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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JOSÉ JACKSON REIS DOS SANTOS

SABERES NECESSÁRIOS PARA A DOCÊNCIA NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

NATAL
2011
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JOSÉ JACKSON REIS DOS SANTOS

SABERES NECESSÁRIOS PARA A DOCÊNCIA NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
final para a obtenção do grau de doutor em
Educação.
Orientadora: Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro.
Orientadora associada: Dra. Maria Manuela
Franco Esteves (UL-PT).

NATAL
2011
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JOSÉ JACKSON REIS DOS SANTOS

SABERES NECESSÁRIOS PARA A DOCÊNCIA


NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para a obtenção do grau de
doutor em Educação, avaliada pela seguinte banca examinadora:

Profa. Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro


UFRN – Orientadora

Profa. Dra. Maria Iza Pinto de Amorim Leite


UESB

Profa. Dra. Tânia Maria de Melo Moura


UFAL

Profa. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Júnior


UFRN

Profa. Dra. Maria Estela Costa Holanda Campelo


UFRN

Profa. Dra. Maria Salonilde Ferreira


UFRN – Suplente interno

Prof. Dra. Marinaide Lima de Queiroz Freitas


UFAL – Suplente externo

NATAL
2011
4

DEDICATÓRIA

À minha mãe, Maria Gama dos Reis, e ao


meu pai, Joaquim Soares Santos, por
terem sonhado e desejado que eu me
tornasse doutor.

Aos meus irmãos – Gledson, José


Raimundo, João Batista e José da Cruz –
e às minhas irmãs – Mônica, Marinalva,
Marilza, Maristela e Marilene –, pelo
sentido de família que sempre
demonstraram e pelo entusiasmo e
felicidade ao me verem sempre bem.

A Lorita Maria Weschenfelder, pelo que


vivemos e aprendemos juntos.

A Éder Nogueira Ribeiro. Ele sabe os


motivos.

A Célia Alves Faria Cruz, Alexsandra


Moreira da Silva e Luciene de Matos
Miranda, pela possibilidade de
construírem comigo esse caminho. Sem
elas, esta pesquisa não seria possível.
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AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) –


Ministério da Educação, Brasil –, pelo apoio financeiro durante a realização do
doutorado sanduíche na Universidade de Lisboa, em Portugal, no período de 1º de
fevereiro a 1º de agosto de 2009.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pela oportunidade de realizar
nossos estudos doutorais.

À Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,


Portugal, pela acolhida para a realização de nosso estágio de formação doutoral.
Destacamos da experiência nessa instituição os diálogos com colegas de turma e
profissionais como Maria Manuela Franco Esteves, Antônio Nóvoa, Ângela
Rodrigues, Isabel Freire e Ana Paula Caetano.

À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), pelo afastamento no


período de realização do doutorado e pelo apoio financeiro durante a pesquisa, por
meio da Secretaria de Administração do Estado da Bahia.

À Secretaria Municipal de Educação da cidade de Vitória da Conquista (SMED), nas


pessoas de Ester, Lenira e Tânia, por possibilitarem o início do diálogo com a
escola-campo de pesquisa.

À minha sempre adorável e amável orientadora, Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro,
pelos ensinamentos, pela leitura cuidadosa do texto e pelas sugestões durante o
processo vivido.

À Dra. Maria Manuela Franco Esteves do Instituto de Educação da Universidade de


Lisboa, Portugal, orientadora associada, pelas orientações cuidadosas e sérias
desenvolvidas durante nosso estágio doutoral na instituição e pelas leituras do
trabalho na medida em que era escrito.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e


doutorado da UFRN), Milton, Edenise, Letssandra e Raquel, pela atenção e pelos
encaminhamentos de nossas atividades acadêmicas.

À direção da Escola Municipal São Lucas, na pessoa do professor Antônio Tavares,


pelo acolhimento do nosso trabalho de pesquisa.

A Etiene, pela contribuição em nossos diálogos coletivos.

A todos os profissionais, estudantes e funcionários da instituição de pesquisa, pelos


diálogos e aprendizados coletivos realizados.

