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LER O MUNDO : UM OLHAR ATRAVÉS DA SEMIÓTICA SOCIAL

Maria Alice Andrade de Souza Descardeci

RESUMO: O presente artigo questiona os pressupostos com os quais a escola brasileira trabalha
o conceito de leitura, que impõe ao aluno a modalidade escrita como sendo a única, ou mais
relevante, forma de representação para composição de mensagens impressas. A leitura do mundo,
na concepção da escola atual, faz-se através da leitura do código escrito. Tal questionamento é feito
através da teoria da semiótica social (Kress e van Leeuwen, 1996). De acordo com essa teoria,
textos são construtos multi-modais; dos quais a escrita é apenas um dos modos de representação da
mensagem. Estes, por sua vez, são culturalmente determinados e constantemente redefinidos dentro
dos grupos sociais nos quais significam. Uma análise de impressos coletados em um ambiente de
trabalho é apresentada para demonstrar a multimodalidade das formas de representação, que deve
ser considerada quando do ensino da leitura da palavra, para uma leitura mais significativa do
mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Semiótica social

ABSTRACT: This paper questions today’s Brazilian schools’ theoretical approach to


reading, which imposes to pupils reading the written code as the only relevant form of
representation in texts. Reading the world, according to the schools’ conception, happens as
reading the written code does. The social semiotics theory (Kress and van Leeuwen, 1996)
is used in the article to argue against it. According to this theory, texts are multi-modal
constructs; and forms of representation are culturally determined and constantly re-defined
within the social groups where they have meaning. An analysis of printed materials
collected inside a workplace is presented to show the multimodality of forms of
representation defended by the theory in case. Multimodality has to be considered when
teaching reading the words that leads to reading the world.

KEYWORDS: Reading; Social semiotics

© ISSN: 1517-2539 – ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.19-26, jun. 2002. 19
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INTRODUÇÃO representações comunicam. Assim, antes


da escolarização, não só lemos o mundo,
como escrevemos o mundo, ainda que
Termos que usamos cotidianamente, dado não com a utilização do código
ao constante uso e amplo emprego que valorizado pela escola.
fazemos deles, perdem a essência de seus
Considerando-se, assim, o sentido amplo
significados. Leitura é um desses termos.
de leitura proposto por Paulo Freire,
Quando nos deparamos com a palavra
deve-se repensar o posicionamento
leitura, a relacionamos primeiramente à
teórico da escola sobre leitura e escrita. O
decodificação da forma escrita. Mas
aluno (criança, jovem ou adulto) traz para
decodificar não basta. Há que se
o ambiente escolar o conhecimento de um
interpretar o que se lê. Portanto, leitura,
mundo que ele já aprendeu a ler e
em um primeiro momento, vem a
significar decodificação e interpretação de escrever, a representar (no sentido de
uma mensagem representada pelo código Kress & van Leeuwen, 1996), ainda que
escrito. Nossa sociedade opera com esse sem conhecer o código escrito como
conceito de leitura, tanto a nível de senso forma de representação. Esse
comum, como institucional, incluindo-se conhecimento é complexo em sua
aí a escola. estrutura, sendo perfeitamente válido para
suas interações pessoais. Esse
No entanto, Paulo Freire nos diz que conhecimento não pode ser simplesmente
antes de lermos as palavras, já somos substituído por outro mais valorizado e
capazes de ler o mundo (Freire e Macedo, aceito por aqueles que lêem e escrevem o
1987). Que significado tem o termo mundo através da escrita.
leitura nesse contexto? "O mundo",
segundo essa afirmativa, é algo que não Kress (1997), em seu estudo sobre
está descrito em palavras. Leitura, nesse representações do mundo pela criança em
caso, não significa "decodificação e idade pré-escolar, observa que a criança
interpretação do código escrito". Por sabe representar suas idéias através de
extensão, pode-se questionar sobre a sinais gráficos que, ora simulam a escrita,
possibilidade de dizermos que antes de ora não, mas que a permitem interagir
escrevermos as palavras, já somos eficientemente com o mundo. Contudo,
capazes de escrevermos o mundo? na maioria das vezes, esses modos de
Acredito que sim. O fato é que, antes de representação são tidos pela escola como
tomarmos contato de maneira desenhos sem grande significado. Muito
sistematizada com o “ mundo da escrita”, rapidamente, esta tende a substituir essas
ou seja, antes de irmos para a escola, já formas de representação, que são
interagimos com representações do complexas em suas estruturas, e
mundo. Estas se nos apresentam através perfeitamente imbuídas de significado,
de imagens, cores, formatos; ou ainda pelo uso do código escrito, relegando-as a
através de gestos, sabores, cheiros e tatos. um segundo plano de importância. É
O chão, o papel, o tecido, as pessoas, e, como se essas não fossem relevantes para
mais modernamente, as mídias o processo de construção do
eletrônicas, como o computador, são os conhecimento do aluno; processo esse já
portadores das mensagens que essas iniciado antes mesmo da criança ir para a

