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PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013).

Maisa Silva: Cultura da celebridade e infância na contemporaneidade1

Renata Tomaz2
UFRJ

Resumo
Os oito anos ininterruptos de Maisa Silva na TV chamam atenção para a trajetória da apresentadora, cantora
e atriz de apenas onze anos. Mais do que saber por que ela teria alcançado tal reconhecimento, esse trabalho
pretende, em primeiro lugar, compreender as condições sociais, históricas e culturais para a prevalência de
uma cultura da celebridade. Em seguida, essa compreensão será pensada em suas possíveis relações com a
experiência da infância, na contemporaneidade. Por fim, serão apresentados os valores sociais prementes que
figuram nas narrativas de sucesso da celebridade mirim.

Palavras-chave: Maisa Silva; cultura da celebridade; infância; televisão.

“Raul Gil: _Você nasceu artista, né?


Maisa Silva: _Não sei... Quando a gente nasce assim, às
vezes, é um dom que Deus dá.
Raul Gil: _Mas Deus te deu um dom que vale por mil dons.
Você é fantástica.”3

Aos onze anos de idade, a apresentadora, cantora e atriz Maisa Silva tem um currículo
artístico considerável. Ela está há oito anos ininterruptos na TV, onde teve sua primeira aparição
aos três, em 2005, no programa Raul Gil (Record). Depois de acompanhá-lo para a Band, assinou
contrato individual com o SBT, em 2007, para apresentar o programa Sábado Animado. Um ano
depois, ganhou um quadro no programa dominical de Sílvio Santos, Pergunte pra Maisa. Em 2009,
gravou seu primeiro CD e, em 2011, interrompeu a apresentação dos programas Domingo Animado
e Bom dia e Cia para estrear como atriz no remake da novela Carrossel. De volta à programação
infantil da emissora, Maisa é o que se pode chamar de uma celebridade mirim.

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Infância, do 3º Encontro de GTs -
Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2013.
2
Doutoranda em Comunicação e Cultura no PPGCOM da UFRJ, onde concluiu o mestrado (2011) e a graduação em
Jornalismo (2004). Possui experiência profissional nas mídias impressa, eletrônica e digital.
3
Diálogo entre os apresentadores Raul Gil e Maisa Silva na estreia do programa Raul Gil, no SBT. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=GZNLqgdyFfI. Último acesso em 19/07/2013.
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Para a menina, sua trajetória pode estar ligada ao que ela chama de dom. É possível que esta
seja uma resposta que revele a dificuldade de a própria Maisa compreender como ela, só uma
criança, consegue manter-se, por quase uma década, atuando em três das quatro maiores emissoras
de TV do Brasil. Há quem possa dizer, por outro lado, que Maisa não passa de um produto da mídia
televisiva que só permanecerá diante das câmeras enquanto der lucro e que sua exposição, embora
relativamente longa, nada tem a ver com talento. Ambas respostas, no entanto, parecem simplistas
demais para um panorama que não deve ser visto isoladamente, mas pensado em suas relações com
as dinâmicas socioculturais da contemporaneidade. Não se trata, nesse sentido, de saciar uma
curiosidade trivial a respeito dos elementos responsáveis pelo sucesso de Maisa Silva como uma
artista mirim, mas identificar as condições que tornaram possível sua concepção como uma
celebridade infanto-juvenil.
Símbolo de precocidade – algumas vezes vista como positiva, outras como negativa – a
menina Maisa Silva não deve ser tomada apenas como um mero produto midiático. Os processos
que a tornaram célebre comunicam, de alguma forma, a incorporação em sua imagem de valores
culturais prementes, as celebridades são sintomas da própria cultura. A hipótese desse trabalho é
que as condições de possibilidade de fama de Maisa estão diretamente vinculadas a uma cultura da
celebridade e a uma penetração cada vez mais sofisticada da presença da criança como sujeito
interlocutor nos aparatos midiáticos contemporâneos, especialmente a televisão. Sendo assim,
objetivo aqui é mostrar que a pequena Maisa não é um simples produto da indústria televisiva,
desenhado para render lucros no âmbito da cultura de massa, mas o resultado de uma configuração
de elementos sociais, culturais e históricos que permitem sua visibilidade e, consequentemente, seu
reconhecimento como celebridade.
O ferramental teórico escolhido para construir essa análise partirá da contextualização do
caso Maisa Silva na esfera da cultura da celebridade. Para tanto, o fenômeno será pensado na
perspectiva de aparato de celebridade (MOLE, 2007). Nessa discussão será possível pensar se, de
fato, o dom/carisma pode ser utilizado como uma chave teórica para entender o reconhecimento da
fama de Maisa. A partir daí, proponho um caminho pelo qual os processos de celebritização
(DRIESSENS, 2012) da pequena artista no âmbito de uma infância midiática tornam possível a
passagem de uma infância-audiência para uma infância-celebridade (LACOMBE, 2004;
SAMPAIO, 2000). Por fim, a matéria de capa da revista Contigo de 16 de agosto de 2012, “Maisa –

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a menina prodígio”, será utilizada como uma narrativa de sucesso que enquadra Maisa em um
modelo de autorrealização por meio da experiência de ser uma criança famosa.

