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O que é a morte?

O que é a morte? Essa é uma indagação que todos fazem, mas nem todos
sabem responder satisfatoriamente. O Novo Dicionário Aurélio registra o
seguinte no vocábulo “morte”: “1. Ato de morrer; o fim da vida animal ou
vegetal. 2. Termo, fim. 3. Destruição, ruína.”
A definição do dicionário é clara, mas as crenças de muitas religiões e filosofias
são diversas. Em seu livro Imortalidade ou Ressurreição?, o teólogo Samuele
Bacchiocchi afirma que, historicamente, há dois pontos de vista principais e
antagônicos sobre a natureza humana: o “dualismo clássico” e o “holismo
bíblico”.
A visão dualista afirma que a natureza humana é composta por um corpo
material e mortal mais uma alma imortal e espiritual. A alma imortal sobrevive à
morte do corpo e se reúne a ele na ressurreição. Essa concepção dualista teve
um impacto imenso no pensamento cristão, afetando a visão da vida humana,
do mundo presente, da redenção e do mundo por vir.
Por outro lado, pesquisadores e eruditos bíblicos têm examinado os textos da
Bíblia e concluído que a natureza humana não é dualista, e sim claramente
holística. Ou seja, não há contraste entre o corpo e a “alma”. Aliás, a alma não
é algo imaterial; ao contrário, designa a vitalidade ou princípio da vida humana.
Não existe uma “alma” que sai do corpo quando a pessoa morre. O que
acontece é a cessação da vida, quando o pó volta à terra, de onde veio, e o
espírito volta a Deus, que o deu (Ec 12:7).
Segundo Niels-Erik Andreasen, em seu artigo no Tratado de Teologia, o estudo
das palavras referentes à morte no Antigo Testamento aponta para uma
compreensão simples e única: “o completo término da vida, de suas
expressões e funções”. Isso pode ser verificado neste conhecido texto bíblico:
“Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa
nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no
esquecimento. Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não
têm eles parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol” (Ec 9:5, 6).
Andreasen acrescenta que, na terminologia do Novo Testamento, “a morte
também é caracterizada como o fim da vida, e como o inimigo de Deus e da
humanidade”. Os vocábulos para “morte” e “morrer” retratam “uma única
concepção da morte”: “o término de toda existência para todo o ser humano”.
De uma perspectiva funcional, a morte é o contrário da vida que Deus criou: o
que a vida é, a morte não é. E o que é a vida? A Bíblia responde: “Então,
formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o
fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2:7). A partir desse
texto, a vida humana pode ser esquematizada da seguinte forma: pó da terra +
fôlego da vida = ser vivente. A fórmula da vida, como se vê, depende de Deus.
Analisemos brevemente essa fórmula. O pó da terra indica que a substância
material da qual foi feita a humanidade (em hebraico ’adam) é a própria terra
(em hebraico ’damah). Nesse sentido, a humanidade é caracterizada como
sendo mortal e terrena, pois, como se originou do pó, não possui nenhuma vida
inerente, nenhuma vida própria e nenhuma vida imortal.
Fica evidente no relato de Gênesis 2:7 que o corpo formado a partir do pó da
terra não continha materiais ou componentes divinos, que lhe permitissem uma
vida independente. Uma vez formado o boneco Adão do pó da terra, Deus lhe
acrescentou a respiração, o que lhe deu vida/ânimo, às vezes chamada de
“espírito”.
Esse fôlego de vida, como ressalta Andreasen no Tratado de Teologia, não era
uma substância separada colocada no boneco sem vida. Foi o poder divino da
vida que transformou o pó em um ser vivo. Ou seja, o sopro de vida “não
representa uma segunda entidade, acrescentada ao corpo como se fosse um
ingrediente, capaz de existir separadamente”. Esse sopro foi “um poder
energizante procedente de Deus, que transformou o corpo terreno em um ser
vivo”.
Mortal x imortal
Por trás da crença na reencarnação está a ideia da imortalidade: porque o ser
humano não morre, reencarna em outra vida. Podem os cristãos, que
acreditam na Bíblia, dar crédito ao ensinamento da imortalidade humana?
Deixemos a própria Escritura responder a essa pergunta: o ser humano é como
a flor, que nasce e logo murcha; é uma sombra passageira (Jó 14:2); ele não
sabe o que lhe acontecerá amanhã, pois é como a neblina que aparece e logo
se dissipa (Tg 4:14); é como uma brisa passageira (Sl 78:39).
