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Coleção PASSO-A-PASSO

livia Barbosa
OÊNOAS SOCIAISPASSO-A-PASSO
Direção:CelsoCastro

FILOSOFIAPASSO-A-PASSO
Direção:Dem~,L Rosenfield

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO
Direção:1vfarcoAntonio Coutinho Jorge
Sociedade de consumo

IJDESC-CCE
Biblioteca Universitária
· Data: -02.,, I U.., I 'J.C05
··Acervo: G 3 5 cfo__ _
(;:506
Ex.: L0i.:;_,
. C.P.D.: (t 0Qo.JQ.lt;;i'1-

Jorge Zahar Edítor


Rio de Janeiro
Sumário

Copyright© 2004, Livia 1fartins Pinheiro Neves


Copyright desta edição © 2004:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobrel.o_ia Sociedade, cultura e consumo 7
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tcL: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123
Origens históricas da sociedade
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de consumo
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1
> )> "fodos os direitos reservados.
As mudanças históricas 18
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-! A reprodução_ n~o-_autorizada desta pub[içaçfo'. no todo ,
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:m parte, const1m1 YJO!açãode direitos autorais. (Lei 9.610198)
1;0 Sociedade de consumo:
16" Composição eletr6nica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. características sociológicas 28
1--º ?, ~---i: ,r\
Impressão: Geográfica Editora
Estudos de consumo no Brasil 58
'.,,,.,.: '-...~·· Capa: S,.'rgio Ca1npante
;"!~L. Referênciase fontes 63
1 ClP~Brasil.CntalogaçJo-n.a-fonte · Leituras recomendadas 65
Sindicato '.<acionaldos Editores de Livros, RJ.
68
Barbos~1i,
Livü .. .1949-
Socicdadt de consumo i LiYia Barbosa. - Rio de
J,1m:iro:Jorsc'Zahar Ed,, 2004
(Ci0nci:1ssociais passo-,1-passo;49}

A.péndice
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-Pr/ Inclui bibliografia
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;... portamento do consurnídor. 3, Cul!u.r,1- História. L
Titu.lo. li. Série.

CDD 306.3
04-2080 CDC 3.16.7:330.567.2
Sociedade,cultura e consumo

Sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utiliza-


dos por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais
de marketing para se referir à sociedade contemporânea. Ao
contrário de termos como sociedade pós-moderna, pós-in-
dustrial e pós-iluminista - que sinalizam para o fim ou
ultrapassagem de uma época - sociedade de consumo, à
semelhança das expressões sociedade da informação, do
conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganiza-
do e de risco, entre outras, remete o leitor para uma deter-
minada dimensão, percebida como específica e, portanto,
definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas.
/~:>E-ntretanto,no caso do termo socíedadede consun1.oa
dimensão singularizada do consumo traz alguns embaraços
conceituais. Consumir, seja para fins de satisfação de "ne-
cessidades básicas" e/ou "supérfluas" - duas categorias
básicas de entendimento da atividade de consumo nas so-
ciedades ocidentais contemporâneas - é uma ..atividade
presente em toda e qualquer sociedade humana.,~esse sen-
tído, uma questão se impõe de imediato: se todas associe-
dades humanas consomem para poderem se reproduzir

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livia Barbosa Sociedade de consumo 9
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física e socialmente, se todas manipulam artefatos e objetos torna difícil falar sobre uma sem avançar na outra, do ponto
da cultura material para fins simbólicos de díferenciação, de vista analítico é possível e desejável que se diferencie
atribuição de status, pertencimento e gratificação indivi- sociedadede consumoe de consumidoresde cultura do consu-
dual, o que significa consumo no rótulo de sociedade de mo e de consumidorespor duas razões. Primeiro, quando
consumo? Ele sinaliza para algum tipo de consumo parti- utilizamos cultura do consumo e/ou sociedade de consumo
cular ou para um típo de sociedade específica com arran_ios estamos enfatizando esferas da vida social e arranjos insti-
institucionais, prindpios dassificatórios e valores parti- tucionais que não se encontram, na prática, uniformemente
culares? combinados entre si, podendo ser encontrados desvincula-
A resposta para essa questão é: as duas coisas simulta- dos uns dos outros. Isto significa que algumas sociedades
neamente, dependendo da abordagem teórica utilizada. Ou podem ser sociedades de mercado, terem instituições que
seja, para alguns autores, a sociedade de consumo é aquela privilegiam o consumidor e os seus direitos mas que, do
que pode ser definida por um tipo específico de consumo, ponto de vista cultural, o consumo não é utilizado como a
o consumo de signo ou commodity sign, como é o caso de principal forma de reprodução nem de diferenciação social,
Jean Baudrillard em seu livro A sociedadede consumo.Para e variáveis como sexo, idade, grupo étnico e status ainda
outros a sociedade de consumo englobaria características ·. desempenham um papel importante naquilo que é usado e
sociológicas para além do commodity sign, como consumo consumido. Ou seja, a escolha da identidade e do estilo de
de massas e para as massas, alta taxa de consumo e de vida não é um ato individual e arbitrário, como alguns
descarte de mercadorias per capita, presença da moda, so- · autores o.interpretam no contexto das sociedades ocidentais
ciedade de mercado, sentimento permanente de insaciabi-
lídade e o consumidor como um de seus principais perso- A sociedade indiana seria um bom exemplo dessa dis-
nagens sociais. entre sociedade e cultura de consumo. Nela, a reli-
Entretanto, uma definição do que é sociedade de con- um papel importante nos tipos de alimen-
... sumo não é simples, ao contrário. O termo sociedade de que podem ser consumidos, nos critérios de poluição
consumo vem freqüentemente associado a outros conceitos as diferentes práticas de preparação e inges-
como sociedade de consumidores, cultura de consumo, mesmos e na escolha dos cônjuges, uma tarefa
cultura de consumidores e consumismo, que são, na maio- •.u,;u ..a,urt a cargo dos pais na ausência de uma ideologia de

ria das vezes, usados como sinônimos uns dos outros. Em- que o relacione diretamente a casamento
bora esses termos designem dimensões da realidade muito comum. Paralelamente a essas lógicas e práticas
próximas uma das outras, como cultura e sociedade, o que afetam diretamente o direito de escolha indi-
10 Livia Barbosa Sociedade de consumo 11

vidual, extremamente valorizado nas culturas de consumi- como: quais as razões que levam as pessoas a consumirem
dores de algumas sociedades ocidentais, existe uma intensa determinados tipos de bens, em determinadas circunstân-
economia de mercado e instituições que procuram proteger cias e maneiras? Qual o significado e importância do con-
o "freguês\ lançando mão de princípios tanto tradicionais, sumo como um processo que media relações e práticas
baseados em um código moral, como de institucionais mo- sociais, as relações das pessoas com a cultura material e o
dernos, baseados em um código jurídico e legal, e::-..-pressona impacto desta na vida social? Qual o papel da cultura ma-
noção de direitos do consumidor. Origina-se dessa disjun- terial no desenvolvimento da subjetividade humana? É pos-
ção a necessidade de pensarmos sobre sociedades e culturas sível a elaboração de uma teoria sobre consumo que dê
de consumo ou sobre etnografias de sociedades e culturas de conta de todas as suas modalidades? Em suma, esses autores
consumo. investigam como o consumo se conecta com outras esferas
Segundo, devemos ter dara a distinção entre sociedade da experiência humana e em que medida ele funciona como
e cultura porque, para muitos autores - como Frederic uma "janela" para o entendimento de múltiplos processos
Jameson, Zygman Bauman, Jean Baudrillard e outros - a sociais e culturaís.
cultura do consumo ou dos consumidores é a cultura da Esses dois tipos de abordagem e de autores que
sociedade pós-moderna, e o conjunto de questões discuti- estudam a sociedade e a cultura de consumo diferencíam-
das sob esse rótulo é bastante específico. Ele inclui a relação . se entre si, também, pelo embasamento empírico das suas
íntima e quase causal entre consumo, estilo de vida, repro- respectivas argumentações. No caso dos autores que dis-
dução social e identidade, a autonomia da esfera cultural, a cutem a cultura do consumo como a cultura da sociedade
estetizaçâo e comoditização da realidade, o signo como pós-moderna ou do capitalismo tardio a crítica social
mercadoria e um conjunto de atributos negativos atribuído sobressai-se em relação à fundamentação empírica e so-
ao consumo tais como: perda de autenticidade das relações ciólógíca. A sociedade parece emergír de um conjunto de
sociais, materialismo e superficiatidade, entre outros. Por suposições sobre a cultura contemporânea que são toma-
outro lado, autores como Don Slater, Daniel Miller, Grant das como dados e quase nunca desafiadas criticamente.
McCracken, Colin Campbell, Pierre Bourdieu e Mary Dou- Daía quase total ausência da visão dos agentes sociais sob te
glas, por exemplo, abordam a sociedade de consumo ou o os seus próprios atos e uma postura teórica universalizante
consumo a partir de temas que não são considerados pela sóbre o significado e o papel do consumo na vida cotidiana
discussão pós-moderna mas nem por isso são menos im- daSpessoas, que não distingue tipos de consumo, grupos
portantes. Aliás, muito pelo contrário, esses autores inves- sóc:iais e os múltiplos significados da atividade de con-
tigam o consumo sob perspectivas altamente relevantes, tais
12 Livia Barbosa Sociedade de consumo 13

