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Francisco J B Veiga
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Unitermos:
No presente trabalho é feita breve revisão sobre ciclodextrinas e • Ciclodextrinas
seus derivados. Abordam-se aspectos relacionados à sua obtenção, • Lipossomas
estrutura e propriedades físico-químicas. São ainda focados • Nanopartículas
aspectos relacionados ao seu metabolismo e toxicidade e é posta • Micropartículas
ciclodextrinas naturais mais comuns apresentam seis, sete natureza apolar, devido à formação de um anel de grupos
ou oito unidades de D(+)-glicopiranose unidas por liga- C-H (C3), de um anel composto por átomos de oxigênio
ções α(1,4) e denominam-se α-, β- e γ-ciclodextrinas, res- glicosídicos e, também, de um outro anel de grupos C-H
pectivamente. Estas moléculas são conhecidas desde fi- do carbono C5, que contrasta com o exterior hidrofílico.
nais do século XIX, tendo sido primeiramente Os membros mais comuns da família das ciclo-
identificadas por Villiers, em 1891. Contudo, no início do dextrinas são os de seis, sete e oito unidades de glicose.
século XX, foi Frank Schardinger que caracterizou este Por razões estereoquímicas, membros com menor núme-
produto como sendo mistura de oligossacarídeos cíclicos, ro de unidades não se formam e ciclodextrinas com mais
tendo também descrito processos para a sua obtenção e de oito unidades de glicose não parecem apresentar grande
purificação, razão pela qual as ciclodextrinas também são interesse, apesar de existirem estudos sobre as proprieda-
conhecidas na literatura por dextrinas de Schardinger des físico-químicas e a capacidade em formar complexos
(Duchéne et al., 1984), além de outras denominações. de inclusão da δ-ciclodextrina, o homólogo com nove
unidades de glicose (Szejtli, 1994; Miyazawa et al., 1995).
A cavidade das ciclodextrinas pode acomodar mo-
Obtenção, estrutura e propriedades físico-químicas léculas, ou parte de moléculas, no seu interior, sem que
haja o estabelecimento de ligações covalentes entre as
A obtenção das ciclodextrinas naturais segue con- duas entidades. A este fenômeno denomina-se
junto de passos que pode ser assim esquematizado: complexação e pode ocorrer quer em solução, quer no
- cultivo do microrganismo produtor da CGTase, estado sólido.
- separação e purificação da enzima, Algumas propriedades físico-químicas das
- degradação enzimática do amido em mistura de ciclodextrinas encontram-se enumeradas na TABELA I.
dextrinas e
- separação, purificação e cristalização das Derivados das ciclodextrinas
ciclodextrinas.
As ciclodextrinas naturais apresentam algumas limi-
Dos numerosos microrganismos que produzem tações quer devido à sua baixa solubilidade aquosa e em
CGTase, as espécies mais usadas são o Bacillus macerans, solventes orgânicos, quer à toxicidade que apresentam
Bacillus circulans e também Klebsiella pneumoniae quando utilizadas em preparações parenterais. As carac-
(Sicard, Sainez, 1987). terísticas de inclusão das ciclodextrinas naturais podem
São moléculas cristalinas, homogêneas, não ser alteradas pela introdução de substituintes nas
higroscópicas que apresentam estrutura tronco-cônica hidroxilas disponíveis. A dimetil-β-ciclodextrina normal-
(FIGURA 1) e se caracterizam por possuirem cavidade de mente apresenta melhores características de inclusão, es-
pecialmente no que diz respeito à dimensão da cavidade
apolar, do que a β-ciclodextrina. O uso de derivados
lipofílicos (etilados ou acetilados) permite que moléculas
hidrofílicas possam ser incluídas na cavidade das
ciclodextrinas a partir de solventes menos polares do que
o interior da cavidade (Uekama, Otagiri, 1987). Se atender-
mos à ciclodextrina natural mais usada (β-ciclodextrina),
o elevado número de grupos hidroxila que possui (sete
primários e quatorze secundários) são potenciais pontos
de reação, que permitem produzir modificações estrutu-
rais funcionalizando o anel macrocíclico. Surge, assim,
grande variedade de estruturas adaptadas ao desenvolvi-
mento de novos sistemas terapêuticos (Duchêne,
Wouessidjewe, 1996; Hirayama, Uekama, 1999).
pois, de se estranhar que no que diz respeito à obtenção de hidroxietila, hidroxipropila, sacarídeos e por polime-
derivados seja sobre esta que incida a maior parte dos es- rização.
tudos disponíveis. Contudo, é comum seguir-se a via enzimática na
As alterações estruturais repercutem-se nas propri- produção de ciclodextrinas ramificadas, embora estas
edades físico-químicas das ciclodextrinas modificadas. possam, também, ser preparadas por síntese química.
