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DOI: 10.1590/1413-81232021267.

07302021 2693

Triplo tabu: sobre o suicídio na infância e na adolescência

artigo article
Triple taboo: considerations about suicide among children
and adolescents

Orli Carvalho da Silva Filho (https://orcid.org/0000-0002-5268-6097) 1


Maria Cecília de Souza Minayo (https://orcid.org/0000-0001-6187-9301) 2

Abstract This article aims to understand the Resumo Este artigo pretende compreender a
construction and repercussion of taboos involving construção e a repercussão dos tabus que envolvem
suicides among children and adolescents, consi- o suicídio de crianças e adolescentes, considerando
dering the discomfort, silence, and dread that the o incômodo, o silêncio e o pavor que esse tema pro-
theme causes across society. Due to the recognition voca em toda a sociedade. Diante do reconheci-
of a continuum of taboos (taboo of death < taboo mento de um continuum de tabus (tabu da morte
of suicide < taboo of child suicide), the authors < tabu do suicídio < tabu do suicídio infantoju-
present, as an attempt to address this issue, the venil), propôs-se, como tentativa de clarificar essa
concept of a triple taboo, recognizing the incom- questão, o conceito de um triplo tabu, valorizando
mensurability of self-inflicted deaths that have a incomensurabilidade das mortes autoprovoca-
children and adolescents as protagonists. Develo- das que têm as crianças e os adolescentes como
ped from a qualitative study with paediatricians protagonistas. Tendo sido desenvolvido a partir de
during their medical residence, this paper serves um estudo qualitativo com pediatras em forma-
as a call to professionals who assist children and ção, este documento se configura como um chama-
adolescents in the country. Paediatric training do aos profissionais que assistem crianças e adoles-
needs to recognise these taboos and the dimen- centes no país. É preciso que a formação pediátrica
sions of suicidal behaviour as a manifestation of reconheça esses tabus e as dimensões do comporta-
violence and as a threat to mental health. Their mento suicida como uma manifestação de violên-
identification is a critical and urgent element in cia e um agravo à saúde mental, identificando-o
contemporary children and adolescents’ care. como um elemento crítico e urgente na assistência
1
Instituto Nacional da Key words Death, Suicide, Taboo, Child, Ado- contemporânea a crianças e adolescentes.
Saúde da Mulher, da
Criança e do Adolescente lescent Palavras-chave Morte, Suicídio, Tabu, Criança,
Fernandes Figueira, Adolescente
Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). Av. Rui Barbosa
716, Flamengo. 22250-020
Rio de Janeiro RJ Brasil.
orli.filho@iff.fiocruz.br
2
Departamento Estudos
sobre Violência e Saúde
Jorge Careli, Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio
Arouca, Fiocruz. Rio de
Janeiro RJ Brasil.
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Silva Filho OC, Minayo MCS

