Você está na página 1de 10

BIOSSEGURANÇA

Laboratórios de microbiologia são, com freqüência, ambientes que podem expor as pessoas
próximas a eles ou que neles trabalham a riscos de doenças infecciosas.

As infecções contraídas em laboratório tem sido descritas por meio da história da microbiologia.

Os relatórios de microbiologia publicados na virada do século descreveram inúmeros casos de


doenças associadas a laboratório.

Suspeitava-se que contaminação de dava por meio de pipetas, seringas, agulhas, aerossóis (?)

Em 1949, foi publicado o 1º de uma série de trabalhos sobre infecções associadas a laboratórios

Pike (1979) chegou à conclusão que o conhecimento, as técnicas e o equipamento para a


prevenção das infecções laboratoriais já estavam disponíveis, porém, nenhum código de prática,
padrões, diretrizes ou outras publicações proporcionaram descrições detalhadas das técnicas,
equipamentos e outras considerações ou recomendações para as atividades laboratoriais.

Criou-se então o primeiro folheto denominado Classificação dos Agentes Etiológicos baseando-se
no grau de risco.

Neste folheto, o conceito sobre a classificação dos agentes infecciosos e das atividades laboratoriais
em quatro níveis ou classes, serviu como um formato básico para as edições anteriores do
Biossegurança em Laboratórios Biomédicos e Microbiológicos (BLBM)

Princípios de Biossegurança

O termo “contenção” é usado para descrever métodos de segurança utilizados na manutenção de


materiais infecciosos em meio laboratorial onde estão sendo manejados ou mantidos.

O objetivo da contenção é o de reduzir ou eliminar a exposição da equipe do laboratório e do meio


de trabalho contra a exposição aos agentes infecciosos, de outras pessoas e do meio ambiente em
geral aos agentes potencialmente perigosos.

A contenção pode ser primária ou secundária.

A contenção primária é proporcionada por técnicas de microbiologia e pelo uso de equipamento de


segurança adequado. Ex.:

A - Equipamento de proteção individual (EPI): Os EPI utilizados são: luvas descartáveis de látex,
PVC ou outro material sintético, jalecos confeccionados em algodão de mangas longas e de
comprimento abaixo dos joelhos, jaleco de material descartável para ser usado sobre o jaleco de
algodão, gorros, máscaras e sapatilhas descartáveis, máscaras contra gases, máscara contra pó.

1
B - Cabine de segurança biológica. É o dispositivo principal utilizado para proporcionar a
contenção de borrifos ou aerossóis infecciosos provocados por inúmeros procedimentos
microbiológicos. Há três tipos de cabines de segurança biológica (CSB): Classe I, II e III.

Classe I possuem a frente aberta, são barreiras primárias que oferecem níveis significativos de
proteção para a equipe do laboratório e para o meio ambiente.

Classe II também fornece uma proteção contra a contaminação externa de materiais (por exemplo,
cultura de células, estoque microbiológico) que são manipulados dentro das cabines.

Classe III hermética e impermeável aos gases proporciona o mais alto nível de proteção aos
funcionários e ao meio ambiente.

Cabine de segurança biológica Classe I Cabine de segurança biológica Classe II

Cabine de segurança biológica Classe III

Já a contenção secundária é a proteção do ambiente externo ao laboratório contra a exposição


aos materiais infecciosos, proporcionada pela combinação de um projeto das instalações práticas
operacionais.
2
Níveis de Biossegurança
Para manipulação dos microrganismos pertencentes a cada uma das
quatro classes de risco devem ser atendidos alguns requisitos de
segurança, conforme o nível de contenção necessário.

Estes níveis de contenção são denominados de níveis de


Biossegurança.

Os níveis são designados em ordem crescente, pelo grau de proteção


proporcionado ao pessoal do laboratório, meio ambiente e à
comunidade.

O nível de Biossegurança 1 (NB-1), é o nível de contenção laboratorial que se aplica aos


laboratórios de ensino básico, onde são manipulados os microrganismos pertencentes a classe de
risco 1.

Não é requerida nenhuma característica de desenho, além de um bom planejamento espacial e


funcional e a adoção de boas práticas laboratoriais.

O nível de Biossegurança 2 (NB-2), diz respeito ao laboratório em contenção, onde são


manipulados microrganismos da classe de risco 2.