Assim, estas apresentam diferentes valores de solubilida- A classificação habitualmente seguida (Uekama,
de e tensão superficial, que se encontram enumeradas na Irie, 1990) agrupa os derivados das ciclodextrinas em
TABELA II. hidrófilos, hidrófobos, hidrofílicos, hidrofóbicos e
A maior parte das alterações que ocorrem na estru- ionizáveis.
tura mãe tem lugar por síntese química. São reações de Há, no entanto, um subgrupo de derivados, perten-
substituição dos grupos hidroxila pelo grupo pretendido, cente ao grupo dos derivados hidrofóbicos, que tem mere-
recorrendo a estratégias de substituição regiosselectiva cido alguma atenção para a produção de novos sistemas
(Wouessidjewe et al., 1996) ou por reações de con- terapêuticos. Trata-se do subgrupo dos derivados anfifílicos
densação (ciclodextrinas hidroxialquiladas). Veiga das ciclodextrinas (FIGURA 2). Estes são sintetizados li-
(1996) referiu a obtenção dos derivados das gando cadeias alquílicas (via ligação eter, éster, amino ou
ciclodextrinas com grupos metila, etila, carboximetila, amida) às hidroxilas primárias de C6 - “medusa-like”- ou aos
4 R. Saltão, F. Veiga
ceito de medicamento tem evoluído no sentido de permi- ciclodextrina) e fármacos pouco solúveis (desidro-epi-
tir obter parâmetros farmacocinéticos adequados à ação androsterona, retinol e ácido retinóico), que incorporaram
pretendida, melhorando, assim, a eficácia do fármaco, em lipossomas multilamelares. Estudaram o efeito do
prolongando o seu efeito ou aumentando o seu índice plasma na estabilidade dos lipossomas, quando estes vei-
terapêutico. Os medicamentos clássicos não se encontram culavam soluções de complexos. Estes investigadores
adequados para atingir estes objetivos. Tanto as membra- concluíram que é na fase aquosa dos lipossomas que os
nas biológicas quanto as propriedades físico-químicas de complexos vão se acomodar, não interferindo com a esta-
alguns dos fármacos usados na terapêutica são barreiras bilidade das vesículas. Observaram, ainda, que durante o
que é necessário contornar. Assim, surge a necessidade de processo de incorporação dos complexos ocorria a libera-
se desenvolverem em novos sistemas de cedência de ção de alguma quantidade de fármaco do interior da
fármaco ao organismo (Bibby, Davies, Tucker, 2000). ciclodextrina. Este processo de dissociação do complexo
As ciclodextrinas são conhecidas por permitirem a estará provavelmente dependente da sua constante de es-
encapsulação molecular de fármacos com características tabilidade e deve-se à competição que ocorre com os
hidrofóbicas, alterando-lhes a solubilidade, aumentando a lipídios da vesícula. As melhores condições para a incor-
estabilidade e, em alguns casos, melhorando a biodis- poração dos complexos é quando os fosfolipídios que
ponibilidade. Contudo, a capacidade destes sistemas fun- constituem os lipossomas apresentam ponto de fusão ele-
cionarem como sistemas de vetorização de fármacos por vado, ou quando existe colesterol em quantidades
si só é inexistente (Duchêne, Ponchel, Wouessidjewe, equimolares em relação aos fosfolipídios. Isto permite que
1999; Duchêne, Wouessidjewe, Ponchel, 1999). as vesículas permaneçam mais rígidas, não deixando que
Atualmente, tem-se observado tendência para con- os seus constituintes entrem em competição com as molé-
jugar as potencialidades das ciclodextrinas com novos culas de fármaco. Se tal fato ocorre, as vesículas ficam
sistemas terapêuticos, como lipossomas, nanopartículas e mais permeáveis e mais fluidas, liberando o fármaco para
micropartículas, na tentativa de resolver as limitações a superfície ou próximo da camada superficial, onde ten-
apresentadas por cada um deles. derá a associar-se com as proteínas plasmáticas
(McCormack, Gregoriadis, 1998).
