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No primeiro módulo, foram abordados os dez causadores mais importantes de DTA no Brasil.
Agora veremos alguns importantes agentes etiológicos em diversos países, mas que aqui não
figuram entre os mais frequentes nas estatísticas oficiais. Além disso, um agente etiológico que,
no Brasil, tem se apresentado sob forma de surtos – toxoplasma – será incluído. Finalmente, a
investigação de surtos será abordada. Boa leitura!
1. Campylobacter jejuni
Como essa bactéria pode ser habitante do intestino de aves e ruminantes, há o risco de
contaminação da carcaça de frangos ao abate e do leite durante a ordenha. C. jejuni é suscetível
ao calor, portanto a pasteurização e o tratamento térmico da carne de frango causará a morte
bacteriana. A ingestão de leite cru já foi implicada em surtos em outros países, assim como a
ingestão de água contaminada por fezes de animais. Mas a maioria dos casos de DTA está
associada ao consumo de carne de frango e de peru, ou de alimentos que foram contaminados
cruzadamente durante o preparo ou armazenamento a partir daqueles produtos. Ou seja, a
manipulação de carne de frango crua durante o preparo de refeições é um momento de risco
para a disseminação da bactéria no ambiente da cozinha e para outros alimentos crus ou
cozidos. As autoridades em saúde inclusive alertam para o risco de lavar o frango inteiro ou em
pedaços na água corrente (veja a ilustração na Figura 1). Também na geladeira, pode ocorrer a
contaminação cruzada de outros alimentos crus ou cozidos a partir do líquido que desprende da
carne de frango, principalmente durante o descongelamento. Por essa razão, recomenda-se que
a carne de frango seja armazenada na prateleira mais inferior da geladeira e sempre embalada
e dentro de uma vasilha. Assim, será possível evitar a contaminação de outros alimentos ali
armazenados.
Figura 1 – Material educativo alertando para o perigo de lavar o frango em água corrente
no ambiente de preparo de alimentos.
Fonte : https://brunswick.ces.ncsu.edu/2019/02/dont-wash-that-chicken/
Em 2018, a autoridade sanitária da União Europeia registrou cerca de 246 mil casos de
campilobacteriose transmitida por alimentos, mas estima-se que a real prevalência esteja
próxima aos 9 milhões de casos. Nos Estados Unidos, os casos anuais estimados estão na casa
dos 1,5 milhões. No Brasil, entre 2001 e 2014, apenas cinco surtos, envolvendo 37 acometidos,
foram registrados. Por outro lado, artigos científicos relatam cerca de 32% de ocorrência de C.
jejuni em carcaças de frango e outros produtos preparados com carne de frango. Para ler mais
sobre o gênero Campylobacter no Brasil, consulte a revisão escrita por Silva et al. (2017),
disponível em
https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/87559129.2017.1298125?casa_token=fLy-
caywlAUAAAAA:1_GunrHuVNLpr_KCDYtXRiNp-2bsceGoM9naC0A1lmE8E-
Uc8t4bckxTMOG_dZb6fMLS6vmnnHQq
2. Listeria monocytogenes
O gênero Listeria compreende bacilos Gram-positivos móveis, não produtores de esporos. Inclui
diversas espécies, porém só L. monocytogenes é patogênica para humanos. É uma bactéria
bastante resistente no ambiente e cresce em temperaturas tão baixas quanto 1°C. Ou seja, em
temperaturas de refrigeração, quando as outras bactérias causadoras de DTA cessam sua
multiplicação, L. monocytogenes continua a aumentar sua população. Isso tem grande
relevância em alimentos, pois mesmo em armazenamento correto, a população de L.
monocytogenes poderá alcançar a dose infectante, principalmente em alimentos que tem longo
período de validade. Outra característica relevante é sua resistência em produtos com baixa
atividade de água e com teor elevado de sal. No ambiente da indústria de alimentos pode formar
biofilmes, inclusive em câmaras frias, o que dificulta sua remoção durante o processo de
higienização. Porém, é destruída pelo tratamento térmico da pasteurização e do cozimento de
alimentos. Na indústria de lácteos, quando L. monocytogenes é encontrada no produto final
geralmente ocorreu recontaminação pós-pasteurização. Diversos alimentos podem ser
implicados em casos de listeriose, mas os lácteos, como queijos de alta e média umidade, e os
alimentos prontos para consumo (por não receberem tratamento térmico na casa do
consumidor) são especialmente de risco.
No mundo, diversos surtos de grandes proporções já foram descritos. O maior reportado até o
momento ocorreu na África do Sul, entre 2017 e 2018, acometendo 1.060 casos confirmados
laboratorialmente e causando 216 mortes. O alimento implicado foi um produto cárneo
processado pronto para consumo. O surto mais recente nos Estados Unidos, ocorreu no mês de
junho passado, causando 36 casos distribuídos por 17 estados americanos, associado ao
consumo de cogumelos tipo Enoki. Os casos ocorreram em residências, estando o produto
contaminado em sua origem. Se quiserem ler sobre a investigação desse e de outros surtos de
listeriose, acessem https://www.cdc.gov/listeria/outbreaks/index.html.
3. Toxoplasma gondii
O ciclo de vida do T.gondii envolve diferentes formas: taquizoítos (típicos da fase aguda da
infecção); bradizoítos (típicos da fase crônica no hospedeiro) e oocistos (produzidos após a fase
sexuada da reprodução que ocorre exclusivamente no intestino de felídeos). Os oocistos são
eliminados ainda imaturos nas fezes de felídeos infectados e, após 1 a 5 dias, esporulam no
ambiente. A forma esporulada permanece viável no ambiente por até 18 meses.