Aos educandos do Módulo III da turma de Célia. São eles: Adelino, Ana Cristina,
Antônio, Aparecida do Norte, Andréia, Aparecida Pereira, Celi, Claudete, Cirlene,
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Ducinéia, Danilo, Elisete, Edilson, Ederval, Edivania, Ernando, Fabiano, Genivaldo,


Gerlane, Gilvanete, Gilson, João, Lourivaldo, Cariuza, Marineusa, Marcos, Nilton,
Paulo, Patrícia, Rosemery, Sérgio, Vera, Virgílio, Vivaldo, Welson. Obrigado pela
acolhida, presença e contribuição em nossa trajetória de formação doutoral.

À professora Maria Salonilde Ferreira, pela contribuição valiosa e sincera durante o


Estágio de Formação Doutoral I, realizado em outubro de 2008.

À professora Dra. Tânia Maria de Melo Moura, pelo aprendizado sobre Educação de
Pessoas Jovens e Adultas, possibilitado por meio de sua participação no processo
da construção desta tese.

À Dra. Maria Iza Pinto de Amorim Leite. Para mim, exemplo de pessoa e de
profissional. Meus agradecimentos pelas indicações de leitura para a presente tese
e pela contribuição nesse processo.

À Dra. Maria Estela Costa Holanda Campelo, pela contribuição ao nosso trabalho de
tese ao longo de nossa formação no Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFRN.

À Dra. Rosa Aparecida Pinheiro, pelas contribuições no processo de construção


desta tese.

Ao professor Dr. Telmo Marcon, pela presença e acolhimento durante o mestrado


em Educação, de 2001 a 2003, realizado na Universidade de Passo Fundo, Rio
Grande do Sul.

Ao professor Dr. José Wellington Marinho de Aragão, da Faculdade de Educação da


Universidade Federal da Bahia, pela amizade construída e pela relação profissional
que consolidamos.

A Débora Maria do Nascimento, pela contribuição em nossa trajetória acadêmica,


especialmente durante nossos diálogos em Lisboa, Portugal.

Ao colega e amigo Sandro Cordeiro, pela amizade construída e pelos diálogos sobre
nossas pesquisas.

À minha mais recente família, pelo encontro: José da Cruz Silva, Gilmaria Silva de
Souza, Tiago Tainner Souza Silva, Tainnan Cross Souza Silva, Junimar Souza Silva
e Brisa Allen Sousa Silva (in memorian).

À minha sempre amiga, presença de todas as horas, Josimara Santos Miranda, por
sua torcida, mesmo distante, para que eu alcançasse novos voos.

À minha amiga Ana Patrícia Dias, pelo apoio na indicação de bibliografias para a
apreensão de conceitos da tese e pela acolhida sempre.
7

A Maria Helena Weschenfelder e Irene Skorupski Saraiva, pelo que aprendi sobre
alfabetização de pessoas jovens e adultas nas experiências e estudos realizados
nos municípios de Tucano (BA) e Passo Fundo (RS).

A Sandra Márcia Campos Pereira, minha amiga de todas as horas. Obrigado por me
incentivar com palavras simples e, ao mesmo tempo, profundas e sinceras.

A Nilma Margarida de Castro Crusoé, pela amizade e presença nesse processo.


Obrigado pela clareza de entendimento sobre o meu objeto de estudo, indicando
possibilidades de organização e análise dos dados.

A Maria da Conceição Alves Ferreira, minha sempre amiga e colega de doutorado,


gente como a gente. Alguém que voa em busca dos seus objetivos. A você, com
carinho, meus enormes agradecimentos.

A Jussara Midlej, pelas orações e pela força impulsionadora, mesmo distante, nesse
processo.

A Maria Ferreira, Ana Bárbara e Júnior, que me oportunizaram descobrir, aos


poucos, o lado educador que carrego comigo.

A Marcelo Ribeiro Santos, meu compadre e amigo, pela torcida e pelo apoio para
que tudo ocorresse bem.

A Wanessa Cristina Prado, amiga e presença fraterna em minha vida. Com ela,
tenho me tornado uma pessoa e um profissional melhor.

A Marcélia Fernandes Vaz Santos, pela tradução cuidadosa e qualificada dos


resumos em língua estrangeira.

A Elizabeth Maria de Melo Wolpert, pelo acolhimento, pelo carinho e pela presença
amiga com que me recebeu em Lisboa, Portugal, no primeiro semestre de 2009.