Lipossomas Os mesmos autores referem que é possível alterar a
farmacocinética de moléculas pouco solúveis por meio do
Os lipossomas são, entre os novos sistemas uso deste novo sistema de transporte (complexos de inclu-
terapêuticos, aqueles que têm sido mais investigados para são em lipossomas), tirando partido da capacidade de au-
promover a vetorização de fármacos. Trata-se de vesículas mentar a solubilidade de fármacos mediante complexação
artificiais, constituídas por fosfolipídios e colesterol, que com ciclodextrinas e diminuir a perda de fármaco pela
podem veicular substâncias hidrofílicas ou hidrofóbicas. urina, devido à dissociação precoce do complexo, conse-
Apresentam boas características de biocompatibilidade, guindo aumentar a incorporação do fármaco pelos tecidos.
na medida em que os seus constituintes são, ou podem ser, No decorrer dos trabalhos, observaram que os lipossomas
os constituintes lipídicos das biomembranas. Os eram recolhidos pelo sistema reticuloendotelial (principal-
lipossomas podem ser produzidos com um largo interva- mente fígado e baço) e, ao contrário do que acontecia com
lo de tamanho (Zeng, Martin, Marriot, 1995) e podem ser os complexos binários de fármaco-ciclodextrina quando
vetorizados para diferentes órgãos ou tecidos por meio da colocados na circulação sanguínea, a dissociação não
ligação de moléculas apropriadas na camada externa da ocorria de forma tão rápida, provando assim a alteração da
membrana dos lipossomas (Gregoriadis, 1988). farmacocinética.
Apesar de ser possível incorporar fármacos Um outro campo que tem sido explorado ainda nesta
hidrofóbicos nos lipossomas, o êxito desta operação está área é o da estabilização de fármacos por meio da forma-
dependente da razão que existe entre a massa de fármaco ção de complexos de inclusão (Loftsson, Brewester,
e a massa de lipídio e das características do próprio 1996). Em passado recente, um grupo de investigadores
fármaco, uma vez que este tipo de moléculas vai se aco- procurou, com êxito, promover a estabilização de
modar na bicamada lipídica, que constitui a estrutura do fármacos fotossensíveis e sensíveis à oxidação foto-
lipossoma, podendo destabilizar toda a vesícula química, como a riboflavina e o ascorbato de sódio. Esta
(McCormack, Gregoriadis, 1994). Para comprovar este foi realizada por meio da incorporação de complexos de
problema McCormacK e Gregoriadis (1994) formaram inclusão com ciclodextrinas em lipossomas multi-
complexos de inclusão entre ciclodextrinas lamelares, que continham substâncias com capacidade de
(hidroxipropil–β-ciclodextrina e polímeros de β- absorver a luz, como por exemplo a oxibenzona e a
Ciclodextrinas em novos sistemas terapêuticos 7
desoxibenzona, ou antioxidantes como o β-caroteno materiais, como misturas de triglicerídios de ácidos graxos
(Loukas, Jayasekera, Gregoriadis, 1995). saturados ou benzoato de benzila.
Conscientes das possibilidades desta nova aborda- As nanocápsulas apresentam como grande vanta-
gem, estes investigadores resolveram aplicar este sistema gem a capacidade de veicular fármacos hidrofóbicos no
à estabilização de fármacos sensíveis à hidrólise. Grande seu núcleo oleoso.
parte dos fármacos, quando em solução aquosa, encon- Numa nova abordagem a estes sistemas, um grupo
tram-se sujeitos a alterações na sua estrutura química, que de investigadores aplicou outros materiais na produção de
podem levar à diminuição, ou até à perda total da sua ati- nanocápsulas. Skiba et al. (1996c) usaram ciclodextrinas
vidade farmacológica. Mas não é só. A degradação pode para a produção da parede das nanocápsulas. A
levar à formação de novas entidades químicas tóxicas para ciclodextrina usada foi a β-ciclodextrina, mas foi quimi-
o organismo. Em estudo desenvolvido em 1998 (Loukas, camente modificada de forma a apresentar propriedades
Vraka, Gregoriadis, 1998), foi possível estabilizar a anfifílicas. As hidroxilas secundárias foram esterificadas
indometacina 75 vezes mediante complexação da molécu- com cadeias acílicas de 6, 12 ou 14 átomos de carbono
la com hidroxipropil-β-ciclodextrina e sua incorporação (Zhang et al., 1991). Foi estudada a influência do deriva-
em lipossomas multilamelares. Já em 1996, Loftson e do da β-ciclodextrina usado e da natureza da fase oleosa,
Brewster afirmavam que a complexação da indometacina bem como o efeito dos tensoativos e a capacidade de in-
com a hidroxipropil-β-ciclodextrina incrementava a esta- corporar fármacos, de natureza oleosa. O método proposto
bilidade do antiinflamatório 6 vezes, quando comparada apresenta-se simples e é vantajoso para a estabilidade dos
com a molécula em solução tampão de pH alcalino. O fármacos, podendo ser facilmente transposto de escala. É
recurso a lipossomas multilamelares vem, assim, possível encapsular grande quantidade de fármacos
potenciar a capacidade de estabilizar fármacos lábeis. lipófilos.