Se aplica aos laboratórios clínicos ou hospitalares de níveis primários de diagnóstico, sendo


necessário, além da adoção das boas práticas, o uso de barreiras físicas primárias (cabine de
segurança biológica e equipamentos de proteção individual) e secundárias (desenho e organização
do laboratório).

O nível de Biossegurança 3 (NB-3), é destinado ao trabalho com microrganismos da classe de


risco 3 ou para manipulação de grandes volumes e altas concentrações de microrganismos da
classe de risco 2.

Para este nível de contenção são requeridos além dos itens referidos no nível 2, desenho e
construção laboratoriais especiais.

Deve ser mantido controle rígido quanto à operação, inspeção e manutenção das instalações e
equipamentos e o pessoal técnico deve receber treinamento específico sobre procedimentos de
segurança para a manipulação destes microrganismos.

O nível de Biossegurança 4 (NB-4), ou laboratório de contenção máxima, destina-se a


manipulação de microrganismos da classe de risco 4, onde há o mais alto nível de contenção, além
de representar uma unidade geográfica e funcionalmente independente de outras áreas.

Esses laboratórios requerem, além dos requisitos físicos e operacionais dos níveis de contenção 1, 2
e 3, barreiras de contenção (instalações, desenho equipamentos de proteção) e procedimentos
especiais de segurança.

Classificação de risco

A classificação de risco de um determinado microrganismo patogênico baseia-se em diversos


critérios que orientam a avaliação de risco e está, principalmente orientada pelo potencial de risco
que oferece ao indivíduo, à comunidade e ao meio ambiente.

3
Avaliação de risco deve levar em conta:
• 1. patogenicidade do agente
• 2. via de transmissão
• 3. estabilidade do agente
• 4. dose infecciosa e imunização do trabalhador
• 5. concentração do agente
• 6. origem do material
• 7. disponibilidade de estudos com animais
• 8. Disponibilidade de profilaxia
• 9. avaliação da experiência e nível de capacitação das pessoas expostas aos riscos

No Brasil, em 1995, com a formação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, em


cumprimento da Lei nº 8.974 e do decreto nº 1.752, do Ministério de Ciência e Tecnologia, surgem
uma série de instruções normativas, para o gerenciamento e normatização do trabalho com
engenharia genética e a liberação no ambiente de OGMs em todo o território brasileiro.

Dentre elas está a Instrução Normativa nº 7, de julho de 1997, que estabelece normas para o
trabalho em contenção com organismos geneticamente modificados e, apresenta, em seu anexo, a
classificação de agentes etiológicos humanos e animais com base no risco apresentado.

Esta instrução agrupa os microrganismos em classes de 1 a 4, sendo a classe 1 a de menor risco


e a classe 4 a de maior risco.

Classe de risco 1 - O risco individual e para a comunidade é ausente ou muito baixo, ou seja, são
microrganismos que têm baixa probabilidade de provocar infecções no homem ou em animais.

Exemplo: Bacillus subtilis (bactéria gram-positiva comum do solo e da água e não patogênica)

Classe de risco 2 - O risco individual é moderado e para a comunidade é baixo.

São microrganismos que podem provocar infecções, porém, dispõe-se de medidas terapêuticas e
profiláticas eficientes, sendo o risco de propagação limitado.

Exemplos: Vírus da Febre Amarela e Schistosoma mansoni (causado da esquistossomose- doença


crônica causada pelos parasitas multicelulares platelmintos)

Classe de risco 3 - O risco individual é alto e para a comunidade é limitado.

O patógeno pode provocar infecções no homem e nos animais graves, podendo se propagar de
indivíduo para indivíduo, porém existem medidas terapêuticas e de profilaxia.

Exemplos: Vírus da Encefalite Equina Venezuelana e Mycobacterium tuberculosis.

Classe de risco 4 - O risco individual e para a comunidade é elevado.

São microrganismos que representam sério risco para o homem e para os animais, sendo altamente
patogênicos, de fácil propagação, não existindo medidas profiláticas ou terapêuticas.

Exemplos: Vírus Marburg e Vírus Ebola (ambos causadores de febre hemorrágica).