Introdução transtornos mentais12-14. Dados nacionais corro-


boram a tendência de crescimento na prevalên-
O objetivo deste artigo é apresentar o conceito de cia de ideação suicida e na incidência de suicídio
triplo tabu que permeia o fenômeno do suicídio na população de 10 a 19 anos, principalmente
de crianças e adolescentes no Brasil. Sua proposi- se considerado o subgrupo de 15 a 19 anos15-17.
ção se deu a partir de ideias preconcebidas e em Tendo como referência o diverso universo de
continuum que se somam e se sobrepõem, ainda adolescentes e jovens de 15 a 29 anos, tem-se o
que parcialmente discriminadas, sobre o com- suicídio como uma das suas principais causas de
portamento suicida: tabu da morte < tabu do morte17,18. O comportamento suicida assim, en-
suicídio < tabu do suicídio infantojuvenil. Esse quanto manifestação de violência e de um evi-
último é aqui compreendido e apontado como dente agravo emocional4,5,19, precisa se tornar um
um tabu maior, que incorpora os seus dois pre- tópico prioritário do cuidado integral a crianças
cedentes – um triplo tabu –, dada a incomensu- e adolescentes, constituindo formalmente parte
rabilidade do suicídio quando seu protagonista é da agenda das áreas da saúde, da educação e da
uma criança ou um adolescente. assistência social. Dessa forma, reconhece-se a
A ideia de um triplo tabu foi desenvolvida necessidade de um maior esclarecimento e pro-
pelos autores deste artigo no estudo “Percepção blematização desse tema, identificando elemen-
e conhecimento de médicos residentes em pedia- tos que possam contribuir para a sua adequada
tria no Rio de Janeiro sobre comportamento sui- compreensão e manejo.
cida na infância e adolescência”, aprovado pelo A partir de elementos desenvolvidos na pes-
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacio- quisa supracitada1, serão aqui tratados alguns
nal da Saúde da Mulher, da Criança e do Ado- apontamentos sobre o continuum de tabus que
lescente Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo circunscrevem esse fenômeno: o tabu da morte,
Cruz1. A pesquisa realizada, entre 2018 e 2019, o tabu do suicídio e o tabu do suicídio infanto-
com pediatras em formação demonstrou lacunas juvenil. Reconheceu-se, nesta pesquisa, a relação
no conhecimento desse fenômeno, assim como a do conceito de tabu com a ideia do proibido; ou
construção e a propagação de (pré)conceitos que seja, a noção de uma proibição, presente e válida
distanciam os profissionais dessa temática, difi- em determinada cultura, de se mencionar, tocar
cultando a abordagem de crianças e adolescentes ou se aproximar daquilo que é entendido como
em sofrimento psíquico e cristalizando as ideias perigoso, impuro, misterioso ou inexplicável20,21.
preconcebidas presentes na sociedade2.
É importante esclarecer que numa sociedade Tabu da morte
ocidental e de formação cristã como a brasilei-
ra, a morte autoinflingida sempre foi considera- Apesar da notória aceitação do suicídio como
da um objeto de repúdio por desvios religiosos, uma espécie de morte, ressalta-se esse ponto para
culturais e legais3. Cada vez mais, porém, estudos a condução compreensiva do espectro de tabus, a
sociológicos, psicológicos e psiquiátricos mos- partir do qual não é possível se chegar ao suicídio
tram sua ocorrência como um fato plausível des- sem antes se passar pelo confronto com a morte.
de a infância, associado a sofrimento emocional, De modo que os suicídios carregam em si os es-
agravos de saúde e questões macro e microsso- tigmas, os receios e as fantasias da morte.
ciais4-9. No entanto, a tendência das famílias, das Saber e até prever o próprio fim, importante
instituições e das comunidades é a sua interdição, distinção da espécie humana frente aos outros
revelando uma extrema dificuldade e preconceito seres viventes na Terra, constituí uma peculiari-
em lidar com esse fenômeno, ou sua categoriza- dade fundante do homem e sua existência, ten-
ção como um problema de exclusiva causalidade do impulsionado diferentes formas de lidar com
biomédica. Se por um lado há um grande alarde, a terminalidade, a morte, os moribundos e os
amplificado pela mídia em seus novos forma- mortos20,22. Ainda que a morte seja um evento
tos8,10,11, sobre os riscos de autoagressões por esse natural e biológico constituinte de todo o ciclo
grupo etário, por outro, prevalecem a inabilidade vital, o processo do morrer deve ser compreen-
e o silêncio para abordá-las2. dido social e culturalmente, inscrito no tempo e
Apesar do silêncio social e do distanciamento no espaço; nesse panorama, sugere Elias22 que “a
profissional sobre o suicídio de crianças e ado- morte é um problema dos vivos. Os mortos não
lescentes, o cenário clínico-epidemiológico pe- têm problemas.”22(p.10).
diátrico atual no Brasil e no mundo encontra-se Apresentando as transformações deflagradas
fortemente marcado pela morbimortalidade por pelo processo civilizador que levaram à indivi-
causas externas e pela crescente prevalência de dualização e o silêncio do senso coletivo sobre a
