da companhia (the taking of corporate or shareholder
property);
4. Administração da companhia com propósitos conflituantes entre si (corporate
action with mixed motives)

29
CAIAIA, Moses, Temas de Direito das Sociedades Comerciais, O Problema da Vinculção da
Sociedade no caso do Administrador em Cumulação com a Posição de Accionista, Vol I, editora Ponto de
Vista, Março de 2019, p. 26.
30
JHERING, Rudolf Von, O Espírito do Direito Romano nas Diversas Fases de sua Evolução,
Alemanha, 1865.
31
CLARK, p. 142, opud, CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta Da, cit, p.164.

15
É comum, por exemplo, nos EUA, aonde o problema é tratado no âmbito de
Agência, haver o conflito de interesses sócios maioritários e minoritários 32. Como
esccreve José Ferreira Gomes:

“(...) perante um conflito de interesses, o sócio controlador tenderá a


maximizar os seus benefícios especiais, em prejuízo do interesse social (logo,
prejudicando os sócios minoritários). O mesmo princípio é aplicável aos
gestores e administradores da sociedade, onde o conflito de interesses pode
decorrer da prespectiva de um benefício próprio ou da pressão exercida pelo
sócio controlador para a extracção de determinados benefícios pessoais” 33.

Cremos, assim, que no caso das sociedades com accionistas controladores 34, se
estes forem também administradores, os problemas serão ainda maiores, na medida em
que há um esforço da capacidade daqueles de influenciar a determinação dos destinos
societários, para além da concentração do capital que os mesmos já possuem. Há, assim,
uma diminuição da pouca influência que os accionistas minoritários já têm, o que não
lhes permite fazer alinhar as condutas dos accionistas maioritários em relação aos
interesses comuns.

O modelo actual do financiamento societário e a dissipação substantiva da


separação formal entre financiamento externo e financiamento interno, em resultado das
amplas possibilidades de influência que os contratos de crédito oferecem ao credor, seja
em termos formais (v.g.,covenants) ou meramente fácticos, obrigam à construção de um
sistema de «corporate governance externa»35 e à identificação de mecanismos de
limitação da actuação e responsabilização dos credores controladores.

Em Portugal, tal como em Angola, em relação às sociedades anónimas, a matéria


é tratada no âmbito dos deveres fundamentais a que estão obrigados os sócios, conforme

32
Quando as posições e as vontades dos sócios maioritários sobreponham a dos sócios minoritários.
33
GOMES, José Ferreira, Da Adminstração à Fiscalização das Sociedades, A Obrigação de Vigilância
dos Órgãos da Sociedade, Almedina, 2015, p.40.
34
As sociedades para financiar ou alavancar a sua actividade ou ainda para recuperar de uma situação
díficl, quase sempre, fazem recurso ao crédito externo. Os credores da sociedades financiada, em face do
risco de crédito inerente ao financiamento e aos possíveis conflitos de interesses que possam existir com
os acionistas e/ou com os administradores da sociedade financiada e como mecanismo de protecção dos
seus interesses e que lhe permitem e legitimam a sua intervenção em interesses próprio, introduzem nos
contratos de financiamento as cláusulas Covenants.
35
PERESTRELO DE OLIVEIRA, Ana, Os credores e o governo societário: deveres de lealdade para os
credores controladores?, Revista de Direito das Sociedades, FD – Universidade de Lisboa, 2009. Esta
necessidade torna-se clara à luz dos mecanismos de supervisão da gestão levada a cabo pelos credores e
da sua participação da tomada de decisões empresariais. Paradigmaticamente sobre o tema,cfr.a análise
completa levada a cabo por SERVATIUS,Gläubigereinfluss durch covenants, Tübingen,2008,1 ss..

16
dispõe o art.º 64.º do CSC. A razão é histórica, porquanto a Lei das Sociedades
Comerciais, com algumas alterações, contém na sua maioria as normas em vigor no
CSC português antes da reforma de 2006.

Sublinha-se que há também algumas diferenças relevantes, porque o actual CSC


contém um conjunto de normas cuja fonte é o Direito Comunitário e visam a sua
aplicação também no âmbito do mercado capitais, como não acontece em relação a
legislação comercial angolana, aonde o referido mercado ainda não está em
funcionamento pleno. Não obstante o exposto, em ambas as legislações há uma clara
manifestação de normas cujo propósito é cuidar dos casos de conflitos de interesses,
sendo que a maior parte delas (se não mesmo todas) abordam-na na prespectiva da
lealdade e dos cuidados que se exigem ao administrador36.

Mas, há algumas situações que têm merecido uma atenção menor a nível da
doutrina e suscitam problemas, sendo que não é fácil dissociar o interesse do
administrador em relação ao interesse do accionista, pois sendo que se ambos
encontram na mesma pessoa37.

Se é certo que incumbe aos terceiros, na relação com uma determinada


sociedade, aferirem se a pessoa com quem contactam e que responde pela mesma
assume-se como tal, também é verdade que o simples facto do sujeito pertencer à
sociedade e ser até um facto notório, pode levar-nos a concluir que tem poderes para
vincular.

CAPÍTULO II

A CARACTERIZAÇÃO DA ESTRUTURA E O FUNCIONAMENTO


DOS ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO

36
Em regra geral, os interesses do sócios são desassociados dos interesses dos administradores, porquanto
os sócios pretendem maximização dos lucros e destribuição de dividendos. E já os administradores
pretendem a manutenção dos cargos, aumento dos salários e dos prémios e pretensão accionista.
37
MANUEL, Leonildo, A Questão da Ingerência dos Credores Controladores: O Terceiro Poder?, 2020
p. 9 - “ Muitas das vezes o conflito existente entre o sócios e os administradores pode perpetuar em: i)
venda da empresa no âmbito de uma OPA hostil; ii) Sobrevalorização e falta de fiscalização financeira da
sociedade.

17
3.1. A Fiscalização das Sociedades Anónimas

Presentemente, acolitando da sistematização da fiscalização das sociedades


anónimas avançada por António Menezes Cordeiro38, podemos estruturá-la em cinco
situações:

1. Fiscalização Comum: excercida por qualquer um dos accionistas, que se traduz


essencialmente no direito à informação, que pode ser complementado com o
direito que estes têm de nomear e destituir os membros dos órgãos administração
e fiscalização da sociedade e ainda com a faculdade de solicitar a instauração de
inquérito judicial e concomitantemente recorrer ao conjunto de normas de
responsabilidade civil.
Esta forma de fiscalização consubstancia-se no direito dos sócios à informação
de qualquer accionista que detenha no minímo 5% do capital social, direito consagrado
no artº 320º da LSC.

2. Fiscalização efectuada por um órgão especificamente designado nos estatutos:


executado pelo coselho fiscal ou fiscal único. Neste caso o órgão de fiscalização
é um órgão interno da sociedade ficalizada a quem cabe fiscalizar o exercício de
funções do conselho de administração, com um inerente conjunto de poderes e
de deveres.
3. Fiscalização efectuada por um corpo profissional independente: aqui a
fiscalização é realizada por um corpo profissional competente e independente
(no sentido de não ser estar organicamente incluído na estrutura da sociedade),
portanto é evidente o recurso aos contabilistas e/ou peritos contabilistas39 para o
exercício dessa função.
4. Fiscalização do Ministério Público: executada nos termos dos artº 173º e 174º da
Lei nº 1/04, de 13 de Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais40, que se prende
essencialmente com os seguintes aspectos:
 Verificação da Legalidade do Pacto Social: se este foi, ou não, celebrado na
forma legalmente prescrita;
38
MENEZES CORDEIRO, António, Manual De Direito cit, p.943.
39
OPCA (Ordem dos Peritos Contabilistas de Angola) o Conselho Directivo é presidido pelo Fernando
Hermes.
40
Doravante todas as referências à artigos em que não se faça menção expressa a outro diploma legal
referem-se à Lei das Sociedades Comerciais (LSC).