Nanopartículas Nanosferas
também produzidas nanosferas com derivados alquilados progesterona em nanosferas convencionais, conseguiram
de β-ciclodextrina. Os resultados obtidos revelam que apenas uma taxa de incorporação de 0,08% (p/p) e quan-
quanto maior o comprimento da cadeia alquílica menor do colocaram o complexo hidroxipropil-β-ciclodextrina/
será o tamanho da partícula e maior a quantidade de progesterona no meio de polimerização, a incorporação de
fármaco associado à nanosfera. Assim, usando cadeias progesterona subiu 50 vezes para valores da ordem dos
alquílicas longas é possível aumentar a incorporação de 4,5% (p/p).
itraconazol em nanosferas. A polimerização aniônica de cianoacrilatos de
Lemos-Sena et al. (1998b), consideram as nanos- alquila em meio aquoso requer a presença de estabili-
feras anfifílicas um sistema muito vantajoso: apresenta zadores estéricos, como o dextrano ou poloxâmeros, e a
características de biocompatibilidade e biodegradabi- sua influência nas características das nanopartículas for-
lidade dada a natureza dos materiais que o compõem e madas foi estudada por Lourenço e colaboradores (1996).
reconhecem-lhe capacidade de acomodar fármacos Monza da Silveira e colaboradores (1996) demonstraram,
hidrofílicos e hidrofóbicos. Devido à estrutura anfifílica também, que a hidroxipropil-β-ciclodextrina neste tipo de
destas ciclodextrinas há várias possibilidades de acomo- meio de polimerização, em concentrações adequadas,
dar o fármaco nas nanosferas: adsorvido à superfície da pode ser usada com esse fim, sendo também determinante
partícula, incorporado na matriz, ou, ainda, tirando parti- para o tamanho das partículas obtidas e para a carga super-
do da capacidade das ciclodextrinas de formar complexos ficial que apresentam. A localização da ciclodextrina nas
de inclusão. Nos seus trabalhos, foram preparadas nanopartículas pode ocorrer em vários locais: adsorvida à
nanosferas segundo o método da nanoprecipitação (Fessi superfície, ligada às cadeias do polímero, aprisionada na
et al., 1992) e avaliou-se a capacidade de incorporação de matriz ou, ainda, formando complexos de inclusão com as
um fármaco modelo (a progesterona) e as suas caracterís- cadeias de poli-(isobutilcianoacrilato). Em estudos poste-
ticas de associação. Concluíram que a progesterona se riores concluíram que o tamanho das partículas é mais
encontra associada molecularmente à superfície das influenciado pelo tensoativo (hidroxipropil-β-
nanosferas. Observaram que a liberação do fármaco ocor- ciclodextrina) do que pelo fármaco incorporado (Monza
ria de forma rápida e dependia da sua solubilidade no da Silveira, Duchêne, Ponchel, 2000). A incorporação da
meio, estando em jogo apenas um fenômeno de partição. ciclodextrina nas nanopartículas permite aumentar a quan-
Este perfil de liberação apenas tem interesse quando se tidade de fármaco na estrutura. A incorporação depende
pretende aumentar a biodisponibilidade do fármaco. Para da concentração de fármaco no meio e também do coefi-
conseguir a encapsulação do fármaco na matriz, este gru- ciente de partilha do fármaco entre o polímero e o meio de
po recorreu ao método da emulsificação e evaporação do polimerização. Neste trabalho os autores propõem um
solvente, método usado de forma comum para a prepara- mecanismo geral para a incorporação do fármaco: o com-
ção de microsferas biodegradáveis (Lemos-Sena et al., plexo fármaco/ciclodextrina contido no meio de
1998a). Este processo é complexo e as características fi- polimerização é parte de um equilíbrio dinâmico entre o
nais das nanosferas são afetadas por alguns parâmetros, complexo e as espécies dissociadas. Quando a poli-
como o tipo de solvente orgânico ou a mistura de merização ocorre, o equilíbrio é deslocado no sentido da
solventes, as interações entre solvente/polímero, a nature- dissociação. Depois, atendendo ao coeficiente de partição,
za dos agentes emulsificantes e a velocidade de evapora- o fármaco em solução migra para a rede polimérica. Con-
ção do solvente. Os resultados obtidos sugerem que a siderando-se que o fármaco e o polímero são de natureza
maior parte do fármaco se associa à superfície das partí- hidrofóbica, o complexo fármaco/ciclodextrina compor-
culas, mas a incorporação do mesmo na matriz das tα-se como reservatório solúvel, que alimenta o processo
nanosferas também ocorre quando se usa este método de de formação das nanopartículas. Não excluem, também, a
preparação. possibilidade de o complexo ser, ele mesmo, incorporado
Uma vez que a capacidade de incorporação de nas nanopartículas, mas atendendo à hidrofilicidade des-
fármacos em nanosferas é muito limitada tem-se recorri- sa estrutura, não é provável que isso ocorra.