Cultura da celebridade
O fenômeno da celebridade extrapolou a ampla e crescente oferta de figuras exibidas pelos
diferentes veículos especializados na vida e na carreira dos famosos. Extrapolou, ainda, os meios
cada vez mais disponíveis de indivíduos deixarem o anonimato. Analisá-lo não trata apenas dos
processos pelos quais se possa alcançar reconhecimento. A lógica e os valores que o sustentam
perpassam, para além da esfera individual, o plano estrutural das sociedades. Olivier Driessens
(2012) distinguiu essas duas dinâmicas, utilizando os termos celebrification e celebritization. O
primeiro designa o movimento pelo qual pessoas ordinárias se tornam celebridades. Já o segundo
diz respeito aos modos pelos quais o fenômeno da celebridade foi incorporado nos diferentes
setores sociais, regendo comportamentos e condutas e sugerindo novas formas de subjetivação.
É nesse sentido que se pode falar de uma cultura da celebridade, objeto de estudo de Tom
Mole (2007). Em seu livro Byron’s Romantic Celebrity, ele contraria a premissa amplamente
difundida de que a celebridade seria um fenômeno da modernidade, especialmente do século XX.
Para Mole, apesar de a cultura da celebridade estar visivelmente erigida nessa época, seus
fundamentos foram estabelecidos no Romantismo, quando, segundo ele, um aparato da celebridade
foi desenvolvido. O autor monta um panorama histórico, no contexto inglês, para compreender os
pilares desse fundamento, identificados por ele como indústria, indivíduo célebre e público. É na
interação desses três elementos que surgem as possibilidades não apenas de alguém tornar-se
famoso, mas de uma sociedade operar por uma lógica da celebridade.
Embora as pessoas famosas sejam o primeiro elemento ao qual condicionamos a
possibilidade de uma cultura da celebridade, é preciso reconhecer que apenas elas não seriam
suficientes para tanto. Afinal, sempre existiram indivíduos que alcançaram a fama, inclusive depois
de mortos. Tal condição, entretanto, estava ligada à realização de um grande feito. É no século
XVIII, todavia, que as sociedades produziram uma forma distinta de conceder fama, uma
maquinaria da celebridade. O trabalho de Mole teve o objetivo de entender como e por que esse
dispositivo emergiu durante o Romantismo e a que interesses ou necessidades urgentes atendeu.
Isso é feito não de uma perspectiva funcionalista, mas em um entendimento de que tais alterações
estão diretamente ligadas a uma configuração sócio-histórica específica que permitiu sua
visualização.

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Até a pré-Modernidade, o indivíduo era o seu papel na sociedade, ou seja, sua identidade
estava diretamente ligada a sua atuação na esfera pública. É no Romantismo que esse modo de
compreensão começa a ser questionado e alterado. Surge uma ideia de verdade interior que define o
indivíduo por sua interioridade e não por seu papel. Essa percepção será fundamental na
constituição de uma fama alcançada não por meio da obra, mas de uma personalidade externada e
expressa na obra. Mole acredita que a cultura da celebridade atende a uma necessidade urgente
trazida pela cultura impressa industrializada: a infraestrutra da época permitiu não apenas o
aumento sem precedentes da publicação de livros, encartes e suplementos literários, mas também a
criação de leis autorais e de propriedade e tecnologia de ampla reprodução de imagens. É nesse
conjunto de mudanças que surge uma indústria literária capaz não só de reproduzir obras, mas de
divulgá-las; não só elas, mas especialmente seus autores.
Em uma época onde a maior parte dos autores era de anônimos, o nome próprio tornou-se
uma estratégia fundamental de distinção que ajudaria aos leitores escolher uma obra diante das
milhares que lhe eram ofertadas. Ao nome, além de sua vida pública, estavam associadas
características da vida privada, seus hábitos, suas preferências, sua personalidade. Criou-se uma
marca identitária, capaz de amenizar a distância entre autor e leitor, este sim, agora, o personagem
anônimo dessa história. A figura central que Mole vai estudar para comprovar sua tese é de Lord
Byron. O poeta inglês aristocrata tinha uma legião de fãs, que, dentre outras ações, acompanhavam-
no aos mais diferentes lugares, escreviam-lhe cartas e produziam cadernos personalizados com
montagens e colagens de sua obra e retratos. Byron, certamente, foi um grande beneficiário dessa
indústria literária e, graças a ela, manteve com seu público uma relação íntima.
Um dos conceitos centrais do livro de Mole é o da hermenêutica da intimidade. Trata-se de
um modelo que leva em conta o entorno discursivo de uma obra, vendo-o como uma expressão
imediata (sem mediação) da subjetividade do autor. Cria-se, nesse sentido, uma relação singular e
original entre as duas partes, autor e leitor, em que este tem diante de si a tarefa de decifrar e
interpretar as verdades do autor que se instalam nos seus escritos – uma tarefa que não tem fim,
visto que esse self é profundo (embora legível) e original (apesar de estar em desenvolvimento).
Byron, nessa concepção, não se tornou uma celebridade unicamente por causa de sua obra, mas
porque sua obra comunicava sua interioridade e, ao expô-la, permitia uma relação íntima e pessoal
com seu público. A condição de celebridade, então, não surge mais apenas de uma realização, mas
também de uma relação. É olhando para essa configuração que podemos compreender o dispositivo
criado para a gestação da cultura da celebridade.