4
BIOSSEGURANÇA
Origem do conceito

A lógica da construção do conceito de biossegurança, teve seu inicio na década de 70 na


reunião de Asilomar na Califórnia, onde a comunidade científica iniciou a discussão sobre os
impactos da engenharia genética na sociedade.
Esta reunião foi um marco na história da ética aplicada a pesquisa, pois foi a primeira vez
que se discutiu os aspectos de proteção aos pesquisadores e demais profissionais envolvidos nas
áreas onde se realiza o projeto de pesquisa. Goldim (1997). A partir daí o termo biossegurança,
vem, ao longo dos anos, sofrendo alterações.
• Década de 70 - Saúde do trabalhador frente aos riscos biológicos no ambiente ocupacional.
• Década de 80 - A OMS incorporou a essa definição os chamados riscos periféricos presentes
em ambientes laboratoriais que trabalhavam com agentes patogênicos para o homem, como
os riscos químicos, físicos, radioativos e ergonômicos.
• Década de 90 - A definição de biossegurança sofre mudanças significativas. Observa-se a
inclusão de temas como ética em pesquisa, meio ambiente, animais e processos envolvendo
tecnologia de DNA recombinante, em programas de biossegurança.

“a biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de


riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e
prestação de serviços, visando à saúde do homem, dos animais, a preservação do meio ambiente e
a qualidade dos resultados“

As bases de conhecimento da biossegurança


Em termos epistemológicos, o conceito de biossegurança pode ser definido, segundo a
abordagem, como módulo, como processo ou como conduta
• Como módulo, porque a biossegurança não possui identidade própria, não sendo portanto
uma ciência, mas sim, uma interdisciplinaridade que se expressa nas matrizes curriculares
dos seus cursos e programas. Esses conhecimentos diversos oferecem à biossegurança uma
diversidade de opções pedagógicas, que a tornam extremamente atrativa.
• Como processo, porque a biossegurança é uma ação educativa, e como tal pode ser
representada por um sistema ensino-aprendizagem. Nesse sentido, podemos entendê-la
como um processo de aquisição de conteúdos e habilidades, com o objetivo de preservação
da saúde do Homem, das plantas dos animais e do meio ambiente.
• Como conduta, quando a analisamos como um somatório de conhecimentos, hábitos,
comportamentos e sentimentos, que devem ser incorporados ao homem, para que esse
desenvolva, de forma segura, sua atividade. Neste contexto, também devemos incorporar a
questão da comunicação e da percepção do risco nos diversos segmentos sociais.
Exatamente, a partir desse enfoque interdisciplinar, da sua atração curricular e do seu poder
de mídia, a biossegurança passou a freqüentar ambientes ocupacionais antes ocupados pela
engenharia de segurança, medicina do trabalho, saúde do trabalhador e até mesmo da infecção
hospitalar, atuando em forma conjunta, e, em muitos casos, incorporando e suplantando essas
outras atividades.

A biossegurança Legal

A biossegurança no Brasil está formatada legalmente para os processos envolvendo


organismos geneticamente modificados, de acordo com a Lei de Biossegurança - N. 8974 de 05 de
Janeiro de 1995, que cita no seu art. 1o : "Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos
de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação,
transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado
(OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o
meio ambiente".
5
O foco de atenção dessa Lei são os riscos relativos as técnicas de manipulação de
organismos geneticamente modificados. O órgão regulador dessa Lei é a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), integrada por profissionais de diversos ministérios e indústrias
biotecnológicas. Ex. típico de discussão legal da biossegurança: Alimentos transgênicos e produtos
da engenharia genética.
A partir daí, a humanidade começou a presenciar o nascimento de uma tecnologia
fantástica, principalmente pela sua capacidade infinita de criação de novas formas de vida e bens de
consumo.
No Brasil, esta discussão vem ganhando ares de uma verdadeira batalha entre aqueles que
defendem e aqueles que rejeitam esta tecnologia. Não faltam argumentos de ambos os lados.

DEFENSORES DA ENGENHARIA GENÉTICA

Apregoam que a ciência não pode ser cerceada, que esses novos produtos podem ser a
salvação de muitas populações miseráveis no mundo e que alguns países, como Estados Unidos,
Espanha, Argentina, entre outros, já os vem consumindo à algum tempo, e até o momento, nenhum
agravo a saúde foi observado.