A Josimar Araújo dos Santos, pelos diálogos e pelas palavras de incentivo nessa
caminhada.

A Issac Cardoso, pela presença em minha caminhada.

A Edinaldo Medeiros Carmo, pela amizade construída em nossos diálogos sobre


teses e vida.

A Adriano Maia dos Santos, pela amizade construída.

A Claudionor Alves da Silva, pelas indicações de leitura na área de alfabetização e


letramento.
8

A dona Carminha, seu Ildo, Joaquim, Rafael, Messias e Edmundo, por sempre me
acolherem em seu lar e pelas orações constantes que fazem para mim.

A Augusto Pereira Santos, pelos diálogos estabelecidos e pela amizade construída.

A Jânio Carlos, pelo incentivo e pelas palavras solidárias nesse percurso.


Ao Cláudio Pinto Nunes, pelo acolhimento e diálogos em muitos momentos dessa
caminhada.

Aos meus afilhados, Thaís, Clara, Reinaldo e Glenda. Eles me mostram a cada dia
que a vida pode ser sempre melhor e diferente.

Às comunidades de Paus Brancos e da Estância Hidromineral de Caldas do Jorro,


localizadas no município de Tucano, Bahia, terras onde cresci e fui aprendendo a
tornar-me docente e pesquisador.

À Força Suprema que orienta a minha vida espiritual, Deus.


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Uma parte de mim


é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim


é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim


almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim


é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim


é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte


na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
(GULLAR, 2010)
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LISTA DE SIGLAS E/OU ABREVIATURAS

Anped Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


CEB Câmara de Educação Básica
CETG Continuidade de estudo sobre o tema gerador
CNE Conselho Nacional de Educação
Confintea Conferência Internacional de Educação de Adultos
DCNEJA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
EMSL Escola Municipal São Lucas
EJA Educação de Jovens e Adultos
EPJA Educação de Pessoas Jovens e Adultas
EPPR Estudo sobre a proposta de EJA da rede municipal de ensino
ESD Estudo sobre saberes para a docência
ETG Estudo sobre tema gerador
EC Entrevista coletiva
GT18 Grupo de Trabalho 18
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9394/96
NC Notas de Campo
ONU Organização das Nações Unidas
PAS Programa Alfabetização Solidária
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto Político-Pedagógico
Projovem Programa Nacional de Inclusão de Jovens
SCRAlfa Sessão coletiva reflexiva sobre alfabetização
SCRS Sessão coletiva reflexiva sobre saberes
SCRD Sessão coletiva reflexiva sobre docência
SMED Secretaria Municipal de Educação
Reaja Repensando a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos
Ufal Universidade Federal de Alagoas
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Uesb Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Uneb Universidade do Estado da Bahia
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Unesco Cultura
UPF-RS Universidade de Passo Fundo – Rio Grande do Sul
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LISTA DE QUADROS

Quadros Páginas
Quadro 1: Classificação dos saberes docentes 30
Quadro 2: Dados gerais sobre os partícipes 45
Quadro 3: Codificação das Notas de Campo referentes às atividades
desenvolvidas 185
Quadro 4: Codificação de entrevista coletiva, de diálogos sobre a
entrevista, de observações da prática, de sessões de estudo e de
sessões reflexivas coletivas 186
Quadro 5: Ações reflexivas propostas para as sessões intrapessoais 182
Quadro 6: Sistematização das sessões reflexivas coletivas 53
Quadro 7: Síntese das principais conclusões do Tornar-se professor 91
na EJA
Quadro 8: Saberes orientadores da EJA na EMSL nos anos iniciais do 111
ensino fundamental
Quadro 9: Sistematização da rede temática 115
Quadro 10: Saberes necessários para a docência na EJA 161
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RESUMO