do às ciclodextrinas para aumentar a quantidade de
fármaco a incorporar. Monza da Silveira e colaboradores Nanopartículas de lipídios sólidos
(1998), usando também a progesterona como fármaco
modelo, tiraram partido da formação de complexos de Até aqui abordaram-se, apenas, a utilização de
inclusão com a hidroxipropil-β-ciclodextrina para aumen- ciclodextrinas na produção e a otimização de nanosferas
tar a quantidade de fármaco a veicular em nanopartículas de natureza polimérica. Contudo, um novo tipo de
de poli-(isobutilcianoacrilato). Quando incorporaram a nanopartículas tem sido investigado nos últimos anos.
Ciclodextrinas em novos sistemas terapêuticos 9
Trata-se de nanopartículas de lipídios sólidos, vulgarmen- hidrofilicidade relativa dos fármacos revela-se importante.
te designadas pela sigla de origem anglo-saxônica SLN, No caso da hidrocortisona, a liberação é mais rápida.
que apresentam capacidade de transportar moléculas Este estudo demonstrou ser possível aumentar a ca-
hidrofílicas ou lipofílicas (Müller, Mäder, Gohla, 2000). pacidade de incorporação de fármacos em nanosferas de
Cavalli e colaboradores (1999) estudaram a incorporação lipídios sólidos por meio da complexação com
em SLN de complexos de hidrocortisona e progesterona ciclodextrinas, particularmente daqueles que são menos
com β-ciclodextrinas e a forma como isso fazia variar a lipofílicos.
cinética de liberação dos fármacos. Avaliaram o diâmetro Abre-se, assim, mais uma porta para modelar a
médio das partículas produzidas com fármaco livre e cinética de liberação de fármacos, recorrendo ao uso de
complexado, observando apenas ligeiro aumento no tama- ciclodextrinas. Incorporando fármacos em SLN, que se
nho das partículas. Os estudos demonstraram que os dois encontrem na forma livre ou complexados, e balanceando
fármacos se encontram incorporados num estado amorfo, as proporções entre essas formas é possível modelar a li-
o que, segundo os autores, pode estar relacionado com o beração dos princípios ativos a partir de nanosferas de
método de preparação das nanopartículas, que conduz à lipídios sólidos.
dispersão das moléculas de fármaco na matriz lipídica. A
formação de complexos de inclusão favorece a incorpora- Micropartículas
ção da hidrocortisona, molécula mais hidrofílica do que a
progesterona. Com efeito, a quantidade de progesterona À semelhança do que foi descrito anteriormente,
incorporada na forma de complexo é muito similar à quan- como micropartículas agrupam-se as microcápsulas e as
tidade incorporada com o fármaco na forma livre, o que se microsferas. Estes sistemas são pequenas esferas ou cáp-
encontra relacionado com o coeficiente de partição da sulas com tamanho da ordem das centenas micrômetros
progesterona entre o meio que constitui a fase oleosa da (Puisieux et al., 1985). Pelas suas propriedades, as
partícula e o meio externo aquoso. micropartículas são muito usadas na terapia antitumoral
No que diz respeito à liberação dos fármacos, os com- (Utsuki et al., 1996; Sinisterra et al., 1999). Quando se
plexos permitem diminuir a velocidade com que ocorre a associam ciclodextrinas às micropartículas, consegue-se
cedência, quando se compara com as velocidades obtidas aumentar a eficiência de encapsulação, assim como o tem-
com os fármacos livres (FIGURAS 4 e 5). Também aqui, a po de circulação do fármaco no organismo.
FIGURA 4 – Percentagem de liberação de hidrocortisona (HC) vs tempo. (esquerda) Complexo com β-ciclodextrina;
(direita) complexo com hidroxipropil-β-ciclodextrina. ♦, hidrocortisona em solução; x, complexo de HC com β-CD;
, 1SLN M contendo HC livre; *, 2SLN A contendo HC livre; +, SLN M contendo HC complexada; ◊, SLN A contendo
HC complexada. (Adaptado de Cavalli et al., 1999).