Na obra The Seventh-day Adventist Encyclopedia, editada por Don Neufeld, é-
nos dito que “as Escrituras em parte alguma descrevem a imortalidade como
uma qualidade ou estado que o homem ou mulher – ou sua ‘alma’ ou ‘espírito’
– possui inerentemente. Os termos normalmente traduzidos como ‘alma’ e
‘espírito’ […] ocorrem mais de 1.600 vezes na Bíblia, mas nunca em
associação com as palavras ‘imortal’ ou ‘imortalidade’”.
Por outro lado, Deus é apresentado como eterno e imortal: “Ao Rei eterno,
imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos” (1Tm
1:17). “O único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem
homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A Ele honra e poder eterno”
(1Tm 6:16).
Assim, na perspectiva bíblica, os seres humanos são limitados, mortais e
transitórios, enquanto Deus é infinito, imortal e eterno. Atribuir imortalidade ao
ser humano equivale a dizer que ele é divino, e isso contraria os ensinamentos
da Escritura.
O apóstolo Paulo afirma que tudo foi criado por Deus e para Deus (Cl 1:16). É
dele que toda criatura recebe o fôlego da vida; é por causa dele que “nos
movemos, e existimos” (At 17:25, 28). De modo que o ser humano foi criado
para viver eternamente, pois recebeu o sopro de vida de um Deus que é
eterno. Não faria sentido pensar que Deus nos cria para então morrermos.
Nesse sentido, deve ficar claro que, “quando Deus criou Adão e Eva,
concedeu-lhes liberdade de decisão – a capacidade de escolher”. O homem
“poderia obedecer ou deixar de fazê-lo, e a continuação de sua existência
dependeria de contínua obediência através do poder de Deus. Assim, a sua
posse do dom da imortalidade era condicional” (Nisto Cremos, p. 429, 430).
Por que morremos
O texto de Gênesis 2:17 é a primeira passagem bíblica que faz referência à
morte, numa advertência de Deus para que Adão e Eva não comessem da
árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela
comessem morreriam. Esse texto revela que a morte é consequência direta do
pecado (ou punição, como diriam alguns), aspecto confirmado pelo apóstolo
Paulo (Rm 5:12; 6:23) ao ligar a morte à narrativa sobre Adão.
Como resultado da desobediência, Adão recebeu logo a sentença que hoje faz
parte da realidade de todos os seres humanos: “Tu és pó e ao pó tornarás” (Gn
3:19). E o que nós temos que ver com a transgressão de Adão e Eva? Por que
nós, cidadãos do século 21, temos que morrer se não estávamos lá no Éden?
Acontece que somos descendentes deles e acabamos sendo impactados por
aquilo que eles fizeram, assim como nossos descendentes serão impactados
por aquilo que nós fizermos. Sendo que Adão e Eva perderam a imortalidade
condicional e não podiam transmitir para nós aquilo que eles próprios não
possuíam, “a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm
5:12).
Morte como sono
É interessante notar que em pelo menos duas ocasiões Jesus comparou a
morte ao sono. Em certa ocasião, Ele disse: “Nosso amigo Lázaro adormeceu,
mas vou para despertá-lo” (Jo 11:11). O próprio escritor bíblico esclarece que
Jesus “falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse
falado do repouso do sono” (v. 13).
De fato, o corpo já estava cheirando mal, pois fazia quatro dias que havia sido
sepultado (v. 39). Em outra circunstância, referindo-se a Talita, filha de Jairo,
chefe de uma sinagoga, Jesus disse: “Por que tanto choro e tanta confusão? A
menina não morreu; ela está dormindo” (Mc 5:39, NTLH). Qual foi a reação das
pessoas? Começaram a rir dele (v. 40), pois sabiam que menina estava morta
(v. 35).
Por que a insistência de Jesus em comparar a morte com o sono? O que Ele
está ensinando é que “a morte não é aniquilação completa; é apenas um
estado temporário de inconsciência enquanto a pessoa aguarda a ressurreição”
(Nisto Cremos, p. 431).
O médico Lucas e os apóstolos Paulo e Pedro também se referiram à morte
como um sono. Falando do mártir Estêvão, Lucas escreveu: “Então,
ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado!
Com estas palavras, adormeceu” (At 7:60). Paulo escreveu: “Nem todos
dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e
fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta” (1Co 15:51, 52). Pedro, por sua
vez, registra: “Nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios,
andando segundo as próprias paixões e dizendo: Onde está a promessa da
sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem
como desde o princípio da criação” (2Pe 3:3, 4).