18
 Verificação da Ilictude do Objecto: verificação ilicitude do objecto social e/ou
da possibildade de este vir tornar-se ilícito ou contrário à lei.
Em qualquer um dos casos o Ministério Público deve requerer, sem necessidade de
precedência de acção declarativa, a liquidação judicial da sociedade. Mas, antes de fazê-
lo ou de tomar qualquer outra providência que repute pertinente, o Ministério Público
está obrigado a, por ofício, notificar a sociedade ou 41 os sócios para em prazo razoável
(a fixar pelo MP no referido ofício, mas que nunca deverá ser inferior a seis meses,
contados da data em que a notificação tenha sido feita), regularizar a situação anómala.
Para além do Ministério Público, outras entidades ou oficiais públicos como por
exemplo, notários e conservadores, têm poderes de fiscalização muito importantes.

5. Fiscalização executada pela entidades de Supervisão, nos respectivos âmbitos:


Banco Nacional de Angola (BNA)42, Comissão de Mercado de Capitais
(CMC)43, Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG) 44

e Instituto de Supervisão de Jogos45.


Corroboro com a opinião de Tiago Marques46, a fiscalização das sociedades é
exercida em dois momentos distintos, sendo o primeiro momento da sua constituição ou
celebração do respectivo contrato de sociedade47, que é executada essencialmente pelos
oficias públicos que intervêm no processo de constituição (notários e conservadores).
Esta fiscalização é diferente do outro tipo de fiscalização que ocorre noutros momentos
após a constituição: o de funcionamento da sociedade.

A fiscalização realizada a partir do momento de funcionamento da sociedade


pressupõe acompanhamento da sua evolução, podendo ser dividida em dois tipos, (i)
fiscalização externa executada por entidades externas à sociedade fiscalizada, v.g.
Tribunais, Ministério Público, Peritos Contabilistas, contabilistas, Entidades
Administrativas e Advogados, etc; (ii) fiscalização interna, que pode ser entregue aos
sócios ou aos órgãos societários.

41
Cfr. o nº2 do artigo 174.º LSC.
42
Cfr. o nº 1, do artigo 17.º da Lei n.º 16/10, de 15 de julho – Lei do Banco Nacional de Angola.
43
Cfr. artigos 7º e 9º da Lei nº 12/05, de 23 de Setebro – Lei dos Valores Mobiliários.
44
Cfr. o artigo 3.º nº 1, alínea b) do Decreto nº 63/04, de 26 de Setembro que aprova o Estatuto Orgânico
do Instituto de Supervisão de Seguros.
45

46
MARQUES, Tiago, Responsabilidades Civil dos Membros de Órgãos de Fiscalização das Sociedades
Anónimas, Almedina, 2009, p. 17 e ss.
47
Cfr. o nº 2, do artigo 7º, Lei nº 11/15, de 17 de junho, Lei da Simplificação do Processo de
Constituição das Sociedades Comerciais.

19
Transpondo as ideias acima expostas para a realidade angolana, sistematização
de acima para esta ideia, podemos concluir que os pontos i) e ii) se enquadram na
fiscalização interna e os pontos iii), iv) e v), respectivamente, integram a fiscalização
externa da sociedade.

3.2. Conselho Fiscal

Em síntese, a fiscalização das sociedades anónimas é, em regra, assegurada por


um conselho Fiscal48. Diz-se em regra porque o exercício das funções de fiscalização
das sociedades, pode ser confiado a um fiscal único49. Todavia, só é admissível que a
fiscalização da sociedade fique a cargo de fiscal único, (vide artº 432º, nº 1, alínea a),
nos casos em que (i) a sociedade tenha sido constituída com apenas dois accionistas, ou
(ii) nos casos em que o valor do capital social não seja superior a valor, em kwanzas,
equivalente a USD 50.000 (cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América, ou
ainda (iii) nos casos em que a lei especialmente assim o determine50.

São elegíveis para o exercício das funções de membro do conselho fiscal ou de


fiscal único, pessoas singulares com plena capacidade de agir51. As pessoas colectivas
podem ser designadas para exercer funções de membro do conselho fiscal ou de fiscal
único, desde que:

i) O contrato de sociedade admita essa possibilidade;


ii) Tais pessoas colectivas sejam sociedades de peritos contabilistas ou de
advogados52, constituídos nos termos da lei;

48
Cfr o artigo 432º
49
VALE, Sofia, Principais Características do Órgão de Fiscalização das Sociedades, Luanda, Maio de
2014, p.2.
50
Registo semelhante ao supracitado.
51
Cfr. o nº 2 do artigo 315.º .
52
Cfr o nº 3 do artigo 433.º .

20
iii) Nomeiem uma pessoa singular para, em seu nome e representação, exercer essas
funções.
Olavo Silva, aludindo-se ao contexto actual, salienta que:

“ É fundamental alterar a prática segundo o qual a função do Conselho Fiscal


deve limitar-se à verificação do ex-post da mera conformação legal dos actos
de gestão pois, apesar de não poder intervir directamente do escrutínio do
mérito das decisões, deve assegurar de modo contínuo a adequação

conformidade global dos processos decisórios ”.

Os membros do órgão de fiscalização (conselho de administração ou fiscal


único), são designados em assembleia geral para mandatos cuja duração não pode ser
superior a 4 (quatro) anos, admitindo-se, porém, a possibilidade de no pacto social se
determinar que os mandatos sejam de duração inferior a 4 (quatro) anos e ainda a
releição dos membros do órgão de fiscalização findo o seu mandato inicial. Julgo ser
aplicável à duração do mandato dos membros do órgão de fiscalização, a regra do art.º
412.º, n.º 1 in fine, referente à duração dos mandatos dos Administradores segundo o
qual nesse aspecto “ (...) considera-se como completo o ano civil em que tenham sido
designados “. Caso o pacto social seja omisso quanto à duração do mandato dos
membros dos órgãos de fiscalização, entende-se que a sua eleição e designação é feita
pelo período de quatro anos, sendo admissível a reeleição.

Consagrada a possibilidade de pessoas colectivas poderem através dos seus


representantes exercer funções no órgão de fiscalização (Conselho Fiscal ou Fiscal
Único) devem igualmente ser eleitos os respectivos suplentes. Pela análise do disposto
no art.º 433º, nº 4, conclui-se que os suplentes deste órgão devem, sem margem para
dúvidas, ser pessoas singulares.

3.2.1. Incompatibilidades

Considerando que o Conselho Fiscal deve na sua actuação ser um órgão


independente e imparcial, o legislador no art.º 434 enumera um conjunto de situações
que tomam incompatíveis a cumulação do exercício de funções de membros do

21
Conselho Fiscal ou de único, com exercício de funções de membro do Conselho Fiscal
ou de Fiscal Único, com o exercício de outras funções e/ou actividades.

As incompatibilidades podem emergir de incumprimento da norma do art.º 433º,


referente à capacidade jurídica dos membros do Conselho Fiscal ou de enquadramento
da situação concreta numa das previsões estabelecidos pelo n.º 1 do art.º 434º. Assim,
não serão elegíveis para o exercício de funções de fiscalização.

Para além das situações acima enumeradas, o exercício de funções de


fiscalização é também vedado aos peritos contabilistas e contabilistas que sejam
accionistas da sociedade fiscalizada. O regime das incompatibilidades estabelecido pelo
art.º 434º, nº 1 é também aplicável aos peritos das sociedades de peritos contabilistas e
aos sócios das sociedades de advogados que exerçam funções na sociedade fiscalizada,
sendo nula a deliberação de nomeação de membros do conselho fiscal ou fiscal único
que tenha sido aprovada em contravenção com o disposto nos artigos 433º, nº 1 e 434º,
nº 1. A verificação de incompatibilidade seja superviniente determina a caducidade da
eleição ou designação conforme o artigo 434, nº 3.

3.2.2. Composição e a Reunião

O Conselho Fiscal é constituído por um número ímpar de membros. Pode o pacto


social determinar que o conselho fiscal seja composto por três ou cinco membros
efectivos e por dois suplentes. A deliberação que elege os membros do conselho fiscal
ou designe o fiscal único deve igualmente indicar os respectivos suplentes.