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escola. LEITURA
Igualmente, o aluno (criança, jovem ou Kress e van Leeuwen (1996), dentre
adulto) traz para os bancos escolares outros, introduzem a noção de
habilidades maduras de se expressar multimodalidade das formas de
oralmente, nas quais a escola também representação que compõem uma
passa a interferir. Seus hábitos orais mensagem. Esses estudos, desenvolvidos
começam a ser “corrigidos”, e dentro da área da semiótica social,
substituídos pelo discurso valorizado na procuram englobar os diferentes modos
escola. Juntamente com o ensino de uma de representação impressa em um campo
“nova oralidade”, as expressões faciais e mais abrangente do que o até então
gestuais também são “re-educadas” no chamado de língua. Na teoria da
ambiente escolar. Assim, o repertório de semiótica social, a língua é entendida
representações que o aluno traz para a como parte de um contexto sociocultural,
escola é, na maioria das vezes, no qual cultura em si é entendida como
desprezado em face dos valores produto de um processo de construção
apregoados por esta. social. Sendo assim, nenhum código pode
ser completamente estudado em
Voltando à questão da leitura, e atendo-
isolamento. A língua – falada ou escrita –
me a ela neste artigo, proponho que
não pode ser entendida senão em conjunto
olhemos para esse conceito através do
com outros modos de representação que
prisma da semiótica social. Minha
participam da composição de uma
proposta é de que a escola passe a
mensagem. Com base nesta conceituação
trabalhar o conceito de leitura com uma
que proponho re-pensarmos o conceito de
visão mais ampla, considerando como
leitura neste texto.
fatores interferentes no processo de ler
outras formas de representação da Na semiótica social, sinais são
mensagem impressa. Preocupa-me o fato convenções sociais culturalmente
de que as crenças escolares sobre leitura, dependentes, e constantemente criados e
limitadas à leitura do código escrito, têm re-criados nas interações pessoais. A
subestimado o valor das outras formas de palavra escrita, enquanto originária de um
representação presentes na composição da sistema de sinais, é apenas parte da
mensagem escrita, sendo estas tão mensagem composta, quando atualizada
portadoras de significado quanto aquele. em um processo de comunicação.
Refiro-me, mais precisamente, a todos os Juntamente com ela, outros elementos,
recursos de composição e impressão do advindos de outros sistemas simbólicos,
texto, como: tipo de papel, ilustrações, compõem o corpo da mensagem como um
cores, diagramação da página, formato todo.
das letras, etc. A esse conjunto de Qualquer que seja o texto escrito, ele é
elementos, a semiótica social refere-se multi-modal, isto é, composto por mais de
como a multimodalidade das formas de um modo de representação. Em uma
representação. página, além do código escrito, outras
formas de representação como a
A MULTIMODALIDADE DAS diagramação da página (layout), a cor e a
FORMAS DE REPRESENTAÇÃO: qualidade do papel, o formato e a cor (ou
AMPLIANDO O CONCEITO DE cores) das letras, a formatação do

