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AULA 4

JULGAMENTOS DE CASOS QUE ENVOLVEM

APARENTE CONFLITO DE DIREITOS HUMANOS

1. CASO DA DANIELLA CICARELLI

Daniella Cicarelli e seu namorado Tato Malzoni passaram férias na praia de Tarife, em
Cádiz, na Espanha. Em determinado momento decidiram namorar no mar. Um
paparazzo filmou tudo à distância e o vídeo foi exibido por um canal pago de televisão
na Espanha e espalhou-se pela internet.

A modelo e seu namorado tentaram evitar a divulgação do video e ajuizaram uma


ação no Brasil contra alguns portais eletrônicos que disponibilizava o vídeo aos
usuários, como Ig, Globo e You tube. O juiz da causa Gustavo Santini Teodoro, julgou
contra a modelo e seu namorado, pois entendeu que ao se tratar de um local público,
não teria havido violação à privacidade ou à intimidade.

O casal entrou com um recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual concedeu
uma liminar para proibir a divulgação do vídeo como base na violação do direito à
imagem, privacidade, intimidade e honra de pessoas fotografadas e filmadas em
posições amorosas em areia e mar espanhóis.

Direitos Fundamentais em aparente conflito:


Direito à Privacidade, Intimidade, Honra Liberdade de Expressão da Imprensa,
Direito à Informação
2. Caso da música do Tiririca

Veja os cabelos dela


(Tiririca)

Veja veja veja veja veja os cabelos dela


Parece bom-bril, de ariá panela
Quando ela passa, me chama atenção
Mas os seus cabelos, não tem jeito não
A sua caatinga quase me desmaiou
Olha eu não aguento, é grande o seu fedor

Eu já mandei, ela se lavar


Mas ela teimou, e não quis me escutar
Essa nega fede, fede de lascar
Bicha fedorenta, fede mais que gambá

O Tiririca disse que a intenção com essa música era fazer humor, mas ele foi
processado por algumas entidades que combatem o racismo, que entenderam que a
música era um desrespeito à mulher negra já que eram expostas ao ridículo, e deveria
ser proibida.

No âmbito PENAL, o Tiririca foi inocentado da acusação de racismo.

No âmbito CÍVEL, o Tribunal de justiça do Rio de Janeiro condenou em 2004 a Sony


Music a pagar uma indenização de trezentos mil reais. A Sony entrou com recurso,
porém em 2011, a decisão foi mantida e o valor passou para 1,2 milhões
aproximadamente, por conta da correção monetária

Direitos Fundamentais em aparente conflito:


Direito à Liberdade de Expressão. Direito contra descriminação e
racismo
3. Caso do Peep-show na Alemanha

Um estabelecimento que oferece o “peep-show” foi negado uma licença de


funcionamento sob o argumento de que a atividade seria degradante para mulher e,
portanto, violava a dignidade da pessoa humana, pois a colocava na condição de mero
objeto de prazer sexual. “Peep-show” é um ter acesso a uma cabine fechada,
mediante remuneração, onde tem uma mulher dançarina completamente sem roupas.

O estabelecimento ingressou com uma ação judicial argumentando que a mulher


realizava o trabalho por livre e espontânea vontade e, logo, não violava a dignidade da
pessoa humana.

O Tribunal decidiu que o Peep-shows são diferentes das performances de strip-tease,


onde existe uma performance artística. Diferente do Peep-shows em que a mulher é
colocada em uma posição degradante e tratada como objeto sexual para o estímulo do
interesse sexual dos expectadores.

O Tribunal sustentou ainda que o fato de a mulher atuar voluntariamente no Peep-


show não afastaria a violação da dignidade da pessoa humana, pois “a dignidade da
pessoa humana é um objetivo e valor inalienável, cujo respeito não pode ficar ao
arbítrio do indivíduo”

Direitos Fundamentais em aparente conflito:


Direito à Autonomia da Vontade Direito da Dignidade da Pessoa
Humana
4. Caso de Lançamento de Anão na França

Um bar na cidade francesa Morsang-sur-Orge, tinha como atividade o lançamento de


anões, onde ganhava quem atirasse o anão mais longe em cima de um colchão. A
Prefeitura interditou o bar alegando que violava a dignidade da pessoa humana.

