o Doença do refluxo gastroesofágico é a afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo
gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sintomas e/ou sinais
esofagianos e/ou extra-esofagianos associados ou não a lesões teciduais.
Epidemiologia - pirose
o 50% da população ocidental – 1x/mês;
o 5 – 10% – diária;
o 20% população adulta EUA/EUROPA;
o 5% com sintomas 1x/semana – portadores de esôfago de Barrett;
o Índia – 7,5%
o China – 0,8%
Histologia do esôfago
o Mucosa – revestida por epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado – escamoso;
o Submucosa – com grupos de glândulas secretoras de muco (glândulas esofágicas), cuja secreção facilita o transporte do
alimento e protege a mucosa;
o Duas camadas musculares – circular interna e longitudinal externa (CILE);
o Adventícia;
Fisiologia do esôfago
o Transporte de alimento – através do peristaltismo primário, iniciado pelo bolo alimentar, e, caso haja restos
alimentares, através do peristaltismo secundário;
o O esfíncter esofágico inferior deve relaxar para a passagem do alimento;
1
o Mecanismos anti-refluxo gastroesofágico:
1. Fatores anatômicos:
Entrada obliqua do esôfago;
Segmento intra-abdominal do esôfago;
Pilar direito do diafragma;
Anel diafragmático;
2. Fatores funcionais:
Esfíncter inferior do esôfago (P > 10mmHg → 10 – 30 mmHg);
Clareamento esofágico: peristalse esofágica;
Saliva;
Pré-epitelial (barreira física): muco, bicarbonato, água;
Epitelial:
o Barreira anatômica → membranas celulares, junções intercelulares, matriz glicoproteica intercelular;
o Barreira fisiológica → resistência elétrica secundária a uma diferença de potencial elétrico que dificulta a
penetração do íon H+ (mediada pelo bicarbonato intracelular “tampão” → bomba de Na/H – células);
Pós epitelial: fluxo sanguíneo;
Volume e esvaziamento gástrico;
o Cardiovasculares:
Uma das queixas mais importantes da DRGE é a dor torácica que pode ser confundida com angina pectoris;
Entre 10 e 50% dos portadores de dor torácica submetidos a coronariografia não têm espasmos ou oclusão
coronária. A maioria tem na DRGE a origem de seus sintomas;
o Fisiopatologia:
- Respostas reflexas vagais:
Terminações vagais;
Receptores esofágicos;
O esôfago e a árvore brônquica têm origem embriológica comum;
Dor torácica;
2. Exame endoscópico e biópsia de esôfago;
o Diagnóstico da lesão:
Erosões;
Úlceras;
Estenose péptica;
Esôfago de Barrett;
o Biópsias:
Úlceras;
Estenose;
Sugestivo de esôfago de Barrett;
Sugestivo de epitelização colunar de esôfago distal;
o Classificação endoscópica de Savary-Miller modificada:
0 → normal;
1 → uma ou mais erosões lineares ou ovaladas em uma única prega longitudinal;
2 → várias erosões situadas em mais de uma prega longitudinal, confluentes ou não, mas que não ocupam toda a
circunferência do esôfago;
3 → erosões confluentes que se estendem por toda a circunferência do esôfago;
4 → lesões crônicas – úlceras e estenose, isoladas ou associadas às lesões nos graus 1 e 3;
5 → epitélio colunar em continuidade com a linha Z – circunferencial ou não, de extensão variável, associado ou
não a lesões de 1 a 4;
o Classificação endoscópica de Los Angeles:
A → 1 ou + erosões < 5mm;
B → 1 ou + erosões > 5mm em sua maior extensão, não contínuas entre os ápices de duas pregas esofágicas;
C → erosões contínuas (ou convergentes) entre os ápices de pelo menos duas pregas, envolvendo menos que 75%
do órgão;
D → erosões ocupando pelo menos 75% da circunferência do órgão;
o OBS: endoscopia normal não significa que o paciente não tenha
refluxo (50% tem endoscopia normal);
o Pacientes com esofagite – forma erosiva;
o Pacientes sem esofagite – forma não erosiva;
o Critérios histopatológicos:
Maior → hiperplasia da camada basal, papilomatose;
Menor → acantose, hiperqueratose, paraqueratose, edema
intercelular, congestão capilar;
o Alterações histológicas (biópsias):