À dificuldade conceituai de se definir e delimitar o que elementos estão e já estiveram presentes de forma intensa
é uma sociedade de consumo junta-se o caráter elusívo da em outras sociedades e segmentos sociais. Portanto, é fun-
atividade de consumir, que a torna apenas social e cultural- damental se distinguir a crítica moral às desigualdades e
mente percebida na sua dimensão supérflua, ostentatória opressões geradas pelo capitalismo e pelo socialismo real-
e/ou de abundância. A conseqüência dessa associação auto- que teriam aniquilado, supostamente, com a autenticidade
mática e inconsciente entre consumo, ostentação e abun- e o modo de vida mais orgânico das sociedades pré-indus-
dância foi e ainda é o permanente envolvimento da socie- triais - da crítica moralizante sobre o consumo e a socie-
dade de consumo e do consumo com debates de cunho dade de consumo.
moral e moralizante sobre os seus respectivos efeitos nas Entretanto, se a crítica moral sempre permeou as dis-
sociedades contemporâneas. Temas como materialismo, ex- cussões sobre o consumo é importante registrar a mudança
dusão, individualismo, hedonismo, lassidão moral, falta de significativa que ocorreu a partir da década de 1980, quando
autenticidade, desagregação dos laços sociais e decadência o consumo passou a despertar interesse sociológico como
foram associados ao consumo desde o início do século XVII um tema em si mesmo. Esse interesse origina-se em duas
e ainda hoje permeiam as discussões, dificultando e mistu- pressuposições teóricas que se tornaram disseminadas entre
rando conceituação e análise sociológica com moralidade e os cientistas sociais. A primeira delas é o reconhecimento de 1
crítica social. que o consumo é central no processo de reprodução social
Ironicamente, as grandes diferenças materiais intra e de qualquer sociedade, ou seja: todo e qualquer ato de
entre as sociedades quase que impossibilitam qualquer ten- consumo é essencialmente cultural. As atividades mais tri-
tativa de se discutir de forma mais acadêmica e teórica a viais e cotidianas como comer, beber e se vestir, entre outras,
questão do consumo, colocando aqueles que os tentam no reproduzem e estabelecem mediações entre estruturas de
lado da direita, da alienação ou da insensibilidade social no significados e o fluxo da vida social através dos quais iden-
interior do espectro políticd\.>Entretanto, independente- tidades, relações e instituições sociais são formadas, manti-
mente da carência material de determinados segmentos das e mudadas ao longo do tempo. Mais ainda, através do
sociais e sociedades o fato é que consumir e utilizar elemen- consumo atos locais e mundanos são relacionados a forças
tos da cultura material como elemento de construção e globais de produção, circulação, inovação tecnológica e
afirmação de identidades, diferenciação e exclusão social relações políticas que nos permitem mapear e sentir na vida
são universais/ Mais ainda, o apego a bens materiais não é cotidiana aspectos que de outra forma nos parecem extre-
nem urna característica da sociedade contemporânea nem mamente distanciados e presentes apenas nas discussões
daqueles que possuem materialmente muito. Ambos os políticas sobre as desigualdades regionais e sociais.
Lívia Barbosa Sociedade de consumo 15
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A segunda pressuposição se baseia na caracterização da o que mudou. Ou seja, em que época e onde surgiram na
sociedade moderna contemporânea como uma sociedade · Europa os primeiros indícios de que uma mudança estava
de consumo. Como já mencionamos, a cultura material e o ocorrendo na quantidade de itens da cultura material dis-
consumo são aspectos fundamentais de qualquer sociedade, poníveis na sociedade? Em que consistiam esses novos itens
mas apenas a nossa tem sido caracterizada como uma so- · da cultura material e como eles se distribuíam no interior
ciedade de consumo. Isto significa admitir q1:;1~ o consumo da sociedade?
está preenchendo, entre nós, uma função acima e além A temática do quando tomou corpo no início da década
daquela de satisfação de necessidades materiais e de repro- de 1980, quando historiadores começaram a oferecer novas
dução social comum a todos os demais grupos sociais. leituras para antigos dados históricos sinalizando para um
Significa admitir, também, que ele adquiriu na sociedade revisionismo acerca da proeminência da revolução indus-
moderna contemporânea uma dimensão e um espaço que .. trial no surgimento da sociedade contemporânea.
nos permitem discutir através dele questões acerca da natu- O que caracteriza esses trabalhos de forma genérica é
reza da realidade. Entretanto em que consiste a natureza dessa o argumento de que uma Revolução do Consumo e Comer-
realidade e a sua essência vai ser justamente o centro dos cial precedeu a Revolução Industrial e foi um ingrediente
debates entre os diferentes autores sobre o que é uma socie- central da modernidade e modernização ocidental. Esse
dade e/ou uma cultura de consumo e de consumidores.
revisionismo confronta a historiografia tradicional com um
Neste livro, vou apresentar algumas das discussões
· conjunto de novas questões.Por exemplo,como aindustria-
concernentes à sociedade. Começarei pelas suas origens
lização poderia ter ocorrido em bases capitalistas sem a
históricas, seguida de sua caracterização sociológica na vi-
existência prévia de urna demanda adequada para a produ-
são de diferentes autores e concluirei com uma avaliação
.ção? Para quem esses industriais iriam vender( Por que eles
crítica acerca dos estudos sobre a sociedade de consumo e
inão foram à falência deixando para os liquidantes a tarefa
o consumo no Brasil.
deHdar com uma pilha de invenções racionais e científicas
eifábricas racionalmente organizadas mas absolutamente
Origens históricas da sociedade de consumo silenciosas?
Outra questão reveladora e importante é que as gran-
As origens históricas da moderna sociedade de consumo são > <lésinvenções tecnológicas que estão associadas à Revolução

alvos de muitas controvérsias, que poderiam ser divididas Industrial ocorreram muito tempo depois dessa explosão
em dois tipos: um se preocupa com o quando e outro com do consumo a que todos esses autores se referem. As prin-
16 livia Barbosa Sociedade de consumo 17

cipais invenções mecânicas da indústria de tecidos, cabeça cológicos do ser humano que não seria tarefa da economia
de lanca da industrialização, só apareceram a partir da investigar, mas apenas constatar.
década de 1780, embora a indústria de roupas já funcionasse Essa constatação, contudo, nunca se baseou em qual-
a pieno vapor, fundada no trabalho externo ou doméstico quer evidência empírica, apenas na preferência cultural
dos artesãos, permanecendo com essa estrutura produtiva ocidental recente em destinar ao consumo de bens e merca-
até a década de 1830. O mesmo se refere à indústria de dorias todo aumento da renda. Ao contrário, a insaciabili-
brinquedos, cujas inovações tecnológicas só vieram a afetá- dade, que constitui uma das características da sociedade de
la depois de plenamente estabelecida. Podemos concluir, consumo moderna, é o resultado de um processo histórico,
portanto, que não foram essas invenções que criaram as no interior do qual podemos observar transformações que
condições materiais para as pessoas consumirem mais. começam a se delinear nos dois séculos anteriores ao XV!Il,
O lado econômico desse debate entre produtivístase os quando atingem o seu apogeu e se consolidam.
que advogam a anterioridade de uma revolução de consu- Daniel i\füler, em seu artigo "Consumption as the
mo e comercial precedendo a Revolução Industrial assume Vanguard ofHistory: A Polemic by VVavof an Introductíon"
ou que as pessoas são, por definição, insaciáveis, ou que [''Consumo como vanguarda da história: uma polêmica
existe uma propensão natural a consumir, que faz com que como introdução"·! adiciona outros argumentos contra o
qualquer aumento de renda ou salário seia alocado sempre "bias produtivísta" que tem permeado a análise do consu-
no consumo de mais bens e mercadorias. Partir:do desses mo. Para o autor, esse desinteresse em relação ao consumo
pressupostos, a preocupação desses estudiosos se volta para esconde, na verdade, uma espécie de "pacto" assumido pelos
a ínvestigação das diferentes maneiras como essa nova de- cientistas sociais no decorrer desse século no sentido de não
manda foi financiada, como a mudança na estrutura da comprometerem '··a grande narrativa" que tem conferido
renda e da taxa de salários e outras questões afetaram o precedêncía moral e ideológica à Revolução Industrial e à
consumo. Entretanto, esse lado económico não consegue - produção (trabalho), garantindo assim a hegemonia políti-
e tampouco está interessado - em explicar a origem nem ca da economia.
da "insacíabilídade'' nem da "propensão natural a consu- O objetivo de Miller, como o subtítulo do artigo sugere,
mir': idéias em que se baseia toda a a:;1áliseeconômica sobre é polemizar abertamente com os economistas. Analisando
o consumo, compartílhadas tanto por Keynes, como por alguns mitos relativos ao consumo e ao consumismo mo-
lvfarx e todos os economistas até ho.ie. A questão para eles é .demo, ele demonstra ainda que do ponto de vista do campo
resolvida pela afirmação de que essa propensão "natural a da economia, marxistas e não-marxistas nunca estiveram na
consumir" e a "insaciabilidade" residiriam em aspectos psi- realidade em campos opostos. Aliás, é graças a esse consenso
18 Livia Barbosa Sociedade de consumo 19