CRÍTICOS DA ENGENHARIA GENÉTICA

Apresentam possíveis efeitos adversos dessa manipulação genética, como processos


alergênicos, resistência a antibióticos, agravos à biodiversidade planetária, etc. Esta mesma corrente
defende a rotulagem desses alimentos, como um instrumento de proteção ao consumidor. É uma
medida lógica, que, porém, não altera em nada a discussão sobre a segurança ou não desses
alimentos.

QUESTÕES

• Mesmo que esteja devidamente rotulados, os alimentos devem / poderão ser


comercializados?
• Um biscoito derivado ou que contenha material oriundo de soja transgênica faz mal? Ou
tenho que comer 10 biscoitos, para o efeito aparecer? Afinal, a partir de quantos biscoitos
ingeridos o agravo aparece? Seus efeitos são acumulativos?
• Existe um acompanhamento epidemiológico sobre as pessoas que já consomem esses
alimentos regularmente?
• Em caso de ocorrência comprovada de danos à saúde de algum ser humano, quem paga a
conta?

A biossegurança praticada

A palavra biossegurança, também aparece em ambientes onde a moderna biotecnologia não


está presente, como:
Indústrias
Laboratórios de saúde pública
Hospitais
Universidades
Laboratórios de análises clínicas
Hemocentros, etc.
No sentido da prevenção dos riscos gerados pelos agentes químicos, físicos e ergonômicos,
envolvidos em processos onde o risco biológico se faz presente ou não.
Esta é a vertente da biossegurança, que na realidade, confunde-se com a engenharia de
segurança, a medicina do trabalho, a saúde do trabalhador, a higiene industrial, a engenharia clínica
e a infecção hospitalar.
6
A profissionalização da biossegurança

Diferentemente dos profissionais que atuam na segurança ocupacional, poderíamos apontar


para o fato de que a biossegurança, ainda não atingiu um status profissional, como a engenharia de
segurança do trabalho e da medicina do trabalho, que possuem campos muito bem delimitados de
ação, cursos regulares, associações, regulamentação profissional (esses profissionais necessitam
de registro nos Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura e Conselhos Regionais de
Medicina, respectivamente) e código de ética.

A imagem pública da biossegurança

Quando analisamos a imagem pública da biossegurança (experiência docente em cursos


realizados em laboratórios de saúde pública, hemocentros, hospitais, indústrias e universidades),
observamos que ela é percebida muito mais ao nível de saúde do trabalhador e prevenção de
acidentes, ou seja, muito mais voltada à segurança ocupacional frente aos riscos tradicionais, do
que aqueles que envolvem tecnologia de DNA recombinante.
A percepção da biossegurança atrelada a lei de Biossegurança, se dá mais a nível
acadêmico e político e nos ambientes onde a moderna biotecnologia se faz presente, do que nos
ambientes ocupacionais tradicionais, tanto da indústria, quanto da área da saúde, foco maior de
utilização do termo biossegurança.

Conclusão

Nos últimos anos, o conhecimento científico aplicado às ações de gestão e controle de


riscos ocupacionais vem evoluindo de forma exponencial.
O processo normativo, através das normas ISO da série 9000 e 14000, e recentemente da
OHSAS série 18000 (Organization for Health and Safety Assessment Series - normas certificáveis
do British Standard Institut, referentes a saúde e segurança no trabalho), tem sido de fundamental
importância, já que atuam como verdadeiros parceiros nos processos de segurança ocupacional.
Aliado a este cenário, verificamos uma necessidade sentida de aperfeiçoamento constante
dos profissionais que atuam nessa área, principalmente entre os engenheiros e técnicos de
segurança do trabalho, que já estão sendo solicitados para exercerem suas atividades, em locais,
até recentemente isentos desses profissionais, como por exemplo, os ambientes de saúde e da
moderna biotecnologia.
Isto nos leva a ver a biossegurança como uma ferramenta fundamental para que esses
profissionais exerçam em toda a plenitude suas atividades, no sentido de que a promoção da saúde
seja alcançada, não e apenas no nível ocupacional, mas também, a nível planetário.
Dessa forma, as empresas devem repensar suas ações de Segurança e Saúde no Trabalho
(SST), que na sua grande maioria, existe, para atender a uma legislação, que cada vez torna-se
mais rígida, voltando o foco para os seus processos de trabalho e não somente para o controle de
riscos, e nesse contexto, a biossegurança torna-se um elo de suma importância.