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morte, Menezes23 aponta, em referência a Nor- conhecimento do tabu da morte não represen-
bert Elias: tam um juízo em si, mas um dispositivo para a
Há várias formas de os indivíduos lidarem com compreensão do senso comum de como a morte,
a ideia da finitude da vida: pode-se evitar a ideia em seus diferentes formatos e por seus diferentes
da morte através da mitologização do final da vida, agentes, apresenta-se na contemporaneidade.
do encobrimento da ideia indesejada, pela crença
na própria imortalidade ou encará-la como um Tabu do suicídio
fato da existência e ajustar a vida diante dessa rea-
lidade. Para Elias, atualmente há uma tendência à Para além das tentativas de explicações aca-
crença na imortalidade e ao afastamento da ideia dêmicas sobre a morte autoprovocada, como o
da morte.23(p.147). mais grave desfecho do comportamento suicida
Tal recalque sobre a morte, ao longo das ge- associado a transtornos mentais19 ou ainda como
rações, esvaziou os rituais seculares de sentimen- um fato social entendido e modulado a partir
to e de significado, estimulando a autonomia e a das dimensões durkheimianas de integração e
individualidade para esse lidar, dando espaços a regulação27, ousa-se propor que sua descrição
lacunas e vazios semânticos, propiciando o surgi- como um fenômeno autoinflingido seja a mar-
mento de silêncios e tabus20,22. ca que mais desperta complexidade e incômodo.
O mesmo autor avança em sua argumenta- O suicídio, geralmente, é qualificado como uma
ção provocando que esse tabu trava a língua e as categoria de morte diferente das demais. Ainda
mãos da sociedade, impedindo a demonstração que em outros eventos violentos fatais também
de afetos e desautorizando os rituais coletivos, se constate uma brusca antecipação no curso na-
aumentando a distância dos vivos para com seus tural da vida em sua diária aproximação com a
mortos e moribundos22. Justificado pelos avanços morte, a intencionalidade (ainda que teórica)4 do
médicos e científicos, fomentando essa distância, suicídio confere uma transgressão contra a so-
o cenário da morte deslocou-se para os hospitais, brevivência humana, representando uma dupla
higienizando-a e terceirizando-a24. Uma morte agressão à humanidade.
asséptica, silenciosa, isolada, “uma área vazia no O constrangimento com a morte é assim am-
mapa social”22(p.36): um tabu. pliado num cenário onde o mesmo personagem
Assim, o silêncio sobre a morte é reforçado é vítima e culpado, ferindo o espaço social numa
por seu deslocamento para os hospitais, sede, reapresentação do silêncio e do tabu – duplo tabu
símbolo e polo formador da prática médica, de – conforme proposto por Dias28:
modo que esse tabu repercute e cristaliza. Há Desta forma, podemos supor que o tabu impos-
progressos para o enfrentamento da morte, mas to ao falar da morte repercute sobre o suicida, im-
não para o diálogo com ela, interditando-a do pedindo-o de se comunicar abertamente sobre seus
cotidiano25. motivos - o que, de um lado, impossibilita a ajuda
Um contraponto, porém, precisa ser conside- social na superação de seus impasses, se for o caso, e
rado quando a formação social e cultural brasi- de outro lado, contribui para a constituição de um
leira está na agenda: o tabu da morte e a conco- grande enigma em torno do tema.28(p.38).
mitância com a banalização para com algumas Como descreve Dias28, o silêncio da morte se
mortes. E aqui se destacam as mortes violentas e estende ao suicídio e ao suicida; de uma possi-
precoces de minorias étnicas e raciais26; não por bilidade polifônica e polissêmica tem-se uma
tais eventos serem representativos de uma rup- imposição paradigmática do não dizer3. Nessa
tura ou reconstrução desse tabu, mas por ainda interdição, é possível identificar a alocação do
concretizarem uma perpetuação discriminatória suicídio na categoria de desvio, o que corrobora
do processo colonialista. A vulgarização desses sua concepção como um tabu. Três modelos na
óbitos, contrariamente ao que pode inicialmen- história do Ocidente prevalecem e se sobrepõem
te sugerir, imputa ainda mais o silêncio segrega- nesse entendimento do suicídio como desvio:
dor e moralizador, não sendo capaz de provocar pecado, crime e doença3. Ainda que tal discus-
questionamentos sobre a lancinante finalização são extrapole o escopo desse artigo, destaca-se
da vida, pelo fato do menor valor que essas vidas que a tonalidade desviante que historicamente se
parecem ter. conferiu ao suicídio tem fomentado diversos ele-
O constrangimento no lidar com a consci- mentos de exclusão, aprisionando-o ainda mais
ência do aniquilamento individual e coletivo é aos constrangimentos sociais das mortes.
imbuído de traços fundamentais de socialização Não é novo apontar o tabu do suicídio, num
e cultura23. De forma que, a identificação e o re- momento que até mesmo campanhas de preven-
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Silva Filho OC, Minayo MCS