de não tratar do consumo e somente da produção que esse partir do século x-vrregistra-se o aparecimento de
··vei;_>,A..

~~~:r:7
_.::-.j·:·.~:-><·
:·::' ::...
milagre se torna possível, fazendo com que a economia
possa sustentar ao mesmo tempo uma face conservadora _l:i/ · :::e:::es:~:::, ::t:ddo:i::;:n:;:i~:~:::~
(keynesiana) e outra revolucionária (marxista) e mesmo ·.:-\p:.-:.:·/·:
Ai/ •· para o oriente. Esse conjunto de novas mercadorias, cons-
assim perm.,mecer unida e hegemónica. · ·.., tatado pelos próprios observadores da época, dificilmente
Deixando de lado a sociologia do conhecimento do )f• poderia ser considerado de necessidade, pois incluía itens
consumo, é necessário frisar que o interesse recente dos
historiadores por esse tema e os argumentos indicados para
enfatizar o peso e a importância do consumo na constitui-
ção da sociedade contemporânea não significam, contudo, ]\
~:~:::~:;:,:::::
;ic>·.·
tos de beleza entre outros.
a existência~~ U!D-ª

f :~i:•~:~::;,i;
~ímese teótic~ e_~~neralizantesobre tal · ·:r:··· Outras mudanças afetaram a dimensão cultural de
fenô111ef!9fll'I,_
l:_list()!i<:>gr~fia.
européia. Mesmo assim, seria
difícil não ratificar a centralidade do tema do consumo no
interior desse campo intelectual. A despeito das diferenças
de ênfases em certos temas e épocas investigadas, fica claro < formas de lazer, a construção de uma nova subjetividade, a
que, ao contrário do que a historiografia tradicional tem l ·· valorização do amor romântico e a expansão da ideologia
afirmado e os economistas repetido, a sociedade e a cultura j ._·. individualista são algumas das novidades registradas pelos
de consumo não são a "gratificação histórica retardada" do l ·· historiadores. Por fi~)-o desenvolvimento de novos proces-
longo labor industrial. ;· sos e modalidades de consumo bem como sistemas e práti-
J
j cas de comercialização que buscavam atingir novos merca-
) dos de consumidores,são algumas outras novidades que irão
As mudanças históricas ' coroar todos esses movimentos.

Embora permaneçam disputas em torno do "quando"


li Entre tantas mudanças ~ou me deter em apenas duas.
A.
passaoem
I:>
do consumo familiar para o consumo indivi-
aconteceu a sociedade de consumo, variando este do século dual e a transformacão do consumo de pátína para o con-
XVI até o :Xv1I1,existe, por outro lado, um relativo consenso sumo de moda. , .;;,-:;~,.
,'-..i
em que consistiram as mudanças que ocorreram. Algumas Nas sociedades tradicionais a unidade de produção
delas incidiram sobre a cultura material da época, afetando como a de consumo era a família ou o grupo domestico. As
tanto a quantidade como a modalidade dos itens disponí- familías produziam em grande parte para o consumo de
20 Liv1a Barbosa Sociedade de consumo 21

suas _próprias necessidades de reprodução física e social. A gueses, a classe produtiva da sociedade francesa. Os burgue-
sociedade era, por sua vez, composta por grupos de status. ses, que por sua vez possuíam os bens necessários à manu-
Grupos com estilos de vida previamente definidos e mani- tenção permanente de um determinado estilo de vida, a]-
festos na escolha de roupas, atividades de luer, padrões me.iavam o tipo de consumo dos nobres, que lhes era vedado
alimentares, bens de consumo e comportamento em relação pelas leis suntuárias. Portanto, casamentos entre burgueses
aos quais as escolhas individuais encontravam-se subordi- e nobres eram a conseqüência natural nessa sociedade onde
nadas e condicionadas. Iodo o estilo de vida desses grupos trafegavam em sentido inverso a renda e o estilo de vida e
de status era controlado e reguiado, em parte, pelas leis status.
suntuárias. Estas definiam o que deveria ser consumido por Essa rei ação de depen ciência entre status e estilo de vida
determinados segmentos sociais e o que era proibido para e de independência em relação à renda é inteiramente rom-
outros. Várias eram as razões que circundavam a existência pida na sociedade contemporânea individualista e de mer-
dessas leis, desde uma preocupação moral com o luxo até a cado. Nesta, a noção de liberdade de escolha e autonomia
demarcação de posi,:;:ãosocial. na decisão de como queremos viver e, mais ainda, a ausência
Corno Norbert Elias assinala em A ,ociedade de corte, de instituições e de códigos sociais e morais com suficiente
na sociedade francesa dos séculos XVJJ e xvm, status e estilo poder para escolherem por e para nós são fundamentais.
de vida eram variáveis dependentes entre si e independentes Três frases célebres de Stuart Ewen e Elizabeth Ewen em
da renda. Isto quer dizer que a posição social de uma pessoa Chmmels of Desire [Canais do desejo L reproduzidas em
determinava o seu estilo de vida, independentemente da sua quase todos os livros que tratam do tema, ilustram o que foi
renda, ou seja das condições objetivas que esta pessoa pos- dito acima: "Hoie não existe moda: apenas modas", "Não
suía para mantê-lo e menos ainda do seu dese,io pessoal de existem regras: apenas escolhas" e "Todos podem ser qual-
querer fazê-lo ou não, sob pena de ser excluído da sociedade quer um".
de corte. Portanto, a autenticidade da pureza de sangue da O que os autores pretendem enfatizar é, primeiro, a
aristocracia francesa é bastante duvidosa, aliás corno de ausência de grupos de referência que poderiam servir de
resto de qualquer outra. Como os nobres franceses eram inspiração para os segmentos na base da pirâmide social e
proibidos de trabalhar e nem todos eram capazes de saber a disseminação do seu gosto através do efeito trickle-do1vn,
fazer render adequadamente seus próprios recursos, a de- ou se,ia de cima para baixo. Não existiria, por conseguinte,
pendência dos favores reais por rendas vitalícias era imensa uma moda que fosse sendo substituída à medida que ela se
e movimentava os bastidores da corte de Versalhes. Outra difundisse pela sociedade e deixasse de ser um elemento
opção para evitar a falência era o casamento com os bur- diferenciador entre os grupos sociais. O que existe ho.ie seria
22 Livia Barbosa Sociedade de consumo 23

uma multiplicidade de grupos, tribos urbanas e indivíduos certamente não são compatíveis com o uso de muitos deles
criando as suas próprias modas. Em vez de olharmos para nas suas respectivas versões originais. Com a popularização
cima, olharíamos para os lados. Segundo, da mesma forma e a imitação dos bens de luxo, a questão nas sociedades de
como não existem grupos de referências consolidados a consumo modernas é muito mais de legitimidade e de
orientar a escolha das pessoas não existem regras e/ou conhecimento sobre como usar do que o que está sendo
restrições sobre aquilo que podemos consumir, como acon- usado. As noções de gosto - ou melhor, de bom ou mau
tecia durante a vigência das leis suntuárias. O critério para gosto e de "estilo pessoal" - tornaram-se um dos mecanis-
a aquisição de qualquer coisa passa a ser a minha escolha. É mos fundamentais de diferenciação, inclusão e exclusão
o império da ética do self, em que cada um de nós se torna social, como nos indica Pierre Bourdieu, em seu hoje clás-
o árbitro fundamental de suas próprias opções e possui sico La distinction [A distinção].
legitimidade suficiente para criar sua própria moda de acor- ---··''··, Assim, estílo de vida, no contexto da cultura do consu-
do com o seu senso estético e conforto. finalmente, como mo, sinaliza para individualidade, auto-expressão, estilo
não existem grupos de referências nem regras que decidam pessoal e autoconsciente. A roupa, o corpo, o discurso, o
por e para nós, os grupos sociais são indiferenciados entre lazer, a comida, a bebida, o carro, a casa, entre outros, devem
si em termos de consumo./Todos somos consumidores. ser vistos como indicadores de uma individualidade, pro-
Desde que alguém tenha dinheiro para adquirir o bem priedade de um sujeito específico, ao invés de uma determi-
desejado não há nada que o impeça de fazê-lo., nação de um grupo de status. Os objetos e as mercadorias
Estilo de vida e identidade tornaram-se, portanto, op- são utilizados como signos culturais de forma livre pelas
cionais. Independentemente da minha posíção social, idade pessoas para produzirem efeitos expressivos em um deter-
e renda posso ser quem eu escolher. Mais ainda, tornaram- minado contexto. Para alguns autores,essatendência sugere
se não só uma questão de opção individual, mas também a irrelevância das divisões sociais do tipo "classe social, idade
uma situação transitória, como interpretam muitos autores, e sexo" na determinação da vida cotidiana. Para outros,
dentre eles Stuart Ewen e Zygmunt Bauman. Nessa perspec- contudo, esse ponto é altamente discutível.
tiva, estilo de vida juntamente com identidade podem ser Embora exista um relativo consenso entre os autores
compostos e decompostos de acordo com o estado de espí- acerca da importância da individualidade e da escolha nos
rito de cada um. Mesmo a renda funciona como uma bar- processos de consumo, o significado destes é diferenciado,
reira limitada. Os produtos similares e "piratas" permitem bem como da fluidez das identidades e dos estilos de vida.
que estilos de vida sejam construídos e desconstruídos e Autores como Colin Campbell, Alan Warde e Daniel Miller
lançados ao mercado e utilizados por pessoas cujas rendas olham com desconfiança essas idéias. Primeiro, porque do
24 Livia Barbosa Sociedade de consumo 25

ponto de vista teórico é interessante considerar uma distin- conferia e ainda confere tradição, nobreza, enfim, status aos
ção entre liberdade e escolha feita por uma decisao tomada. seus proprietários. Grant lvkCraken, em Cultura e consumo,
Segundo, porque embora a liberdade de escolha seja um relata que os nobres ingleses consumiam determinados
valor central da sociedade contemporânea ela não fiutua em bens, como retratos, pratarias, arcas de madeíra nobres ou
um vácuo cu[turaL Género, classe social, grupo étnico, entre quaisquer outros objetos que pudessem registrar, física e
outras variáveis, estabelecem alguns parâmetros no interior objetivamente, a passagem do tempo e assim sustentar a
dos quais a minha "escolha" e a minha identidade se expres- legitimidade das reiündicações de uma familia a uma de-
sam. Terceiro, embora possamos dizer que através do con- terminada posição social no interior da comunidade a que
sumo "construímos" identidades, um número maior de pertenciam. As obrigações em relação aos servos e a comu-
vezes a confirmamos ao reconhecermo-nos em produtos, nidade estavam submetidas, também, a regras de reciproci-
objetos e itens da cultura material que são "a nossa cara" ou dade e drenavam grande parte dos recursos que, portanto,
que reafirmam e satisfazem aquilo que julgo ser meus gostos não podiam ser aleatoriamente empenhados no dispêndio
e preferências. E, finalmente, mesmo na presença da possi- individual.
bilidade de escolhermos identidades e estilos de vida, estes A moda, que caracteriza o consumo moderno, ao con -
se mantém constantes, para a maioria das pessoas, por trário da pátina, é um mecanismo social expressivo de uma
longos períodos de tempo. temporalidade de curta duração, pela valorização do novo
Mas, independente das múltiplas interpretações que a e do individual. Ela é o ''império do etêmero''. no dizer de
mudança nos padrões de consumo possa ter, o fato a assi~ Gílles lipovetsky. Como tal ela rejeita o poder imemorial da
nalar é que de uma atividade familiar na sociedade de corte, tradição (a pátina) em favor da celebração do presente
o consumo na sociedade moderna se tornou uma atividade social, do mundo da vida cotidiana, do aqui e do agora. Sua
individual, uma expressão de um dos valores máximos das referência não são os antepassados, mas os contempo~
sociedades individualistas - o direito de escolha. ràneos.
O segundo elemento que marcaria a transição da so- i\ moda é dominada pela lógica das mudanças meno-
ciedade de corte, tradicional para uma sociedade de consu- res. :Éo império do detalhe sob um fundo mais permanente.
mo seria a mudança do consumo de pâtina para o consumo É uma variação no interior de uma série conhecida, ou seja
de moda. A pâtina é a marca do tempo deixada nos objetos, novas formas de combinação no interior de uma mesma
indicando que os mesmos pertencem e são usados pela estrutura. Ela possui como princípio regulador e constante
mesma famíiia há gerações. A pá tina está ligada a um ciclo o gosto pela novidade e não a promoção de mudanças
de vida mais longo do objeto, e dependendo do mesmo, fundamentais .

.:.......:____
26 Livia Barbosa Sociedade de consumo 27

Do ponto de vista histórico a moda não é um fenôme- terminados grupos sociais tinham adquirido em relação à
no que pertença a todas as épocas nem a todas as civiliza- aristocracia e que lhes havia proporcionado um aumento