O próprio anão Sr. Wackenheim questionou a interdição argumentando o direito ao


trabalho e à livre iniciativa para ganhar a vida.

Em outubro 1995, o Conselho de Estado francês, decidiu, em grau de recurso, que o


poder público municipal podia sim interditar o estabelecimento comercial que
explorasse o lançamento de anão, pois aquele espetáculo realmente era atentatório à
dignidade da pessoa humana

O Sr. Wackenheim, ainda inconformado, recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da


ONU, alegando que a decisão seria discriminatória e violava o seu direito ao trabalho.

Em setembro de 2002, o Comitê de Direitos Humanos da ONU confirmou a decisão do


Conselho de Estado francês, reconhecendo que o lançamento de anão violaria a
dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido.
5. Caso Maria da Penha

Em 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, sofreu dois atentados


contra sua vida dentro de sua casa, pelo seu próprio marido, Marco Antonio Heredia
Viveiros, colombiano naturalizado brasileiro, economista e professor universitário. Na
primeira tentativa ele atirou contra suas costas enquanto ela dormia, causando-lhe
paraplegia irreversível. Na segunda, tentou eletrocutá-la no banho.

Apesar de ter sido condenado pelo Tribunal do Júri duas vezes, como não havia uma
decisão definitiva no processo, depois de 15 anos o agressor permanecia em liberdade.

Diante disso, Maria da Penha, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o 


Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher enviaram o
caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos.

Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado


brasileiro por omissão, negligência e tolerância, tendo violado alguns artigos da
Convenção Americana de Direitos Humanos. 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos a Comissão considerou


“que houve atraso injustificado na tramitação da denúncia, atraso que
se agrava pelo fato de que pode acarretar a prescrição do delito e, por
conseguinte, a impunidade definitiva do perpetrador e a
impossibilidade de ressarcimento da vítima (…)”

O agressor foi preso, em outubro de 2002, quase vinte anos após o crime, poucos
meses antes da prescrição da pena.

Em 2006, o Brasil adotou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) que cria mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
6. Caso Damião Ximenes Lopes:

Primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos quando em outubro de 1999 sua mãe, Albertina
Viana Lopes, o internou única clínica psiquiátrica de Sobral, no Ceará por apresentar um
intenso quadro de sofrimento mental.

A clínica, chamada Casa de Repouso Guararapes, era credenciada ao Sistema Único de


Saúde (SUS).

Quatro dias depois, sua mãe foi visitá-lo e o porteiro da Casa de Repouso não quis deixá-
la entrar. Contudo, apesar do impedimento colocado pelo funcionário, ela conseguiu
adentrar na instituição e imediatamente começou a chamar por Damião. Eis o relato dos
fatos:

Ele [Damião] veio até ela [mãe] caindo e com as mãos amarradas atrás,
sangrando pelo nariz, com a cabeça toda inchada e com os olhos quase
fechados, vindo a cair a seus pés, todo sujo, machucado e com cheiro de
excrementos e urina. Que ele caiu a seus pés dizendo: polícia, polícia, polícia, e
que ela não sabia o que fazer e que pedia que o desamarrassem. Que ele
estava cheio de manchas roxas pelo corpo e com a cabeça tão inchada que
nem parecia ele.

(COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2004, p. 599).

Diante disso, a mãe procurou ajuda entre os profissionais para que ajudassem seu filho.
Desse modo, auxiliares de enfermagem deram um banho em Damião, enquanto ela
conversava com o único médico que estava na instituição.

Sem realizar nenhum tipo de exame, ele receitou alguns remédios a Damião e se retirou
da Casa de Repouso. A mãe deixou a instituição consternada e algumas horas depois, foi
informada que seu filho havia morrido.