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Ao propor uma história e uma teoria da cultura da celebridade, Tom Mole oferece uma
perspectiva para analisar o fenômeno das celebridades nas diferentes épocas. Ao usá-lo para
compreender a celebritização de Maisa Silva, é necessário identificar os elementos que formam essa
maquinaria da celebridade na contemporaneidade. Antes, no entanto, é válido pensarmos a opinião
dela a respeito de seu próprio sucesso. Seria mesmo uma questão de dom? Como vimos acima,
Maisa acredita que sua celebridade está bem mais vinculada a um dom do que ao seu talento
propriamente dito. Ou ainda que seu sucesso não é fruto apenas de seu esforço ou capacidade, mas
de algo não racionalizado.
Em um estudo seminal sobre o assunto, Marx Weber (1999) fala de um carisma puro que
não pode ser conferido nem outorgado, apenas reconhecido4. Para ele, isso acontece quando o
indivíduo dotado de carisma, ao realizar uma missão de forma incomum e extraordinária, desperta
um sentimento de fé e confiança naqueles em função de quem ele assume tal tarefa, ao ponto de
eles o seguirem como seus servos. Não há leis, códigos ou regras que os forcem a isso, trata-se de
um reconhecimento alheio a qualquer norma ou tradição. Weber, então, estende a discussão para a
tendência à objetivação do carisma, operada sobretudo pelas sociedades ocidentais. Para o interesse
desse trabalho, porém, o mais importante na abordagem weberiana é pensar que o carisma só existe
enquanto força magnética e mobilizadora se houver de outra parte o reconhecimento. Logo, ele só
se opera em uma relação, e em uma relação que comunica algo reconhecível.
A relação celebridade/carisma foi um dos temas tratados no estudo apresentado por John
Potts em seu livro A history of charisma (2009). Ele se pergunta se carisma anda necessariamente
junto com celebridade, ou seja, se toda celebridade é carismática. Na compreensão de Potts, “o
significado contemporâneo de carisma é amplamente entendido como uma qualidade especial inata
que destaca certos indivíduos e atrai outros a eles” (POTTS, 2009. p. 2)5. Ao propor uma história do
carisma, ele está preocupado em encontrar os diferentes sentidos que lhe foram atribuídos ao longo
dos tempos, desde sua formulação nos primórdios da igreja cristã até o século XXI. Pensando os

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“O portador do carisma assume as tarefas que considera adequadas e exige obediência e adesão em virtude de sua
missão. Se as encontra, ou não, depende do êxito. Se aqueles aos quais ele se sente enviado não reconhecem sua missão,
sua exigência fracassa. Se o reconhecem, é o senhor deles enquanto sabe manter seu reconhecimento mediante ‘provas’.
Mas, neste caso, não deduz seu ‘direito’ da vontade deles, à maneira de uma eleição; ao contrário, o reconhecimento do
carismaticamente qualificado é o dever daqueles aos quais se dirige sua missão” (WEBER, 1999, p. 324, grifos do
autor).
5
“Eu elaborei essa definição seguindo um estudo extensivo do uso da palavra não apenas na mídia recente,
particularmente jornais, revistas e páginas na internet, mas também no discurso de várias disciplinas acadêmicas,
incluindo sociologia, psicologia, teoria da administração, estudos de mídia e estudos culturais. A definição oferecida
aqui deriva largamente de Weber, conferindo-lhe o poder da formulação feita por ele do conceito de liderança
carismática” (POTTS, 2009. p. 2).