Hiperplasia da lâmina basal;
Dilatação do espaço intercelular (microscopia eletrônica → diferencia das formas não erosivas com indivíduos
normais);
Eosinofilia, neutrofilia;
Erosões;
Necrose;
4
Dilatação das papilas;
o Avaliação das complicações:
Úlceras;
Estenoses;
Esôfago de Barrett (substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar contendo
células intestinalizadas → metaplasia intestinal);
*Progressão para câncer → 0,12 a 0,6% ao ano;
Adenocarcinoma (a grande maioria dos pacientes que tem adenocarcinoma não tem evidência de esôfago de
Barrett anteriormente → revisão sistemática – apenas 4,7% reportaram Barrett antes do adenocarcinoma);
Hemorragia;
3. Exame radiológico contrastado de esôfago;
o Esclarecimento:
Disfagia/odinofagia;
Sintomas de alarme;
o Avaliações:
Lesões estenosantes;
Alterações motoras;
4. Exame cintilográfico;
o Suspeita de aspiração pulmonar;
o Pacientes que não toleram a pHmetria (pacientes pediátricos);
o Determinar tempo de esvaziamento gástrico;
5. Manometria convencional ou Manometria esofágica de alta resolução;
o Indicações:
Investigação de peristalse ineficiente do esôfago em pacientes com
indicação de tratamento cirúrgico;
Determinar a localização precisa do esfíncter esofágico inferior;
Investigar apropriadamente alterações motoras de esôfago;
Avaliar peristaltismo esofágico e alterações do tônus do esfíncter
esofágico inferior;
OBS → embora recomendada pelo grupo de trabalho de investigação
diagnóstica, essa indicação não foi consensual entre os participantes do
CBDRGE;
o Manometria esofágica de alta resolução:
A ausência de contratilidade é caracterizada por peristalse na vigência de relaxamento normal do EEI e ausência de
pressurização esofágica. Esse achado pode ser observado em pacientes com doenças do tecido conectivo, DRGE em
estágio final, etc;
A motilidade esofágica ineficaz é definida por ≥ 50% de deglutição ineficaz (falha ou fraca – CDI < 450 mmHg.s.cm);
Esôfago hipercontrátil (esôfago em britadeira) é caracterizado por pelo menos duas deglutições com
hipercontratilidade, conforme medição da contratilidade distal integral (CDI);
Espasmo esofágico distal é definido por mais de 20% de contrações prematuras medidas pelo novo parâmetro, a
latência distal (LD) < 4,5 segundos;
o A classificação de Chicago dividiu a acalasia em 3 subtipos, de acordo com a pressurização esofágica:
Tipo I → caracterizado por 100% de falha nas contrações e não pressurização esofágica;
Tipo II → tem pressurização panesofágica em pelo menos 20% das deglutições;
Tipo III → definido pela presença de fragmentos preservados de peristalse distal ou contrações prematuras por pelo
menos 20% das deglutições.
Essa classificação também pode ser aplicada a esofagopatia chagásica, apesar do tipo III ser raro.
6. pHmetria prolongada;
o Correlação entre alterações do pH e sintomas;
o Indicações do exame de pHmetria de 24 horas:
Pacientes com sintomas típicos de DRGE que não apresentaram
resposta satisfatória ao tratamento com inibidor da bomba
protônica e nos quais o exame endoscópico não revelou dano à
mucosa esofágica;
Pacientes com manifestações atípicas extra esofágicas sem presença
de esofagite;
Pré-operatório nos casos bem caracterizados, em que o exame endoscópico não revelou esofagite;
5
Caracterização do padrão de refluxo → ortostático, supino ou combinado;
Estudo da recidiva dos sintomas no pós-operatório;
Avaliação da eficácia do tratamento clínico (eficiência da droga, caracterizar DRGE);
pHmetria Diagnóstico Classificação
Refluxo ácido gastroesofágico anormal Doença do refluxo gastroesofágico Doença do refluxo gastroesofágico não
erosiva
Refluxo ácido gastroesofágico normal e índice de Esôfago hipersensível Doença do refluxo gastroesofágico não
sintomas positivo erosiva
Refluxo ácido gastroesofágico normal e índice de Pirose funcional Distúrbio funcional do trato
