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07302021 2693
artigo article
Triple taboo: considerations about suicide among children
and adolescents
Abstract This article aims to understand the Resumo Este artigo pretende compreender a
construction and repercussion of taboos involving construção e a repercussão dos tabus que envolvem
suicides among children and adolescents, consi- o suicídio de crianças e adolescentes, considerando
dering the discomfort, silence, and dread that the o incômodo, o silêncio e o pavor que esse tema pro-
theme causes across society. Due to the recognition voca em toda a sociedade. Diante do reconheci-
of a continuum of taboos (taboo of death < taboo mento de um continuum de tabus (tabu da morte
of suicide < taboo of child suicide), the authors < tabu do suicídio < tabu do suicídio infantoju-
present, as an attempt to address this issue, the venil), propôs-se, como tentativa de clarificar essa
concept of a triple taboo, recognizing the incom- questão, o conceito de um triplo tabu, valorizando
mensurability of self-inflicted deaths that have a incomensurabilidade das mortes autoprovoca-
children and adolescents as protagonists. Develo- das que têm as crianças e os adolescentes como
ped from a qualitative study with paediatricians protagonistas. Tendo sido desenvolvido a partir de
during their medical residence, this paper serves um estudo qualitativo com pediatras em forma-
as a call to professionals who assist children and ção, este documento se configura como um chama-
adolescents in the country. Paediatric training do aos profissionais que assistem crianças e adoles-
needs to recognise these taboos and the dimen- centes no país. É preciso que a formação pediátrica
sions of suicidal behaviour as a manifestation of reconheça esses tabus e as dimensões do comporta-
violence and as a threat to mental health. Their mento suicida como uma manifestação de violên-
identification is a critical and urgent element in cia e um agravo à saúde mental, identificando-o
contemporary children and adolescents’ care. como um elemento crítico e urgente na assistência
1
Instituto Nacional da Key words Death, Suicide, Taboo, Child, Ado- contemporânea a crianças e adolescentes.
Saúde da Mulher, da
Criança e do Adolescente lescent Palavras-chave Morte, Suicídio, Tabu, Criança,
Fernandes Figueira, Adolescente
Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). Av. Rui Barbosa
716, Flamengo. 22250-020
Rio de Janeiro RJ Brasil.
orli.filho@iff.fiocruz.br
2
Departamento Estudos
sobre Violência e Saúde
Jorge Careli, Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio
Arouca, Fiocruz. Rio de
Janeiro RJ Brasil.
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Silva Filho OC, Minayo MCS
ção e materiais educativos disponibilizados em rizado socialmente a assumir a voz dos “infantes”,
diferentes mídias já se debruçaram sobre isso4,5. A não consegue conviver com os seus óbitos, nem
construção do espectro de tabus aqui defendida dialogar com suas situações de finitude e de limi-
baseia-se na clareza de que não é possível avançar tação de cuidados ou ainda estimulá-los a uma
em reflexões sobre o comportamento suicida – e franca reflexão sobre a morte2,29.
o suicídio em especial – se não for possível o di- Instrumentalizada por essa firme perspectiva
álogo com a morte e com os moribundos. Como de defesa e proteção da vida infantojuvenil, uma
já sugerido nesse corpus, a presença e o prota- das responsáveis pelo aumento da sobrevida des-
gonismo infantojuvenis nessa e sobre essa morte se grupo etário12,14, compreende-se o silêncio so-
singular, porém universal, conferem silêncios e bre as mortes pediátricas e a incomensurabilida-
tabus mais constrangedores: um triplo tabu. de sobre a sua condição autoprovocada. Firmeza,
porém, cujo constrangimento tem impedido
Triplo tabu novas e efetivas estratégias de enfrentamento da
morbidade e da mortalidade nesse grupo etário.
Mesmo se apoiando na lógica de que o sui- Desconsiderar e não saber lidar com a realidade
cídio é definido como um desfecho do compor- do comportamento suicida infantojuvenil têm
tamento suicida5,7, não é difícil imaginar que se revelado um importante entrave clínico e epi-
também pode representar alguns começos, como demiológico para a assistência pediátrica na so-
o do sofrimento dos sobreviventes e enlutados e ciedade brasileira, atitudes que denunciam a pe-
o do lidar com o seu tabu. A singularidade re- netrância e a solidez do triplo tabu na formação
presentada por essa morte exige dos vivos que profissional. Um espaço e um contexto de forma-
perderam um ente por suicídio um recomeço ção pediátrica que silenciados e contidos nesses
mais doloroso. Carregam as marcas familiares ou e por três tabus mostram-se menos hábeis para
afetivas de um suicida e, por isso, podem carecer cumprir o propósito que os sustentam, travando
de cuidados e estratégias de prevenção, devido ao e limitando planos e ações de promoção, preven-
impacto que essa morte pode ter em suas vidas4. ção, tratamento e reabilitação.
Nesse espectro, a interrupção das vidas infantis – Acrescenta-se que a representação meiga, dó-
bondosas, angelicais e que simbolizam a perma- cil e angelical das crianças no imaginário social e
nência da espécie – provoca um estranhamento dos pediatras distancia-os das temáticas existen-
adicional, ferindo a expectativa que a humanida- ciais que povoam o cotidiano assistencial ainda
de desenvolveu para além do cuidado instintivo que diante de desfechos potencialmente fatais29.
com suas proles. Dessa forma, a morte ou a lesão autoinfligidas
O deslocamento da morte dos espaços coti- de uma criança ou de um adolescente geram um
dianos no decorrer do processo civilizador22 veio tabu e um incômodo ainda maiores, dificultan-
acompanhado de um elemento pediátrico: a va- do intervenções possíveis. Como um dos grupos
lorização dos cuidados com a saúde das crianças autorizados a esse cuidado e controle, a percep-
e a aposta nelas como uma esperança do porvir29. ção desses profissionais é normativa dos valores
Pode-se considerar que o nascimento da Pedia- transmitidos às famílias e a grupos sociais29 que
tria enquanto especialidade médica se vincula assumem a inadmissibilidade do comportamen-
histórica e socialmente à comoção e ao combate à to suicida em crianças e adolescentes mesmo que
mortalidade infantil. Numa reflexão sobre o sur- suas próprias vivências e o conhecimento epide-
gimento da Pediatria brasileira, Pereira afirma29: miológico reflitam outro cenário.
Os nascentes pediatras reclamariam para si Concebendo ser o suicídio a morte que mais
o papel de protetores da vida, aqueles capazes de problematiza a finitude humana presente tam-
livrar as famílias do estigma da mortalidade e, bém na existência de crianças e adolescentes,
sobretudo, consentâneos do ideal de condução da fornecem-se as premissas para a compreensão
prole a um suposto destino de saúde, robustez e vi- do triplo tabu aqui apresentado. É reconhecido
talidade.29(p.15). que a produção de categorias pode proporcionar
Justifica-se, desse modo, um ethos pediátrico, uma limitação e rigidez ao conhecimento, ainda
aqui replicado aos demais profissionais e atores assim, faz-se aqui uma tentativa inversa: ampliar
sociais que lidam com o público infantil, inves- as fronteiras de interpretação sobre o fenômeno
tido no combate à mortalidade, à imoralidade e do suicídio; não o circunscrevendo, mas o reco-
aos padrões desviantes que ameaçam as crianças nhecendo em suas plurais dimensões3.
e os adolescentes. Um ethos que, ainda que auto-
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Colaboradores
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480. da Silva
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