ções: ela é um fenômeno do mundo ocidental moderno.Ela expressivo de renda e os transformado em um razoável
não possui um conteúdo próprio nem está ligada, especifi- mercado consumidor, ansioso por adquirir produtos de
camente, a um objeto determinado. Inicia no âmbito do luxo e supérfluos.
vestuário e entre os. grupos aristocráticos. Posteriormente ..>- Quaisquer que tenham sido as razões que levaram à
ela se expande para todas as esferas da vida cotidiana e democratização do consumo, o fato é que no século XIX uma
grupos das sociedades modernas. sociedade de consumo estabelecida com tipos de consumi-
As razões que permitiram a disseminação da moda e dores claramente diferenciados e novas modalidades de
do consumo entre os segmentos sociais para além da aris- comercialização e técnicas de marketing já era uma realida-
tocracia são disputadas entre historiadores e sociólogos. de tanto na Inglaterra, como na França e Estados Unidos. A
Alguns enfatizam o efeito trickle-down. Outros procuram vitrine, voltada para a rua, e a criação do manequim de
neutralizá-lo e disputam a ocorrência de uma democratiza- papelão prensado disponibilizaram para o grande público
ção do consumo como reivindicada por alguns historiado- aquilo que estava sendo ou iria ser usado, facilitando a
res. Aspectos econômicos corno a estrutura salarial, os me- disseminação das últimas tendêndas por todos os segmen-
canismos de distribuição e o tamanho do mercado de con- tos sociais.
sumidores foram invocados como impedimentos para que Lojas de departamentos, como o Bon Marché em Paris
a moda e o seu efeito trickle-down conseguissem gerar uma e lviarble Dry Goods em Nova York, inauguradas em mea-
democratização do consumo para os demais segmentos dos do século XIX, foram elementos importantes tanto na
sociais. Segundo esses autores, a disseminação da moda disseminação da moda como na democratização do consu-
entre os diferentes segmentos estaria relacionada menos à mo. Elas atiçavam o desejo dos consumidores, fornecendo
democratização do consumo e mais à manutenção de status. um mundo de sonhos e impondo uma nova tecnologia do
Avelocidade com que os estilos se alteravam diminuía a vida olhar ao apresentar as mercadorias em cenários e ao alcance
útil dos produtos, principalmente vestuário e calçados, fa- das mãos dos consumidores sem a obrigatoriedade da com -
zendo com que patrões doassem a seus empregados peças pra. Simultaneamente, ofereciam meios para o finanda-
de indumentárias que não mais se encontravam adequadas mento dos sonhos que suscitavam, como foi o caso do
para o uso nas suas respectivas posições. Entretanto, não crédito direto ao consumidor criado por Aristide Boucicaut,
podemos nos esquecer que nos séculos XVII e XVIII, existia dono do Bon i\farché. A loja de departamentos, um espaço
na Inglaterra uma crescente autonomia econômica que de- de consumo que nunca deitou raízes profundas na socieda-
28 Lívia Barbosa Sociedade de consumo 29

de brasileira, inaugurou padrões de comercialização que Teorias sobre a sociedade de consumo dizem respeito
permanecem até ho}e. O auto-serviço foi um deles, bem à natureza da realidade social. Ivlapeiam e analisam alguma
como o preço fixo das mercadorias. Ela congregm a, debaixo
0
característica que lhe é atribuída como específica e que a
de um mesmo teto, todas as mercadorias necessárias para o define e cogitam sobre o porquê do consumo desempenhar
lar e o vestuário, fornecendo economia de tempo e conforto um papel tão importante no interior da sociedade contem-
aos consumidores das intempéries do tempo e obtendo porânea ocidental. Teorias sobre o consumo, por sua vez,
1ucro através da rápida circulação dos seus estoques e bara- inquirem sobre outras dimensões da vida social. Elas pro-
teando as mercadorias. Estas características de comercíalí- curam respostas para várias questões como, por exemplo,
zaçao inauguradas nesses períodos foram posteriormente os processos sociais e subjetivos que estão na raiz da escolha
consolidadas pelos supermercados no início do século XX de bens e serviços; quais são os valores, as práticas, os
nos Estados Unidos e permanecei:1 como modalidades de mecanismos de fruição e os processos de mediação social a
comercialização ate os dias de ho,ie. Entretanto, é ünportan- que se presta o consumo; qual o impacto da cultura material
te marcar suas origens, pois de tão cotidianas, tornaram-se, na vida das pessoas e, ainda, como o consumo se conecta a
para a maioria de nós, elementos naturalizados de nossas outros aspectos da vida social etc. Embora teorias sobre a
vidas.
sociedade de consumo e teorias de consumo sejam dimen-
Passemos ago:·a à caracterização sociológica da socie- sões intimamente ligadas, correspondem a níveis analíticos
dade de consumo.
distintos da realidade.
Devido às dificuldades conceituais já apontadas, mui-
tos autores preferem falar da sociedade ou da cultura do
Sociedade de consumo: características sociológícas consumo eiou de consumidores recorrendo a temas e recu-
sando uma teorização sobre as suas características socioló-
Embora de uso comum, termos como sociedade de consu- gicas e culturais. Este é o caso de Ben Fine e Ellen Leopold,
mo e/ou de consumidores, cultura de consumo e/ou de em The World of Consumption [O universo do consumo].
consumidores carecem de definiçües precisas. Além disso, Os autores selecionaram cerca de sete temas que considera-
muitos pesquisadores não fazem uma distinção clara entre ram relevantes para o entendimento do que as pessoas
teorias sobre a sociedade e a cultura de consumo e/ou de querem dizer quando se referem à sociedade de consumo.
consumidores e teorias sobre o consumo, como um proces- São eles: as origens históricas da sociedade de consumo; a
so social que começa antes da compra e termina até o identificação entre sociedade de consumo e o período da
descarte final da mercadoria.
produção em massa (mass production);a relação entre con"
30 Uvia Barbosa Sociedade de consumo 31

sumo de massas e sociedade de consumo; o papei de mar- uma revolução doméstica, de transformação da casa em
ketíng e propaganda na sociedade de consumo e a questão uma unidade moderna e da mulher no seu principal agente
do controle e da manipulação; o consumo como um fator e em uma das suas grandes beneficiárias. Neste contexto,
de estratificação social; a relação entre sociedade de consu- Fine e Leopoid deixam de fora os relevantes trabalhos da
mo e afluência; e, por fim, a relação entre pós-modernismo literatura feminista que são de fundamental importância
e consumo. em reavaliar o papel da mulher neste processo.
A sistematização feita por Fine e Leopold, embora A mesma crítica se aplica à discussão do consumo
interessante, deixa algumas lacunas, na medida em que não como criando e estabelecendo diferenças sociais. É impos-
fica claro o critério para a inclusão e a exclusão de certos sível, neste caso, não citar uma líteratura de cunho antropo-
autores em algumas das categorias selecionadas. Mais ainda, lógico, como l\.fary Douglas, Pierre Bourdieu e o precursor
alguns temas encontram-se referenciados a toda uma biblio- de toda esta teoria, Thorstein Veblen. No entanto, nenhum
grafia, enquanto outros parecem se circunscrever a um
deles aparece como autor relevante nos temas selecionados
único autor considerado emblemático por eles. Autores e
em The Worldof Consumption.
temas que deveriam ser discutidos em conjunto, pois apre-
Don Slater é o nosso próximo autor. Em seu livro
sentam continuidade em relação às suas idéias, estão sepa-
Culturado consumo & modernidadeele relaciona a socieda-
rados ou não são mencionados. Por exemplo, o quarto tema,
de e a cultura do consumidor com a modernidade. Para o
que discute a relação de marketing, propaganda e consumo
autor, a cultura do consumidor (consumer culture) é uma
não menciona a tese marxista de manipulação do consumo
cultura de consumo (culture of consumption) e o modo
pelo capitalismo industrial, deixando de fora autores fun-
dominante de reprodução social, embora não o único, de-
damentais para esta posição. Na perspectiva marxista a
senvolvido no ocidente ao longo da modernidade. Ela se
sociedade de consumo seria aquela dominada pelos impe-
rativos do lucro, os quais criam necessidades falsas através encontra relacionada com valores, práticas e instituições tais
da manipulação dos consumidores sem necessariamente como escolha, individualismo e relações de mercado.
gerar folicidade, satisfação ou harmonia. Nesta perspectiva, Embora use o termo consumer culture ao invés de
propaganda e marketing são, portanto, mecanismos menos consumersocíety,Slater privílegia em sua análise os arranjos
de "vender produtos do que de comprar consumidores", sociais, ou seja, as relações, estruturas, sistemas e institui-
como muito bem assínalam Fine e Leopold. ções no interior das quais nossos desejos e necessidades e a
O mesmo ocorre quando estes autores abordam o organização social dos recursos disponíveis se definem mu-
quinto tema, caracterizando a revolução do consumo como tuamente. Slater afirma que se a cultura do consumo está
32 Livia Barbosa Sociedade de consumo 33

associada à modernidade como um todo seria impossível • Cultura do consumidor é a cultura de urna sociedade de
urna única definição. Seu esforço analítico se concentra em mercado. A maioria daquilo que consumimos está sob a
definir a cultura do consumidor através do que ele denomi- fonna de mercadorias. Ou seja, produtos, experiências e
na de indicadores sociológicos. São eles: serviços foram produzidos especificamente para serem ven-
didos no mercado. O acesso das pessoas a essas mercadorias
é conseqüência da distribuição de recursos materiais (di-
e A cultura do consumidor é uma cultura de consumo de
nheiro) e culturais (gosto, estilo de vida etc.) no interior da
uma sociedade de mercado. No mundo moderno o consu-
sociedade) a qual é, também, conseqüência das relações de
mo se tornou o foco central da vida sociaL Práticas sociais,
mercado - salário e classe social. A mesma relação que
valores culturais, idéias, aspirações e identidades são defini-
instaura o assalariado instaura o consumidor. A cultura do
das e orientadas em relação ao consumo ao invés de e para
consumidor é, portanto, a cultura de uma sociedade capi-
outras dimensões sociais como trabalho, cidadania e reli-
talista e é estruturalmente incompatível com uma economia
gião entre outros. Esta característica permite, no ponto de
planejada ou com leis suntuárias.
vista de alguns, descrever a sociedade contemporânea de
uma forma negativa, ou seja como uma sociedade materia-
• A cultura do consumidor é, em princípio, universal e
lista, pecuniária, na qual o valor social das pessoas é aferido
impessoal. A cultura do consumidor é impessoal no sen-
pelo o que elas têm e não pelo o que elas são. Em uma outra
tido que as mercadorias são produzidas para um mercado
perspectiva, mais positiva, permite definir a cultura do con-
de massas e não para indivíduos específicos. O consumidor
sumidor como um universo no qual predomina a autono- não é alguém conhecido, mas um sujeito anônimo que só
mia de escolha e a soberania do consumidor. A cultura do pode ser construído como um objeto. A cultura de mer-
consumo implica também que os valores relacionados às cado é universal porque, em princípio, todos nós somos
atividades de consumo e de mercado transbordem para livres e iguais e podemos, portanto) adquirir o que quiser-
outras áreas que até então era1n apreciadas e certificadas por mos, sem qualquer restrição legal ou de status, desde que
outros critérios. Um bom exemplo desse processo é a im- tenhamos os meios pecuniários para fazê-lo. Da mesma
portação de conceitos como satisfação, cliente, qualidade, forma que a cultura do consumidor não restringe quem
efetividade, eficácia, produtividade, eficiência e resultados pode ter acesso ao mercado, ela também não restringe o
para áreas como educação, saúde e cultura, que até a década que pode ir para o mercado. Isto significa que qualquer
de 1980 não tinham que responder a demandas dessa na- objeto, experiência, atividade, em suma, qualquer coisa,
tureza. pode ser cornoditizada.
34 Livía Barbosa Sociedade de consumo 35

., Cultura do consumidor identifica liberdade com escolha identidade era atribuída pelo pertencimento a grupos de
e vida íntima. Ser um consumidor é fazer escolhas do que status e o consumo era determinado pelo pertencimento
comprar, de como pagar e gerir o seu dinheiro sem qualquer dos indivíduos a estes grupos e regulado por leis suntuárias,
interferência institucional ou de terceiros. O ato de consu- nas sociedades pós-tradicionais a identidade social é cons-
mo é um ato prindo. Primeiro, porque a decisão de consu- truída pelos indivíduos a partir de suas escolhas individuais.
mir ocorre no íntimo de cada um de nós. Segundo, porque Não existem mais instituições que têm o poder de escolher