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parágrafo, etc., interferem na mensagem a variações entre a letra de imprensa e a


ser comunicada. Decorre desse postulado escrita manual.
teórico que nenhum sinal ou código pode
ser entendido ou estudado com sucesso
em isolamento, uma vez que se
complementam na composição da
mensagem. A opção pelo emprego de
umas formas de representação, em
detrimento de outras, deve ser entendida
em relação ao uso que se pretende fazer
delas em situações específicas de troca de
informações. Por isso, sinais e códigos,
dentre eles a língua escrita, estão em
contínua transformação através da
intervenção de seus usuários, que os
tratam como um recurso a ser empregado
de acordo com seus interesses e com
convenções partilhadas pelo grupo no
qual interagem, naquele momento
histórico específico.
A seguir, procederei à análise de alguns
impressos coletados em um local de
trabalho, orientada pelas concepções
Figura 1: Formulário de requisição de plantas.
teóricas da semiótica social. O objetivo
desta é mostrar como outras formas de
representação que participam da Este formulário é entregue pelo
composição de materiais impressos solicitante de plantas ao funcionário que
contribuem para a construção de cuida do viveiro de mudas da Prefeitura,
significados na mensagem como um todo. que o arquiva para posterior conferência
Através dessa análise, busco reafirmar pelo encarregado do setor. Embora o
minha proposta de que a escola re-pense o código escrito seja a forma de
ensino da leitura. Serão comentados representação predominantemente
formulários, tíquetes, jornais e folhetos utilizada na composição desse formulário,
coletados em uma Prefeitura do interior a demanda de leitura, por parte do
do estado de São Paulo, como parte dos funcionário, resume-se à frase na qual
dados que foram analisados para aparece especificado o tipo e a quantidade
elaboração de minha tese de doutorado de planta requeridos pelo solicitante
(Descardeci, 1997). (terceira linha do cabeçalho). Dados de
anotações de campo demonstram que na
FORMULÁRIOS E TÍQUETES
maioria das vezes essa informação é
O formulário apresentado na Figura 1, passada pelo solicitante via oralidade.
coletado no viveiro de plantas da Assim, na prática, não há demanda de
Prefeitura, é um texto predominantemente leitura do código escrito para o
composto pelo código escrito; com funcionário do viveiro que lida com esse

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formulário. O material portador da manhã a ser tomado no dia, e a última


mensagem, a folha de papel, funciona referente à reserva do café da manhã do
apenas como intermediador da interação, dia seguinte. A primeira parte é fixa ao
ou formalizador da operação. talão, as outras duas são destacáveis,
devendo ser entregues aos funcionários
Dadas as características dessa requisição,
do refeitório, quando é servido o café da
ela pode ser lida como uma representação
manhã.
visual, através da qual o funcionário tem
apenas que conferir se todas as linhas A diagramação desse tíquete apresenta
pontilhadas da folha estão preenchidas e sentenças curtas e o emblema da
se as pessoas competentes assinaram seus administração da época como formas de
nomes nos locais designados para tal. representação. O emblema consiste de um
Nota-se que para que esse formulário logotipo e de um slogan. Este encontra-se
cumpra sua função, a habilidade de lidar no centro das duas partes principais do
com representações gráficas é mais tíquete. O que difere essas duas partes são
importante do que a habilidade de leitura as frases que aparecem abaixo do slogan
do código escrito. A leitura, não da do emblema. Uma delas especifica a
palavra, mas da estrutura gráfica do validade do tíquete para o café da manhã
formulário (ou, ainda, de seu layout) do dia, enquanto a outra, a reserva para o
coloca-se como a demanda primeira para dia seguinte. O formato e o tamanho das
que o processo de comunicação entre letras que compõem cada uma dessas
solicitante e funcionário se complete frases é diferente, sendo esse um outro
satisfatoriamente. Caso um dos fator responsável pela particularização de
indivíduos (ou ambos) não saiba ler, ou cada parte. Esta estrutura repete-se em
leia com dificuldade, esse dado não será todos os tíquetes que compõem o bloco
obstáculo para que essa operação entregue aos usuários.
específica se complete a contento. Na prática, as demandas de leitura para
O tíquete do café da manhã (Fig. 2) é utilização desse tíquete são mínimas (ou
outro impresso que requer de seu usuário mesmo inexistentes). Esse material
menos leitura da palavra, e mais poderia ser utilizado como uma
habilidade de compreensão de combinação de duas fichas plásticas
representações gráficas. coloridas, uma vez que seu formato
padronizado possibilita aos seus usuários
compreenderem a dinâmica de
funcionamento desse impresso sem nem
mesmo serem solicitados a lerem as
palavras nele contidas. A diferenciação
das duas partes principais do tíquete
através do formato das letras é exemplo
Figura 2: Tíquete do café da manhã.
disso, pois a escrita nesse caso funciona
mais como recurso visual do que
propriamente como um texto a ser lido.
Esse tíquete divide-se em três partes, Em outras palavras, pessoas com
sendo uma retornável à administração dificuldades nas habilidades de leitura
(“canhoto”), outra referente ao café da podem aprender a usar o tíquete pelo seu
aspecto visual, através das formas de