Compete ao Presidente do Conselho Fiscal convocar reuniões, que se devem


realizar em princípio uma vez a cada trimestre, sem prejuízo da possibilidade de o
respectivo Presidente convocar sempre que o entenda necessário e de no pacto social se
estabelecer o obrigatoriedade de realização de reuniões com periodicidade inferior a três
meses. De cada reunião deve ser lavrada a acta no respectivo livro, que depois de
achada conforme é assinada pelos membros presentes na reunião.

22
A LSC é omissa quanto sobre o procedimento ou forma da convocação de
reuniões do conselho fiscal, a LSC. Segundo a Dra. Neusa Melão Dias53, considera
admissível que a forma de convocação das reuniões do órgão de fiscalização colegial
(conselho fiscal) sejam aplicáveis as normas referentes à convocação do conselho de
administração54, todavia, julgo que no pacto social se pode estabelecer procedimento de
convocação das reuniões mais célere e informal, como por exemplo, determinar que
estas possam ser convocadas por e-mail (com assinatura digital). Mais uma vez, pode
(ou deve) pacto social regulamentar está questão, não sendo condenável a
admissibilidade dessa possibilidade, desde que a sociedade esteja em condições de
garantir a fiabilidade e a segurança das reuniões que ocorram nessas circunstâncias.

As deliberações do Conselho Fiscal são adoptadas por maioria dos votos


expressos, tendo o Presidente do Conselho Fiscal, em caso de empate, voto de
qualidade. Os membros do conselho de fiscal que não tenham concordado com as
deliberações adoptadas têm o direito de fazer constar da acta os motivos da sua
discordância.

3.2.3. Atribuições do Órgão de Fiscalização

Ao órgão de fiscalização são por lei definidas atribuições55 (gerais) seguintes:


a) Fiscalização da administração;
b) Legalidade do contrato e da actividade social;
c) Fiscalização da regularidade das contas;
Para além das essências, são ainda legalmente deferidas no órgão da fiscalização
as atribuições (completamentares)56.

a) Fiscalização Administração

53
Conforme a Dra. Neusa Melão Dias, em Fiscalização das Sociedades Anónimas: Natureza, Regime,
Atribuições e Competências do Órgão de Fiscalização, TCC da Pós-graduação em Direito das
Sociedades Comerciais, FD-UAN, Luanda, Abril de 2012, p. 10.
54
Cfr. o nº 2 do artigo 429.º.
55
Cfr. artigo 441.º.
56
Cfr. o nº 1 alínea d) a i) do artigo 441.º

23
As funções de fiscalização da administração, da legalidade do contrato e da
actividade social fazem parte do chamado dever de fiscalização política57. Este dever de
fiscalização política desmembra-se em duas vertentes: (i) a fiscalização da
administração e (ii) fiscalização da legalidade.

O que é que está sujeito à fiscalização ? Toda a actividade da administração?


Todo e qualquer acto praticado por este órgão ou apenas os actos de gestão ordinária?

Conforme a indagação da Dra. Raquel Mussonguela 58, em sede de Direito das


Sociedades o termos administração é polissémico, podendo significar a actividade do
órgão que desempenha essa actividade. Quando se fala em administração, é usual
distinguir-se administração em sentido amplo (que integra a gestão e a representação da
sociedade) da administração em sentido restrito (que se resume à gestão, actividade
interna da socieade).

Não tendo legislador sido mais preciso na indicação dos actos da administração
que estão sujeitos à fiscalização, entendo que esta incide sobre administração em
sentido amplo, estando aqui compreendida a gestão da sociedade a representação. Logo,
âmbito de actuação do órgão de fiscalização não se deve resumir apenas aos exercícios
de funções dos membros da administração (conselho de administração ou comissão
executiva), abrange também os actos praticados pelo directores, chefias, assembleia
gersl, trabalhadores, etc.

b) A Legalidade do Contrato e da Actividade Social

Para além de fiscalizar administração deve zelar pela observância da lei (não só
a LSC e a respectiva legislação complementar mas também o cumprimento de toda e
qualquer lei ou regulamento que seja aplicável à sociedade e à actividade, natureza
fiscal, administrativa, laboral, etc) e do pacto social. Neste contexto o membros do
órgão de fiscalização podem agir preventivamente (alertando para a obrigatoriedade de
cumprimento das normas, chamando a atenção para a aprovação de novos diplomas
aplicáveis à sociedade, impedidindo a prática de um acto ilegal, etc) ou reagir contra os

57
MARQUES, Tiago João Estevão, em Responsabilidade Civil dos Membros do Órgãos de Fiscalização
das Sociedades Anónimas, Almedina, 2009, p. 91.
58
Conforme a Dra. Raquel Etosse Porfírio Mussonguela, em Fiscalização das Sociedades Anónimas à
Luz do Ordenamento Jurídico Angolano, Curso de Pós-graduação de Direito de Bancário, FD –UAN,
Luanda, 2013.

24
actos ilegais, informando os demais órgão sociais da sua existência ou, se for caso, o
Ministério Público ou ainda arguindo judicialmente a ilegalidade das deliberações da
assembleia geral ou conselho de administração.

c) Fiscalização Contabilística e a Regularidade das Contas

O dever de fiscalização da regularidade das contas foi autonomizado do dever de


fiscalização a observância da lei e dos estatutos. Quando se fala no dever de fiscalização
da regularidade das contas, deve reter-se a noção de que ao órgão de fiscalização cabe
nesse âmbito fiscalizar (i) a regularização com que as contas da sociedade são de
apresentadas; (ii) a apresentação formal dos documentos contabílisticos (se foi ou não
elaborado de acordo com os requisitos do Plano Geral de Contabilidade59), etc.

Aqui a intervenção do órgão de fiscalização pode ter desdobrada em duas


vertentes: (i) recolha e análise de documentação e de informação e (ii) avaliação das
contas da sociedade a partir da informação recolhida e amalisada. No final o órgão de
fiscalização deverá emitir então o seu relatório sobre as contas da sociedade, deverá
certificá-las. A certificação das contas das sociedade está obrigatoriamente sujeita à
auditoria, efectuada feita por uma entidade autónoma o chamado Perito Contabilista60.
Coloca-se agora a questão de saber se o cumprimento desta obrigação importa (ou
poderá importar) a dispensa da certificação das contas efectuada pelo órgão de
fiscalização.

Da Análise do referido diploma legal e ainda do disposto no art.º 432º, nº 3,


entendo que não será dispensável a certificação das contas pelo órgão de fiscalização da
sociedade tiver sido confiada a um fiscal único (que seja uma sociedade de contabilistas
peritos contabilistas).

3.2.4. Poderes dos Membros do Órgão Fiscal

No âmbito das suas atribuições e competência, podem os membros do órgão de


fiscalização nos termos do disposto no art.º 442º LSC, conjunta ou separadamente:
59
Aprovado pelo Decreto nº 82/01, de 16 de Novembro.
60
Cfr. o nº 1 do artigo 1.º do Decreto nº 38/00, de 6 de Outubro.

25
i. Obter de administração, para exame e verificação, a apresentação dos livros, dos
registos e dos documentos da sociedade, bem como, verificar as existências de
qualquer classe de valores, designadamente, dinheiro, títulos ou mercadorias.
ii. Obter da administração ou de qualquer um dos administradores informações ou
esclarecimentos sobre o decurso das operações ou actividades da sociedade ou
sobre qualquer um dos seus negócios.
iii. Obter de terceiros que tenham realizado operações por conta da sociedade as
informações de que careçam para o conviniente esclarecimento de tais
operações;
iv. Assistir às reuniões da administração, sempre que o julgam conviniente.

3.2.5. Deveres do Órgão de Fiscalização

Os membros do órgão de fiscalização, no exercício das funções para as quais são


eleitos ou designados estão sujeitos a um conjunto de deveres. Embora o legislador
angolano não tenha feito menção especial, os membros do órgão de fiscalização no
âmbito das suas atribuições e competênciais, parece-me, estão adistritos aos deveres
gerais da lealdade, zelo e diligência61.

