Butler nos leva a pensar que a projeção política das demandas por direito e
cuidado precisam estar embaladas pelo compasso da autocritica, baseada no
pensar teórico. Por mais importantes que sejam as demandas políticas, soam perigosas as abreviações ou reduções teóricas embasando de forma superficial o fazer político. O fazer teórico precisa ser reconhecido como base fundamental da autocrítica do fazer político e das categorias utilizadas para esse fim.
O conceito de "precariedade" utilizado por Butler nos mostra que corpos que sofrem reconhecimento indevido o sofrem não apenas pela questão corporal e de performance de gênero, mas sim:
““Precariedade” designa essa condição politicamente
induzida em que certas populações sofrem por conta de redes insuficientes de apoio social e econômico mais do que outras, e se tornam diferencialmente expostas à injúria, violência e morte.” (PG. 24)
No texto de Berenice Bento, percebemos a crítica da práxis política e a utilização
das premissas teóricas na fundamentação de argumentos teóricos, bem como a crítica das categorias em si, a medida em que feminicídios ocorridos no México contra mulheres não trans são comparadas com transfeminicídios ocorridos no Brasil.
Percebemos o conceito de “precariedades” utilizado por Butler quando
Bento argumenta que apenas o fato da ligação com feminino já vulnerabiliza mais travestis, mulheres trans e gays que performam visibilidade, demonstrando que o feminino, suas performances e nuances já se configuram como um tipo inicial de “precariedade”. Segundo Bento,
Se o feminino representa aquilo que é desvalorizado socialmente,
quando esse feminino é encarnado em corpos que nasceram com pênis, há uma ruptura inaceitável com as normas de gênero. (pg. 53)
Corpos aproximados do feminino são mutilados e mortos como um tipo
de “assepsia da humanidade”, trazendo menor horror social do que os feminicídios contra mulheres “não trans” trazem.
Ainda dentro desta perspectiva, Bento nos mostra que as “transgressões”
vivenciadas por corpos de performance feminina acontecem em número maior do que as violências sofridas por homens gays que não performam feminilidade. Bento também demonstra como “precariedades” o abandono social, institucional e familiar, marcado pela vulnerabilidade social, política e financeira tanto daquelas que sofreram transfeminicídio como das mulheres não trans que sofrem feminicídios.