"O homem está no centro da Teoria da Complexidade, que diz que tudo tem a ver com tudo. No
caso de acidentes, estamos expostos a fatores biológicos, físicos, químicos e psicossociais. E a
maioria dos acidentes se deve a esse último fator, que propicia a exposição aos anteriores“.

Para o Professor Dr. Marco Antônio Ferreira da Costa do curso de Biossegurança da Escola
Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, o objetivo da
biossegurança é reconhecer fontes de perigo, avaliar as situações de risco que essa fonte oferece e
controlá-la, tomando decisões técnicas e/ou administrativas para promover mudanças”

7
Rev. Saúde Pública vol.39 no.6 São Paulo Dec. 2005
doi: 10.1590/S0034-89102005000600020

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS


Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa

Biossegurança - Biosecurity

Uma pessoa à procura de materiais que possam valer algum dinheiro revira sacolas e caixas
em um lixão. De repente, um descuido. O catador se fere com uma seringa utilizada e abandonada
no meio do lixo.
Fim de expediente para um profissional de um laboratório que lida com o bacilo da
tuberculose. Ele encerra as atividades sem perceber que sua máscara de proteção estava mal
colocada. Três semanas depois, o filho de sua empregada é diagnosticado com tuberculose.
Hong Kong, China. Um hóspede com sintomas de gripe permanece em um hotel por dois dias.
Semanas depois, pessoas com a Síndrome Aguda Respiratória (Sars) são identificadas em cinco
países, incluindo Canadá e Estados Unidos. A investigação mostra que os casos estavam
relacionados ao paciente do hotel.
As situações acima dizem respeito a um conceito cada vez mais importante nos dias atuais:
a biossegurança. Essa palavra resume um problema do tamanho do mundo, que envolve desde o
controle de uma ameaça séria como a gripe do frango até o simples hábito de lavar, ou não, as
mãos. Em síntese: quando o tema é biossegurança, o que está em pauta é a análise dos riscos a
que está sujeita a vida.

Laboratórios

A preocupação com a biossegurança cresceu com a circulação, cada vez mais intensa, de
pessoas e mercadorias em todo o mundo. A possibilidade do uso de vírus e bactérias em atentados
terroristas também trouxe apreensão aos laboratórios e à entrada de substâncias contaminadas em
um país.
Nos anos 70, uma série de estudos detectou que os profissionais de laboratórios de saúde
apresentavam mais casos de tuberculose, hepatite B e shigelose – doença caracterizada pela
presença de diarréia, febre e cólicas estomacais – do que pessoas envolvidas com outras
atividades. Na Inglaterra, a incidência de tuberculose entre esses trabalhadores chegava a ser cinco
vezes maior do que na população. Na Dinamarca, a proporção de casos de hepatite era sete vezes
mais alta, se comparada com o restante das pessoas.
Na opinião de especialistas que discutem a biossegurança, o grande problema não está nas
tecnologias disponíveis para eliminar ou minimizar os riscos e, sim, no comportamento dos
profissionais. Como afirma a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Ana Beatriz
Moraes, não basta ter bons equipamentos. "De nada adianta usar luvas de boa qualidade e atender
ao telefone ou abrir a porta usando as mesmas luvas, pois outras pessoas tocarão nesses objetos
sem proteção alguma", explica. Para ela, é fundamental que todos os trabalhadores envolvidos em
atividades que representem algum tipo de ameaça química ou biológica estejam preparados e
dispostos a enxergar e apontar os problemas.
De acordo com o gerente-geral de Laboratórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), Galdino Guttmann Bicho, ainda se nota uma dissociação dos conceitos qualidade e
segurança. "Entretanto, já é consenso que essas duas questões devem estar interligadas. E é com
essa visão que a Anvisa e o Ministério da Saúde vão promover um curso de gestão de
biossegurança com qualidade", adianta.
Durante o Seminário Internacional de Biossegurança em Saúde, realizado em agosto, na
cidade de São Paulo, um ponto muito debatido foi a necessidade de criar uma cultura de
biossegurança. É indispensável, na análise dos participantes, relacionar o risco de acidentes às
práticas cotidianas dentro de um laboratório.