Dos deveres genéricos acima descritos, alguns, pela sua importância e natureza foram
objecto de tratamento especial, pelo que, julgo pertinente aprofundar um pouco mais a
análise do contéudo dos deveres gerais e específicos do órgão de fiscalização que são:

a) Dever de Reunir e de Assistir às Reuniões dos Órgãos Sociais;


b) Dever de Actuação Concienciosa e Imparcial;
c) Dever de Guardar Segredo;
d) Dever de Informar;

e) Dever de Diligência;
f) Dever de Impugnar as Deliberações Sociais;
g) Dever de Convocar a Assembleia Geral.

61
Cfr. o artigo 443.º.

26
4.1. A Figura do Administrador Independente nas Realidades
Societárias

A independência do órgão de administração da sociedade e de alguns dos seus


membros, constitui sem sombra de dúvidas um dos temas nucleares da discussão em
torno da corporate governance, tendo sido nas últimas décadas profundamente
discutido e objecto de numerosos estudos quer pela doutrina económica quer pela
doutrina jurídica. A génese da figura dos administradores independentes encontra-se nos
EUA, na década de 70 do século XX, associada à explosão de alguns escândalos de
natureza política e económica, dentre eles, os mais conhecidos como a falência da
companhia ferroviária Penn Central e os financiamentos ilegais à campanha de Nixon
por parte de algumas sociedades no âmbito do caso Watergate62.

Foram estes casos que tiveram o cordão de pôr a nu as fragilidades de uma


administração centrada na figura do Chieff Executive officer (CEO), tendência que
desde os anos 50 até então, havia dominado o panorama societário norte-americano. De
facto era tradicional nas sociedades americanas a gestão diária da sociedade (o
management) ser entregue a uma comissão executiva presidida pelo CEO, cabendo aos
restantes membros do conselho de administração (board of directors) monitorizar e
fiscalizar a actuação dos executive officers63.

Contudo este controlo era com frequência exercido de forma excessivamente


passiva e indolente permitindo aos executivos uma discricionariedade quase total no
processo de tomada de decisões. Além disso a circunstância de, na maioria das
sociedades, o capital se encontrar fortemente disseminado, levava igualmente a que os
accionistas, porque pequenos e numerosos não tivessem qualquer capacidade ou
incentivo para supervisionar o desempenho daqueles.

62
O colapso da Penn Central Reailroad deveu-se, acima de tudo à passividade e desconhecimento da
situação financeira da sociedade por parte dos seus administradores, ao passo que o caso Watergate
demonstrou que os administradores raramente estavam a par das práticas contabilísticas da sociedade,
considerando, assim que não seria seu dever assegurar-se da sua conformidade com a lei. veja-se neste
sentido, GORDON, Jef- Frey n., The rise of independente Directors in the united States…, pp. 1520-
1526.
63
Cfr. SILVA, João Calvão Da, Responsabilidade Civil dos Administradores Não Executivos, da
comissão de auditoria e do conselho geral e de supervisão, in «Jornadas em homenagem ao Professor
Doutor Raúl ventura», Almedina, Coimbra, 2007, p. 106.

27
A conjugação destes dois factores fez com que a administração societária se
passasse a concentrar nas acções arbitrárias da comissão executiva e do CEO, tornando-
se o conselho de administração num mero “órgão passivo, composto por «yes man» de
ratificação automática de actos daquela”. Esta supremacia do CEO era ainda manifesta
quando diversas vezes, este acumulava as suas funções executivas com a presidência do
conselho de administração, passando aí o questionamento das decisões de gestão pouco
frequente e praticamente inexistente64.

Foi apenas uma questão de tempo até que os teóricos da corporate governance se
começassem a insurgir contra este status quo, clamando por uma mais activa, eficaz e
objectiva fiscalização da gestão da sociedade. Este desiderato seria alcançado segundo
eles, por via da inserção no seio de órgãos da administração de elementos cuja principal
(ou mesmo única) função se traduziria rigorosamente na monitorização e controlo da
actuação da equipa executiva: os administradores independentes, pois tal como os
anticorpos combatem a enfermidade dentro do organismo assolado e por isso são
tendencialmente mais eficazes nesta luta, assim de igual modo os AI deveriam também
inserir-se no núcleo dos principais quesitos societários, ou seja, no conselho de
administração. Logo na primeira parte do século passado, a Securities and Exchange
Committee através do Securities Exchange Actde 1934, consagrou a necessidade de uma
maioria de administradores independentes (Ai´s) no âmbito das comissões de auditoria.

A seguir foi a Bolsa de Nova york (Nyse) nos anos 50 que veio também afirmar
a necessidade deste tipo de composição da comissão de auditoria. Fora do contexto dos
administradores auditores, falou-se primeiro do outsider director, definido na doutrina e
pelas regras da Nyse de 1962, como o administrador que não tinha quaisquer ligações
com a função executiva. surgia então a divisão entre executives e non-executives que
mais tarde se desenvolveria nos ordenamentos jurídicos de matriz anglo-saxónica, em
particular o Reino Unido.

Um dos primeiros passos na afirmação do Ai como instrumento fundamental na


reforma da regulação do governo das sociedades surge em 1978 com a publicação do
Corporate Directors Guidebook pela American Bar Association, que dentro dos

64
CORREIA, João Miguel Silva Fernandes, O Administrador Independente nas Sociedades Anónimas,
dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de
estudos em Direito, Área de especialização de Ciências Jurídico-empresariais, menção em Direito
empresarial, 2014, disponível em ˂https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/34804˃, consultado em
01.02.2018, p. 21.

28
administradores não-executivos distinguia ainda os affiliated (não independentes) e
non-affiliated directors (independentes). Nos anos subsequentes a Nyse bem como a
NASDAQ, introduziram nas suas regulamentações a figura do Ai afirmando a
imprescindibilidade da sua presença no desenvolvimento da função de fiscalização do
novo monitoring board. Porém, apenas em 1992 com os Principles of Corporate
Governance publicados pela American Law institute é que a função do board of
directors e o instituto do Ai se consolidaram nas regras de corporate governance norte-
americanas65.

Verifica-se deste modo uma alteração do paradigma que, até então, tinha vigorado
quanto à estrutura, modo de funcionamento e funções do órgão de administração da
sociedade: passou-se de um “advsing board” centrado na figura do CEO e dos insiders66
orientado quase exclusivamente para a planificação e tomada de decisões estratégicas,
para um autêntico “monitoring board” que deveria assegurar a conformidade da gestão
levada a cabo pelos administradores executivos com os interesses dos accionistas,
reafirmando-se dessa forma, a preponderância do shareholder value67 como objectivo
societário por excelência. Assistiu-se um reequilíbrio das forças no interior do conselho
de administração mitigando-se o excessivo protagonismo de que, anteriormente gozava
a facção executiva do órgão de administração. Se no “advisory” board o que relevava
era a confiança do CEO no conselho de administração, no “monitoring board”
valorizava-se antes a confiança do conselho de administração.

65
Tal como consagrado pela Securities and Exchange Commission (SEC), também os princípios
assumem, como parte de uma boa prática de governação, a presença de na comissão de auditoria de Ai´s
em relação ao management.
66
O órgão de administração das sociedades norte-americanas é habitualmente integrado por duas espécies
de administradores: os internos (insiders), que são, geralmente, os executivos e que dispõem da
competência, disponibilidade e tempo para se dedicarem à gestão diária dos negócios sociais; e os
externos (outsiders), normalmente não exe- cutivos e desligados da estrutura interna da sociedade, cujo
propósito é aconselhar, fiscalizar e apreciar o desempenho dos executivos. Os administradores não
executi- vos integram, em regra, os principais comités que são criados no seio do conselho de
administração, como o comité de auditoria, o comité de fixação de vencimentos ou o comité de
nomeações. neste sentido, veja SILVA, Artur Santos, Livro Branco…, op. cit., pp. 22-23.
67
Nos estados Unidos, é geralmente aceite que “as sociedades devem ser geridas por forma a maximizar
os lucros da empresa e a valorização do investimento realizado pelos accionistas” — a isto se chama a
“norma da primazia do accionista”. Para mais desenvolvimentos, cfr. EISENBERG, Melvin A.,
Perspectivas de convergência global dos sistemas de direcção e controlo das sociedades, in «Caderno do
Mercado de valores Mobiliários», n.º 5 1999, disponível em ˂http://www.cmvm.pt/pt/estatisticas
estudosePublicacoes/CadernosDoMercadoDevaloresMobiliarios/Documents/Cader nos%20MvM-5.pdf˃,
(consultado em 10.01.2018), pp. 119-120.