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representação que o compõem, das quais de representação. O título, em primeiro


as palavras são apenas mais um elemento plano, sobrepõe-se a um desenho que
gráfico. pretende mostrar como é a “Nossa
Cidade”: um lugar calmo e pitoresco,
JORNAIS E FOLHETOS onde os moradores têm uma vida
Alguns jornais e folhetos, que circulam tranqüila. A tranqüilidade da vida é
naquela Prefeitura, são distribuídos retratada, inclusive, no formato das letras
também para toda a população da cidade. do título, que ainda representa
Os exemplares reproduzidos nesse artigo informalidade, ou, em outras palavras,
encaixam-se nessa característica. Eles são familiaridade entre os moradores.
escritos e publicados pela Prefeitura.
Serão analisados neste artigo a primeira Por ser um jornal produzido pela
página do jornal Nossa Cidade e o folheto Prefeitura, para divulgação das obras
A Semana. dessa administração, a cor vermelha
contrastando com a cor preta das palavras
que compõem os textos e com o preto e
JORNAL NOSSA CIDADE branco das fotografias tem uma única
função: a de indicar que um prefeito do
Na primeira página do jornal Nossa
Partido dos Trabalhadores governa a
Cidade (Fig. 3), o código escrito,
cidade. Até mesmo a cidade estilizada em
fotografias, desenhos e recursos de cor
segundo plano no título do jornal é
estão entre as formas de representação
delineada em cor vermelha.
que são utilizadas em sua composição.
Cada artigo destacado é composto por
Observando as fotografias dessa página, o
uma combinação de pelo menos três
leitor é informado de que a Prefeitura
dessas formas.
preocupa-se com educação, crianças
saudáveis e natureza. Embora estejam
acompanhadas de pequenos textos
escritos, essas fotografias, por si,
comunicam a mensagem intencionada
pelos editores do jornal: a escola é nova, e
traz uma nova proposta de ensino; as
crianças têm saúde e estão felizes; e a
praça é ampla e bem cuidada. Quando
muito, as demandas de leitura do código
escrito que recaem sobre o leitor dessas
imagens podem limitar-se a “ser capaz de
ler ‘rótulos’”, digamos, para o
conhecimento mínimo dos assuntos
abordados através delas. Em outras
palavras, a leitura das fotografias, somada
Figura 3: Jornal Nossa Cidade.
à de algumas palavras-chave, como
Começando pelo título do jornal, escola, praça e infância sadia, informa ao
percebemos que nossa leitura está repleta usuário sobre o conteúdo das principais
de indicativos dados por diferentes modos

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notícias, a serem tratadas nas páginas


internas.

Dois textos, que não chegam a ocupar um


terço da página toda, complementam as
informações já obtidas pelo leitor, através
da leitura das fotografias.