o ato de consumo não tem significado ou almeja objetivos para nós o que ,·amos ser, o que iremos fazer e com quem
públicos. É este sentido intimo e príndo do consumo que iremos casar. Temos uma única obrigação e constrangimen-
é um dos objetos maiores da crítica social. Se a escolha dos to: escolher. Nesse universo os itens da cultura material que
individuas é baseada nas suas preferências pessoais, o que tradicionalmente significam e sinalizam identidades nas
acontece com certos valores culturais? Como a sociedade sociedades tradicionais parecem ser, mais do que nunca, os
pode se manter unida? construtores dessas identidades. Estas parecem ser mais
uma função do consumo que o contrário.
" As necessidades dos consumidores são ilimitadas e insa-
ciáveis. Na cultura do consumidor as necessidades de cada .. A cultura do consumo representa a importância crescente
um de nós são insaciáveis. Esta sensação de insaciabilidade da cultura no exercício do poder. O poder de escolha do
é interpretada de duas formas distíntas. A primeira a vé indivíduo na esfera do consumo nas sociedades pós-tradi-
como uma conseqüência da sofisticação, do refinamento, da cionais tem sido campo de debate sobre a sua real liberdade
imaginação e da personalização dos deseíos e necessidades de escolha ou submissão a interesses económicos maiores
das pessoas e/ou da vontade indi\·idual de progresso econó- que se escondem por trás do marketing e da propaganda.
mico e social. ,s\ segunda, como uma exigência do sistema Será o consumo uma arena de liberdade e escolha ou de
capitalista para a sua própria sobreví\'é·ncia. A necessidade manipulação e indução? Terá o consumidor efetivamente
deste por um crescimento permanente cria uma ansiedade escolha? Ele é súdito ou soberano, ativo ou passivo, criativo
acerca da possibilidade de atgum dia essas necessidades ou determinado?
serem satisfeitas ou financiadas. Para alguns críticos aquilo que se passa por cultura nas
sociedades capitalistas está a serviço de interesses económi-
., A cultura do consumidor é a forma privilegiada para cos de grupos poderosos. Para outros a cultura está, hoje,
negociar identidade e status em uma sociedade pós-tradi- organizando a economia em aspectos básicos: o valor dos
cional. Ao contrário das sociedades tradicionais onde a bens depende maís do seu valor cultural (de signo) do que
36 Livia Barbosa Sociedade de consumo 37

do seu valor de uso ou de troca. A maioria das mercadorias a cultura do consumidor é a própria cultura pós-moderna.
assume a forma de signos e representações. A continuar esse É a mesma cultura sem profundidade a que Jameson se
desenvolvimento, assistiremos a uma desmaterialização da refere como a "cultura do capitalismo tardio'~ Nessa socie-
economia. dade, à cultura é dado um novo significado através da
saturação de signos e mensagens ao ponto em que tudo na
Don Slater conclui sua discussão sobre as teorias da cultura vida social foi transformado em cultura.
do consumidor alertando para o perigo de transformá-la Os três grupos de teoria identificados por Featherstone
em uma questão de mera preferência do consumidor. Para são: a produção do consumo, os modos de consumo e o
ele, elas também precisam ser compreendidas como parte consumo de sonhos, imagens e prazeres. A primeira dessas
de uma história dos tempos modernos.
divisões - a produçãodo consumo- entende a cultura do
Mike Featherstone é o nosso próximo autor. Em seu
consumidor como uma conseqüência da expansão capita-
livro Cultura de consumo e pós-nwdernismo adota uma es-
lista e do grande impulso trazido à produção pelos métodos
tratégia diferente dos autores anteriores para falar da socie-
taylorístas e fordistas. A necessidade de criar novos merca-
dade de consumo. Ele reúne o que identifica como diferen-
dos e "educar" as pessoas para serem consumidores criou
tes teorias sobre a cultura do consumidor em três grandes
mecanismos de sedução e manipulação ideológicas das pes-
grupos e as associa, ao contrário de Slater, com a pós-mo-
soas através do marketing e da propaganda. Embora sauda-
dernidade. Featherstone define cultura do consumidor
das por alguns como emancipadora, como levando a um
como: "usar o termo 'cultura do consumidor' é enfatizar que
maior igualitarismo e liberdade individual, a cultura do
o mundo das mercadorias e os seus princípios estruturais
são centrais para o entendimento da sociedade contempo- consumidor é vista por outros como desintegradora e res-
rânea. Isto envolve uma dupla perspectiva: primeiro, na ponsável pelo afastamento das pessoas de valores e tipos de
dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso dos relações sociais consideradas mais verdadeiras, autênticas.
bens materiais como comunicadores e não apenas utilida- Essa perspectiva sobre a cultura do consumo e/ou dos
des; e segundo, na economia dos bens culturais, os princí- consumidores é compartilhada igualmente tanto por eco-
pios de mercado como oferta, demanda, acumulação de nomistas clássicos como por neomarxistas. Aliás, é essa
capital, competição e monopólio operam no interior da comunhão de visões acerca do consumo como uma conse-
esfera dos estilos de vida, bens culturais e mercadorias." qüência das necessidades da produção em massa oriunda
Aliás, é importante observar que a ligação entre cultura da revolução industrial que levou a uma visão estritamente
do consumidor (consumer culture) e a pós-modernidade é economicista do consumo, como muito bem nos chama a
central para Featherstone e vários outros autores. Para eles atenção Míller. A diferença entre esses dois grupos reside na
38 Livia Barbosa Sociedade de consumo 39

questão do controle sobre os consumidores empreendida culture mas sim sociedade de consumo. Para ele, "sociedade
pela grande indústria, subsidiada pela propaganda e pelo de consumo é aquela em que o signo é a mercadoria." Por
marketing, adotada pelos marxistas e neomarxistas versusa isto ele quer enfatizar o descolamento definitivo do valor de
sua autonomia de escolha, esposada pelos economistas clás- uso do valor de troca da mercadoria e sua associação exclu-
sicos e liberais. siva com o aspecto simbólico. Para Baudrillard, a atividade
Featherstone, vai centrar sua atenção nas interpreta- de consumo implica na ativa manipulação de sígnos, fun-
ções neornarxistas. A ênfase maior de Featherstone é sobre damental na sociedade capitalista, na qual mercadoria e
as implicações para a cultura do consumo advindas da signo se juntaram para formar o co1nmodi(Ysign.A autono-
interpretação da escola de Frankfurt. A primeira diz res- mia do significado através da manipulação da mídia, da
peito à indústria cultural. Nesta, merecem atenção a trans- propaganda e do marketing indica que os signos estão livres
formação da cultura em mercadoria, a submissão dos de vinculação com objetos particulares e aptos a serem
"consumidores culturais" à lógica do mercado e à redução usados em associações múltiplas. lv1ercadorias da vida coti-
dos valores da alta cultura aos mais baixos denominadores, diana sem nenhum glamour têm os seus respectivos signi-
pela ausência de padrões e instituições que estejam inves- ficados originais e funcionais inteiramente neutralizados.
tidos de autoridade para discriminar e hierarquizar a Esta autonomia do significado em relação ao signífi-
produção cultural. A lógica do mercado coloca tudo e todos cante torna a sociedade de consumo ou sociedade pós-mo-
no mesmo nível. A segunda diz respeíto à obliteração do derna um universo social saturado de imagens. E a super-
valor de uso em refação ao valor de troca, Esse processo produção de signos e reprodução de imagens leva a uma
permite que as mercadorias se tornem livres para múltiplas perda do significado estável e a uma estetização da realidade,
associações. Segundo Featherstone, marketing e propagan- na qual o pastiche se torna mais real que o real, se torna
da tornam-se, por conseguinte, "capazes de explorarem e hiper-real. O presente se torna o tempo permanente e as
associarem imagens de romance, aventura, exotismo, de- imagens são unidas cacofonicamente, sem qualquer preo-
sejo, beleza, realização, progresso científico a mercadorias cupação com uma lógica histórica que as reúna numa nar-
mundanas tais como sabão, máquinas de lavar, carros e rativa cronológica e espacialmente coerente. Linguagens
bebidas alcoólicas''. visuais do tipo videoclipe e canais de televisão como a l\fIV
Jean Baudrillard é o autor ícone das teorias sobre a são exemplos significativos disso. É essa predominància do
produção do consumo. Ele se distingue dos demais pelo uso signo como mercadoria que levou os neomarxistas a enfa-
que faz da semiología. Baudrillard - é bom frisar porque tizarem o papel crucial da cultura na reprodução do capita-
Featherstone não o faz - não utiliza o termo consumer lismo contemporâneo.
40 Livia Barbosa Sociedade de consumo 41

Featherstone chama atenção para o fato de que a teoria cionaís (mercadorias cu,io prestígio se deve à imposição de
da produção do consumo, na sua versão neomarxista tem uma escassez artificial de oferta) requerem investimentos
dificuldade em dar conta das novas práticas e experiências em tempo, dinheiro e conhecimento para serem utilizados
de consumo. A perspectiva frankfurtiana de olhar a indús- apropriadamente e de forma que seus usuários consigam
tria cultural como produzindo uma cultura· de massa ho- transferir as propriedades simbólicas atribuídas às merca-
mogênea que ameaça a individualidade e a criatividade dorias para si mesmos, enquanto categorias de pessoas.
pode ser criticada pelo seu elitismo e inabilidade de exami- Nessa parte, os autores centrais são Mary Douglas e Baron
nar os processos reais de consumo que revelam respostas Isherwood e Pi.erreBourdieu e os temas são as formas pelas
complexas e diferenciadas por parte de audiências distintas. quais as mercadorias são usadas para comunicar e diferen-
Dentro do mesmo espírito da crítica anterior, conside- ciar socialmente as práticas e estratégias de consumo de
ro importante lembrar que a preocupação com o controle diferentes segmentos sociais e suas implicações para a for-
e a produção de consumidores, tão discutida pela teoria mação de hábitos, identidades e diferenciações. Entretanto,
crítica e peios neornarxistas, apresenta alguns sérios proble- julgo importante frisar que por mais relevantes que sejam
mas. O primeiro deles é que, embora os consumidores, as contribuições desses autores na compreensão dos signi-
como os operários, possam ser vistos como controláveis ficados e mecanismos relacionados às atividades de consu-
pelos capitalistas com o objetivo de aumentar seus lucros, a mo na sociedade ocidental contemporânea é difícil perceber
linha entre persuasão e controle é muito mais difícil de nos trabalhos de ambos uma teoria sobre a sociedade de
definir na esfera do consumo do que na produção. consumo, de consumidores ou sobre a cultura de consu-
É interessante enfatizar que não existe punição para o midores.
não-consumo ou obrigatoriedade para fazê-lo. Em suma, No caso de Bourdieu, o consumo nem era o seu foco
enquanto diversas instituições sociais possuem poder de analítico. Ele buscava novas formas de estudar e abordar as
coerção sobre as pessoas, o mesmo não ocorre quando se relações sociais. La distinction tinha justamente este objeti-
trata de consumidores. vo. Apoiado em amplo material empírico sobre o gosto das
A segunda divisão proposta por Feartherstone - mo- pessoas, Bourdieu desenvolve uma complexa tese na qual
dos de consumo- refere-se a uma lógica de consumo que ele enfatiza a centralidade das práticas de consumo na
sinaliza para formas socialmente estruturadas pelas quais as criação e manutenção de relações sociais de dominação e
mercadorias são usadas para demarcar relações sociais. No submissão. Os grupos dominantes, segundo o autor, procu-
interior da cultura do consumidor persiste uma economia .ram possuir ou estabelecer o monopólio de bens posicio-
de prestígio, na qual mercadorias escassas eíou bens posi- nais. Mas, na sociedade de consumo contemporânea, a
42 Livia Barbosa Sociedade de consumo 43

situação desses bens é profundamente instável, com uma visões de mundo semdhantes e fecharem as portas para
inflação permanente dos mesmos à medida que os bens excluírem aqueles que não compartilham das mesmas. Esse
posicionais passam a ser comercializados para uma popu- é justamente o caso do conhecimento sobre as artes. Dou-
lação maior ou sofrem queda no mercado, provocando uma glas e Isherwood argumentam que para os consumidores o
corrida social constante das pessoas para novos bens a fim consumo é menos um prazer em si mesmo e mais uma
de conserv2rem distinções de status reconhecíveis. Nesse forma prazerosa de preencher obrigações sociais.