ção e materiais educativos disponibilizados em rizado socialmente a assumir a voz dos “infantes”,
diferentes mídias já se debruçaram sobre isso4,5. A não consegue conviver com os seus óbitos, nem
construção do espectro de tabus aqui defendida dialogar com suas situações de finitude e de limi-
baseia-se na clareza de que não é possível avançar tação de cuidados ou ainda estimulá-los a uma
em reflexões sobre o comportamento suicida – e franca reflexão sobre a morte2,29.
o suicídio em especial – se não for possível o di- Instrumentalizada por essa firme perspectiva
álogo com a morte e com os moribundos. Como de defesa e proteção da vida infantojuvenil, uma
já sugerido nesse corpus, a presença e o prota- das responsáveis pelo aumento da sobrevida des-
gonismo infantojuvenis nessa e sobre essa morte se grupo etário12,14, compreende-se o silêncio so-
singular, porém universal, conferem silêncios e bre as mortes pediátricas e a incomensurabilida-
tabus mais constrangedores: um triplo tabu. de sobre a sua condição autoprovocada. Firmeza,
porém, cujo constrangimento tem impedido
Triplo tabu novas e efetivas estratégias de enfrentamento da
morbidade e da mortalidade nesse grupo etário.
Mesmo se apoiando na lógica de que o sui- Desconsiderar e não saber lidar com a realidade
cídio é definido como um desfecho do compor- do comportamento suicida infantojuvenil têm
tamento suicida5,7, não é difícil imaginar que se revelado um importante entrave clínico e epi-
também pode representar alguns começos, como demiológico para a assistência pediátrica na so-
o do sofrimento dos sobreviventes e enlutados e ciedade brasileira, atitudes que denunciam a pe-
o do lidar com o seu tabu. A singularidade re- netrância e a solidez do triplo tabu na formação
presentada por essa morte exige dos vivos que profissional. Um espaço e um contexto de forma-
perderam um ente por suicídio um recomeço ção pediátrica que silenciados e contidos nesses
mais doloroso. Carregam as marcas familiares ou e por três tabus mostram-se menos hábeis para
afetivas de um suicida e, por isso, podem carecer cumprir o propósito que os sustentam, travando
de cuidados e estratégias de prevenção, devido ao e limitando planos e ações de promoção, preven-
impacto que essa morte pode ter em suas vidas4. ção, tratamento e reabilitação.
Nesse espectro, a interrupção das vidas infantis – Acrescenta-se que a representação meiga, dó-
bondosas, angelicais e que simbolizam a perma- cil e angelical das crianças no imaginário social e
nência da espécie – provoca um estranhamento dos pediatras distancia-os das temáticas existen-
adicional, ferindo a expectativa que a humanida- ciais que povoam o cotidiano assistencial ainda
de desenvolveu para além do cuidado instintivo que diante de desfechos potencialmente fatais29.
com suas proles. Dessa forma, a morte ou a lesão autoinfligidas
O deslocamento da morte dos espaços coti- de uma criança ou de um adolescente geram um
dianos no decorrer do processo civilizador22 veio tabu e um incômodo ainda maiores, dificultan-
acompanhado de um elemento pediátrico: a va- do intervenções possíveis. Como um dos grupos
lorização dos cuidados com a saúde das crianças autorizados a esse cuidado e controle, a percep-
e a aposta nelas como uma esperança do porvir29. ção desses profissionais é normativa dos valores
Pode-se considerar que o nascimento da Pedia- transmitidos às famílias e a grupos sociais29 que
tria enquanto especialidade médica se vincula assumem a inadmissibilidade do comportamen-
histórica e socialmente à comoção e ao combate à to suicida em crianças e adolescentes mesmo que