A família pediu que fosse realizada uma necropsia e trasladaram o corpo de


Damião para o Instituto Médico Legal Dr. Walter Porto, onde a necropsia foi
feita pelo mesmo médico da Casa de Repouso que concluiu por “morte real de
causa indeterminada” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, 2006, p. 33 ).

No entanto, o relatório do exame identificou sinais e marcas no corpo de Damião que


sinalizaram para a prática de tortura:

Damião foi sujeito à contenção física, amarrado com as mãos para trás e a
necropsia revelou que seu corpo sofreu diversos golpes, apresentando
escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, parte anterior dos
joelhos e do pé esquerdo, equimoses localizadas na região do olho esquerdo,
ombro homolateral e punho. No dia de sua morte, o médico da Casa de
Repouso, sem fazer exames físicos em Damião, receitou-lhe alguns remédios e,
em seguida, se retirou do hospital, que ficou sem nenhum médico. Duas horas
depois, Damião morreu. (RAMOS, 2006, p. 1)
A família de Damião ajuizou ação criminal e ação civil indenizatória contra o proprietário
da clínica psiquiátrica, e também peticionou contra o Estado brasileiro perante a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), através da irmã de Damião, Irene
Ximenes Lopes. Posteriormente, uma organização não-governamental brasileira que
realiza ações para denunciar violações de direitos humanos, chamada Justiça Global,
entrou no caso como copeticionária.

Ainda em 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu a


petição com as denúncias relacionadas a Damião. Em 2000, novas comunicações da
família de Damião foram recebidas pela Corte e um novo prazo foi dado ao Brasil para
que se manifestasse perante as denúncias, contudo, o Estado brasileiro seguiu sem
apresentar nenhum comunicado.

A CIDH deu a última possibilidade de resposta ao Estado brasileiro, após a qual passaria
a considerar os fatos apresentados serão considerados verdadeiros.

No ano de 2002, o Brasil ainda não havia manifestado. A CIDH, no ano de 2003, concluiu
que, no caso de Damião, o Estado brasileiro foi responsável:

Pela violação ao direito à integridade pessoal, à vida, à proteção judicial e às


garantias judiciais consagradas nos artigos 5, 4, 25 e 8 respectivamente, da
Convenção Americana, devido à hospitalização de Damião Ximenes Lopes em
condições inumanas e degradantes, às violações de sua integridade pessoal, a
seu assassinato; e às violações da obrigação de investigar, o direito a um
recurso efetivo. A Comissão concluiu que o Brasil violou seu dever de respeitar
e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana a que se refere o
artigo 1(1) de dito tratado. (CIDH, 2004, p. 587).

A CIDH recomendou que o Estado brasileiro fizesse:

uma investigação completa imparcial e efetiva dos fatos relacionados com a


morte de Damião Ximenes Lopes e reparasse adequadamente seus familiares
pelas violações (...) incluído o pagamento de uma indenização” ( Comisión
Interamericana de Derechos Humanos , 2004, p. 587).

O Brasil cumpriu parcialmente essas recomendações e a Comissão encaminhou o caso à


Corte Interamericana.

A CIDH solicitou que a Corte decidisse se o Estado brasileiro era responsável pela
violação dos direitos consagrados nos artigos 4 (direito à vida); 5 (direito à integridade
pessoal); 8 (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção
Americana, em prejuízo de Damião Ximenes, pelas condições inumanas e degradantes
de sua hospitalização, em um clínica psiquiátrica que operava dentro do marco
legislativo do SUS no Brasil.

Em 2006, a Corte condenou o Brasil pela primeira vez em um caso de mérito e


determinou que o Brasil pagasse uma indenização e outras medidas não pecuniárias à
família. Além disso determinou que investigasse e identificasse os culpados da morte
de Damião, em tempo razoável e promovesse programas de formação e capacitação
para profissionais de saúde, especialmente médicos/as psiquiatras, psicólogos/as,
enfermeiros/as e auxiliares de enfermagem, bem como para todas as pessoas vinculadas
ao campo da saúde mental.

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