cenário, a moda deve ser vista como um processo de obso- Como indicado acima, o fato de que tanto Bourdieu
lescência cultural programada. À medida que ela se disse- quanto Douglas e Isherwood estarem preocupados com o
mina pelo interior da sociedade ela deixa de ser um diferen- consumo enquanto uma atividade social mediadora de ma-
cial para alguns grupos e um novo ciclo para um novo neira alguma invalida a contribuição de ambos. Entretanto,
produto é estabelecido. é ditícíl ver em que medida o fato das mercadorias serem
No caso de Douglas e Isherwood o foco de O mundo usadas para demarcar relações sociais e a existência de uma
dos bens também não era nenhuma teoria sobre a sociedade economia de prestígio que requer investimento de tempo,
de consumo. O público para o qual se dirigiam também não dinheiro e conhecimento seja específico à cultura do con-
era de antropólogos, sociólogos e críticos da sociedade de sumidor. Fazer uso da cultura material para fins estritamen-
consumo, mas sim economistas e a economia. O livro ques- te simbólicos e utilizar objetos e mercadorias como diferen-
tiona as pressuposições em que a economia se baseia para ciadores ou comunicadores sociais é um processo utilizado
elaborar a sua teoria sobre o consumidor. Douglas e Isher- , em todas as sociedades. Os véus dos tuaregues, uma noiva
\VOOd estão preocupados em entender a forma pela qual as indiana ou ocidental no dia da celebração do seu casamento
mercadorias são usadas pelas pessoas para estabelecer as são monumentos ao uso da cultura material para fins sim-
fronteiras da relação social. Eles demonstram que o uso que bólicos, não só para utilizá-la como um sistema de comu-
fazemos das mercadorias é relacionado apenas em parte ao nicação, como para discriminar, excluir e/ou incluir pessoas
consumo físico das mesmas 1,utilídade e satisfação), sendo em determinados grupos, status e contextos.
crucial o seu uso enquanto marcadores sociais no interior Um conhecimento maior sobre a cultura do consumi-
de um sistema informacional. O componente informacio- dor ou a sociedade de consumo poderia ser obtido caso os
nal das mercadorias aumenta na medida em que as pessoas mecanismos de diferenciação e comunicação social, as es-
sobem na escala social. As pessoas pertencentes aos extratos tratégias de obtenção de prestígio, de exclusão e de "denún-
médios e superiores usam a informação sobre bens e servi- cia" de pessoas através da manipulação de bens posicionais,
ços para construírem pontos de contato com pessoas com apontados por esses autores em relação à sociedade contem-
44 Livia Barbosa Soc1edade de consumo 45

poránea, fossem comparados aos de outras sociedades, ou prazer, do lúdico, do exótico e do novo que perpassa os
mesmo aos de várias sociedades no ínterior do largo espec• espaços físicos de consumo contemporâneo. Enquanto al-
tro das sociedades contemporàneas. Isto possibilitaria a vo-uns autores vêem nisso uma diluição das fronteiras entre
identificação de estratégias de uso e exposição de bens, arte e vida cotidiana e todo o conjunto de associações
processos de demarcação social e agentes sociais específicos negativas relacionadas à cultura pós•moderna, outros,
à sociedade de consumo contemporânea l'Ís-à-vís as demais. como Walter Beníamin enfatizam a dimensão utópica, ou o
O terceiro grupo de teorias identificado por Feather- momento positivo da produção em massa de mercadoria
stone - consumo de sonhos, imagens e prazeres - salienta que libera a criatividade da arte e a permite migrar para a
a dimensão dos prazeres emocionais associados ao consu- multiplicidade dos objetos contemporâneos.
mo, mais especificamente os son;1os e de~ejos que são cele- Featherstone conclui sua apresentação das diferentes
brados no imaginário da cultura do consumidor, que estão perspectivas teóricas sobre a cultura do consumidor con-
objetificados de forma particular em espa-;os físicos de con- cluindo que no seu interior persistem economias de presti-
sumo corno shopping centers, parques temáticos, lo,ias de gio e simbólicas. As primeiras, demandando investimentos
departamentos, entre outros que geram sensações físicas e consideráwís em tempo, dinheiro e conhecimento para que
prazeres estéticos. os bens posicionais sejam manuseados apropriadamente,
Featherstonc quer com esse terceiro grupo de teorias de forma que estes possam ser utilizados para indicar o
chamar nossa atenção para a existência de fórças contradi- status de seu usuário. As segundas, propiciando sonhos e
tórias existentes no interior da sociedade contemporánea. satisfação emocional individual através de seus signos, ima-
Essas estimulam a produção e o trabalho árduo ao mesmo gens e mercadorias simbólicas.
tempo em que prometem o prazer e a satisfação das neces- Bauman é um autor extremamente importante para os
sidades e dcseios através da superação da escassez. A partir nossos propósitos na medida em que suas teses são extre-
daí cria-se um dilema: a produção leva ao excesso; tr,as o mamente difundidas e defendidas no Brasil e se caracteri-
que fazer com isso? zam por um tom profundamente pessimista e moralizante.
Estes excessos e desregramentos do mundo de consu- As teses de Bauman encontram-se distribuídas por diferen-
mo contemporàneo não são tão novos assim. A dimensão tes trabalhos, nos quais ele analisa distintas categorias so-
carnavalesca do universo medieval também transformava ciais e o impacto da sociedade de consumo sobre as mesmas.
os espaços de racionalidade econômica - as feiras - em Seu mais recente trabalho - "Consuming Life" [Vida que
lugares de prazeres, desregramento e exposição do exótico. consome] - oferece, contudo, uma visão concisa sobre o
Esta interpretação parece ser a oferecida para a esfera de que esse autor pensa sobre a natureza da sociedade de
46 Livia Barbosa Sociedade de consumo 47

consumo, o consumo e o seu impacto desagregador na vida pio do prazer no principio de realidade; de uma ameaça à
das pessoas. estabilidade da vida social, transmutou-o em seu principal
Para Bauman a característica distintiva da sociedade de alicerce.
consumo não é o alto grau de consumo em si, mas a O que levou a esse estado de coisas e quaís as conse-
desvinculação deste de qualquer função pragmática ou ins- qüências dessa situação? Para Bauman os responsáveis por
trumental. Em formações históricas e sociais antériores esta situação são dois séculos de capitalismo. Mas essa res-
existiam necessidades biológicas e sociais que eram circuns- ponsabilidade é compartílhada entre capitalistas, profissio-
critas e justificadas por padrões sociais d.edecência, proprie- nais de marketing e os próprios consumidores. Sob circuns-
dade ou "good life" (no sentido moral de uma vida digna). tâncias de vida adversas, argumenta o autor, muitas vezes
Contudo, na sociedade de consumo contemporânea as "ne- um comportamento irracional pode conter uma estratégia
cessidades" adquiriram uma nova plasticidade, que nos racional e oferecer uma opção, também racional, entre as
eximem de justificá-las por referência a qualquer critério. O disponíveis. São as chamadas conseqüências não antecipa-
prazer que elas proporcionam lhes confere legitimidade. das das ações sociais. As implicações desse estado de coisas
Assim, "na sociedade do consumidor, o consumo é o seu são a "subjetivação e individualização dos riscos e contradi-
próprio fim e por conseguinte é autopropulsor': ções produzidos por instituições e pela socíedade. Em resu-
O que impele a sociedade de consumo não é um con- mo, os indivíduos estão condenados a procurar soluções
junto fixo, circunscrito e finito de necessidades, mas o desejo individuais para contradições sistêmicas. Uma tarefa im-
(desire)e agora na época do capitalismo tardio o capricho possível..., algo que desafia a lógica e que não pode ser
(wish). Ambos são fenômenos essencialmente evasivos e levado a cabo de uma maneira que lembre remotamente
efêmeros, que prescindem de justificação ou apologia em urna solução coerente e sistemática."
tomo de um objetivo ou causa. O que têm em comum é a Várias críticas poderiam ser feitas às teses de Bauman.
dimensão auto-referente de ambos e o que os diferencia é o Primeiro, a combinação entre crítica moral e filosófica à
grau de volatilidade de um e de outro. Enquanto o desejo sociedade de consumo e teoria sociológica. Existe um claro
liga o consumo a dimensões de auto-expressão, gosto e tom moral condenatório do prazer individualista e uma
classificação, o capricho se caracteriza pela sua dimensão avaliação utópica de épocas anteriores sem qualquer funda-
casual, espontânea e aleatória. Enquanto o desejo se enraíza mentação histórica ou sociológica. Segundo, se por um lado
na comparação, na vaidade, na inveja e na necessidade de podemos verificar tendências na díreção em que ele aponta,
aprovação, o capricho, como todos os caprichos, é infantil podemos registrar, concomitantemente, fortes tendências
e inseguro. A sociedade de consumo transformou o princí- na direção inversa. Se a rede de proteção das contradições
48 Livia Barbosa Sociedade de consumo 49

sistémicas oferecida pelo Estado ao indivíduo tem sofrido dos poucos autores que tém uma teoria sobre a sociedade
ataques nos últimos anos é bom lembrar que na época de consumo e sobre o consumo, ou seja uma teoria sobre a
histórica a que genericamente se refere Bauman, em que o natureza da realidade na sociedade de consumo e outra
princípio do prazer não era ainda o princípio da realidade, sobre por que consumimos - ambas claramente discerní-
sequer existia qualquer tipo de proteção. É bom lembrar que veis uma da outra, embora coerentes e intimamente inter-
o Estado do bem-estar social surgiu justamente como forma ligadas. Suas idéias mais importantes estão sintetizadas, na
de proteção aos desequilíbrios sistémicos do capitalismo minha perspectiva, no hoje clássico A ética romântica e o
praticados por sociedades capitalistas. Além disso, mesmo espíritodo consumismo moderno e no artigo "I Shop there-
sob ataque, esta rede nunca protegeu todas as pessoas mas fore I know that I am: The Metaphysical Basis of :C.fodern
apenas certos grupos que detêm poder sobre o Estado, Consumerism" [Eu compro logo sei quem sou: as bases
deixando de fora - até alguns anos atrás e ainda hoje - metafísicas do consumismo moderno].
milhões de pessoas. Também é importante registrar que em CampbeH considera que o consumismo moderno, da
nenhuma época anterior a sociedade civil se mobilizou mesma forma que Bauman, caracteriza-se primeiro pelo
tanto através de dispositivos institucionais (ONGs) para lugar ocupado pela emoção e pelo desejo na nossa subjeti-
criar novas redes e formas de segurança, proteção e vigilân- vidade, o que faz com que procuremos mais a gratificação
cia da sociedade sobre si mesma de forma a beneficiar o dos mesmos do que a satisfação de necessidades. E, segundo,
maior número de pessoas possível. Uma terceira objeção é: pelo seu caráter irrestritamente individualista. A ideologia
quem é esse agente social que vive sob a égide do princípio individualista atribui um valor extraordinário ao direito dos
do prazer? Se não é difícil identificar alguns segmentos na indivíduos de decidirem por si mesmos que bens e serviços
sociedade contemporânea que parecem assim faze-lo, é desejam obter. Enquanto as necessidades de uma pessoa
mais fácil ainda encontrar aqueles que vivem, trabalham e podem ser objetivamente estabelecidas, os nossos desejos
desejam sobre a égide do principio de realídade.1fais ainda, podem ser identificados apenas sub,ietivamente.
uma rápida enquete sociológica nos indicaria, sem qualquer Embora ambos os autores estejam próximos em rela-
dificuldade, interpretações bastante distintas acerca da mo- ção às duas características básicas da sociedade de consumo,
tivação e de como as pessoas interpretam o mundo e suas o significado atribuído por Campbell a ambas e a sua fun-
ações que soariam bastante distintas das que Bauman _julga damentação sociológica divergem frontalmente das de Bau-
que elas o fazem. man. Enquanto Bauman vê no consumismo moderno uma
Colin Campbell é o último autor que iremos examinar. fonte de desagregação social e individualização no sentido
O interessante acerca do seu trabalho é o fato de ele ser um negativo, Campbell, ao contrário, considera que o consu-
Sociedade de consumo 51
50 Livia Barbosa

mismo moderno, ao invés de exacerbar a "crise de identida- padrão de gratificação das pessoas ocorrido em torno do
de" tão di.scutida pelos pós-modernos, é na verdade uma século XV!l. Nessa época teríamos passado do hedonismo
atividade através da qual os indivíduos conseguem resolvê- tradicional para o moderno.
la. Identidades tribais, classe, gênero, grupo étnico, idade e O hedonismo tradicional se caracteriza pelo prazer