29
Em sede deste conflito de interesses que Autores como FAMA e Jensen 68 têm
aplicado a teoria económica de agência como a base das teorias de corporate
governance. A problemática de agência é um fenómeno social que afecta todas as
organizações e tem granjeado interesse da academia e de outras entidades,
particularmente daquelas que se dedicam a promover as práticas de boa governação.
Apesar de terem sido notabilizados no contexto anglosaxónico, propriamente nos EUA,
os problemas de agência têm sido apontados como um dos principais determinantes da
decadência ou estagnação das empresas. estes problemas emergem das diferenças dos
gostos e preferências (i.e. funções de utilidade) de cada indivíduo e manifestam-se
através do incumprimento total ou parcial dos contratos (in)formais que os stakeholders
estabelecem com a empresa e/ou entre si.

Obviamente que esses conflitos de interesses geram custos para as empresas (os
chamados custos de agência), que, se não forem devidamente restringidos, podem
comprometer a sua sustentabilidade. A teoria de agência tem sido aplicada aos
problemas de governação, uma vez que são os sócios que delegam ao órgão da
administração o poder de controlo da sociedade, para que estes, usando a sua
experiência e o seu profissionalismo se dediquem ao apuramento das melhores
estratégias para a maximização do lucro.

De acordo com a doutrina económica, estamos perante um “problema de


agência”69 no seu sentido mais lato, sempre que o bem-estar económico de uma parte,
designada por “principal” depende da actuação de uma outra parte, dita “agente”.
Verificando-se, em geral em todas relações contratuais baseadas na assimetria de
informação, na incerteza e no risco, dado que o principal não tem conhecimento
suficiente sobre se, em que medida, o contrato foi cumprido pelo agente. Assim a
discricionariedade atribuída aos administradores e a falta de vigilância promovem
situações de abuso dos administradores, facilitando a oportunidade de privilegiarem os
seus próprios interesses ou interesses de terceiros diferentes dos sócios (private benefits
of control).

68
Cfr. FAMA, Eugene, JENSEN, Michael, Separation Of Owner Ship and Control, in Journal of Law and
Economics, Vol nº 26, Corporation and Private Property, A Conference Sponsored by the Hoover
Institution, June, 1983.
69
Cfr. GOMES, José Ferreira, Da Administração à Fiscalização das Sociedades – A Obrigação de
Vigilância Órgãos das Sociedades Anónimas, Almedina, 2017, p. 32 – 34.

30
Deste modo, no ordenamento jurídico Português, entende-se que esta solução
seria aquela que mais de acordo estaria com o princípio da uniformidade do direito
societário70, arguindo-se assim que um administrador só seria independente se assim o
pudesse ser considerado pelos critérios de independência aplicáveis a outros órgãos
socais, é uma praxe AI presidirem a Comissão de Auditoria.

Portanto, um administrador seria independente quando “não (estivesse) associado


a qualquer grupo de interesses específicos nem se (encontrasse) em alguma
circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou decisão”. Olhando ao
conceito geral de independência apresentado nesta norma, era possível dividi-lo em dois
“sub-conceitos”. Ou seja, para apurar a independência de um membro do órgão fiscal,
em primeiro lugar teria de se verificar se o indivíduo em causa preenchia os requisitos
subjectivo-relacional e subjectivo-qualificativo e que diziam respeito a um primeiro
momento (ausência de interesses específicos com a sociedade). Por isso se o sujeito
mantivesse uma relação com a sociedade (elemento subjectivo-relacional) onde se
identificasse um interesse específico diferente do interesse social (elemento subjectivo-
qualificativo), não seria independente. O segundo conceito considerado era o da
capacidade de o indivíduo agir sem influências de interesses próprios ou de terceiros
que prejudicassem a sua imparcialidade71.

Por isto o Higgs report, dedica uma parte a estas considerações, determinando
que para alcançar uma verdadeira independência o administrador não-executivo deve
possuir as seguintes qualidades: integridade e um elevado standard de ética; uma boa
capacidade de julgamento e avaliação; a habilidade e crença para devidamente
questionar a actividade dos executivos; e ainda qualidades profissionais e
conhecimentos técnicos suficientes. Através destes requisitos subjectivos, a actuação de
forma independente dos não-executivos é promovida, assumindo a independência
substancial um cargo preponderante na garantia da função do Ai na corporate
governance, sendo que só cumprirá as funções se for considerado independente
substancialmente.

70
PAIS FERREIRA, Ânia Sofia, O Administrador Independente: Conceito e Função de Independência
na Sociedades Anónimas, FD-Universidade de Coimbra, 2013, p. 87 e 88.
71
Seguimos de perto a interpretação apontada por NEVES, Rui de Oliveira, op. cit., pg. 143.

31
5. Enquadramento Constitucional do Planeamento Fiscal

A Constituição ocupa um lugar de particular relevo na hierarquia das fontes de


Direito em geral e, por conseguinte, encontramos nela os princípios gerais que servem
de base a todo ordenamento jurídico.

É certo que, hoje em dia, vivemos tempos em que se assiste a uma grande
preocupação por parte dos contribuintes em obter uma poupança fiscal, enquanto
manifestação da liberdade e autodeterminação do ser humano, no sentido de minimizar
os encargos com a .

Mas, por vezes, a atuação dos contribuintes entra em conflito com os princípios
constitucionais, nomeadamente quando resulta de medidas discricionárias,
imprevisíveis, desproporcionais e desadequadas.

Neste capítulo, é apresentado um conjunto de princípios de Direito Constitucional


Fiscal, com conexões relevantes em matéria do planeamento.

5.1. Princípios gerais e garantias dos contribuintes

No contexto angolano, estão fundamentalmente inscritos na Constituição os


seguintes princípios gerais relativos aos impostos:

i. Princípio da função económica e social do fisco

O sistema fiscal de acordo com o artigo 101.° da Constituição da Republica de


Angola (CRA), visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras
entidades públicas, assegurando a realização da política económica e social do Estado e
a proceder a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza nacional.

ii. Princípio da legalidade fiscal

De acordo com o artigo 102.° da CRA, os impostos só podem ser criados por Lei,
que determina a sua incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.
No Código Geral Tributário serão obrigatoriamente determinadas por lei a incidência, as
isenções e as taxas de cada imposto, bem como as formas processuais de atacar a
ilegalidade dos atos tributários (artº. 4°. do CGT).

iii. Princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e da não discriminação

32
À luz do artigo 23.° da CRA, “todos os cidadãos são iguais perante a Lei, gozam dos
mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, sem distinção da sua cor, raça,
etnia, sexo, lugar de nascimento, religião, ideologia, grau de instrução, condição
económica ou social”.

iv. Princípio da estabilidade do fisco

A definição do sistema fiscal e a criação de impostos são da competência da


Assembleia Nacional, podendo, igualmente, ser o do Chefe do Executivo desde que
autorizado por lei passada por aquela. Os deputados e os grupos parlamentares não
podem apresentar projetos de lei que envolvam, no ano económico em curso, aumento
das despesas ou diminuição das receitas do Estado fixadas no Orçamento.

v. Princípio da não retroatividade da lei fiscal

As normas tributárias só dispõem para o futuro e nos termos regulados pela


Constituição da República de Angola72.

vi. Princípio da territorialidade da lei fiscal

As normas tributárias aplicam-se apenas a factos tributários ocorridos em território


nacional, salvo disposição legal em sentido contrário e sem prejuízo do direito
internacional a que o Estado angolano esteja vinculado73, conforme dispõe o art.º 9.° do
CGT.