Nesta tese, intitulada “Saberes para a docência: refletindo sobre a Educação de


Jovens e Adultos”, são privilegiados aspectos que se entrecruzam sobre os saberes
docentes e a Educação de Jovens e Adultos. Teve-se como objetivo central analisar,
com os partícipes envolvidos, os saberes necessários para a docência na Educação
de Jovens e Adultos. A preocupação centrou-se na seguinte questão: que saberes
para a docência são necessários para o profissional atuar nos anos iniciais do
ensino fundamental com jovens e adultos? A pesquisa foi desenvolvida na Escola
Municipal São Lucas, localizada na cidade de Vitória da Conquista/Bahia, tomando
como referência os discursos de quatro partícipes envolvidos na experiência de
pesquisa-formação. A abordagem colaborativa, de natureza qualitativa, foi o
caminho teórico-metodológico adotado, considerando quatro ações: descrever,
informar, confrontar e reconstruir. Foram realizados, ao longo da pesquisa,
entrevista coletiva, sessões de estudo, sessões reflexivas, observações da prática
alfabetizadora, análise documental e registro escrito de notas de campo. Para
análise e sistematização dos dados, tomou-se como referência os pressupostos da
análise do discurso, baseando-se em estudos de Bakhtin (1997), especificamente
sobre as discussões em torno das ideias de tema e de significação, conceitos estes
articulados a uma análise processual e dialética. Os resultados e conclusões da
pesquisa permitem afirmar que a prática pedagógica, as experiências profissionais,
o diálogo com outros sujeitos, os conhecimentos adquiridos na universidade e em
outros espaços formativos são as principais fontes de saberes dos partícipes. Estas
se entrecruzam com outros conceitos, como o de docência e o de alfabetização. No
âmbito da política educacional da rede municipal de ensino, são observadas
contradições entre o que desejam os partícipes na prática cotidiana da instituição e o
que propõe a Secretaria Municipal de Educação. Os saberes identificados e
analisados nesta tese exigem, do nosso ponto de vista, o desenvolvimento de um
processo formativo (inicial e continuado) rigoroso, técnico-científico e politicamente
planejado, requerendo das instâncias formativas o investimento necessário para
reelaborar as políticas educacionais e, consequentemente, ressignificar as
experiências pedagógicas no interior das escolas, contribuindo, desse modo, para o
processo de profissionalização na Educação de Jovens e Adultos.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Saberes docentes. Ensino


Fundamental.
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ABSTRACT

The present thesis, entitled Knowledge for teaching: reflecting over the Youth and
Adult Education, mainly considered common aspects concerning teachers’
knowledge and youth and adult education. It aimed to analyze, in partnership with its
participants, the knowledge which is requested for teaching youth and adults. It
focused on the following question: What teaching knowledge is necessary for the
professionals who work during the first grades of elementary school with the youth
and adults? The research took place in a school named Escola Municipal São Lucas,
located in the city of Vitória da Conquista, state of Bahia, having as reference the
discourses of four participants involved in the experience of research-formation. The
collaborative approach, based on qualitative principles, was the adopted theorical-
methodological way, considering four actions: describing, informing, confronting and
reconstructing. Collective interviews, study and reflection sessions, literacy practice
observations, documental analysis and notes regarding field work were procedures
adopted throughout the research. In order to analyze and organize data, we were
supported by the discourse analysis, by Bakhtin (1997), specifically about the
discussions around the ideas of theme and signification, which are concepts related
to processual and dialectical analysis. The results and conclusions of the research
make it possible to affirm that pedagogical practices, professional experiences,
dialogues with other individuals and knowledge acquired at the university and at
other learning environments are the participants’ main knowledge sources. When it
comes to the local educational politics, it is observed contradiction between the
participants’ desires regarding the school pedagogical routines and the proposals of
the local government in relation to education. From our point of view, the knowledge
identified and analyzed in this thesis demands the development of a diligent,
technical, scientific and politically planned formative process (initial and continued),
which requires fundamental public investments to recreate the educational politics
and, consequently, the pedagogical experiences within the schools, contributing to
the Youth and Adult Education professionalization process.

Key-words: Youth and Adult Education. Teaching knowledge. Elementary school.