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significados que lhe foram concedidos em diferentes épocas, o autor compreende a própria cultura
em que tais alterações e acepções são elaboradas.
Em seus estudos, Potts reconhece que o carisma, no século XX, passou a ser comumente
evocado para compreender o fenômeno das celebridades. Sua tese, todavia, é de que pensar a
conquista da fama como um resultado direto do carisma não é uma ideia sustentável. Em primeiro
lugar, ele aponta exemplos de celebridades que, pessoalmente, não são carismáticas, ou seja, não
são capazes de atrair pessoas, ao contrário, as repeliriam. Por outro lado, há os que atraem pessoas
por seu carisma e não são famosos. Exercem liderança carismática sem serem celebridades. Em
segundo lugar, o autor defende que a existência de uma ampla tecnologia midiática associada a um
capitalismo avançado são elementos indissociáveis das possibilidades para que pessoas saiam do
anonimato e se tornem famosas. Potts utiliza Daniel Boorstin 6 para fazer a diferenciação entre os
que chegam à fama por seu carisma e os que chegam através dos meios de comunicação associados
à própria dinâmica econômica. Os primeiros seriam aqueles capazes de se imortalizarem, de
permanecerem na memória. Já os demais seriam efêmeros, sepultados pela própria mídia que os deu
à luz. Para Potts, portanto, a condição de celebridade independe da condição de ser carismático,
embora não a exclua.
O que se pretende com essa discussão sobre carisma não é saber se Maisa Silva tem ou não
esse magnetismo, essa capacidade de atrair pessoas. Mas defender o fato de que, ainda que ela o
tenha, não seria a única condição para conferir-lhe celebridade. Há outras forças atuando para tornar
indivíduos célebres. E elas precisam interagir para que a fama se concretize. Sendo assim, o carisma
não parece ser uma chave teórica que, em sua abordagem, dê conta dos desafios analíticos trazidos
pela cultura da celebridade. É necessário pensar tal fenômeno a partir de uma compreensão ainda
mais ampla, conforme propõe Mole.
Como já foi dito, a trajetória de Maisa Silva começa na televisão. Ao olharmos para esse
contexto, sabemos que não se trata apenas de um veículo de comunicação, mas de uma indústria,
cuja ascensão tem início no período pós-guerra, compreendido como um momento de ruptura.
Lipovetsky (1983) recorreu à expressão “processo de personalização” para tentar dar conta das
alterações sentidas nas sociedades ocidentais nas décadas de 1960 e 1970. De acordo com ele, a

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Para Boorstin (1987), as celebridades são um pseudo-evento, isto é, personalidades criadas pelos aparatos midiáticos
para aplacar o que ele chama de expectativa extravagante. Trata-se da compreensão de que os indivíduos das
sociedades de democracia avançada, por já terem resolvido suas questões mais prementes, acabam necessitando de
experiências cada vez mais vívidas, as quais o cotidiano não pode prover. Sendo assim, os aparatos midiáticos estariam
se encarregando de produzir essas experiências, seja no jornalismo (produzindo pautas), seja no entretenimento
(produzindo personalidades).
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propulsão ideológica, política e intelectual dos anos 60 não gerou as mudanças prometidas. Tal
frustração se alastrou de modo avassalador sobre os mais diferentes setores da vida, produzindo um
desencanto diante dos projetos modernos e permitindo, nas palavras de Lipovetsky, que só a esfera
privada saísse vitoriosa desse momento. Cuidar da própria vida parecia ser a única alternativa
àqueles que lutaram sobremodo, enfrentando o mundo, para verem seus ideais se desmancharem.
Junta-se a esse cenário uma crise de confiança diante das instituições modernas, aliada a uma perda
do sentido histórico: o homem político dá lugar ao homem psicológico; cresce a apatia diante das
questões sociais, por um lado; e, por outro, aumenta o investimento no “eu”. Warren Susman (1984)
afirma que não importa como essa mudança tenha sido nomeada, mas sim que ela foi perceptível.
Em um amplo trabalho de pesquisa, ele faz um paralelo entre a cultura do caráter e a cultura da
personalidade. A partir dos diferentes materiais utilizados para sua investigação, Susman confirma
que, nesse momento, a palavra “personality” ganha muita força em seu uso, comumente vinculado a
termos como fascinante, atrativo, magnético, poderoso, criativo, dominante, forte. Para ele, essa
constatação pode ajudar a compreender as razões pelas quais, num mundo coberto pela multidão e
povoado por uma massa, distinguir-se torna-se uma necessidade. Crescem, portanto, os
investimentos no self, diretamente ligados a um processo de personalização do indivíduo cujo
projeto central de vida passa a ser a autorrealização.
É nesse contexto que a indústria da televisão se desenvolve como um elemento marcante na
cultura da celebridade. É ela que, em constante interação com os indivíduos célebres e a audiência,
vai compor o aparato contemporâneo da celebridade, respondendo a novas urgências. Potts acredita
que a demanda capitalista encontrou na “máquina publicitária e no apetite voraz da TV” (POTTS,
2009, p. 174) uma indústria poderosa. Sua grade de programação atrelada a uma tabela de
anunciantes logo mostrou quão lucrativa ela poderia ser e, portanto, quão economicamente
promissora. Fosse nos telejornais, nas novelas, nas séries, nos desenhos animados, nos programas
de auditório, a TV demandou um grande time de apresentadores, cantores, atores, repórteres que
teriam sua imagem veiculada e difundida de uma forma sem precedentes. Não eram heróis nem
estrelas da sétima arte, mas personalidades.
De acordo com Marshall (1997), isso acontece porque a celebridade televisiva se constrói
numa relação de proximidade, levando-se em conta que ela compartilha o espaço doméstico com a
audiência, está ali todos os dias ou, pelo menos, toda semana. É reconhecida porque goza de uma
intimidade constante e diária da audiência. A mídia televisiva, logo, permite o surgimento de outro
tipo de fama; não a dos grandes feitos, nem a das grandes estrelas, mas a fama do ordinário. A TV