Concluindo essa breve análise, o grupo de


leitores de Nossa Cidade pode incluir
desde indivíduos altamente familiarizados
com o código escrito, até aqueles que
lêem precariamente algumas palavras, ou
mesmo os que não lêem o código. Na
realidade, acredito que esse jornal tenha
sido produzido para audiências pouco
familiarizadas com o código escrito, uma (a) frente (b) verso
vez que o lema da administração Figura 4: Folheto A Semana.
responsável pela publicação do jornal era
“Governo Popular”, ou seja, voltado para Uma combinação entre o código escrito,
as camadas populacionais nas quais o desenhos, representações numéricas e
nível de escolarização é baixo. Embora recursos de diagramação da página
essas pessoas não pudessem ler o código compõem esse folheto, que contém uma
escrito, poderiam perfeitamente obter estrutura padrão para todas as edições. A
informações através da leitura observação atenta dessas duas páginas
proporcionada pela utilização de outras leva-nos a perceber que o recurso de
formas de representação na composição diagramação está intrinsecamente ligado à
dos artigos. proposta de conteúdo do folheto, dada
pelo título “A Semana”. Pequenas
FOLHETO A SEMANA notícias, como dias da semana, seguem-se
ao longo das páginas. Informações
O folheto A Semana circula numéricas e uma seção denominada
semanalmente na Prefeitura, encontrando- “Agenda” remetem o leitor à noção de
se disponível nos balcões espalhados quantidade dos dias e das horas que
pelos corredores, para ser coletado tanto compõem uma semana. A noção que
por trabalhadores como por pessoas da temos ao olharmos esse folheto é de que
população que transitam pelo recinto. A estamos diante da programação de uma
Semana é um folheto do tamanho de uma semana. Para o leitor não muito habituado
folha A4 cortada verticalmente ao meio, à leitura da palavra, a diagramação das
sendo impressa na frente e no verso do páginas e os recursos ilustrativos,
papel (vide Fig. 4). somados os título “A Semana”, em si
comunicam significamente sobre o
conteúdo portado pos esse informativo.

O recurso de variação de cores e de


formatos de letras e números (negrito,

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itálico, tipos de letras e tamanhos) faz possível. Para tanto, faz-se necessário que
com que os olhos do leitor percorram sua composição, como um todo, facilite
rapidamente o folheto, como que para sua leitura, e atraia os mais diferentes
obterem rapidamente a informação leitores dentro da comunidade.
oferecida. Por outro lado, tais recursos
cumprem a tarefa, também, de deixar o
impresso mais atraente. CONCLUSÃO
As demandas para utilização bem
A característica de propiciar uma leitura sucedida dos impressos analisados neste
rápida do folheto reforça-se quando do artigo não se encerram nas habilidades de
uso dos recursos da escrita. A estrutura leitura do código escrito; muito pelo
sintática das sentenças nos textos contidos contrário. Como vimos, o reconhecimento
no folheto segue o modelo direto de visual de alguns deles (do tíquete, por
SUJEITO-VERBO-COMPLEMENTO. exemplo) leva à sua utilização, com
Tal aspecto leva a uma fácil compreensão sucesso, sem a necessidade primeira de se
da parte escrita, e a uma leitura mais conhecer o código escrito. Em outras
rápida. Observe os exemplos que se palavras, as demandas que o leitor
seguem, retirados do primeiro artigo da encontra para lidar com esses materiais
página de frente do folheto em análise: impressos incluem práticas mínimas de
Os artesãos de Cosmópolis terão mais uma oportinidade para
leitura e menores ainda de escrita. Desses
expor seus trabalhos. impressos, apenas o formulário
apresentado na Figura 1 requer o uso da
SUJ. V.
COMPLEMENTO
escrita, para preenchimento de algumas
lacunas. Nos demais, nenhuma demanda
de escrita é apresentada, ou seja, o leitor
A Divisão de Cultura está organizando uma feira de desses impressos não é levado a escrever
artesanato,
SUJ. VERBO COMPLEM. seja no material (preencher um cupom,
por exemplo), seja para o material
(contribuir com artigos, por exemplo).
que vai funcionar a partir do próximo semestre.
S. VERBO COMPLEM. Esses leitores são, assim, consumidores
de informação, uma vez que não estão
envolvidos na produção da informação
Ainda no que diz respeito ao modo de veiculada nesses impressos.
representação da escrita, nota-se que a
linguagem privilegiada na produção do Se compararmos empiricamente a
folheto aproxima-se do registro oral. O quantidade de pessoas envolvidas na
futuro feito através do composto “vai produção de impressos com aquela das
funcionar” é um exemplo a citar. pessoas que lêem os impressos, não
Acreditamos que, através desse recurso, precisaremos de muitas estatísticas para
os produtores desse impresso aproximam- perceber que a faixa daqueles que lêem é
se com maior sucesso dos leitores significativamente maior do que a dos que
almejados. Sendo um material de produzem o material para leitura. E não
circulação ampla no município, os poderia ser diferente. O que nos compete
recursos de linguagem devem ser tais que fazer, enquanto pessoas preocupadas com
atinjam a mais variada massa de leitores o conceito de leitura, é alertar para o fato
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de que, cada vez mais, pelas facilidades saber adquirir e transferir