1
SLN M – nanopartículas de lipídios sólidos com fase interna constituída por uma mistura de Imwitor 900: ácido esteárico
(20:80, w/w).
2
SLN A – nanopartículas de lipídios sólidos com fase interna constituída por ácido esteárico (0,7 mmol).
10 R. Saltão, F. Veiga
FIGURA 5 – Percentagem de liberação de progesterona (P) vs tempo. (esquerda) complexo com β-ciclodextrina; (direita)
complexo com hidroxipropil-β-ciclodextrina. x, complexo de P com β-CD;
, SLN M contendo P livre; *, SLN A contendo
P livre; +, SLN M contendo P complexada; ◊, SLN A contendo P complexada. (Adaptado de Cavalli et al., 1999).
1
SLN M – nanopartículas de lipídios sólidos com fase interna constituída por uma mistura de Imwitor 900: ácido esteárico
(20:80, w/w).
2
SLN A – nanopartículas de lipídios sólidos com fase interna constituída por ácido esteárico (0,7 mmol).
prepara o complexo com a hidroxipropil-α-ciclodextrina. ca dos dois componentes. As microsferas foram obtidas
Mais significativos do que os resultados dos estudos in por “spray-drying”, assim como o complexo. Este méto-
vitro são os obtidos in vivo em células cancerosas de cé- do é considerado simples, reprodutível e os autores assu-
rebro de rato. mem ser fácil a sua transposição de escala. Observaram-
O tratamento seguindo esta estratégia permite au- se bons níveis de encapsulação para todas as formulações.
mentar o tempo médio de vida em 109%. Contudo, o uso da ciclodextrina fazia baixar os níveis de
fármaco incorporado, o que foi atribuído à razão elevada
Microsferas de hidroxipropil-β-ciclodextrina/quitosana. A distribuição
de tamanhos das partículas segue padrão logarítmico-nor-
Outro sistema microparticular usado no desenvolvi- mal, com cerca de 70% das microsferas apresentando di-
mento de medicamentos de liberação controlada são as âmetro no intervalo de 1 a 3 mm, não sendo afetado de
microsferas. Estes sistemas podem ser produzidos a par- forma significativa pela forma como a substância é incor-
tir de diferentes materiais como a quitosana ou os porada. Foi usada a calorimetria exploratória diferencial
polímeros acrílicos. Filipovic-Grcic et al. (1996) vêm e a difração de raios X na elucidação da estrutura física das
desenvolvendo estudos nestes sistemas usando a microsferas. O estudo dos perfis de liberação revelou que
quitosana – um polissacarídio catiônico derivado por a liberação do fármaco ocorre de maneira mais rápida
desacetilação da quitina, que é hidrofílica, biocompatível quando a razão polímero/fármaco aumenta. No entanto, o
e biodegradável, apresentando, também, baixa toxicidade. perfil mais favorável é o obtido com o fármaco
O objetivo desse trabalho era aumentar a solubilidade do complexado (FIGURA 7). A liberação processa-se de
nifedipino, complexando-o com a hidroxipropil-β- forma controlada: 30 % nas primeiras duas horas e cerca
ciclodextrina, e conseguir formulação de liberação contro- de 50% ao fim de cinco horas.
lada por meio da microencapsulação. Para a produção das
esferas empregaram método que tem lugar em suspensão
e usaram como agente de reticulação o glutaraldeído.
Foram identificadas variáveis de produção e de formula-
ção que apresentaram impacto nas características finais
das esferas. Desde logo, o método de preparação afeta a
eficiência de encapsulação. O fato de se usar o complexo,
mais solúvel, ou o fármaco, de natureza mais lipofílica,
leva a diferentes graus de encapsulação. O tamanho das
partículas depende do método de preparação, sendo as
menores, com cerca de 10 mm, obtidas quando se veicu-
la o glutaraldeído em solução clorofórmica. Depende,
também, da velocidade de agitação, do grau de
reticulação, da quantidade inicial e do tipo de substância
incorporada. A liberação do fármaco é retardada quando
se usa o complexo incorporado nas microsferas. Os auto-
res supõem que o mecanismo de liberação envolve, pri- FIGURA 7 – Perfis de liberação de hidrocortisona (HC) a
meiramente, a dissociação do complexo com a saída do partir de microsferas de quitosana em PBS pH 7,4 a
nifedipino da cavidade da ciclodextrina, seguido da 37 °C. HC isolada ({), microsferas com o complexo HC-
passagem para fora das microsferas. Esta passagem é con- hidroxipropil β-ciclodextrina () e a mistura física entre
trolada pela permeabilidade da matriz e é possível que a HC e hidroxipropil β-ciclodextrina (Δ) (Adaptado de
formação de matriz do tipo ciclodextrina/quitosana, de na- Filipovic-Grcic et al., 2000).