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RESUMEN

En esta tesis, intitulada Saberes para la docencia, reflexionando a cerca de La


Educación de Jóvenes y Adultos, son privilegiados aspectos comunes a cerca de los
saberes docentes e la educación de jóvenes y adultos. Tuvo como objetivo central
analizar, conjuntamente con los participantes envueltos, los saberes necesarios para
la docencia en la Educación de Jóvenes y Adultos. La preocupación se centró en la
siguiente cuestión: ¿Qué saberes para la docencia son necesarios para que el
profesional actúe en los años iniciales de la enseñanza en el período primario con
jóvenes y adultos? La investigación fue desarrollada en la Escuela Municipal São
Lucas, situada en la localidad de Vitória da Conquista, Estado de Bahía, tomando
como referencia los discursos de cuatro participantes envueltos en la experiencia de
investigación-formación. El abordaje en colaboración conjunta, de naturaleza
cualitativa, fue el camino teórico metodológico adoptado, considerando de esta
manera de trabajo cuatro acciones: describir, informar, confrontar y reconstruir.
Fueron realizadas, a lo largo de la investigación, entrevistas colectivas, sesiones de
estudio, sesiones reflexivas, observaciones de la práctica de alfabetización, análisis
documental y registro escrito de notas de campo. Para el análisis y la
sistematización de datos, se toma como referencia los presupuestos del análisis del
discurso, basándose en estudios de Bakhtin (1997), específicamente acerca de las
ideas de tema y de significado, conceptos tales, articulados a un análisis procesual y
de dialéctica. Los resultados y conclusiones de la investigación permiten afirmar que
la práctica pedagógica, las experiencias profesionales, el diálogo con otros sujetos,
los conocimientos adquiridos en la universidad y en otros espacios de formación son
las principales fuentes de saberes de los partícipes. Estas se entrelazan con otros
conceptos como el de la docencia y el de la alfabetización. En el ámbito de la política
educacional de la red municipal de enseñanza, son observadas contradicciones
entre lo que desean los participantes en la práctica cotidiana de la institución y lo
que propone la Secretaria Municipal de Educación. Los saberes identificados y
analizados en esta tesis exigen, desde nuestro punto de vista, el desarrollo de un
proceso de formación (inicial y continuo) riguroso, técnico-científico y políticamente
planeado, requiriendo de las instancias de formación la inversión necesaria para
reelaborar las políticas educacionales y, consecuentemente, la revalorización a las
experiencias pedagógicas en el interior de las escuelas, contribuyendo, de ese
modo, para el proceso de profesionalización en la Educación de Jóvenes y Adultos.

Palabras-clave: Educación de Jóvenes y Adultos. Saberes docentes. Enseñanza


primaria.
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SUMÁRIO

1 DE ONDE CONTINUAMOS... OU INTRODUÇÃO ............................................... 17


1.1 ASPECTOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS: NOMEANDO E
(RE)AFIRMANDO SUJEITOS ................................................................................ 18

1.2 MOTIVAÇÕES SOCIAIS E CIENTÍFICAS ....................................................... 26

1.3 ORGANIZAÇÃO DA TESE .............................................................................. 32

2 PESQUISA COLABORATIVA: NATUREZA, PRINCÍPIOS, PROCEDIMENTOS . 34


2.1 NATUREZA DO ESTUDO ............................................................................... 34

2.2 CONCEPÇÃO DE PESQUISA COLABORATIVA ............................................ 36

2.3 CONDIÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA COLABORATIVA


............................................................................................................................... 38

2.4 AÇÕES DA PESQUISA COLABORATIVA ...................................................... 41

2.5 ENTRADA NO CAMPO EMPÍRICO: APROXIMAÇÕES E DEFINIÇÕES


COLETIVAS ........................................................................................................... 43

2.6 ENTREVISTA, SESSÕES COLETIVAS DE DIÁLOGO E OBSERVAÇÃO DE


PRÁTICAS ............................................................................................................. 48

2.7 A ESCOLA – CONTEXTO DA PESQUISA ...................................................... 55

2.8 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................................... 62

3 TORNAR-SE PROFESSOR NA EJA: CARACTERÍSTICAS, MOTIVAÇÕES,


EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E DOCÊNCIA .................................................... 67
3.1 PROCESSO IDENTITÁRIO PROFISSIONAL .................................................. 67

3.1.1 Tempo e docência ..................................................................................... 68

3.1.2 Percepção de si ......................................................................................... 69

3.1.3 Percepção de si por meio do outro ............................................................ 71

3.2 MOTIVAÇÕES PARA TORNAR-SE PROFESSOR ......................................... 73

3.2.1 Influência familiar e escolhas pessoais ...................................................... 74

3.2.2 Relação entre trabalho e estudo ................................................................ 76

3.2.3 Possibilidade de melhorar as condições de vida ....................................... 78


16

3.3 EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DO TORNAR-SE


PROFESSOR ........................................................................................................ 79

3.4 CONCEITO DE DOCÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO DO TORNAR-SE


PROFESSOR ........................................................................................................ 85

4 SABERES SOBRE A EJA NO CONTEXTO DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO


LUCAS: REFLEXÕES SOBRE O COTIDIANO ESCOLAR .................................. 93
4.1 SABERES SOBRE A AVALIAÇÃO .................................................................. 93

