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Entrevista com
SÃO PAULO - Eugênio Vilaça Mendes é especialista em planejamento de saúde e consultor em Saúde
Pública. Foi professor das faculdades de odontologia e medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), da faculdade de odontologia da PUC-Minas, da faculdade de medicina da Unimontes e
das escolas de Saúde Pública de Minas Gerais e do Ceará.
Tem vários trabalhos publicados no Brasil e no exterior: 105 artigos em periódicos e monografias e 40
livros ou capítulos de livros, como “As redes de atenção à saúde”, e “O cuidado das condições crônicas
na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família".
Qual o balanço que o senhor faria do que foi e do que não foi alcançado no Brasil na área da saúde?
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02/11/2018 'SUS é a maior política de inclusão social na saúde' - Saúde - Estadão
O SUS é a maior política de inclusão social do Brasil. Antes dele havia uma separação iníqua entre os
que tinham carteira do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e os
que não tinham. O SUS colocou a saúde como direito de cidadania e acabou com a figura odiosa do
indigente sanitário.
O SUS apresenta números e resultados muito positivos. Isso pode ser verificado por sua produção anual
de serviços: mais de 2 bilhões de procedimentos ambulatoriais, mais de 11 milhões de internações
hospitalares, mais de 10 milhões de procedimentos de radioterapia e quimioterapia, mais de 200 mil
cirurgias cardíacas por ano e mais de 150 milhões de vacinas.
Quais outros serviços da rede o senhor considera terem sido bem sucedidos?
O SUS pratica políticas de saúde que são referência internacional como o Sistema Nacional de
Imunizações, o Programa de controle de HIV/AIDS e o Sistema Nacional de Transplante de Órgãos e
Tecidos que tem a maior produção de transplantes de órgãos realizados por sistemas públicos no
mundo. A Estratégia de Saúde da Família é, por sua extensão e cobertura (120 milhões de brasileiros), o
mais amplo programa de atenção primária à saúde do planeta. Em grande parte devido a esses
processos, o SUS tem contribuído para a melhoria dos níveis de saúde da população. Como exemplo, a
taxa de mortalidade infantil caiu 40% entre 2000 e 2010.
Não obstante a exuberância de seus números, o SUS permanece com muitos problemas a superar. No
meu entendimento três grandes desafios se colocam para o SUS: no plano macroeconômico, a
segmentação do sistema; no plano microeconômico, o modelo de atenção que se pratica; e o seu crônico
subfinanciamento. Na América Latina, a privatização dos sistemas não se mostrou eficaz como a
Colômbia demonstra.
O nosso sistema de saúde foi constitucionalmente concebido como um sistema público universal de
corte beveridgeano, ou seja, financiado por impostos gerais, à semelhança de países como Canadá,
Itália, Reino Unido e Suécia. Contudo, em sua prática social, vem se estruturando como um sistema
segmentado em que convivem três subsistemas: um sistema público, o SUS e dois sistemas privados, o
sistema de saúde suplementar e o sistema de desembolso direto. Em certo sentido, buscamos a
universalização, mas instituímos uma segmentação à moda dos Estados Unidos. Há evidências que os
sistemas públicos universais são mais efetivos, eficientes e equitativos que os sistemas segmentados.
O reconhecimento dos problemas do sistema norte-americano fez com que cientistas daquele país
construíssem uma terceira via, uma alternativa para o dilema entre os sistemas públicos universais e os
sistemas segmentados que foi denominada de sistema de competição gerenciada. Essa proposta foi
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02/11/2018 'SUS é a maior política de inclusão social na saúde' - Saúde - Estadão
experimentada na Colômbia, mas apesar de sua construção teórica elegante, seus resultados, com
exceção do aumento da cobertura, foram muito ruins e levaram a uma crise crônica.
Qual é o impacto que as empresas de convênio médico têm dentro do nosso sistema de saúde - a
hibridez do sistema de saúde dá margem ou estimula a ineficiência na administração de recursos?
Quando você diz que o sistema suplementar se financia com renúncias fiscais de valores próximos a
R$10 bilhões, o que exatamente é essa renúncia? O subsídio de renúncia dado a quem tem convênio?
Sim, a renúncia fiscal que menciono são os impostos que empresas e pessoas físicas deixam de recolher
dado que os gastos em saúde podem ser abatidos do imposto de renda. Por isso falo que é um
financiamento indireto. Esses recursos não são repassados diretamente aos planos de saúde, mas a
possibilidade de renúncia fiscal incentiva o uso dos planos privados. Estima-se que esses 10 bilhões
representem em torno de 10% do faturamento dos sistemas de saúde suplementar.
As famílias mais pobres despendem proporcionalmente às suas rendas familiares mais que as famílias
mais ricas. No Brasil segundo os dados do relatório da OMS de 2014, os gastos privados correspondem
a 54,3% dos gastos totais em saúde, dos quais 60% são gastos diretos do bolso e 40% são gastos com
planos de saúde. Isso representa uma enorme iniquidade.
A generosidade dos constituintes expressa num SUS como direito de todos e dever do Estado não veio
acompanhada de uma base material que sustentasse essa universalização pública. Além disso, no
governo Itamar Franco os recursos substanciais da previdência social foram retirados da saúde,
aprofundando o subfinanciamento.