6. Planeamento Fiscal

Na literatura sobre fiscalidade, os termos "planeamento fiscal" e "evasão fiscal" são


utilizados indistintamente. Sendo que de acordo com Hanlon e Heitzman (2010), não
existe uma definição ou construção universalmente aceite para o termo "planeamento
fiscal das empresas".

Os estudos que propõem uma nova perspectiva sobre o assunto são recentes,
começando com Slemrod (2004), Chen e Chu (2005) e Crocker e Slemrod (2005),
pioneiros no tratamento do tema do planeamento fiscal das empresas com a teoria da
agência desenvolvida por Jensen e Meckling em 1976. O planeamento fiscal é definido

72
Cfr. Artigo 8,°. do CGT
73
VASCO, Anselmo (2015). Fiscalidade Angolana, Mayamba Editora, p. 35.

33
como todas as actividades destinadas a produzir um benefício fiscal (Wahab e Holland,
2012).

Embora a redução dos impostos possa conduzir a lucros após impostos mais
elevados, existem custos reais e potenciais que inibem as empresas de maximizar os
lucros através do planeamento fiscal. Para além dos custos directos pagos sob a forma
de salários e honorários, podem surgir custos indirectos, como por exemplo, a
reestruturação das empresas.

Podem existir custos potenciais na medida em que o planeamento fiscal pode ser
contestado por uma administração fiscal, o que também pode conduzir a custos de
reputação. Por outro lado os dados empíricos dos EUA que sugerem que os custos de
planeamento fiscal constituem uma restrição significativa à actividade de planeamento
fiscal das empresas pode explicar o que Weisbach (2002) descreve como o "puzzle do
escondimento", ou seja, a razão pela qual as empresas não parecem minimizar as
obrigações fiscais.

O planeamento fiscal das Sociedades Anónimas é de interesse público, uma vez que
pode afectar o nível de bens públicos, o que pode contribuir para problemas sociais
(Slemrod, 2004).

O planeamento fiscal pode ser medido como a diferença entre a provisão fiscal
corrente de uma empresa actual, tal como divulgado nas suas demonstrações financeiras
anuais, e o nível (nacional) de imposto que seria devido se o seu lucro antes do impostos
estivesse sujeito a uma taxa legal.

6.1. Planeamento fiscal nas Sociedades Anónimas

Nas margens apresentadas por Hanlon e Heitzman (2010) identificou-se duas


perspectivas alternativas sobre as motivações para a evasão fiscal e suas consequências.

Na perspectiva dominante, o seu objectivo último é simplesmente transferir riqueza do


Estado para os accionistas. Este objectivo seria conseguido sempre que a empresa
evitasse com êxito o pagamento de um montante de impostos que, de outra forma,
seriam devidos.

Os accionistas, portanto, ficariam entusiasmados com a ideia de encorajar os seus


representantes a incorrer nessa prática. Armstrong, Blouin e Larcker (2012), por

34
exemplo, concluem que a remuneração dos directores fiscais está negativamente
relacionada com a taxa efectiva de imposto da empresa, o que sugere que existem
incentivos para que estes procurem obter taxas mais baixas.

A visão alternativa, introduzida conjuntamente por Desai, Dyck e Zingales (2007) e


Desai e Dharmapala (2006), tem em consideração um conjunto mais abrangente de
custos de agência derivados dos conflitos de interesses entre Administradores e
Accionistas.

Nesta perspectiva, os Administradores com interesses próprios estariam dispostos a


participar em actividades de evasão fiscal apenas para tirar partido de um maior poder
discricionário e, por conseguinte, para desviar as rendas em seu próprio benefício. Os
accionistas, por sua vez, aceitariam a obscuridade das acções dos gestores em matéria
fiscal para não chamar a atenção das autoridades fiscais.

Esta situação levaria os investidores, sensíveis a estas possibilidades, a


manifestarem as suas preocupações descontando os preços das acções destas empresas
pelo risco associado.

6.2. Teorias relevantes para o Planeamento Fiscal

Analisamos três grandes teorias relevantes para o planeamento planeamento fiscal,


nomeadamente, a teoria baseada nos recursos, a teoria da agência e a teoria do poder
político.

A) Visão baseada nos recursos

A visão baseada em recursos (VBR) sustenta que as empresas podem obter somente
se tiverem recursos tangíveis superiores que são protegidos por alguma forma de
mecanismo de isolamento que impeça a sua difusão no sector.

De acordo com Wernerfelt (1984) e Rumelt (1984), o princípio fundamental da


VBR é que a base para a vantagem competitiva de uma empresa reside principalmente
na aplicação do conjunto de recursos valiosos à disposição da empresa. Para tatribuir
uma vantagem competitiva de curto prazo que se imponha estes recursos sejam
heterogéneos por natureza e não perfeitamente móveis (Barney, 1991; Peteraf, 1993).

35
Essencialmente, estes recursos valiosos tornam-se uma fonte de vantagem
competitiva sustentada competitiva sustentada quando não são perfeitamente imitáveis
nem substituíveis sem grande esforço (Barney, 1991). Em suma, para obter estes
rendimentos sustentáveis acima da média.

B) A visão de agência da evasão fiscal

A evasão fiscal incorpora mais dimensões da tensão de agência entre os


Administradores e os Investidores. De acordo com a perspectiva de agência dos
impostos, o problema que precisa de ser resolvido pelos investidores é simplesmente a
fuga à gestão.

A evasão também considera outra forma de problema de agência: o oportunismo da


Administração ou o desvio de recursos (Desai e Dharmapala, 2009b). Desai e
Dharmapala (2006) argumentam que transacções complexas de evasão fiscal podem
fornecer aos Administradore as ferramentas, máscaras e justificações para
comportamentos de gestão oportunistas, tais como manipulações de resultados,
transacções com partes relacionadas e outras actividades de desvio de recursos. Por
outras palavras, a evasão fiscal e o desvio de gestão podem ser complementares.

C) Teoria do poder político

Verificou-se que as pequenas empresas podem sofrer em termos de custo médio e


capital porque não podem beneficiar de economias de escala. Por outro lado, as grandes
empresas podem ter mais poder político para negociar a sua carga fiscal, nomeadamente
através dos sindicatos, (Siegfried, 1972) prevê que as grandes empresas enfrentem uma
taxa de imposto efectiva mais baixa. Por outro lado, a teoria dos custos políticos (Watts
e Zimmerman, 1978) defende que, devido à visibilidade e controlo, as grandes empresas
acabarão por pagar uma carga fiscal mais elevada.

Os resultados ambíguos deram origem a uma série de estudos empíricos. Vários


autores estimaram directamente a dimensão da taxa efectiva de imposto da empresa.
Siegfried (1972) entende que embora os resultados pareçam ser influenciados por uma
presença de grandes empresas em alguns sectores, encontra uma relação negativa entre
a dimensão (medida pelo activo) e a tributação efectiva. Os seus resultados são
coerentes

36
6.3. A fronteira entre planeamento fiscal, evasão fiscal e fraude
fiscal
A nossa realidade define um conjunto de faculdades aos contribuintes, para que
estes possam livremente estabelecer negócios jurídicos se apresentam como fiscalmente
menos onerosos. No entanto, por vezes, alguns comportamentos realizados pelos
contribuintes com a finalidade de obter uma poupança fiscal são manifestamente
ilícitos, não estando em conformidade com a Ordem Jurídica e constituindo, desta
forma, um verdadeiro delito, podendo ser alvo de uma sanção.