4.2 SABERES SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA ......................................... 97

4.3 SABERES SOBRE O PLANEJAMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO ........... 100

4.4 SABERES SOBRE OS MATERIAIS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS ................ 107

5 SABERES NECESSÁRIOS PARA A DOCÊNCIA NA EJA ................................ 112


5.1 SABERES SOBRE O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DA REDE TEMÁTICA ..................................................... 112

5.1.1 Conteúdos e atividades da área de Língua Portuguesa .......................... 116

5.1.2 Conteúdos e atividades da área de Matemática ...................................... 118

5.1.3 Conteúdos e atividades da área de Ciências ........................................... 119

5.1.4 Conteúdos e atividades da área de Geografia ......................................... 120

5.1.5 Conteúdos e atividades da área de História ............................................ 120

5.2 SABERES SOBRE ALFABETIZAÇÃO .......................................................... 131

5.3 SABERES SOBRE O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM ............. 141

5.3.1 Saberes sobre características do aprender das diferentes fases do


desenvolvimento ............................................................................................... 142

5.3.2 Saberes sobre elementos da(s) cultura(s) escolar(es) ............................ 145

5.3.3 Articulação entre saberes da vida e saberes escolares ........................... 147

5.3.4 Saberes sobre as relações socioafetivas................................................. 150

5.3.5 Saberes sobre o cotidiano da sala de aula .............................................. 153

6 PARA CONTINUAR ANDANDO... OU CONSIDERAÇÕES FINAIS .................. 163


REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 168
ANEXO.................................................................................................................. 181
APÊNDICES ......................................................................................................... 183
17

1 DE ONDE CONTINUAMOS... OU INTRODUÇÃO

Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo molhado


de nossa história, de nossa cultura; a memória, às vezes difusa, às
vezes nítida, clara de ruas da infância, da adolescência; a lembrança
de algo distante que, de repente, se destaca límpido diante de nós,
em nós, um gesto tímido, a mão que se apertou, o sorriso que se
perdeu num tempo de incompreensões, uma frase, uma pura frase
possivelmente já olvidada por quem a disse. Uma palavra por tanto
tempo ensaiada e jamais dita, afogada sempre na inibição, no medo
de ser recusado que, implicando a falta de confiança em nós
mesmos, significa também a negação do risco.
(FREIRE, 1998, p. 33).

Inscrevendo-se nas fronteiras dialogantes entre formação docente e


Educação de Jovens e Adultos (EJA), nosso trabalho, na medida em que busca
como objetivo central analisar os saberes necessários à docência na EJA, nos anos
iniciais do ensino fundamental, apresenta ainda como intencionalidade pensar o
próprio processo de formação dos profissionais atuantes nessa modalidade
educacional. Nesse sentido, partimos, no primeiro momento da escrita, de nossas
trajetórias de vida e de formação para, a partir daí, aceitarmos o risco, como diz
Freire (1998), de falar das nossas memórias, das nossas inquietações, dos nossos
lugares de fazer e pensar a educação.
Desse modo, nesta parte introdutória, apresentamos o tema pesquisado,
articulando-o a fragmentos de nossa história de vida. Optamos por falar de nós e
sobre nós, explicitando vivências pessoais e profissionais nas quais se materializa o
objeto de pesquisa. No percurso da escrita, socializamos os motivos pelos quais
realizamos o estudo, a tese central, os objetivos, o objeto e a questão orientadora,
em um movimento dialético de constituição da nossa subjetividade em sua relação
com o cotidiano da EJA, no qual vivenciamos diferentes experiências. Pessoalidade
e profissionalidade misturam-se nesse percurso (NÓVOA, 1992).
O processo narrado nesta tese é, sobretudo, heteroformativo, polifônico
(BAKHTIN, 2003), ou seja, permeado por diferentes vozes, pois fomos, conforme
Freire (1996), formando-nos e nos (re)formando ao formar e ao pesquisar.
Enfatizamos, nesse momento, alguns aspectos de nossa história pessoal-
18

profissional, aceitando o risco de expor pensamentos, sentimentos, crenças no


âmbito da origem do objeto de pesquisa aqui explicitado.