outras variáveis sociais funcionam como uma moldura para oriundo das sensações. Ele se ancora nos sentidos e na
os parâmetros que me definem quem verdadeíramente eu satisfação que esses podem obter dos estímulos exteriores.
sou. O nossos selves são definidos pelos nossos gostos e As experiências são valorizadas na medida em que geram

preferências pessoais e o consumo funciona,nesse contexto, prazeres.


como uma avenida de conhecimento e reconhecimento do Por outro lado, o hedonismo moderno caracteriza-se
que sou. Qual o caminho percorrido por CampbeH para pelo deslocamento da preocupação primordial das sensa-
chegar a essas conclusões~ ções para as emoções. O hedonismo moderno nos permite
Em A ética romântica e o espíritodo consumismo mo- evocar estímulos através da imaginação e na ausência de
derno Campbell propõe duas teses distintas. A primeira é a qualquer sensação gerada a partir do mundo exterior. Esse
de que o romantismo foi um dos ingredientes fundamentais controle ocorre através do poder da imaginação, que pro-
na formação da sociedade de consumo moderna, e a segun- porciona a ampliação das experiências agradáveis. Isso re-
da, que o consumo moderno é oriundo de urna mudança sulta não só do fato de não existirem quaisquer restrições à
na concepção das fontes do prazer, ou seja na estrutura do faculdade da imaginação, como também de que esta se
hedonismo, da subjetividade moderna. encontra dentro do próprio controle do hedonista.
Campbell afirma que o que caracteriza a sociedade de No hedonismo tradicional o papel da imaginação na
consumo moderna é a insaciabilidade dos consumidores. antecipação do prazer da experiência está basicamente re-
Assim que um desejo ou "necessidade" é satisfeito, outro já lacionado à memória. As imagens são apenas tiradas do
se acha à espera. Esse processo é incessante e ininterrupto. passado e empregadas como são. A imaginação não se en-
Essa sucessão interminável de "necessidades vitais", que contra sobre a autodireção do indivíduo. No hedonismo
surgem umas de dentro das outras, é qualificada. Não é a moderno, por oposição, a imaginação do indivíduo se en-
simples permanência de um sentimento de insatisfação, de contra sob o seu controle absoluto. Aqui, "o indivíduo é
um eterno "querer mais", mas a existência de uma insacia- muito mais um artista da imaginação, alguém que tira
bilidade para com novos produtos. imagens da memória ou das circunstâncias existentes e as
rvfas qual a origem dessa insaciabilidade por coisas redistribui ou as aperfeiçoa de outra maneira em sua mente
novas? Para Campbell ela se encontraria na alteração no de tal modo que elas se tornam distintamente agradáveis".
52 Livia Barbosa Sociedade de consumo 53

É como se nos tornássemos atores, diretores e platéia dos do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro, em
"filmes"que criamos na nossa imaginação, .c\ada do que grande parte, um resultante desse hedonismo mentalístico.
entre na nossa composição auto-ilusiva o faz sem a nossa A partir dessa perspectiva tanto a ênfase na novidade
permissão e sempre com a intenção de tornar a experiência quanto na insaciabilidade podem ser explicadas, Outras
emocional, desencadeada via imaginação, mais intensa e implicações podem ser retiradas das proposições de Camp-
prazerosa. Enquanto a fantasia não tem nenhum compro- bell, que vão de encontro ao pensamento estabelecido sobre
misso com a realidade e possibilidades de realização na a sociedade de consumo moderna. A primeira delas é a de
medida em que não possui limites o sonho auto-ilusivo, o que o espírito do consumismo moderno "é tudo, menos
daydream, ao contrário) tem uma relação de possibilidade e materialista". Se os consun1idores desejassem realmente a
probabilidade com esta última. É justamente esta dimensão, posse material dos bens, se o prazer estivesse nela contido,
junto com o autocontrole, que me permite calibrar tudo e a tendência seria a acumulação dos objetos, e não o descarte
todos os envolvidos 1 que o torna imensamente sedutor, na rápido das mercadorias e a busca por algo novo que possa
medida em que se criam fantasias convincentes. Todos esses despertar os mesmos mecanismos associativos. O desejo
elementos ''alteram drasticamente a natureza do hedonis- dos consumidores é experimentar na vida real os prazeres
mo, pois não apenas o homem moderno colhe prazer em vivenciados na imaginação, e cada novo produto é percebi-
suas fantasias mas, deleitando-se com elas, muda radical- do como oferecendo uma possibilidade de realizar essa
mente sua concepção do lugar do prazer na vida real." ambição. Ivfas) corno sabemos que a realidade sempre fica
~1as como se dá a relação entre o daydream (o 1neca- aquém da imaginação, cada compra nos leva a uma nova
nismo de controle da imaginação), a vida cotidiana e o desilusão, o que explica a nossa determinação de sempre
consumo? No contexto do hedonismo moderno os bens e achar novos produtos que sirvam como objetos de deseJo a
serviços se transformam em "detonadores" de daydreams. serem repostos.
Os consumidores não procuram nos produtos e serviços Uma outra implicação diz respeito ao papel manipula-
tanto as famosas "satisfações das necessidades" como o dor atribuído ao marketing e à propaganda no consumo
prazer das experiências auto-ilusivas que constroem com moderno. Ora, se a fonte da nossa insaciabilidade por novos
suas "significações associadas'~ A partir de um bem ou produtos se encontra na forma corno obtemos prazer- no
serviço um conjunto de associações prazerosas pode ser caso através do devaneio auto-ilusivo - marketing e pro-
feito. Nessa perspectiva, portanto, a atividade fundamental paganda não possuem nenhuma influência neste processo.
do consumo não é a seleção, a compra ou o uso dos produ- Levando até as últimas o raciocínio que a teoria de Camp-
tos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem bell nos permite, eles até nem precisariam existir para que
54 Lívia Barbosa Sociedade de consumo 55

o consumo moderno fosse exatamente o que ele é. No "vendidos" (no sentido de impostos), mas sim "comprados"
contexto atual, marketing e propaganda seriam no máximo (no sentido de escolhidos) pelos consumidores? Ou seja, os
sistemas de oferta de informação de novos produtos e ser- anunciantes, na realidade, têm que convencer seus possíveis
viços que vão detonar novas possibilidades de daydreams. consumidores de que seus produtos são aqueles que melhor
Aliás, a .interpretação de Campbell encaminha melhor material lhes dão para os seus daydreams?Mais ainda, não
alguns problemas que parecem patinar em outros conte1,,_1:0S são os anunciantes eles mesmos consumidores de uma
teóricos. Um deles é o da verdadeira influência de propa- sociedade de consumo caracterizada por um tipo de hedo-
ganda e marketing na indução à compra. Segundo pesqui- nismo auto-ilusivo? Poderiam eles maquiavelícamente es-
sas, apenas um pequeno percentual de compras é resultado capar do mundo no qual se encontram?
direto da propaganda. Sendo assim, o que então levaria os O commodity sign de Baudrillard, enfatizado como
consumidores a comprar? Mais ainda, outras pesquisas in- uma distorção do capitalismo pela obliteração do valor de
dicam que a maioria das pessoas declaram não acreditar no uso e de troca dos produtos, poderia ser encarado como
que os anúncios dizem; neste caso, quem está sendo mani- uma confirmação do poder e da influência do hedonismo
pulado? Devo, por uma defesa intransigente de uma pers- auto-ilusivo na sodedade e no consumo contemporâneo.
pectiva teórica, continuar ignorando o que as pessoas dizem Se o capitalismo cria necessidades para poder se auto-re-
a respeito de seus próprios hábitos, valores e concepções? produzir, e o seu espraiamento no mundo indica que ele
Devo ignorar, também, que as pessoas manipulam ativa e foi bem-sucedido, por que, então, ele haveria de criar a
simbolicamente os produtos e serviços que adquirem a necessidade do "sonho"? Além disso, se conscíentemente
partir de seus próprios desejos? Ou devo arrogantemente sei que ele cria necessidades que não existem - o que
afirmar que elas não sabem que estão sendo enganadas, indica uma capacidade de crítica sobre a realidade-, por
porque não possuem a informação que eu, intelectual, que subitamente esta capacidade de crítíca se esvai e "eu
possuo? compro uma necessidade que sei que não existe dentro de
Um outro aspecto a ser considerado é que desde a mim"? Que tipo de indivíduo consciente e livre é o
década de 1980 a dimensão e1,,_-pressiva dos produtos tem consumidor moderno que exercita sua reflexividade para
sido sempre a mais valorizada nos anúncios, com a propa- algumas coisas e não para todas? A liberdade dos signos
ganda investindo pesadamente no sonho, na aventura, no de serem acoplados a produtos diferentes não é mais um
risco, na audácia, na amizade, no romance etc., resumindo, reforço na idéia de que o consumismo moderno se revela
em ingredientes essencialmente românticos. Será que isto mais pelas representações dos produtos do que pelos
não é feito porque na verdade os produtos não são mais próprios produtos?
Sociedade de consumo 57
56 Livia Barbosa

Além disso, em relação à questão da identidade e sistematização, gostaria de apresentar um quadro no qual
consumo, as teses do autor fornecem outra alternativa procurarei enumerar, a partir dos diferentes autores, as
teórica às afirmações sobre a dissolução e as múltiplas características e discussões que podem ser associadas mais
identidades do sujeito pós-moderno. A idéia de que o à sociedade de consumo e aquelas que dizem respeito

consumo ocupa na vida contemporânea o lugar de outras preponderantemente à cultura do consumo ou do consu-
instituições que não possuem mais legitimidade para de- midor.
finirem o que somos e devemos ser - e, portanto, somos
aquilo que possuímos, e como tal somos sujeitos descons- Sociedade de consumo Cultura de consumo
truíveis e permanentemente mutáveis - pode ser contra- l. Sociedade capitalista e de 1. Ideologia individualista;
posta a uma outra perspectiva. Qual seja, o verdadeiro local mercado;
da nossa identidade deve ser encontrado não nos produtos
2. Acumulação de cultura mate- 2. Valorização da noção de li-
que consumimos ou naquilo que possuímos, mas na nossa rial sob a forma de mercadorias berdade e escolha individual;
reação a eles. Para Campbell nós nos descobrimos ao nos e serviços;
expormos a uma grande variedade de produtos e senriços. 3. Compra como a principal 3. Insaciabilidade;
E é através da monitoração de nossa reação a eles, obser- forma de aquisição de bens e
serviços;
vando o que gostamos e detestamos, que vamos descobrin-
do quem verdadeiramente somos. Como o autor conclui, 4. Consumo de massas e para as 4. Consumo como a principal
o consumo na sociedade de consumo moderna não deve massas; formade reprodução e comuni- ·
cação social;
ser visto como uma busca desesperada pela ausência de
significado, mas a solução desta busca. O consumo na 5. Alta taxa de consumo indivi- 5. Cidadania expressa na lin-
dual; guagem de consumidor;
sociedade contemporânea oferece o significado e a iden-
tidade que todos nós buscamos, e é justamente através 6. Taxa de descarte das merca- 6. Fim da distinção entre alta e
dorias quase tão grande quanto baixa cultura;
dessa atividade que descobrimos quem somos e consegui- a de aquisição;
mos combater o nosso sentimento de insegurança onto-
7. Consumo de moda (novida- 7. Signo como mercadoria;
lógica.
de);
Como vimos pela revisão anterior sobre as teorias da
sociedade e cultura de consumo, é extremamente complexa 8. Consumidor como um agen- 8. Estetização e cornoditização
te social e legalmente reconheci- da realidade.
a tarefa de delimitar as suas fronteiras e os temas e questões do nas transações económicas.
que ela envolve. Contudo, a título de simples exercício de
58 Livia Barbosa Sociedade de consumo 59

Estudos de consumo no Brasil como destruindo as diferenças significativas entre as pes-


soas e sociedades; como a força primordial por trás da
No Brasil grande parte dos temas e da literatura sobre americanização do mundo; como um fenômeno intima-
consumo é ainda pouco conhecida. O que predo1nina entre mente ligado à dominação capitalista; ou seja, que a cultura
nós é uma visão do consumo e da sociedade de consumo do consumo é um aspecto geral da erosão da cultura como
influenciada pelos trabalhos da escola de Frankfurt (Ador- um todo.
no e Horkheimer) e pelo trabalho de Herbert cvlarcuse e Na sua segunda versão o que é enfatizado é a visão do
Baudrillard. Essa visão é bastante destituída de qualquer consumo como oposto à sociabilidade. O consumo é apre-
perspectiva crítica e fundamentação empírica, na medida sentado como baseado em uma visão de mundo essencial-
em que não existe uma tradição acadêmica brasileira que mente materialista e em desejos irracionais por mercadorias