Neste sentido, podemos afirmar que existem condutas intra legem do contribuinte,
que consistem em actos de poupança fiscal ou de gestão fiscal, designadas na
terminologia inglesa por tax planning, e que têm em vista diminuir o imposto a pagar de
acordo com a lei existente.74

Por outro lado, registam-se condutas que podem não constituir um ato ilícito,
abusivo, anormal ou atípico, mas que podem, todavia, situar-se, fora da área de
abrangência fiscal - extra legem-, sendo o comportamento vulgarmente designado de
elisão fiscal ou de tax avoidance na terminologia Anglo-Saxónica.75

E, por fim, podemos ter condutas em que os contribuintes ao atuarem praticam atos
de evasão fiscal, são atos ilícitos destinados à prática de evasão ou fraude fiscal e que
são designados por tax evasion na doutrina anglo-saxónica.76

Considerando que a poupança fiscal constitui um direito atribuido a qualquer


contribuinte, nada impede que este pratique em conformidade com as próprias leis
tributárias, mesmo em relação àquelas em que existe um desagravamento fiscal.

Também encontramos inúmeros casos em que os contribuintes se deparam com


leis fiscais mal construídas, com omissões legislativas, ou até com conceitos imprecisos
e indeterminados, levando muitas das vezes a que os contribuintes optem por um
caminho onde a carga fiscal é menor. De facto, “sabemos que a obesidade legislativa, a
má qualificação das leis, a sua profusão e dispersão, possibilitam interpretações
74
Cfr: CAMPOS, Diogo Leite / CAMPOS Mónica, “Direito Tributário”, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,
setembro de 2000, pág.161
75
Cfr: AMORIM, José de Campos, “Responsabilidades dos Promotores do Planeamento Fiscal”,
Planeamento e Evasão Fiscal, Vidaeconómica, Porto, novembro de 2010, pág.221.
76
Idem, pág.223.

37
divergentes, se não mesmo contraditórias, criam insegurança e fomentam conflitos
interpretativos, entre a administração fiscal e os contribuintes.”77

Nestes termos, os contribuintes podem atuar, tanto no âmbito da previsão legal,


como no âmbito das lacunas da lei, sobre determinadas matérias de imposto. De facto,
pode o contribuinte atuar de forma a aproveitar os benefícios fiscais, os regimes
privilegiados de tributação, deduções específicas e as normas de desagravamento fiscal.

Evasão fiscal (planeamento fiscal extra legem)

Segundo os ensinamentos de Gonçalo Nunes, têm-se por evasão fiscal aquelas


situações em que os contribuintes optam por praticar actos jurídicos lícitos, diferentes
daqueles que estão previstos nas normas de incidência de um determinado imposto,
conseguindo desse modo evitar o nascimento de uma relação jurídica ou provocar o
surgimento de uma (diferente da pretendida pelo legislador) cujo regime jurídico-fiscal
lhes seja mais favorável.78

Ora, face ao descrito verificámos que os comportamentos dos contribuintes são


reduzidos em atos ou práticas legais. No entanto, a administração fiscal pode considerar
estes comportamentos concretos ilegítimos na medida em que os mesmos visem apenas
obter a eliminação ou a redução do imposto a pagar.79

Para Joaquim Rocha, a evasão fiscal respeita a letra da lei, mas viola o seu espírito,
dando corpo a um abuso de forma jurídica com propósitos fiscais, na medida em que se
utiliza uma forma jurídica sem um específico propósito negocial que não os propósitos
fiscais. Segundo este autor, o objetivo da evasão fiscal é claro e traduz-se num
afastamento, numa desoneração ou um deferimento tributário, procurando-se aproveitar
uma forma jurídica existente para outro fim, no sentido de conseguir uma poupança
fiscal.80

77
Cfr: SANTOS, António Carlos do “Planeamento Fiscal, Evasão Fiscal, Fraude Fiscal: o fiscalista e o seu
labirinto”, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, Coimbra, 2010, pp. 240-241
78
Cfr: NUNES, Gonçalo Nuno Cabral de Almeida Avelãs, “A Cláusula Geral Anti-Abuso em sede fiscal –
artigo: 38.º, n. º2 da Lei Geral Tributária”, Revista de Fiscalidade n. º3, Junho de 2000, pág. 43
79
SILVA, Amândio Fernandes; “O Direito dos contribuintes ao Planeamento Fiscal”,
Fiscalidade, TOC, novembro 2008, pág. 42.

80
ROCHA, Joaquim Freitas, “Direito Fiscal e autonomia da vontade. Do Direito Fiscal à livre planificação
fiscal”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hoster, Almedina, Coimbra, 2012,
pág 1228

38
A par disto, o planeamento fiscal extra legem pode ser manifestado através de duas
formas: por introdução da lei ou por lacuna da lei. A primeira manifestação é o próprio
ordenamento normativo que proporciona a diminuição da carga fiscal, já a segunda
manifestação, ocorre por imperfeições da própria lei, da qual resulta vantagem de menor
carga fiscal.

Fraude fiscal (planeamento fiscal contra legem)

O planeamento fiscal contra legem ou tax evasion consiste num comportamento


ilícito, em que o sujeito passivo viola de forma direta e intencional as normas
tributárias, com o objetivo de obter uma poupança fiscal e prejudicar a Administração
Geral Tributária. O contribuinte está sujeito à legislação tributária e desta forma tem de
atuar conforme a sua regulamentação. Mas, por vezes, a prática de determinados atos ou
omissões por parte deste constitui um ilícito, visto que é claramente contrário à lei,
consubstanciando à prática de um crime ou uma contraordenação.

O contribuinte está sujeito à legislação tributária e desta forma tem de atuar


conforme a sua regulamentação. Mas, por vezes, a prática de determinados atos ou
omissões por parte deste constitui um ilícito, visto que é claramente contrário à lei,
consubstanciando à prática de um crime ou uma contraordenação.

São exemplos de fraude fiscal, os seguintes comportamentos: a emissão de faturas


falsas, a falsificação de documentos, a declaração de rendimentos inferiores ao real, a
simulação de negócios, entre outros.

A prática de planeamento fiscal ilícito ocorre no momento ou após a verificação da


obrigação tributária específica e consiste na alteração ou ocultação de uma situação
jurídica realizada, em desfavor do Estado. São inúmeras as perceções que influenciam a
decisão de planeamento fiscal ilícito nomeadamente: o sentimento de que a carga
tributária é justa ou excessiva em relação aos benefícios gerados pela sociedade; o
sentimento de que o governo aplica adequadamente os recursos arrecadados ou não
oferece retorno condizente com os valores recolhidos; o sentimento de que o governo é
capaz ou incapaz de apurar e punir casos de fraude fiscal; a facilidade ou dificuldade de
entender o sistema tributário e lidar com as suas formalidades e o sentimento de
equidade ou iniquidade em relação ao tratamento dado pelo sistema fiscal aos
contribuintes em sites

39
A influência dos impostos na gestão empresarial das Sociedades Anónimas

A análise das demonstrações financeiras das Sociedades Anónimas de qualquer


ramo de actividade geralmente indica os pontos fracos e fortes do seu desempenho
operacional e financeiro. A informação de uma análise financeira pode ser utilizada para
melhorar o desempenho. Além disso, as análises das demonstrações financeiras podem
ser usadas para prever como as decisões estratégicas, ou a expansão das actividades
económicas de uma empresa, são capazes de afectar os desempenhos financeiros
futuros.81

Os indivíduos ligados à gestão empresarial devem, além de dominar procedimentos


de gestão e recursos humanos, ter bases de interpretação da informação contabilística,
bem como da legislação fiscal vigente na sua área fiscal. Mais uma vez, releva-se a
importância da informação para a empresa. Vejamos, de forma sintética, os aspetos cuja
abordagem se considera de caráter importante, inerentes à gestão, fiscalidade
(propriamente as leis que compõem o Sistema Fiscal) e contabilidade.

Esta complementaridade entre gestão, contabilidade e fiscalidade implica a


necessidade dos empresários e administradores dominarem conceitos básicos não
apenas da actividade que desenvolvem, mas também de matérias diretamente
relacionadas, do mesmo modo que os contabilistas precisam mais do que conhecimento
teórico, ter domínio prático de procedimentos de gestão. Para desenvolver as suas
actividades de forma salutar, ambos necessitam de dominar a legislação fiscal nacional,
bem como os benefícios fiscais existentes.