sintomas negativo gastrointestinal
7. Impedanciometria esofágica/pHmetria – padrão ouro!
o Movimento anterógrado (substâncias ingeridas);
o Movimento retrógrado (refluxo gastroesofágico);
o Impedâncio-pHmetria:
Natureza física → líquido, gasoso ou misto;
Química → ácido, não ácido, levemente ácido;
o Útil no auxílio à indicação cirúrgica de alguns casos (refluxo não ácido);
o Indicações do exame:
Avaliação de pacientes com sintomas de pirose e regurgitações e endoscopia negativa;
Avaliação de pacientes com dor torácica ou sintomas extra esofágicos como tosse crônica (refratários ao tratamento);
Diagnóstico diferencial
o Esofagite por medicamentos:
Clínica → disfagia/odinofagia
História clínica → tetraciclinas, quinidina, doxiciclina, AINEs, Alendronato, cloreto de potássio;
o Esofagite infecciosa:
Clínica → disfagia/odinofagia;
História clínica → Imunocomprometidos (candida, HSV, CMV);
o Distúrbios motores:
Acalásia:
Clínica → disfagia para sólidos e líquidos, queimação precordial ou dor torácica secundária a fermentação ou
espasmo muscular;
Espasmo esofágico difuso → dor retroesternal;
Esôfago em quebra-nozes → associado com DRGE;
o Dispepsia funcional:
Clínica → dor ou desconforto em abdome superior, distensão abdominal, saciedade precoce, plenitude pós-prandial,
epigastralgia, eructação, náuseas, vômitos;
o Esofagite eosinofílica:
Clínica → esofagite alérgica;
História clínica → eosinófilos na biópsia de esôfago;
o Câncer de esôfago:
Paciente com mais de 50 anos, tabagista, etilista, disfagia rapidamente progressiva;
o Doença arterial coronariana:
Clínica → dor torácica;
História clínica → avaliação cardiológica;
o Condições associadas:
Gravidez;
Doenças do tecido conectivo – esclerodermia;
Tratamento
o Objetivos:
Alívio dos sintomas, cicatrização das lesões, evitar recidivas e prevenir complicações;
o Medicamentos:
Procinéticos → normalização ou melhora das alterações motoras (plenitude pós prandial, retardo no esvaziamento);
Antiácidos e sucralfato → restrita ao tratamento sintomático;
Alginatos (polissacarídeo natural) – antiácido:
→ Tratamento sintomático;
6
→ Opção refluxo não ácido ou biliar;
→ Na presença do HCl, precipita-se formando um gel. O bicarbonato de sódio em sua fórmula vai reagir com o ácido
gástrico, produzindo gás carbônico que se liga ao gel recém-formado e o conduz para as regiões mais proximais
do estômago, ocupando a superfície do bolo alimentar;
Inibidores da secreção ácida → mantém o pH intra-esofágico acima de 4, tempo superior a 16h, cicatrização 100%
Inibidores da bomba de prótons (padrão ouro);
Tempo: 6 – 12 semanas;
Dose dobrada em pacientes com esofagites graves, sintomas atípicos ou falta de resposta satisfatória;
Manutenção → dose mínima eficaz;
o Teste terapêutico:
Pacientes < 40 anos;
História – pirose/regurgitação;
Sem manifestações de alarme;
Frequência inferior a 2x/semana;
Tempo de história não superior a 4 semanas;
Inibidores de bomba (dose plena), 6 a 12 semanas;
Endoscopia prévia (recomendação CBDRGE);
o Medidas comportamentais:
Elevação da cabeceira da cama (15cm);
Moderar a ingestão dos seguintes alimentos na dependência da correlação com sintomas → gordurosos, cítricos, café,
bebidas alcoólicas, bebidas gasosas, menta, hortelã, produtos à base de tomate e chocolate;
Cuidados especiais com medicamentos potencialmente “de risco”, como anticolinérgicos, teofilina, bloqueadores dos
canais de cálcio, Alendronato;
Evitar deitar-se nas duas horas posteriores às refeições;
Evitar refeições copiosas;
Suspensão do fumo;
Redução do peso corporal em obesos;
o Tratamento de manutenção:
Fatores prognósticos da recidiva:
Gravidade da lesão inicial;
Ausência ou resposta inadequada ao tratamento com anti-secretores (principalmente IBP);
Hérnia hiatal volumosa (acima de 3cm);
Hipotensão do esfíncter inferior do esôfago;
Uso contínuo de medicação;
Terapia de demanda: casos leves (retirar paulatinamente os IBPs);
o Esofagite refratária:
Falta de aderência ao tratamento;
Utilização inadequada de IBP (uso correto → em jejum antes das refeições);
Alterações no metabolismo e/ou absorção do medicamento;
Má qualidade do medicamento;
7
Pirose funcional;
Presença de comorbidades (ex: obesidade, hipertensão, dislipidemia, depressão) – “alteração da sensibilidade visceral
ou as drogas utilizadas para o tratamento”;
Refluxo não ácido;
Doenças autoimunes da pele: epidermolisis bullosa, pênfigo;
Esofagite eosinofílica;
Medidas:
Dobrar a dose do medicamento;
Trocar de IBP;
Estender o tempo de tratamento por mais 8 semanas;
Cirurgia;
Reavaliar o diagnóstico;
Manifestações extra-esofágicas → dose dobrada de IBP por no mínimo 90 dias;
o Esofagite eosinofílica:
Sintomas esofágicos e denso infiltrado eosinofílico (> 20/campo 400x) da mucosa esofágica que persistem a despeito
de tratamento prolongado com IBP;
Manifestações → disfagia, impactação alimentar, estenose esofágica, náuseas/vômitos/regurgitação, alergia
alimentar;
Condições associadas → história de atopia, asma, rinite alérgica;
Tratamento → Fluticasona 200mg 2x/dia por 6 semanas;
Budesonide;