tecnológicas que temos, nossas conhecimentos. Essas informações e esses
mensagens têm sido compostas com a conhecimentos são adquiridos,
utilização de um conjunto de modos de principalmente, através da leitura. Esse
representação. A escrita não pode mais homem moderno precisa aprender a ler,
figurar como a única portadora das portanto, de maneira ampla, para saber
informações de um texto. Isso deve ser processar, completamente, as informações
considerado quando do ensino da leitura com as quais tem contato em seu dia-a-
na escola. dia. Um conceito de leitura que
contemple a multimodalidade das formas
Quanto ao conceito de leitura, devemos de representação certamente estará mais
pensar em noções mais abrangentes, nas próximo do significado de leitura do
quais a capacidade de processar mundo, defendido por Paulo Freire.
informação transmitida por uma
combinação de formas de representação
seja considerada. Os pressupostos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
teóricos sobre leitura vigentes na escola
atual não permitem que se prepare o
educando para as demandas de DESCARDECI, M.A.A.S. Resources of
comunicação da sociedade moderna. A communication: a study of literacy
ruptura “fase do desenho X fase da demands in a Brazilian workplace. 1997.
escrita”, normalmente instaurada ainda 251f. Tese (Doutorado) - Institute of
nos quatro primeiros anos de Education, University of London,
escolarização, deve deixar de existir. Os London.
demais modos de representação que FREIRE, P. ; MACEDO, D. Literacy:
participam da composição da mensagem reading the word and the world. London:
devem deixar de figurar como “os Routledge & Kegan Paul, 1987.
demais”, uma vez que são igualmente
portadores de significado. Da mesma KRESS, G. Before writing: rethinking
forma, as imagens que compõem um the paths to literacy. London: Routledge,
texto devem deixar de ser meras 1997.
ilustrações; e os recursos de diagramação KRESS, G. ; VAN LEEUWEN, T.
da página e formatação de letras devem Reading Images: the grammar of visual
deixar de contar apenas como “aquilo que design. London: Routledge, 1996.
deixa o texto mais bonitinho”.
O papel da escola, enquanto formadora de
leitores, deve ser o de apresentar o código
escrito como mais uma forma de MARIA ALICE ANDRADE DE SOUZA DESCARDECI
representação do mundo. Embora Profa. Dra. Adjunto 1 - Universidade
altamente valorizada em sociedades Tuiuti do Paraná - Faculdade de Ciências Humanas,
Letras e Artes – Programa de Pós-Graduação em
letradas, a escrita figura, cada vez mais, Educação - Mestrado em Educação
como parte apenas do conteúdo de uma e-mail: maria.descardeci@utp.br /
mensagem. As demandas sociais impostas m.alice@netpar.com.br
ao homem moderno estão relacionadas a Telefone:(41) 267-5026
saber buscar e processar informações;

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