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se torna esse importante lugar que confere oportunidade ao anônimo, ao comum, permitindo que
ele, por esse simples ato, alcance, em alguma dimensão, reconhecimento. É nesse elogio à
personalidade que “a urgência de renome torna-se a urgência de estar na TV” (POTTS, 2009, p.
176). A televisão, portanto, é o espaço onde, para alcançar reconhecimento, para destacar-se, o
indivíduo não precisa realizar qualquer outra coisa a não ser, simplesmente, estar nela. Logo, o
aparato da celebridade de que estamos tratando é formado por uma indústria televisiva que confere
o status de famosos, personalidades ou celebridades a indivíduos ordinários e se dirige a uma
audiência que, em si mesma, é composta de novas personalidades/celebridades em potencial.

Infância e mídia televisiva


Em entrevista ao programa De frente com Gabi (SBT)7, Maisa contou que sua primeira
aparição no programa Raul Gil (Record), em 2005, foi seu presente de aniversário de três anos, um
pedido feito por ela mesma. Ela se apresentou no quadro Eu e as crianças, que tinha o objetivo de
revelar talentos infantis em uma espécie de gincana musical. Aqueles que melhor se apresentassem
voltavam na semana seguinte. Maisa fazia um minicover de cantoras como Joelma (Calipso) e logo
foi contratada pela emissora como elenco fixo do programa. Pouco tempo depois, acompanhou Raul
Gil para a Band, onde se apresentava nas tardes de sábado no quadro Homenagem ao artista, nessa
época interpretando, de fato, canções de artistas como Ivete Sangalo. Em suas performances, ela
sempre mostrou desenvoltura para cantar, dançar, interagir com a plateia e dar respostas inusitadas
aos questionamentos do apresentador.

Maisa faz cover de Joelma (Calypso) Homenagem ao artista: Maisa interpreta Flor do Reggae, de Ivete Sangalo

Em 2007, com cinco anos, Maisa foi contratada pelo SBT para apresentar um programa
semanal em que comandava brincadeiras com crianças de todo o Brasil pelo telefone em quadros
que eram intercalados por desenhos animados. Ela sofreu uma mudança drástica no figurino,
trocando as roupas iguais às das cantoras que imitava por vestidos rodados, meias de babadinho,

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Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=q83qZ7b0zeQ9. Último acesso em 11/07/2013.

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sapatos de boneca e muitos cachinhos. Segundo ela, sua nova imagem era inspirada na pequena
atriz de Hollywood Shirley Temple, com quem Sílvio Santos, o novo patrão, a achava parecida. A
mudança de emissora, entretanto, evidenciou mudanças bem mais significativas. Maisa saiu de um
modelo de programação em que um adulto apresentava crianças com talentos mensurados por sua
capacidade de imitar outros adultos, para outro em que ela é a apresentadora e não precisa se
comportar como “gente grande”. Durante a programação, ela pedia orientação e ajuda tanto para a
produção quanto para a diretora Sílvia Abravanel. De alguma forma, o modelo escolhido pelo SBT
para o Sábado Animado aponta para uma dinâmica que se intensificou na virada do século: a
passagem da criança-audiência para a criança-interlocutora (SAMPAIO, 2000), da criança-
audiência para a criança-celebridade (LACOMBE, 2004).

A estrela mirim estadunidense Shirley Temple e Maisa Silva

Em sua tese de doutorado, Inês Vitorino Sampaio (2000) analisa a infância contemporânea
em propagandas exibidas nos intervalos de programas infantis de grandes emissoras do país. Sua
intenção é mostrar quais realidades estão sendo construídas pela mídia e que infâncias são
difundidas em tais peças publicitárias. Para este artigo, a investigação é importante porque mostra,
no contexto brasileiro, como a criança penetra cada vez mais o ambiente midiático, especialmente o
televisivo, não apenas enquanto uma imagem, mas como uma voz a ser ouvida. Na opinião da
autora, há uma inegável “contribuição da publicidade para a legitimação do discurso infantil nas
esferas públicas mediáticas” (SAMPAIO, 2000, p. 239). Afinal, foi o campo do marketing que,
primeiro, visualizou a criança como um forte público segmentado para o qual seria possível
oferecer não só artigos de necessidades básicas e brinquedos, mas também entretenimento. Essa
importância que foi dada às crianças possibilitou maior investimento na produção de uma
programação infantil, sobretudo nos anos 1980 e 1990, quando há um boom de programas infantis:
“As emissoras investem na imagem de seus apresentadores que, por sua vez, emprestam sua
imagem de estrelas a produtos e marcas. O sucesso de vendas implica novas vendas para o

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financiamento desses mesmos programas e a valorização dos mesmos apresentadores (SAMPAIO,