Mas a metáfora do sono em relação à morte não é exclusiva do Novo
Testamento. No Antigo Testamento também temos exemplos dela. Em Jó
14:10-12 (NVI), lemos: “Mas o homem morre, e morto permanece; dá o último
suspiro e deixa de existir. Assim como a água do mar evapora e o leito do rio
perde as águas e seca, assim o homem se deita e não se levanta; até quando
os céus já não existirem, os homens não acordarão e não serão despertados
do seu sono.” O salmista afirma: “Atenta para mim, responde-me, Senhor,
Deus meu! Ilumina-me os olhos, para que eu não durma o sono da morte” (Sl
13:3). Daniel (12:2, NVI) registra: “Muitos dos que dormem no pó da terra
ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno.”
Quando a Bíblia compara a morte com o sono, apresenta suas características e
sua natureza (Nisto Cremos, p. 432):
• As pessoas que dormem estão inconscientes e nada sabem (Ec 9:5).
•No sono, não há qualquer tipo de plano (Sl 146:4).
•O sono impede atividades, trabalhos e qualquer manifestação emocional (Ec
9:6, 10).
•Durante o sono, não há como louvar a Deus (Sl 115:17).
•O sono pressupõe que a pessoa vai despertar (Jo 5:28, 29).
Onde estão os mortos
No imaginário popular é comum as pessoas pensarem que há um mundo dos
mortos. Era assim na mitologia grega, que influenciou fortemente a cultura
ocidental. Além disso, as pessoas falam no inferno com tal naturalidade que
parece realmente haver um lugar como esse. “A visão tradicional do inferno
tem dominado o pensamento cristão desde o tempo de Agostinho até o século
19”, afirma o Dr. Samuele Bacchiocchi no livro mencionado.
O teólogo ressalta ainda que a análise do uso da palavra sheol no Antigo
Testamento e de hades no Novo Testamento (normalmente traduzidas como
“inferno”) “mostra que ambos os termos denotam a sepultura ou o reino dos
mortos, e não o lugar de punição para os ímpios. Não há felicidade ou punição
imediatamente após a morte, mas um descanso inconsciente até a manhã da
ressurreição”.
Entretanto, se a Bíblia não fala em “inferno”, de onde vem a compreensão de
hades e sheol como lugar de tormento eterno? Bacchiocchi explica que “a
noção de hades como o lugar de tormento para os ímpios deriva da mitologia
grega, e não da Escritura. Na mitologia, hades era o submundo onde as almas
conscientes dos mortos eram divididas em duas regiões principais, sendo um
lugar de tormento e outro de bem-aventurança. Essa concepção grega de
hades influenciou alguns judeus durante o período intertestamentário a adotar
a crença de que imediatamente após a morte as almas dos justos prosseguiam
à felicidade celeste, enquanto as almas dos ímpios iam a um lugar de tormento,
no inferno”.
Certeza da ressurreição
Para encerrar, nada melhor que pensar no contraponto da morte: a
ressurreição. Crer na ressurreição não é uma “aposta cega”. Tem fundamento
e credibilidade a partir da experiência do Senhor Jesus Cristo. Conforme
mostra William Craig, autor de Em Guarda: Defenda a Fé Cristã com Razão e
Precisão, a síntese da coerência e credibilidade da ressurreição de Cristo é a
essência da ressurreição dos justos.
Os relatos de Marcos 15:37–16:7, Atos 13:28-31 e 1 Coríntios 15:3-5, por
exemplo, reafirmam os mesmos fatos: Cristo morreu, foi sepultado, ressuscitou
e apareceu. De acordo com Craig, o ensino bíblico sobre o assunto pode ser
resumido em três frases: (1) o sepulcro estava vazio, (2) Jesus apareceu após
sua morte, (3) a convicção dos discípulos era correta, pois eles não colocariam
sua vida em risco por uma mentira. Enfim, não precisamos ficar com dúvidas:
Cristo ressuscitou e, por seu poder, quem permanecer firme com Ele, ainda
que morra, viverá para sempre.
A pessoa que crê nas verdades ensinadas pela Bíblia sobre a natureza do ser
humano, o estado dele na morte, a ressurreição e a promessa da eternidade
não fica no escuro e tem uma esperança firme. A morte traz sofrimento e dor
para todos, mas o cristão não se desespera. Sua esperança está em Jesus, a
fonte da vida eterna.

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