1.1 ASPECTOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS: NOMEANDO E (RE)AFIRMANDO


SUJEITOS

A EJA nos acompanha. Nossos pais, Maria e Joaquim, nordestinos do estado


da Bahia, residentes no sertão, ao longo de suas vidas, tiveram de priorizar o
trabalho. Não tinham possibilidade de escolha, pois só havia uma: trabalhar para
contribuir com a sobrevivência da família (éramos dez filhos – cinco homens e cinco
mulheres). Os dois só puderam estudar o necessário para dominar as ferramentas
básicas da leitura, da escrita e do cálculo, em uma perspectiva de alfabetização
restrita (VIEIRA PINTO, 1997). Nossos pais concluíram a quarta série (pai) e a
segunda série (mãe) do primeiro grau1. Pelos dados oficiais, nossa mãe está no
contexto do que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) designa de
analfabetismo funcional (não concluiu os quatro primeiros anos do ensino
fundamental); ambos estão alfabetizados, conforme concepção oficial de
alfabetização (BRASIL, 2008).
No contexto brasileiro, incorporando orientações da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a partir da década de
1950, considera-se alfabetizada a pessoa que sabe ler e escrever um simples
bilhete (GALVÃO; DI PIERRO, 2007, p. 56). Indubitavelmente, essa é uma
concepção simplificadora de alfabetização, criticada e discutida por autores como:
Ferreiro e Teberosky (1991); Freire (1982; 1983; 1987); Kleiman e Signorini (2000);
Ribeiro (1998; 1999a; 2001); Soares (1998); Moura (2004); Campelo (2000);
Oliveira, Weschenfelder e Santos (2005), entre outros.
Recordamo-nos que, desde criança, com mais ou menos cinco anos de idade,
havia uma preocupação de nossos pais com o processo de escolarização. Era como
se eles tivessem a certeza, nas décadas de 1970 e de 1980, de que a educação
pode contribuir para mudar trajetórias, vidas, sendo uma possibilidade de mobilidade

1
O primeiro grau no Brasil é denominado de ensino fundamental, conforme Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei n. 9394/96 (BRASIL, 1996).
19

social. Exemplo disso era a preocupação em nos matricular, todos os anos, na


Escola Municipal São Lucas, ainda existente na Fazenda Paus Brancos, localizada
no interior do município de Tucano, norte do estado da Bahia, onde residíamos. Eles
traziam de suas experiências de vida certezas de que o ato de estudar poderia
possibilitar uma melhor condição cultural, econômica e social para os filhos.
Conscientes disso, os dois sempre apoiaram nossos estudos e colaboraram para
que fôssemos construindo uma outra história para cada um de nós. Mesmo sem
conhecer Paulo Freire (1987), eles afirmavam, em suas práticas e pensamentos,
que a educação por si só não transforma o mundo, mas sem ela o mundo não pode
se modificar.
Dessa maneira, no interior do sertão baiano, em um contexto de secas, de
dificuldades permanentes e de tentativas de superação, buscávamos subverter a
lógica da exclusão social via processo educativo, a qual, no contexto da EJA, é uma
crença muito presente, perpassando, inclusive, pensamentos e experiências de
educandos e educadores. Como expressavam nossos pais, “com o estudo já é difícil
encontrar trabalho e seguir a vida, sem ele, a coisa pode se tornar pior ainda”. Com
essa certeza, fomos, paulatinamente, construindo outras possibilidades. Dos dez
filhos, sete são profissionais da área de Educação, exercendo diferentes funções
(coordenação, direção de escola, docência, entre outras). Entretanto, como
observam Galvão e Di Pierro (2007, p. 76), apoiando-se em Harvey Graff,
precisamos entender que “[...] as relações existentes entre alfabetismo e
desenvolvimento econômico e social não podem ser reduzidas àquelas que se
fundamentam em um modelo de causa-consequência”. Isso significa que, mesmo
reconhecendo a necessidade e a relevância da alfabetização de jovens e adultos,
alfabetizar-se, por si só, não assegura o desenvolvimento econômico, cultural e
social de um país, embora possa contribuir para esse objetivo.
Para nós, a oportunidade de cursar Pedagogia, no período de 1997 a 2000,
em Serrinha/Bahia, na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), abriu várias
possibilidades de trabalho e de continuidade de estudo. Em uma dessas, fomos
convidados para ministrar aulas no Centro Educacional Rômulo Galvão, localizado
na Estância Hidromineral de Caldas do Jorro, em Tucano/Bahia, em turmas de
20