Atualmente, a contabilidade empresarial combina diversas funções, e tem sido


denominada por isso como ‘linguagem da organização’ e, com os softwares de gestão
atualmente concebidos para dar respostas rápidas e eficientes aos órgãos de decisão,
emerge uma estreita relação entre as funções administrativas.82

A Administração Geral Tributária (AGT) por outro lado, como um dos principais
interessados na informação contabilística, a fim de obter dados que lhe possibilite

81
REIS, Arnaldo, (2009). Demonstrações Contábeis: Estrutura e Análise, Saraiva Portugal, pág 15.
82
VIEIRA, Lauriana Rita Pires, “O planeamento fiscal abusivo: exemplificação de alguns esquemas”,
Dissertação de Mestrado, Mestrado em Contabilidade e Finanças, InstitutoSuperior e Contabilidade e
Administração do Porto, Porto, 2014

40
cobrar os diversos impostos, não se limita apenas à liquidação e cobrança dos impostos
procedendo no seu papel como fiscal a análise e verificação das contas, em busca de
erros ou mesmo possíveis actos de fraude fiscal. É por isso importante que, na
preparação da informação contabilística (demonstrações financeiras e relatórios de
gestão), se tenham em conta as perspectivas financeira, fiscal e de gestão, agregando em
si dados claros e concisos sobre tais abordagens.

O contabilista deve ter em conta os aspetos de incidência tributária, comprovando a


veracidade das taxas de tributação aplicadas, bem como a equivalência dos valores
passíveis de tributação, com os pagamentos realmente efetuados. O registo de
documentos no sistema de escrituração exige também a existência de elementos
identificativos, conforme o Decreto Presidencial n.º 149/13, de 1 de Outubro (Regime
Jurídico de Faturas e Documentos equivalentes).

A primeira resposta que se obteria ao se questionar a qualquer Administrador ou


Gestor sobre o que poderia fazer em relação aos impostos, caso tal oportunidade lhe
fosse concedida, seria certamente eliminar os impostos ou baixá-los para a mínima taxa
possível. Mas esta é uma afirmação baseada em senso comum, porque se acredita que
muitos gestores e empresários têm noção da importância dos impostos para o
desenvolvimento do país e, consequentemente, dos seus próprios negócios.

Gestão fiscal ou planeamento tributário

A chave para a gestão bem sucedida de uma entidade vocacionada para o lucro,
reside como é bem sabido, na maximização das receitas e na diminuição dos custos, de
forma a aumentar os lucros. Ora, num mundo onde a concorrência empresarial é cada
vez mais feroz, não espanta, pois, que as empresas sejam pressionadas a procurar a
“otimização fiscal”.

Na visão de Borges83, o planeamento tributário é uma técnica que projecta as


operações, visando conhecer as obrigações fiscais pertinentes a cada uma das
alternativas legais que lhes são aplicáveis, para, em seguida, adoptar aquela que

83
BORGES, Humberto Nonavides (2002). Planejamento tributário: IPI, ICMS, ISS e IR., 7ª.ed. São Paulo:
Atlas, pág. 75

41
possibilita emprego de procedimento tributário legitimamente inserido na esfera de
liberdade fiscal.

Todo o planeamento fiscal estabelece exigências que devem ser consideradas em


sua efetivação84:

a) É necessário bom senso do planeador, ou aquele que realiza e dirige;

b) É necessário avaliar a relação custo/benefício, permitindo saber se a otimização


do custo fiscal é proporcional ao custo que a empresa deseja suportar. Muitas vezes
suportar o custo fiscal numa dada operação, custa menos que deixar de realizá-la.

c) Não há mágicas em planeamento tributário, apenas alternativas, cujas relações


custo/benefício variam muito em função do volume de capital em causa, da época e do
local.

A crescente e aguçada preocupação com a racionalidade económica, quer no plano


pessoal, quer no plano empresarial, pode-se solucionar de certa forma pela gestão fiscal,
também conhecida como planeamento fiscal, engenharia fiscal. A mesma consiste de
modo geral em obter a poupança fiscal ou redução da carga tributária de uma maneira
totalmente legítima e querida pelo legislador ou até deixada por este como opção ao
contribuinte.

Trata-se de escolher a via fiscalmente menos onerosa, consistente com a gestão


normal dos negócios pessoais ou empresariais, trata-se ainda do contribuinte procurar
inserir a variável fiscal nas suas decisões. Vejamos, por exemplo, que nem sempre se
trata de reduzir a carga fiscal, pois nalguns casos como o IRT e o IVA, a carga tributária
é suportada pelo trabalhador e pelo consumidor respetivamente, o cerne é gerir a
liquidação e o pagamento de forma vantajosa para a empresa, tendo em conta os prazos
de pagamento.

Freitas Pereira85, afirma que a gestão fiscal nos tempos modernos caracteriza-se por
uma postura ativa da parte do contribuinte que procura inserir a variável fiscal nas suas
decisões. A realidade é que não há como esta variável não constar do processo diário de
gestão. Hoje, esta ferramenta deveser vista para a empresa numa perspectiva global, ou
seja, todas as operações a realizar devem merecer uma apreciação do seu impacto fiscal,
84
Manual de Gestão Fiscal da Faculdade de Economia da Universidade Katyavala Bwila (UKB), de 2013.

85
FREITAS PEREIRA, Manuel Henrique (2005). Fiscalidade, Coimbra, Almedina, pág. 24

42
e considerar a sua viabilidade. Muitas vezes, quando o gestor pauta pela redução da
carga fiscal, oneram-se outros custos não fiscais que importa também levar em
consideração e determinar o melhor caminho para a empresa.

Ferreira e Duarte86 detalham no seu artigo a importância da gestão fiscal ou


planeamento tributário e apontam quatro caminhos legais para alcançar a otimização
dos gastos tributários:

1. Afastamento da incidência do tributo via imunidade ou não incidência;

2. Redução, total ou parcial, do crédito tributário, via isenção, redução de base de


cálculo, redução de alíquota, abatimentos e deduções, crédito presumido, dentre outros;

3. Redução dos gastos tributários, via mecanismos simplificados de apuração do


tributo;

4. Postergação da extinção do crédito tributário, via diferimento e suspensão do


pagamento do tributo.

A realidade mundial demonstra que a questão do tributo (imposto) é muito


discutida, relevando o seu impacto na gestão e muitas vezes na maximização dos
resultados ou ainda “maximização dos prejuízos”. Alguns procurando contornar a Lei
Fiscal de forma a obter benefícios próprios (Elisão Fiscal), outros tentando evadir-se ou
fugir à Lei (Evasão ou Fraude Fiscal). Tais caminhos devem ser desencorajados,
assegurando-se a expansão do conhecimento das vantagens que se pode obter com os
procedimentos legais.

Os procedimentos de gestão fiscal passam por opções entre regime geral ou regime
de neutralidade nas operações de fusão e cisão, na escolha das formas de realização das
operações ou actividades, baseando-se sempre nos benefícios, isenções ou exclusões
definidas na legislação fiscal relacionada aquela actividade, com particular relevância
para a definição da forma jurídica e para o local de realização da actividade. No
território nacional, por exemplo, algumas áreas de investimento são consideradas como
prioritárias e o investimento nestas zonas goza de elevados benefícios fiscais, bem como
isenções e outros incentivos.

86
FERREIRA, A. H. S. e DUARTE, A. M. P. (2005). Planejamento Tributário: Instrumento Eficaz de Eficaz de
Gestão Empresarial. Qualit@s – Revista Eletrônica, 4(2), 1-21.

43
Todos os procedimentos de gestão fiscal exigem o correto domínio e tratamento da
informação relativa a esta matéria, conforme abordamos anteriormente. É necessário
estar atento às revisões e alterações que vão surgindo no sistema tributário,
principalmente no que concerne às taxas, à incidência, aos prazos de liquidação e
pagamento e outros elementos. Conhecer e desenvolver as atividades com base nos
parâmetros legislados e a qualidade no arquivo dos documentos, é outro pormenor
importante, pois tão vantajoso quanto reduzir a carga fiscal é evitar a incidência de
multas fiscais, evitando irregularidades e controlando todas as operações passíveis de
tributação.

44

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