mortalidade infantil. Numa reflexão sobre o sur- suas próprias vivências e o conhecimento epide-
gimento da Pediatria brasileira, Pereira afirma29: miológico reflitam outro cenário.
Os nascentes pediatras reclamariam para si Concebendo ser o suicídio a morte que mais
o papel de protetores da vida, aqueles capazes de problematiza a finitude humana presente tam-
livrar as famílias do estigma da mortalidade e, bém na existência de crianças e adolescentes,
sobretudo, consentâneos do ideal de condução da fornecem-se as premissas para a compreensão
prole a um suposto destino de saúde, robustez e vi- do triplo tabu aqui apresentado. É reconhecido
talidade.29(p.15). que a produção de categorias pode proporcionar
Justifica-se, desse modo, um ethos pediátrico, uma limitação e rigidez ao conhecimento, ainda
aqui replicado aos demais profissionais e atores assim, faz-se aqui uma tentativa inversa: ampliar
sociais que lidam com o público infantil, inves- as fronteiras de interpretação sobre o fenômeno
tido no combate à mortalidade, à imoralidade e do suicídio; não o circunscrevendo, mas o reco-
aos padrões desviantes que ameaçam as crianças nhecendo em suas plurais dimensões3.
e os adolescentes. Um ethos que, ainda que auto-
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Considerações finais de uma “Nova Pediatria”12 não foram suficientes
para uma apropriação crítica de conceitos e de-
Não se pretendeu, nesse artigo, insinuar os graus bates que se apresentam na prática clínica com
de intensidade de sofrimento quantificando ou esse público, proporcionando pavor e incômodo
ranqueando a dor de enlutados e sobreviventes aos profissionais. Lacunas formativas podem ser
dos óbitos, sejam esses autoprovocados ou não. identificadas, reproduzindo nos cenários de ensi-
O objetivo foi tentar compreender a construção no e aprendizagem o senso comum, impedindo
e a repercussão desses tabus. Tabus que têm tra- a modulação de um espaço que intervenha sobre
vado diálogos abertos sobre o tema e, por isso, uma realidade clínica e epidemiológica evidente
impedido a difusão de ações de cuidado e pre- e preocupante, que perpassa a violência e o sofri-
venção do comportamento suicida e do suicídio mento psíquico1.
de crianças e adolescentes que, conforme define É preciso mais do que o reconhecimento do
Shneidman (apud Saraiva30), congregam um má- que esse texto nomeou como triplo tabu, mas o
ximo de dor, perturbação e pressão. desenvolvimento de estratégias, argumentos e
Finaliza-se, desse modo, com uma orientação dispositivos para diálogos sensíveis sobre a morte
aos profissionais que assistem crianças e adoles- e o suicídio. É necessário também reconhecer as
centes no país, em especial os que atuam como vivências e as linguagens pediátricas, escutando
formadores da área da saúde e da educação. Os e autorizando, sem as amarras dos conflitos ge-
silêncios e os tabus acerca da morte, do suicídio racionais, a voz e a subjetividade de crianças e
e do suicídio infantojuvenil não estão apenas adolescentes em suas plurais expressões, mani-
presentes, mas arraigados nos cenários e práticas festações, formatos e conflitos, sobretudo quan-
pediátricas. A transição epidemiológica experi- do falam do seu sofrimento.
mentada pela pediatria brasileira e a definição

Colaboradores

OC Silva Filho e MCS Minayo participaram da


concepção e execução do estudo, assim como da
elaboração, revisão e aprovação da versão final
desse manuscrito.
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Silva Filho OC, Minayo MCS

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