Além de um ciclo de vida complexo, as vias de transmissão para humanos são múltiplas e
envolvem a ingestão de bradizoítos presentes na carne de animais de produção ou de oocistos
presentes em verduras e água, bem como pelo contato com ambiente contaminado por oocistos
(Figura 2).
Os grupos de risco devem ser alertados sobre as vias de transmissão e como evitá-las. No que
se refere à transmissão por alimentos e água, é importante orientar sobre o consumo
exclusivamente de carne bem cozida, o que garante a destruição de bradizoítos até no centro
geométrico do alimento. O congelamento por alguns dias também diminui consideravelmente
o número de bradizoítos na carne. O processo de salga e fermentação nem sempre garante a
destruição de bradizoítos e, portanto, esse tipo de embutidos não deve ser ingerido cru por
indivíduos de risco. Os oocistos que podem estar em verduras e legumes cultivados em hortas
com acesso de gatos ou em contato com água contaminada devem ser rigorosamente
higienizados. Os oocistos não são destruídos pelo hipoclorito, portanto a remoção necessita ser
mecânica. Após ficar de molho em água, preferentemente com algumas gotas de detergente, as
folhosas devem ser lavadas individualmente para permitir a remoção de oocistos aderidos. A
cloração da água também não elimina os oocistos, portanto em zonas com suspeita de
contaminação da água a mesma deve ser fervida para garantir a potabilidade. Os sistemas
públicos de tratamento de água nessas regiões necessitam introduzir um sistema de filtração
durante o tratamento para garantir a remoção mecânica dos oocistos.
A estratégia de investigação de casos de DTA varia entre países. Na União Europeia são
investigados os casos de gastrenterite em humanos e verificado se podem estar relacionados ao
consumo de alimentos e água. Nos Estados Unidos a estratégia é a investigação de prováveis
surtos de DTA, partindo dos primeiros casos detectados e buscando casos semelhantes em
outros estados do país. No Brasil, os surtos investigados nos municípios são registrados pela
autoridade sanitária estadual em um banco central de informação para fins de estatística anual.
A investigação de surtos nos Estados Unidos (Figura 3) e no Brasil (Figura 4), demonstra algumas
diferenças importantes. Entre elas destacam-se a busca ativa de casos após o início da
investigação (passo 2 na figura 3) e a busca e elucidação do alimento implicado e da fonte de
contaminação (passos 4 e 5 na figura 3) realizada pelos americanos. Essa investigação de origem
inclui não só a pesquisa e isolamento do agente a partir de alimento, do local que comercializou
o produto e até mesmo da indústria produtora ou do importador do alimento implicado, mas
da aplicação de métodos genotípicos à investigação epidemiológica. Assim, diferentes isolados
do agente identificado são submetidos à determinação do perfil genotípico para demonstrar
que se trata de uma mesma cepa da bactéria, por exemplo. O perfil genotípico de bactérias
tradicionalmente foi realizado pela realização de um “fingerprinting” do DNA total por meio de
clivagem com enzimas de restrição e posterior separação por eletroforese, denominado PFGE
(Pulsed Field Eletrophoresis). Um exemplo está apresentado na Figura 5. Mais recentemente, o
sequenciamento total do genoma dos isolados obtidos de diversas origens vem substituindo o
PFGE, pois permite uma comparação ainda mais acurada e fornece outras informações como
presença de genes de patogenicidade e resistência a antimicrobianos. Essa estratégia de
investigação permite identificar casos separados geograficamente, traçar a disseminação de
cepas causadoras do surto (o que é indispensável nos casos de produtos contaminados na
origem, numa lógica de comércio de alimentos globalizado) e fundamenta o “recall” desses
produtos no país.
A taxa de ataque é calculada a partir das informações fornecidas pela entrevista dos indivíduos
doentes e não-doentes do surto, em termos de haver consumido ou não consumido os itens
servidos no cardápio daquela refeição. É calculado da seguinte forma:
Risco Relativo (RR) = TA dos que consumiram/TA dos que não consumiram
Se você quiser ler mais sobre esse assunto baixe o documento Manual integrado de vigilância,
prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos (2010), disponível em:
bvs/publicacoes/manual_integrado_vigilancia_doencas_alimentos.pdf?fbclid=IwAR12xdygEc4
UdKV9yRFeaPGJ0XbZNY3Nhd-3dH8LjGu0VXKiewGmy58
Para finalizar esse módulo, responda as perguntas que estarão disponibilizadas no Moodle.
Figura 2 – Árvore de transmissão de Toxoplama gondii envolvendo água e solo.
Fonte: https://www.waterpathogens.org/book/toxoplasma-gondii
Figura 3 – Passos da investigação de surto de DTA nos Estados Unidos
Fonte: https://www.cdc.gov/foodsafety/outbreaks/investigating-
outbreaks/investigations/index.html
Figura 4 – Etapas da investigação e registro de surtos de DTA no Brasil
Fonte: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/15/Apresenta----o-
Surtos-DTA---Fevereiro-2019.pdf
Figura 5 – Macrorrestrição deisolados de E.coli O157 causadora de surto em que leite cru foi
implicado. Observem que há identidade nos perfis de isolados de diferentes origens e que o
perfil difere daquele encontrado em paciente em 2005.
Fonte: https://www.foodpoisonjournal.com/foodborne-illness-outbreaks/pfge-patterns-in-
hartmann-dairy-raw-milk-outbreak/
Figura 6 – Exemplo hipotético de cálculo de taxa de ataque em um surto ocorrido numa escola.
Fonte: Brasil. Ministerio da Saude. Secretaria de Vigilancia em Saude. Departamento de Vigilancia Epidemiologica.
Manual integrado de vigilancia, prevencao e controle de doencas transmitidas por alimentos (2010)