tureza mais hidrofílica do que a quitosana, retarde a libe-
ração do fármaco lipofílico. A liberação é também afeta- Bibby e colaboradores (Bibby, Davies, Tucker,
da pelo grau de reticulação. 1998a; Bibby, Davies, Tucker, 1999a; Bibby, Davies,
Mais recentemente, Filipovic-Grcic e colaboradores Tucker, 1999b) trabalharam com polímeros de ácido
(2000) desenvolveram um sistema microparticular para poliacrílico conhecido por apresentar características
veicular acetato de hidrocortisona. Usaram matrizes de mucoadesivas, permitindo maior tempo de retenção da
quitosana, nas quais incorporaram o fármaco, o seu com- forma farmacêutica no local de administração. Tal fato
plexo com hidroxipropil-β-ciclodextrina ou mistura físi- contribui claramente extensa absorção do princípio ativo
12 R. Saltão, F. Veiga
para mais. Um problema dos sistemas que usam este e os grupos carboxílicas do polímero, levando à formação
polímero é a liberação rápida de fármaco que ocorre ini- de ésteres. Os estudos de liberação da β-ciclodextrina re-
cialmente. Para resolvê-lo, produziram microsferas de velam que ocorre um “burst” inicial, rápido, com libera-
ácido poliacrílico com β-ciclodextrina, com base em mé- ção incompleta da ciclodextrina, que os investigadores
todo de emulsificação água em óleo, com evaporação do atribuem à cedência do oligossacarídio não ligado para o
solvente, o que facilita a reação de condensação entre a meio. O fato de esta liberação ser incompleta pressupõe
β-ciclodextrina e o ácido poliacrílico (FIGURA 8). que ocorre a formação de ligações covalentes entre o
polímero e a β-ciclodextrina. Com o intuito de esclarecer
a natureza desta ligação, foram feitos estudos de RMN de
13
C. As conclusões tiradas apontam para a formação de
dois tipos de produtos: o resultante da esterificação entre
a β-ciclodextrina e o polímero e aquele que resulta da for-
mação de anidridos no próprio polímero e com a β-
ciclodextrina (Bibby, Davies, Tucker, 1999a).
O desenvolvimento deste sistema foi encarado com
a perspectiva de ser usado na administração ocular ou
nasal de fármacos. Assim, de acordo com os conhecimen-
tos colhidos nos trabalhos anteriores, foram produzidas
esferas de tamanho compreendido entre os 15 e os 25 mm,
com o intuito de investigar o potencial da β-ciclodextrina
como agente controlador da liberação de fármacos. Os
FIGURA 8 – SEM das microsferas referidas obtida após a
modelos usados foram a fenolftaleína e a rodamina B,
síntese (Adaptado de Bibby et al., 1998).
fármacos caracterizados por diferentes solubilidades e por
Procuraram elucidar o papel de três variáveis de possuírem diferentes constantes de associação com a β-
produção – velocidade de homogeneização, volume das ciclodextrina. A incorporação dos fármacos foi feita, com
fases aquosa e oleosa e o nível da razão β-ciclodextrina/ sucesso, colocando soluções saturadas de fármaco em
polímero – no tamanho das esferas, baseando-se num pla- contacto com as microsferas produzidas pelo método an-
nejamento fatorial. As esferas produzidas situam-se no teriormente desenvolvido. Os resultados, traduzidos em
intervalo de valores entre os 16 e os 150 mm. A análise perfis de liberação não mostram diferenças entre as formu-
ANOVA revela que as variáveis de produção estudadas lações efetuadas. Os autores concluem que o uso da β-
interferem no tamanho das esferas de forma complexa, ciclodextrina não permite alterar neste sistema a cinética
sendo a razão β-ciclodextrina/polímero a variável que de liberação destes dois fármacos. Apontam vários fato-
mais se faz sentir. Nível elevado deste parâmetro leva à res que podem ser determinantes pelo insucesso do pro-
formação de esferas de maior tamanho. Observaram-se cesso: um “cross-linking” limitado, do que resulta a rápida
interações de primeira ordem entre a velocidade de hidratação da matriz polimérica, a competição pela
homogeneização e a razão β-ciclodextrina/polímero, as- ciclodextrina entre o fármaco, o óleo e/ou resíduos de
sim como entre a velocidade de homogeneização e o vo- solvente orgânico e, ainda, devido a alterações
lume das fases aquosa e oleosa. Estes resultados podem conformacionais/impedimento estérico da cavidade da β-
ser explicados com base na viscosidade do sistema. Nos ciclodextrina, pelo fato de esta encontrar-se ligada de for-
sistemas que apresentam maior viscosidade (aqueles em ma covalente ao ácido poliacrílico (Bibby, Davies, Tucker,
que a fase oleosa é maior ou aqueles em que a quantida- 1999b).