8
O consultor de biossegurança da Organização Mundial de Saúde (OMS), Jonathan
Richmond, lembra que a maior responsabilidade sobre o controle de agentes perigosos é do
profissional, que entende o risco e conhece os mecanismos de controle. "Nenhum microbiologista
quer levar um agente perigoso para sua casa ou espalhá-lo pela rua", justifica. Mesmo assim, os
erros podem aparecer. "Visitei um laboratório na China que trabalha com Sars e o que me chamou a
atenção é que, embora houvesse muitas regras de segurança, as pessoas não estavam agindo
dentro de uma cultura de segurança exigida para um ambiente como aquele. Além disso, não havia
nenhum respirador que se encaixasse corretamente no meu rosto", exemplifica Richmond.
Para a brasileira Denise Cardo, diretora da Divisão de Controle de Infecções do Centers for
Disease Control and Prevention (CDC) – órgão norte-americano responsável pelo controle de
epidemias – medidas simples reduzem bastante a possibilidade de acidentes. É o caso da vacinação
dos profissionais de saúde contra doenças como rubéola, tétano, gripe e hepatites ou, ainda, o uso
de recursos como o álcool glicerinado para desinfecção. Ela reconhece, porém, que mesmo essas
pequenas mudanças não são fáceis de serem implementadas. "Nós, profissionais de saúde, não nos
julgamos suscetíveis aos riscos". Denise Cardo acredita que a importância dos detalhes, muitas
vezes, só é entendida nos momentos de crise. "O caso da Sars nos ensinou bastante. Os países
que contiveram a contaminação nos hospitais, como Taiwan, não tiveram casos externos
significativos, ao contrário de Hong Kong e China, que assistiram a uma rápida disseminação da
epidemia." China e Hong Kong somaram 7.082 casos, enquanto Taiwan – terceiro país em números
de casos de Sars – somou 346 diagnósticos.

Perto de todos

Mais recentemente, o tema biossegurança ultrapassou os limites dos laboratórios e hospitais


com a constatação de que os riscos biológicos e químicos estão presentes também em outros
ambientes. A biossegurança não está relacionada apenas a sistemas modernos de esterilização do
ar de um laboratório ou câmaras de desinfecção das roupas de segurança. Um profissional de saúde
que não lava suas mãos com a freqüência adequada ou o lixo hospitalar descartado de maneira
errada são práticas do dia-a-dia que também trazem riscos.
Nos resíduos hospitalares, os materiais perfurocortantes, como agulhas, lâminas e tubos de
ensaio quebrados, ocupam lugar de destaque no fator perigo. Isso porque são materiais que entram
em contato com substâncias contaminadas e podem facilmente provocar um corte na pele de uma
pessoa sadia. Segundo a Gerente de Infra-estrutura em Serviços de Saúde da Anvisa, Regina
Barcelos, há estudos mostrando que a possibilidade de se contrair hepatite B em um acidente com
perfurocortantes é de 30% e, no caso da hepatite C, esse índice é de 1,8%.
Por isso, os especialistas da área defendem que os profissionais de limpeza e administração
estejam familiarizados com os conceitos de segurança dos laboratórios. Normalmente, acontece um
acidente com o responsável pela limpeza nesses locais porque uma agulha ou bisturi não foi
descartado de maneira adequada pelo profissional de saúde.
Por mais básico que possa parecer, o hábito de lavar as mãos ainda é adotado com menos
freqüência do que o necessário. A gerente de Investigação e Prevenção de Infecções e dos Eventos
Adversos da Anvisa, Adélia Marçal, acredita que esse ato ultrapassa a questão cultural. "A higiene
demanda tempo. Às vezes, o profissional se encontra tão sobrecarregado pelo trabalho, que pula a
ação de higiene para ir direto a ação assistencial, que é vista como mais importante", justifica. Esse
problema é maior quando o médico ou enfermeiro tem que se deslocar da sua área de trabalho para
encontrar, por exemplo, uma pia. Adélia ressalta que fatores como a qualidade dos sabonetes
também dificulta a realização de um procedimento simples como a lavagem das mãos. Se o sabão
não for adequado, depois de um período a pele acaba ficando ressecada e descamada, o que
apenas piora a situação, principalmente dos que lavam as mãos várias vezes ao dia.
Até mesmo a tecnologia criada para reduzir risco pode ser um problema quando mal
utilizada. É o caso da "esterilização flash", um procedimento recomendado para limpar materiais
apenas em casos de urgência. No entanto, a técnica vem sendo empregada de modo rotineiro,

