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MEMORIAL ACADÊMICO
Curitiba – PR
2020
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Memorial acadêmico
expansão da fronteira agrícola, por meio de incentivos fiscais nos anos 1970, que permitiram
vastos plantios de soja e eucalipto, levou à região agricultores do sul do Brasil, originando
inclusive o nome da área urbana mais próxima da sede do Parque: o município Chapada
Gaúcha, que na época pertencia ao município de São Francisco e se chamava Vila Gaúcha. Os
geraizeiros seguiam com sua agropecuária de subsistência, aproveitando o regime de águas nas
áreas encharcadas das formações compostas pela palmeira Buriti (Mauritia flexuosa).
Em seguida, continuando a atuar em UCs, como era meu desejo desde a graduação, fui
para o sul da Bahia trabalhar no Parque Estadual Serra do Conduru, num primeiro momento
como prestadora de serviços e a partir de 1998 como servidora pública estadual concursada.
Como o Parque ainda não tinha sede, fixei residência no povoado mais próximo, Serra Grande,
pertencente ao município de Uruçuca. O Parque havia sido recém-criado como contrapartida
do Governo do Estado da Bahia para financiamento do Banco Mundial para a construção de
trecho da rodovia BA-001, ligando os municípios de Ilhéus e Itacaré. Estudos realizados pela
Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em conjunto com o Jardim Botânico de
Nova Iorque (NYBG) apontaram a terceira maior diversidade arbórea do planeta em área
contígua ao que posteriormente seria o Parque, subsidiando a criação do mesmo.
Tive oportunidade de vivenciar a implantação de um Parque desde o início,
acompanhando os levantamentos topográficos para conhecimento dos limites físicos da área e
as etapas iniciais dos processos de regularização fundiária. Mas de novo, algo não ia bem. O
Conduru, com 9.000 hectares, era bem menor que o Grande Sertão Veredas, mas apesar de suas
valiosas peculiaridades, os dois Parques dividiam, com centenas de outras unidades de
conservação no país, as mesmas mazelas. Como discípula do conservacionismo difundido pela
disciplina de Manejo de Áreas Silvestres na Escola de Florestas da UFPR, ainda relutava em
aceitar algumas ideias às quais comecei a ter acesso. Com o lançamento do livro de Diegues
(2008)1, o modelo de áreas protegidas que não trazia em sua matriz o componente social, ao
desconsiderar tanto as contribuições das populações tradicionais à manutenção da
biodiversidade quanto o seu próprio direito à vida e relações com o território, passou a ser
amplamente questionado.
1
DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. São Paulo: Hucitec e Nupaub/USP,
2008. 198 p. Disponível em:
<http://nupaub.fflch.usp.br/sites/nupaub.fflch.usp.br/files/O%20mito%20moderno.compressed.pdf>. Acesso em:
29 dez. 2020.
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Ao passo em que conhecia a área do Conduru e seus limites físicos, percebi que a caça,
ao contrário da extração madeireira, era realizada principalmente pelos pequenos agricultores
que moravam na área onde foi criada o Parque. Eram muitos, e ocupavam áreas nem sempre de
relevante cobertura vegetal, enquanto grandes proprietários rurais, com áreas ainda bastante
preservadas, haviam ficado de fora do Decreto de criação da unidade. De posse de tais reflexões,
em conjunto com imagens aéreas e levantamentos botânicos, tive a oportunidade de publicar
alguns trabalhos e participar de alguns eventos para discutir o assunto.
Os levantamentos foram realizados com o financiamento de um projeto de minha
autoria, aprovado pela Fundação o Boticário de Proteção à Natureza (FBPN). O herbário da
CEPLAC participou do projeto, contribuindo sobremaneira para a identificação das espécies
arbóreas. Devo ressaltar que a direção do Departamento de Desenvolvimento Florestal, órgão
gestor do Parque, incentivava minha participação em tais atividades, bem como meu ingresso
no curso de especialização em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus.
Contudo, prestei outro concurso, e desta vez fui trabalhar em Salvador, no órgão
ambiental do Estado, na época chamado Centro de Recursos Ambientais (CRA). Fui escalada
para o setor de licenciamento ambiental e meu primeiro processo foi a renovação da Licença
de Operação do plantio de 47.000 hectares de eucalipto de uma grande empresa de papel e
celulose, no extremo sul da Bahia. Embora tenha sido meu primeiro processo, englobei vários
aspectos, tentando não me restringir somente às operações florestais.