de de β-ciclodextrina/polímero é elevada) a alta velocida- Sinisterra e colaboradores (1999), trabalharam no
de de homogeneização permite obter partículas de menor desenvolvimento de um sistema que permitisse a adminis-
tamanho, resultado da formação de emulsão mais fina. tração de um novo citostático pertencente ao grupo dos
Pelo contrário, em sistemas de baixa viscosidade não se metais de transição de segunda geração, o citrato de ródio
observa efeito algum no tamanho das esferas com a alte- II. Este fármaco caracteriza-se por apresentar mecanismo
ração da velocidade de homogeneização (Bibby, Davies, de ação que compreende a inibição da DNA polimerase α,
Tucker, 1998). A estrutura da matriz formada foi em vez de, como a maioria dos fármacos antineoplásicos,
investigada, também, por este grupo. O processo de fabri- atuar diretamente nos cromossomas. O citrato de ródio II é
cação permite criar condições para que ocorram reações molécula muito solúvel em água, o que significa que para
de condensação entre os grupos hidroxila da ciclodextrina se obter concentrações de fármaco ao nível tumoral, veicu-
Ciclodextrinas em novos sistemas terapêuticos 13
permitem a vetorização à semelhança do que ocorre com BACKENSFELD, T., MÜLLER, B., KOLTER, K. Interac-
os lipossomas (Arangoa et al., 2000). As micropartículas tion of NSA with cyclodextrins and hydroxipropyl
são sistemas que apresentam muito interesse na produção cyclodextrin derivatives. Int. J. Pharm., Amsterdam,
de formas farmacêuticas destinadas à via de administração v.74, p. 85-93, 1991.
intravascular e também às vias ocular e nasal. Contudo,
para alcançar a liberação controlada com este sistemas, BECKET, G., SCHEP, L., TAN, M. Improvement of the in
quando se usam polímeros hidrofílicos, existem, ainda, vitro dissolution of praziquantel by complexation with α,
alguns obstáculos tecnológicos para ultrapassar, entre os β-, and γ-cyclodextrins. Int. J. Pharm., Amsterdam,
quais se salientam o uso de determinados solventes orgâ- v.179, p. 65-71, 1999.
nicos ou o problema da extensão da reação entre o
polímero e a ciclodextrina. BIBBY, D., DAVIES, N., TUCKER, I. Preparation and
characterisation of β-cyclodextrin and poly(acrylic acid)
ABSTRACT microspheres. J. Microencapsulation, London, v. 15, n.
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BIBBY, D., DAVIES, N., TUCKER, I. Investigations into the
Cyclodextrins are known to form inclusion complexes. They structure and composition of β-cyclodextrin/poly(acrylic
have been extensively applied in pharmaceutical technology acid) microspheres Int. J. Pharm., Amsterdam, v. 180, p.
to improve the solubility, dissolution, stability and 161-168, 1999a.
bioavailability of poorly water-soluble drugs. The present
work is a short revision about cyclodextrins and its derivates. BIBBY, D., DAVIES, N., TUCKER, I. Poly(acrylic acid)
We focus some aspects related with its production, structure microspheres containing β-cyclodextrin: loading and in
and chemical properties. Some aspects related with vitro release of two dyes. Int. J. Pharm., Amsterdam,
metabolism and toxicity are also described. However, in the v.187, p. 243-250, 1999b.
last few years, cyclodextrins have been used in the
development of new drug delivery systems to improve drug BIBBY, D., DAVIES, N., TUCKER, I. Mechanisms by
incorporation, stabilization, to modulate the release profile which cyclodextrins modify drug release from polymeric
and for targeting. Liposomes, nanoparticles and drug delivery systems. Int. J. Pharm., Amsterdam, v. 197,
microparticles are systems which have been developed for p. 1-11, 2000.
that purposes, but they have some limitations the use of
cyclodextrins can overcome. The main objective is to furnish CAVALLI, R., PEIRA, E., CAPUTO, O., GASCO, M. Solid
examples of the applications of cyclodextrins in the lipid nanoparticles as carriers of hydrocortisone and
development of new drug delivery systems. progesterone complexes with β-cyclodextrins. Int. J.
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