9
mesmo havendo outros métodos de esterilização mais eficientes que podem ser utilizados quando
não há necessidade imediata do material.
Desvios como esse tornam possível entender por que num país desenvolvido, como os
Estados Unidos, entre 44 mil e 98 mil pacientes são vítimas de erro médico, anualmente. Ou, ainda,
por que um em cada 10 pacientes, na Europa, volta do hospital com algum efeito adverso (como
uma infecção, por exemplo) provocado pela falta de maiores cuidados com a segurança hospitalar.

Outras fronteiras

A forma de abordar e estudar a biossegurança, nos últimos anos, ganhou novos contornos.
Até mesmo o fator psicológico dos trabalhadores passou a ser considerado no momento da
avaliação dos riscos. Para Paulo Starling, um dos coordenadores do Curso de Especialização de
Biossegurança em Instituições de Saúde do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, da
Fiocruz, problemas como a falta de condições adequadas de trabalho e pressões por produtividade
influenciam negativamente os resultados, mas poucas vezes são considerados. "O estresse
psicossocial gera um sofrimento que provoca dificuldades na atenção e na capacidade de trabalho.
A conseqüência é a desmotivação para a realização das suas atividades de maneira correta",
justifica. Segundo Paulo, para identificar a relação entre o estresse e o risco de acidente em um
serviço de saúde basta fazer um mapa das áreas de risco e da incidência de doenças entre os
profissionais da instituição.
Para o médico veterinário e especialista em segurança de transgênicos Sílvio Valle, a maior
preocupação, no momento atual, deve ser com relação ao impacto da liberação de determinados
produtos no ambiente. Segundo ele, a discussão sobre biossegurança em serviços típicos de saúde,
como hospitais e laboratórios, já está mais adiantada. Fora desses ambientes, porém, a idéia de
biossegurança ainda não se consolidou. Ele cita o caso dos transgênicos, reconhecidos como
produtos que envolvem risco, mas que ainda carecem de controle mais rígido. "O gado transgênico
pode ser facilmente contido, caso se descubra algum problema de segurança em relação ao
consumo de derivados do animal, mas quando se tratam de plantas e insetos, por exemplo, esse é
um trabalho mais difícil", alerta Valle.
Em todos esses casos, o ponto central é a certeza de que a reflexão sobre a segurança de
todos os processos é fundamental para garantir a vida de pessoas, seja num pequeno acidente com
uma seringa utilizada ou numa epidemia desencadeada a partir do contato entre hóspedes de um
hotel.

TERRORISMO INTERNACIONAL

Os ataques com a bactéria do Antraz nos EUA, em 2001, tornaram realidade uma
preocupação antiga: o uso de agentes perigosos em ataques terroristas. Atualmente, a discussão
sobre biossegurança passa também pela segurança física dos laboratórios que trabalham com esse
tipo de material.
De acordo com o consultor da OMS para assuntos de biossegurança Jonathan Richmond,
apesar de o terrorismo ameaçar um número restrito de países, todo laboratório deve ser visto como
um alvo potencial. Ele inclui o Brasil nesta lista. Para ele, a iniciativa brasileira de montar uma rede
de laboratórios de nível de biossegurança segurança 3 (NB3), capazes de trabalhar com agentes
perigosos como o vírus da hantavirose e a bactéria do Antraz, é fundamental para aumentar a
capacidade do país na área de diagnóstico. Entretanto, é indispensável que se pense também no
controle do acesso aos agentes perigosos, ressalta. "Não existe sistema perfeito. O que podemos é
diminuir os riscos, mas eles nunca serão totalmente eliminados", sentencia. O transporte desses
materiais também é um desafio.
Segundo Nicoletta Previsan, diretora de Vigilância e Resposta a Doenças Transmissíveis da
OMS, há casos em que o serviço de correio desconhece o material que está transportando e as
providências a serem tomadas, em caso de acidente. Ao mesmo tempo, surge outra preocupação: a
identificação externa, nos pacotes com agentes perigosos, pode ser um atrativo para terroristas.
10

Você também pode gostar