2000, p. 149)8.
Esses programas permitem que as crianças saiam da frente da TV e tenham a experiência de
ir para o outro lado, como plateia, mas também como participantes de brincadeiras e de quadros dos
mais diversos. Para além dos programas infantis, a televisão abriu espaço para as crianças que
cantavam (Balão Mágico, Trem da Alegria, Abelhudos, Sandy e Jr.), que atuavam (a telenovela
Sonho meu, da rede Globo, estreou em 1993 com uma protagonista de seis anos, Ana Carolina
Pavaneli) e que tinham algo a dizer em entrevistas (Jô Soares entrevistou Bruno Mazeo, aos onze
anos, em 1988). Segundo Sampaio, de um lado estão as crianças que podem ser consideradas
“minipersonalidades” e, de outro, aquelas que são desconhecidas, mas aparecem, por exemplo, em
pautas temáticas como “filhos de pais separados”, “criança-prodígio” e “Dia da Criança”.
Desse modo, a criança não somente aparece na publicidade, no sentido de que ela ganha uma
visibilidade crescente, mas ao fazê-lo ela assume um lugar próprio de interlocução pública.
Ela adquire o direito de ser ouvida publicamente, postula o reconhecimento do seu discurso e
institui uma forma específica de participação (SAMPAIO, 2000, p. 154)9.

Se, por um lado, há uma grande demanda para que crianças e adolescentes estrelem ou
figurem peças publicitárias, novelas, programas, eventos ou espetáculos, por outro, as
representações de estrelas infanto-juvenis também estão cada vez mais disponíveis, alimentando
esse imaginário. Uma breve observação na grade de programação dos canais infantis Disney
Channel e Nickelodeon revela que estão em exibição, no Brasil, quase dez séries cujo tema central é
a fama10. Renata Lacombe (2004) investigou o fenômeno por meio de uma pesquisa com vinte
crianças contratadas de uma emissora de TV brasileira. Ela percebeu que, de maneira geral, as
crianças, assim como os adultos, têm acesso ao mesmo imaginário glamouroso apresentado pelo
aparato midiático: “Tudo leva a crer que esse novo status da exposição infantil na mídia só contribui
para aumentar a procura das crianças e de seus pais por uma oportunidade de ‘entrar para a
televisão’, reforçando, para as crianças, a glamourização dessa atividade (LACOMBE, 2004, p.

8
Nessa época, nomes como Xuxa, Angélica e Eliana fizeram fortuna como apresentadoras de programas infantis. As
três permanecem em TVs abertas como apresentadoras, porém apenas Xuxa continua voltada para um público de
crianças e adolescentes.
9
A autora faz uma ressalva de que essa compreensão não pode obscurecer o fato de que “nos comerciais, a criança e o
adolescente são interlocutores de um discurso cuja elaboração é definida, apenas parcialmente, por eles” (SAMPAIO,
2000, p. 154).
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Os chamados programas Live Action são sitcoms infanto-juvenis que vão ao ar, em média, de 80 a 100 episódios. A
consulta realizada no dia 18/07/2013 mostrou, no Disney Channel brasileiro, a exibição das séries Austin & Ally, No
Ritmo, Sunny entre as estrelas e Violetta, além dos filmes produzidos pelo canal, Camp Rock 1 e 2 e Jump in. Já no
canal Nickelodeon, estão na programação analisada Big Time Rush, Victorious, Sonha Comigo e The Naked Brothers
Band. Em todas elas, o roteiro é construído sobre o argumento da busca pela fama e sua conquista ou ainda da melhor
forma de lidar com ela.
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86)11. Ela pontua, entretanto, que não se pode deixar de levar em conta o fato de que, num país
marcado por profundas desigualdades sociais como o Brasil, a celebridade surge como uma forma
de ascensão social. Das vinte crianças acompanhadas por ela, “dezoito eram de classe média baixa e
classe C”. Sua leitura, nesse aspecto, é de que as diferentes realidades das crianças redundam em
diferentes usos da mídia e, portanto, em diferentes relações.
Trata-se de uma infância que passou a servir de modelo para as crianças, quiçá para a nossa
sociedade como um todo, que vê o espaço e o trabalho na mídia como sinônimo de sucesso
pessoal, um modo objetivo de “vencer na vida”. Essas crianças venceram e chegaram ao
“Olimpo” (LACOMBE, 2004, p. 92).

Maisa Silva se encaixa perfeitamente nesse perfil. Nascida em São Bernardo do Campo, ela
é filha de um técnico em telefonia e de uma garçonete que deixou o emprego para cuidar da filha
quando ela nasceu. Ao ser contratada como elenco fixo do programa Raul Gil, tanto na Record
quanto na Band, Maisa tinha um salário mensal de cerca de R$ 1.500,00. Já no SBT, sua renda
subiu para R$ 20.000,00, incluindo mershandising, além das campanhas de que Maisa se tornou
garota-propaganda12.

Maisa Silva: da fama para a vida


Em 2012, aos dez anos, Maisa Silva passou por uma nova transformação. Ela interrompeu
as gravações do Bom Dia e Cia (diário) e do Domingo Animado (semanal) para iniciar sua carreira
de atriz, interpretando Valéria, no remake de Carrossel (SBT). De volta ao programa em 2013,
trocou os vestidos-trapézio por um estilo casual e manteve o cabelo liso, alterado para o papel na
novela. A menina também mudou bastante o modo de falar, parece pensar cada palavra, bem
diferente do perfil espontâneo que lhe rendeu tantas postagens nas redes sociais e inúmeras
paródias13.