Se nas UCs havia mais liberdade para parcerias institucionais, elaboração de projetos e
até mesmo certa produção acadêmica, no licenciamento não restava muito espaço para outras
atividades. Entretanto, me parecia que meu trabalho alcançava mais efetividade, já que o
resultado final do meu parecer era publicado no Diário Oficial do Estado sob a forma de
portaria, sendo o empreendedor supostamente compelido a cumprir as condicionantes da
licença, sob pena de multa, interdição ou cassação da licença.
Assim, fui reunindo em cada processo desde normas relativas aos trabalhadores até o
tratamento de efluentes e armazenamento de agrotóxicos, passando sempre pelas autorizações
prévias ao pedido de licença, em especial a supressão de vegetação. Não tardou para eu perceber
que as coisas não eram assim tão simples. A partir da primeira metade dos anos 2000, com a
estruturação tanto do arcabouço jurídico quanto dos órgãos ambientais, evidenciam-se nestes
as pressões para flexibilização dos processos de licenciamento.
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vivenciando e assim elaborei, para avaliação da disciplina, um ensaio sobre trocas simbólicas
entre punks.
Ainda no rastro das leituras desta primeira disciplina, submeti um artigo2 à XI Semana
de Antropologia da UFPR, ocorrida em setembro daquele ano. A partir de um proposta da Profª
Drª Tiemi Costa para avaliação da disciplina Antropologia do Consumo e das Organizações,
tive a oportunidade de conversar com um trabalhador da segurança patrimonial da PUCPR.
Algumas de suas falas me permitiram pensar de que forma processos intensificados pela
reforma trabalhista, como a terceirização, afetaram dinâmicas simbólicas no ambiente de
trabalho. O texto foi apresentado no Grupo 07 - Migrações, Políticas e Estado, sob a
coordenação da Profª Drª Ciméia Bevilaqua que, assim como a debatedora Profª Drª Juliane
Bazzo e os demais apresentadores do grupo contribuíram imensamente com sugestões para seu
aprimoramento.
Embora a partir desta apresentação eu tenha cogitado direcionar meus estudos aos
processos de precarização do trabalho, pois havia abordado também a atividade dos
entregadores por aplicativo, o campo do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)3 já estava
ocorrendo de forma fluida e se construindo naturalmente como tema. Paralelamente
continuavam as aulas, e a cada disciplina eu tinha a oportunidade de me aproximar do meu
intuito ao iniciar o curso.
Na disciplina de Interculturalidade e Globalização, ministrada pela Profª Drª Léa
Tosold, pude, em conjunto com leituras preliminares que havia feito para o texto da XI Semana
de Antropologia, compreender que muitas das atividades que desempenhei na área ambiental
estavam inseridas num contexto mais amplo que é capaz de promover desigualdades, ao invés
de minimizá-las. Eu já havia percebido a dificuldade de repartição dos benefícios do mercado
de carbono, que certifica empresas em detrimento das populações residentes nas áreas florestais
utilizadas para neutralização de gases geradores do efeito estufa. Da mesma forma, passei a
questionar pertinência da conversão da dívida externa em projeto ambientais, como o do Parque
Grande Sertão Veredas. Agora, estava compreendendo que as cadeias produtivas, aplaudida em
tantos encontros para geração de renda em comunidades de agricultura familiar, eram capazes
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OLIVEIRA, T. Dimensões simbólicas da reforma trabalhista: a perspectiva de um trabalhador da segurança
patrimonial na PUCPR Câmpus Curitiba. In: SEMANA DE ANTROPOLOGIA, 11, 03 – 06 set. 2018, Curitiba.
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OLIVEIRA, T. “Aqui é punk de rua, real, do gueto!”: sentidos, práticas e disputas por legitimidade na cultura
punk. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Antropologia Cultural) – Escola de Educação e
Humanidades, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2020. Disponível em
<https://drive.google.com/file/d/1fK3UUn1EHPrDsgIaIFCaa_Pv_MNb0TSG/view?usp=sharing>.
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