É preciso entender que o Brasil não gasta pouco em saúde. Dados do relatório da OMS de 2014,
mostram que os gastos totais em saúde representam 8,9% do PIB, um valor muito próximo à media dos
países ricos. O que é baixo é o gasto público. Esse representa 4,0% do PIB, o que significa 45,7% do
gasto total em saúde e um gasto per capita anual de US$ 474,00.
As evidências mostram que nenhum país que desenvolveu sistemas públicos universais tem menos de
70% de gastos públicos em relação aos gastos totais em saúde, o que aplicado ao Brasil,
corresponderiam a 6,2% do PIB. Comparações internacionais mostram gastos públicos em percentuais
do PIB maiores que o brasileiro: Argentina, 5,2%; Canadá, 7,6%; Costa Rica, 7,6%; Panamá, 5,3%;
Uruguai, 5,9%. A razão disso é o baixo percentual de gastos em saúde no orçamento dos governos
brasileiros, apenas 8,7%.
Esses dados mostram, de forma eloquente, que há um subfinanciamento do SUS e que com este nível de
dispêndio público não se pode chegar a um sistema público universal de qualidade. Mas há evidências
de que o aumento dos gastos públicos deveria ser feito de forma gradativa e vinculado a um conjunto de
programas prioritários que aumentassem a efetividade, a eficiência e a qualidade dos serviços. Um
aumento rápido e linear não geraria valor para a população brasileira. Se 4% do PIB é pouco, quanto do
orçamento deveria ser reservado para o SUS. A estimativa que fiz é de chegarmos a um gasto público de
70% sobre o gasto total. Se o gasto total em saúde é de 8,9% (um valor muito adequado e que não
necessita ser aumentado), o gasto público em saúde deveria tender a um valor de 6,2% do PIB. Mas
como falo não deveria ser feito de uma vez só, mas num horizonte de tempo mais longo que permitisse
ir ajustando o incremento desses valores adicionais a programas efetivos e eficientes. Um aumento de
uma só vez que tenderia a fazer um incremento linear nos gastos do SUS, sem articulação com as
mudanças que aponto, seria desastroso. Mais dinheiro para fazer mais do mesmo.
Como enxerga o desenvolvimento da área nos próximos anos e em quais políticas públicas acha mais
importante investir agora?
Creio que ações de mudanças devem ser empreendidas nos próximos anos. Essas mudanças devem
estar focadas nos problemas estruturantes: a superação da segmentação no plano macroeconômico, a
superação da fragmentação no plano microeconômico e o aumento dos recursos públicos para a saúde.
As mudanças no plano macro da segmentação do sistema de saúde não são fáceis de serem
empreendidas. Isso implicaria atingir interesses políticos e econômicos muito estruturados, seja na
vertente de implantação de um sistema público universal, seja na de uma solução de um sistema de
cobertura universal na linha de um pluralismo estruturado, como vem propondo, recentemente, a OMS.
Nesse plano macroeconômico, os custos de não mudar ainda parecem ser, por alguns anos, menores
que os custos de mudar. Mas em algum momento do futuro essa mudança se imporá.
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02/11/2018 'SUS é a maior política de inclusão social na saúde' - Saúde - Estadão
E no micro?
As mudanças no plano micro da fragmentação do SUS, ainda que difíceis, são mais viáveis de serem
feitas. Aqui se trata de integrar o SUS em redes de atenção à saúde, coordenadas pela Estratégia da
Saúde da Família. A normativa do SUS já aponta nessa direção. Isso se impõe porque o modelo de
atenção que se pratica não dá conta de enfrentar as transições demográfica, nutricional, tecnológica e
epidemiológica que estruturam uma situação de saúde de tripla carga de doenças (associação de
doenças infecciosas e parasitárias, causas externas e doenças crônicas) com predomínio forte das
condições crônicas.
A estruturação das redes de atenção à saúde, além de mudar a lógica do sistema de atenção à saúde,
exigirá um novo formato na governança do SUS. A opção exagerada pelo municipalismo levou a uma
grande ineficiência, tanto interna como de escala, que precisa ser superada. Um novo desenho de
governança de redes de atenção à saúde deve ser implementado com base numa governança regional
que se faça sobre um conjunto de municípios que tenham escala adequada para suportar o
funcionamento racional de redes de atenção à saúde, envolvendo os serviços de atenção primária,
secundária e terciária.
A necessária superação do subfinanciamento não é uma mudança trivial, como demonstra o histórico
de iniciativas fracassadas em diferentes governos. As evidências internacionais mostram que quando se
segmenta o sistema de saúde, como no caso brasileiro, criando um sistema público para os pobres e
sistemas privados para os não pobres, os sistemas públicos tendem a ser subfinanciados porque os seus
maiores usuários, os pobres, não dispõem de capacidade de organizar e manifestar seus interesses nas
grandes arenas políticas. Ademais, a questão do financiamento se liga fundamentalmente aos valores
societais; se valores mais solidários, como ocorre em algumas sociais democracias, se valores de
autointeresse que se manifestam em outras sociedades. Ao fim e ao cabo, será a sociedade brasileira que
deverá definir o sistema que quer e quanto está disposta a pagar por ele.
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