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A oferta de artistas mirins e a procura por eles cresceram tanto que tramita na Câmara um projeto de lei que transfere,
da Justiça Comum e da Vara da Infância e da Juventude para a Justiça do Trabalho, a prerrogativa de conceder
autorizações para a realização de Trabalho Artístico Infantil. Segundo os defensores da mudança, o aumento de crianças
e adolescentes realizando trabalho artístico pode ferir a Constituição em sua proibição do trabalho profissional para
menores de 14 anos.
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Campanhas estreladas por Maisa Silva: Assolan (esponja de aço), Vitoria Residence (residencial), Papel higiênico
Primavera, Riachuelo (loja de departamentos focada em vestuário, calçados e assessórios), Yes Kids (curso de inglês),
Jequiti (cosméticos), Cotiplás (brinquedos).
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Frases como “Opa, estou bêbada” (ao escorregar no cenário), “Eu sou apresentadora de primeira classe”, “Eu mamo
mamadeira, vou admitir. Não tenho vergonha de dizer que tomo tetê” e “Desirée, você é homem ou mulher?”
popularizaram bastante Maisa Silva nas redes sociais. Outros vídeos como o que ela chora, ao levar um susto no palco
que dividia com Sílvio Santos, e sai correndo para a mãe ou o que solta um pum no estúdio garantiram sua presença em
programas como o CQC (Band), como campeã do TOP Five, o ranking de vídeos do programa. O Pânico na TV (Rede
TV) chegou a criar a personagem Malisa, a menina monstro, interpretada pelo ator Eduardo Sterblitch, em 2010. A
alcunha de monstro perseguiu Maisa Silva sobretudo na época do quadro Pergunte pra Maisa (programa Sílvio Santos),
remetendo à ideia de uma criança incontrolável.
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Maisa no figurino de Carrossel e de volta no Bom Dia e Cia

A diferença fica mais clara quando olhamos para duas matérias em momentos bem
diferentes: uma na seção Televisão de Veja (26/03/2008) e outra de capa na Contigo (16/08/2012).
Os títulos já evidenciam essa mudança: “Menina maluquinha” (Veja) e “Maisa – a menina nota 10”
(Contigo). Os subtítulos, entretanto, mostram que a menina está nas duas publicações pelo mesmo
motivo. Ela obteve êxito em sua empreitada televisiva, especificamente com relação aos índices de
audiência: “Maisa Silva, 5 anos, fala o que lhe dá na telha no SBT. E faz o ibope do Sábado
Animado aumentar” (Veja) / “Ela aprendeu a falar aos 10 meses, tira 10 em português e tem a maior
audiência do SBT. Conheça a vida da estrelinha da televisão” (Contigo). Tanto em uma quanto em
outra, a façanha de atrair audiência é destacada.
Sobre os modos pelos quais a menina se dirige às pessoas, as matérias já demonstram uma
mudança significativa. Enquanto a matéria da Contigo destaca duas vezes que Maisa tem um “farto
vocabulário”, Veja afirma que “a garota é afiada”, dotada de um “rasgo de sinceridade” e “o que um
psicanalista chamaria de apresentadora sem superego – a instância do inconsciente que exerce a
função de autocensura”. Por fim, o número de páginas dedicadas à jovem apresentadora também
aponta para uma alteração considerável de sua representação. Enquanto a matéria de Veja é de uma
página em uma seção sem muito peso editorial, a de Contigo, além de ser a capa, traz no miolo sete
páginas. Essa reportagem mais recente será tomada, a partir de agora, como uma narrativa do
sucesso de Maisa, em que ela é retratada como uma criança que saiu da condição de audiência e
chegou a de celebridade.
Apesar de a única razão para Maisa estar na capa de Contigo seja o fato de ela ser uma
celebridade televisiva, a maior parte do texto está centrada na vida pessoal da apresentadora,
indicando valores prementes na cultura contemporânea e associando-os frequentemente à sua
condição de fama. O primeiro parágrafo da matéria oferece uma sucessão de evidências de uma
carreira bem-sucedida, informando que Maisa já ganhou de Xuxa no Ibope algumas vezes, que ela
tira nota 10 em português, inglês e ciências e que “é uma das Estrelas do SBT”, uma “Estrela