tenha feito investimentos na análise do consumo e da socie- que levam as pessoas a se preocuparem mais com os bens
dade de consumo. Por conseguinte o que se observa é uma do que os demais seres humanos, afetando e diminuindo a
repetição mecânica do que disseram os autores menciona- parcela de humanidade em cada um de nós.
dos anteriormente sobre a sociedade européia e norte-ame- A terceira versão sobre o consumo privilegia uma su-
ricana, principalmente no âmbito da produção e do consu- posta oposição entre consumo e autenticidade. Afirma-se
mo cultural. Não se cogita que as questões filosóficas e as que o aumento do consumo é acompanhado por uma perda
características da sociedade de consumo levantadas por eles de autenticidade e de profundidade das pessoas, caracteri-
possam receber outras interpretações. Nem mesmo que os zada por uma relação irracional com a cultura material, em
processos sociais e culturais a que foram submetidas as relação à qual o que é privilegiado é a dimensão expressiva
sociedades modernas européias e norte-americanas possam dos bens e produtos em detrimento da funcional e utilitária.
ter efeitos e significados distintos em uma sociedade com O aumento do consumo de massa é, pois, visto como neces-
características sociológicas definidas como pós-modernas, sariamente oposto ao nosso envolvimento com a produção.
como é o caso brasileiro, e que nunca realizou, plenamente, A quarta e última versão sobre o significado do consu-
o projeto moderno. mo e da sociedade de consumo enfatiza a idéia de que o
Ainda assim, é possível se identificar no ambiente consumo "produz" tipos humanos específicos. O consumo
acadêmico brasileiro quatro versões distintas sobre a so- induz as pessoas à imitação, à competição por status como
ciedade de consumo e o significado do consumo, que um dos principais modos de relações sociais, ao individua-
ironicamente são compartilhadas tanto por conservadores lismo, ao consumo conspícuo e a sua exibição em detrimen-
como por marxistas. Na primeira, o consumo aparece to de outras formas de sociabilidade e, por fim, apregoa que
60 Livia Barbosa Sociedade de consumo 61

a sociedade de consumo é mais hedonística do que outras os seus pesquisadores, pensam criticamente o mundo, fa-
formas de sociedade. zem escolhas, rejeitam comportamentos e idéias etc.
Em termos de produção acadêmica efetiva, trabalhos Existem também poucas publicações que acolhem ma-
que tenham como tema o consumo são praticamente terial sobre assuntos relacionados ao consumo de modo
inexistentes. Em pesquisa realizada por Livia Barbosa e geral, tais como moda como um fenômeno social típico
Laura Gomes em dois dos maiores centros de pós-gradua- das sociedades modernas, consun10 cultural, religioso,
ção no Brasil - Instituto Universitário de Pesquisa do alimentar ou mesmo a relação importante da atualidade
Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) e no Programa de entre consumo e cidadania e as fontes de autoridade do
Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade consumidor.
Federal do Rio de Janeiro (Museu Nacional) - ambos Via de regra, as poucas pesquisas empíricas existentes
com mais de 20 anos de existência e com o maior total de sobre consumo no Brasil estão atreladas ao estudo de gru-
teses produzidas em relação aos demais centros semelhan- pos sociais específicos (trabalhadores, camponeses, índios
tes, foram registradas pouquíssimas teses que tangenciam etc.) como um elemento a mais na composição das "condi-
ou abordam o consumo ou mesmo a sociedade brasileira ções de vida" dessas populações, geralmente percebidas
como uma sociedade de consumo. Aliás, a determinados como estando submetidas a um processo de mudança em
grupos sociais como, por exe1nplo, é o caso dos negros, relacão ao seu baênero de vida tradicional, freqüentemente

lhes é negado inteiramente o status de consumidores. idealizado como auto-suficiente e autêntico para um gênero
Apesar da existência de uma vasta bibliografia sobre negros de vida moderno, marcado pela perda dessa auto-suficiên-
no Brasil, esta enfatiza, basicamente, a dimensão de mino- cia e autenticidade originais, algo que transforma essas
ria discriminada e excluída deste grupo e a sua dimensão populações em grupos dependentes e marginais, que rea-
étnica e/ ou religiosa. oem às acões dos arupos dominantes. lvfesmo no que se
o , b
Cabe ressaltar que pesquisas recentes do IBGEindicam refere a trabalhos sobre consumo alimentar, percebe-se a
que,hoje, mais de 25% da classe média brasileira é composta ênfase sobre a nostalgia da perda de "autenticidade" que os
de não-brancos. Portanto, a cor e a carência material de novos hábitos alimentares adquiridos através do consumo
grande parte da população de não-brancos são os elementos do fast-food produzem, por exemplo. Os aspectos positivos
que definem, para a sociedade brasileira, a identidade deste nesses trabalhos enfatizam o simbolismo da comida e das
grupo corno um todo, neutralizando inteiramente outras formas de comensalidade tradicionais, o que acaba por
dimensões, como por exemplo a de consumidores, a de reificar categorias que são essencialmente culturais - como
cidadãos, em suma, de pessoas que, na mes1na medida que a própria categoria "comida", que indica um tipo específico
62 Lívía Barbosa
1
de alimento, por exemplo - e, que, portanto, deveriam ser,
Referências e fontes
por si só, objetos de sistemáticas reflexões e levantamentos
empíricos.
Enfim, é preciso dizer que quando estudado no Brasil,
o consumo serve muito mais para marcar perdas e ausências
do que para enfatizar ganhos e mudanças positivas em
termos de mobilidade social, aquisição de status e prestígio z.
BAUMA.;'\/, "Consuming Life': Journal of consumer Culture,
dos grupos sociais e de melhora nos padrões de vida. Nesses vol. 1, n.1, (Londres, Sage Publications, 2001).
casos, o consumo se torna invisível e, portanto, explicitá-lo BAUDRILLARD,J. Sociedade de consumo (São Paulo, Elfos,
se torna moralmente condenável. 1995).
BOURDIEU,P. La Distinction: critique sociale du jugement
(Paris, Les Editions de Minuit, 1979).
CAMPBELL,C. A ética romântica e o espírito do consumismo
moderno (Rio de Janeiro, Rocco, 2000).
___ . "I Shop therefore I Know that I am: The Metaphy-
sícal Basis of Modem Consumerism", in K. Ekstrom e
H. Brembeck. Elusive Consumption: TrackingNew Re-
searchPerspectives(Oxford, Berg Publishers, 2004).
DOUGLAS,M. e B. Isherwood. O mundo dos bens:para uma
antropologia do consumo (Rio de Janeiro, Ed. UFRJ,
2004).
ELIAS,N. A sociedadede corte (Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
2001).
EWEN, S.e E. ChannelsofDesire:Mass Imagesand the Shaping
of American Consciousness.(Nova York, McGraw Hill,
1982).
FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo
(São Paulo, Studio Nobel, 1995).

63
64 Livia Barbosa

FTKE,B. e E. Leopold. The World ofConsumption (Londres e


leituras recomendadas
Nova York, Routledge, 1993).
LIPOVETSKY, G. O império do efêmem (São Paulo, Cia. das
Letras, 1989).
MCCRACKEN,G. Cultura e consumo (Rio de Janeiro, Mauad,
2003).
MILLER,D. {org.) "Consumption as the Vanguard of Histo- A bibliografia em inglês e francês sobre sociedade de con-
ry: A Polemic by Way of an Introduction''. ln Acknow- sumo, teorias de consumo e sobre o consumo como um
ledging Consumption (Londres, Routledge, 1995). processo social é abundante. Do ponto de vista histórico eu
SLATER,D. Cultura do consumo & modernidade (São Paulo, gostaria de indicar: The Birth of a Consumer Society de John
Nobel, 2001). Brewer MacKendrik e J.H. Plumb (Londres, Europa Publi-
cations Semifed, 1982); Patterns ofZVIaterialismde Chandra
Mukerji (Nova York, Columbia University Press, 1983); o já
citado A sociedade de corte, de Norbert Elias e A cívilização
material, economia e capitalisnw, de Fernand Braudel (São
Paulo, {'.fartins Fontes, 1998), que são referências básicas.
Ainda no registro da história, Governance of the Consurning
Passions.A History ofSumptuary Law, de Alan Hunt (Nova
York, St. Martin's Press, 1996) é talvez um dos mais comple-
tos estudos sobre leis suntuárias ao alcance do público. No
que concerne aos novos espaços de comercialização criados
pela sociedade de consumo Dream \Vorlds, de Rosalind
Williams (Los Angeles, University of California Press, 1982)
e The Bon Marché, de Michael Miller (Princeton, Princeton
eniversity Press, 1981) são leituras indispensáveis.
A1aterialCulture and 1vfassConsurnption de Daniel I-'11il-
ler (Nova York, Basel Blackwell, 1987) é um outro clássico.
Nesse livro o autor retorna o estudo da cultura material,

65
66 livia Barbosa Sociedade de consumo 67

deixado de lado durante décadas pelos cientistas sociais, e a cola de Frankfurt, quase todos traduzidos, abundantemen-
sua importância na construção da subjetividade e da socie- te lidos e citados, muito pouco existe, embora recentemente
dade de consumo contemporânea. The SaciaiLife ofTlúngs. tenham sido editadas no Brasil as obras de Mary Douglas e
Commodities in Cultural Perspective, editado por Arjun Baron lsherwood, Daniel Miller, Don Slater e Colin Campbell.
Appadurai (Cambridge, Cambridge University Press, 1986)
é um outro livro básico no que concerne a novos insights
sobre a idéia de mercadoria e da importância da cultura
material e da biografia dos objetos nas diferentes socie-
dades.
Em relação às teorias de consumo e sobre a sociedade
de consumo, além dos livros citados nas Referências e fon-
tes, sugiro The Theory of the LeisureClass;an economicstudy
of institutions, de Thorstein Veblen (Nova York, Funk and
Wagnalls, s/d). Teoria das compras, de Daniel Miller (São
Paulo, Nobel, 2000).
Para concluir, sugiro a coletânea Acknov.1ledging Con-
sumption organizada por Daniel Miller. Ela posiciona o
leitor no estado-da-arte que este tema se encontra no inte-
rior das diferentes ciências sociais, história e psicologia. É
importante frisar que, como o tema do consumo é muito
vasto, existem bibliografias específicas sobre diferentes tipos
de consumo - como por exemplo, o alimentar, de bens
posicionais, de moda e de produtos de luxo, entre outros; a
relação do consumo com identidade, religião, marketing
etc.; estudos sobre consumidores, modalidade e comporta-
mento de compra.
Jáa bibliografia em português sobre todos esses temas
é extremamente escassa. Além dos livros e teorias de Jean
Baudrillard, Zygmunt Bauman, Herbert Marcuse e da Es-
Coleção PASSO-A·PASSO
Sobre a autora
Volumes recentes: Kant & o direito f33], Ricardo Terra
Fé [341 J.B. Libânio
ÜÊNC!AS SOCIAIS PASSO-A-PASSO Ceticismo [351, Phnio Junqueira Sm.íth
Rituais ontem e hoje [24]. Schiller & a cultura estética 142],
Mariza Peirano Ricardo Barbosa
Capital social [251, Derrida [431, Evando Nascimento
A autora é doutora em antropologia social pela UFRJ e
~faria Celina D'Araujo Amor [44], Maria de Lourdes Borges
professora de antropologia do Departamento de Antropo- Hierarquia e individualismo [261. Filosofia analítica [4S].
logia e Ciência Política da Universidade Federal Fluminense Picro de Camargo Leirner Danilo l\.farcondes
Sociologia do trabalho [39], Maquiavel & O Príncipe [46],
e Consultora da Escola de Propaganda e Marketing/Rio. É
Josê Ricardo Ramalho e Akssandro Pinzani
autora de vários livros conhecidos como Ofeiti11hobrasileiro Marco Aurélio Santana A Teoria Crítica [47], Marcos Nobre
ou a arte de ser mais igual que os outros (Rio de Janeiro, O negócio do social [40],
Joana Garcia
Campus, 9il ed.); Igualdade e meritocmcia:A ética do desem- PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO
Origens da linguagem [41],
penho nas sociedadesmodernas (Rio de Janeiro, Ed. FGV, 4;i Freud [14], lvlarco Antonio Coutinho
Bruna Franchetto e Yonne Leite
Jorge e Na&á P. Ferreira
ed.); e O Brasíl não é para principiantes: Carnavaís, malan- Literatura e sociedade [48], Freud & a cultura [19], Betty B. Fuks
dros e heróis20 anos depois (Rio de Janeiro, Ed. FGV, 22 ed. ), Adriana Facina
Freud & a religião [201,
em conjunto com Laura Graziela Gomes e José Augusto Sociedade de consumo [491, Sérgio Nazar David
lívía Barbosa Para que serve a psicanálise? (21],
Drummond.
Denise l\faurano
FILOSOFIA PASSO-A-PASSO
Depressão e melancolia [221,
Adorno & a arte contemporânea l171, Urania Tourinho Peres
Verlaine Freitas A neurose obsessiva [231
Rawls [181, Nythamar de Oliveira Maria Anita Carneiro Ribeiro
Freud & a filosofia [271, Joel Birman Mito e psicanálise [361,
Platão & A República [28], Ana Vicentini de Azevedo
Jayme Pavíani O adolescente e o Outro (37],
Maquiavel [29J, Xewton Bignotto Sonia Alberti
Filosofia medieval [30], A teoria do amor [38],
Alfredo Storck Nadiá P. Ferreira
Filosofia da ciência [31]. O conceito de sujeito [50],
Alberto Oliva Luciano Elia
Heidegger [321, Zeljko Loparic A sublimação [51], Orlando Cruxên

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