Bartomeu Melià, nascido em 1932, na ilha mediterrânea de Mallorca,
pertencente à Espanha, foi enviado como missionário jesuíta ao Paraguai no ano de 1954. Dominava o guarani quando viajou para a França para concluir os estudos eclesiásticos, mas em 1969 realizou sua imersão na realidade dos guaranis, em vista da sua pesquisa de doutorado. Entrava nas aldeias guaranis e era bem aceito pelos indígenas, participando inclusive de rituais secretos, nas casas de rezas dos índios. Sua tese reconhece que, no Paraguai, as missões, antes de serem jesuítas, eram guaranis. No texto O guarani reduzido essa afirmação será bem explicada.
Melià apresenta as reduções guaraníticas como um projeto político de
integração do índio no sistema colonial, missionando-o e civilizando-o. Surgiram no século XVI, em 1580 com os franciscanos, e depois com os jesuítas. Elas foram entendidas de maneiras diversas segundo a perspectiva de cada ator: os colonizadores viam nas reduções uma maneira de reduzir os conflitos militares e sociais que opunham índios e espanhóis; os franciscanos instrumentalizaram-na para que os índios se submetessem aos colonizadores; os jesuítas a concebiam como, primeiramente, um lugar privilegiado de missão, mas também de proteção contra a encomienda.
O autor pretende com o texto apresentar a visão que os povos guaranis
tinham sobre as reduções. Uma visão um tanto contraditória, e que sofreu por mudanças temporais. Contraditória porque haviam grupos guaranis que acolhiam os jesuítas (talvez por curiosidade ou ainda pelas normas de hospitalidade), bem como outros grupos — sobretudo os xamãs — que rejeitavam o sistema, pois acreditavam ser um pressuposto para a doutrinação contrária aos ritos e costumes dos antepassados. Algumas vozes se levantavam para protestar contra as reduções, afirmando que estas retiravam a liberdade dos indígenas, sendo até classificada como “cativeiro dissimulado”. Todavia, essa visão sofreu mudanças à medida que os xamãs iam desaparecendo e, com a perda da força da resistência, ocorria a transculturação. De modo que, no fim do século XVII, os guaranis se referiam às reduções como “a terra em que Deus nos colocou”.
Bartomeu tece críticas às reduções. Ele afirma que elas tinham um
caráter totalizante com o objetivo mudar o “ser guarani”: perturbavam a ecologia tradicional; traziam uma nova morfologia social; dispunham do espaço urbano segundo suas intenções; modificavam o sistema de parentesco; atacavam e substituíam a religião; acusavam os líderes religiosos de feitiçaria e os perseguia. Enfim, as reduções guaraníticas possuíam em seu bojo um colonialismo sutil que buscava apenas corrigir as práticas abusivas, mas que tinham o mesmo interesse colonial de dominação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOORNAERT, Eduardo (org.) Das Reduções latino-americanas às lutas
indígenas atuais. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 228-241.
AZEVEDO, Wagner Fernandes. Bartomeu Melià: jesuíta e antropólogo
evangelizado pelos guarani (1932 – 2019). Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, RS, 08, dez., 2019. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78- noticias/594740-bartomeu-melia-jesuita-e-antropologo-evangelizado-pelos- guarani-1932-2019