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mirim”. A foto de abertura, disposta em duas páginas, traz a seguinte legenda: “Maisa no balanço
do condomínio onde mora em Alphaville. A menina não vive sem iPhone e iPad”. O local em que
ela mora, área nobre em São Paulo, é citado quatro vezes na matéria, e a viagem para Disney, duas.
A revista destaca o fato de ser a primeira equipe de reportagem na casa de Maisa e a
qualifica como uma “Cinderela Moderna”. A reportagem também destaca um elemento de
superação ao revelar que a jovem artista é vista “como um milagre na família”, devido a uma
cirurgia que sua mãe fez os 16 anos, tirando um dos ovários. Por causa dessa remoção, foi avisada
pelo médico de que teria dificuldades em engravidar, mas ela conseguiu realizar o desejo de ser
mãe, e mãe de uma “filha prodígio”.
As expressões elogiosas dedicadas a Maisa legitimam constantemente os modos de ser e
estar num mundo marcado pela personalização do indivíduo, em que cada um deve se empenhar
para construir uma trajetória célebre, mostrando ser especial, único, singular. A pequena caloura de
São Bernardo conseguiu e tornou-se a célebre moradora de Alphaville. Seus pais afirmam na
reportagem que não sabem quanto tempo ainda a fama da filha vai durar e, por isso, já investiram
seus recursos em uma fábrica de roupas infantis no interior de São Paulo. A estrela da casa também
tem um projeto de vida extra-fama: formar-se em Biologia, casar-se aos 25 anos e ter dois filhos. Os
ideais de autonomia característicos de sociedades regidas por princípios neoliberais funcionam
como bússola para indivíduos cada vez mais jovens e são incorporados às próprias formas de ser
criança.
Ainda na matéria, Maisa afirma: “Sou menina (...) não tenho pressa de ser adolescente”
(nem adulta, seria possível acrescentar). Apesar de ser criança, ela já pode experimentar um nível
de autonomia que muitos adolescentes, jovens, adultos e até mesmo pais e mães de família ainda
não alcançaram. Vivenciar a fama em seus primeiros anos de vida permitiu-lhe um tipo específico
de infância: pública, glamourosa, economicamente produtiva, provedora financeira da família. Uma
infância que a permite brincar de balanço, mas que ao mesmo tempo exige responsabilidade: “Antes
de renovar o contrato com o SBT, perguntamos a ela se que queria continuar trabalhando. Ela disse
que sim. Se a prejudicasse de alguma forma, não permitiríamos”, conta o pai. Uma infância que lhe
possibilita ir para a Disney com a família, mas profundamente roteirizada: durante as gravações de
Carrossel, Maisa ia para a escola no turno da manhã, almoçava em casa, passava toda a tarde
gravando (seis horas por dia) e voltava para casa onde tinha que decorar o texto do dia seguinte,
fazer as lições de casa e, finalmente, descansar. Ela conta na matéria que prefere ser apresentadora,
pois assim pode ter outras atividades como dançar e ir ao salão fazer as unhas.

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Não é possível pensar a infância como uma experiência única, universal, pois ela é uma
construção social diretamente atrelada às realidades em que as crianças estão inseridas, além de
perpassadas por diferentes elementos como gênero, etnia e classe social. Sendo assim, é importante
pensar a infância em suas diferentes manifestações e, desse modo, propor narrativas que deem conta
de tais especificidades. Os imperativos de autonomia presentes nos mais distintos aparatos
midiáticos convidam crianças a amadurecer e crescer por meio de práticas sociais que lhes confiram
status não de adulto, mas de indivíduos bem-sucedidos e empoderados (TOMAZ, 2011). Nessa
perspectiva, a infância-celebridade atende a tal demanda de maneira adequada, na medida em que
concede a experiência de um tipo de sujeito autônomo sem que precisem tornarem-se adultos para
isso. A matéria é encerrada com uma frase da pequena celebridade e evidencia o quanto o modelo
de vida célebre na infância é ofertado como ideal e operacionalizador de autorrealização: “Estou
muito confortável no que faço. Queria que o mundo inteiro tivesse uma família, um colégio, um
trabalho, fosse contente e realizado como eu sou”. Maisa Silva, como muitas outras meninas e
meninos de sua idade, descobriu no interior da sua própria cultura que ser famoso pode ser também
um jeito de ser criança.

Considerações finais
A fala inicial de Maisa Silva foi elaborada quando ela tinha nove anos; há dois, portanto.
Não sabemos se ela ainda acha que seu sucesso se deve a um dom. Mas vimos que o carisma,
enquanto conceito teórico, não parece ser suficiente para dar conta da complexa cultura da
celebridade, formulada na interação de diferentes elementos da cultura, da economia, das práticas
sociais. O modelo do dispositivo da celebridade se constituiu, dessa forma, um meio adequado de
compreender os mecanismos pelos quais os valores que engendram o fenômeno da celebridade
perpassam nas diferentes áreas da sociedade. Vimos, ainda, que, uma vez que a infância não possa
mais ser pensada fora de sua relação com os aparatos midiáticos, ela também está, em suas
diferentes concepções e elaborações, sendo construída no interior da cultura da celebridade. Isso
possibilita que crianças acessem novas formas de ser criança, de desfrutar a infância ao mesmo
tempo em que atendem às demandas de autonomia e autorrealização da sociedade contemporânea.

Referências
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DRIESSENS, Olivier. The celebritization of society and culture: understanding the structural dynamics of
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LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. Lisboa: Relógio d`Água, 1983.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2011.

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