Aceleração da Aprendizagem2, nas disciplinas de Língua Portuguesa, Educação


Artística e História, para turmas do Estágio I (quinta e sexta séries), do segundo
segmento do ensino fundamental3. Nessa experiência, construímos uma relação
pedagógica na EJA de maneira descontextualizada e com pouca referência às
realidades de vida dos sujeitos envolvidos. Nesse início de experiência profissional
no magistério, possuíamos pouco conhecimento sobre o processo de ensino-
aprendizagem, embora, intuitivamente, tivéssemos a certeza de que poderíamos
contribuir com o aprendizado daquelas pessoas. Esse momento foi importante para
compreendermos melhor como se constrói o processo de ensino-aprendizagem
nessa modalidade, considerando o contexto de trabalho, de estudo e de vida dos
sujeitos. Nesse percurso de narrar um pouco de nós, vamos nos dando conta de que
a vivência vai se transformando em experiência, uma vez que “[...] passamos a
prestar atenção no que se passa em nós e/ou na situação na qual estamos
implicados [...]” (JOSSO, 2004, p. 73).
No final do primeiro ano do curso de Pedagogia, em dezembro de 1997,
participamos de uma seleção para nos tornar coordenador pedagógico municipal de
um grupo composto por dez alfabetizadores de jovens e adultos, no Programa
Alfabetização Solidária (PAS). A partir do ano de 1998, iniciamos, por meio do PAS,
um maior envolvimento com estudos e desenvolvimento de experiências no campo
da EJA. O PAS, hoje uma Organização Não Governamental, lançado no ano de
1996, em Natal/Rio Grande do Norte, no início de seu trabalho, visando contribuir
com a alfabetização da população jovem e adulta no Brasil, era um Programa de
Alfabetização implementado, principalmente, nos municípios das regiões Norte e
Nordeste do país. O sentido de Programa, atrelado a uma perspectiva de algo
rápido, passageiro, que tem início, meio e fim, está na base de organização dessa
experiência. Historicamente, a EJA foi associada ao sentido de campanha,
2
A expressão “Aceleração da Aprendizagem”, a partir do ano de 2005, foi extinta das orientações da
Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Conforme Portaria n. 13.664/08, publicada no Diário
Oficial do dia 19 de novembro de 2008, a organização da Educação de Jovens e Adultos, no contexto
atual, referente ao ensino fundamental, encontra-se da seguinte forma: a) Tempo Formativo I, com
duração de três anos e organizado em três eixos: a1) Eixo Temático I (equivalente à primeira série);
a2) Eixo Temático II (equivalente à segunda e à terceira séries); a3) Eixo Temático III (equivalente à
quarta série); b) Tempo Formativo II, com duração de dois anos e organizado em dois eixos: b1) Eixo
Temático IV (equivalente à quinta e à sexta séries); b2) Eixo Temático V (equivalentes à sétima e à
oitava séries) (BAHIA, 2008).
3
O segundo segmento do ensino fundamental refere-se aos quatro últimos anos desse nível de
ensino (BRASIL, 1996).
21

desenvolvida em um determinado período de gestão governamental. Essa


compreensão, advertem Galvão e Soares (2006), associa-se a um viés filantrópico,
voluntário e de caridade, o que, certamente, não é aceitável face às conquistas e
aos ganhos constitucionais, políticos e legais da história da EJA no Brasil.
Conforme Santos (2003, p. 54), “[...] de acordo com o Informativo
Universidades (1997), a prioridade no PAS para a alfabetização era para os
municípios com índices de analfabetismo superiores a 55% na população da faixa
etária de 15 a 19 anos”. No contexto do município de Tucano, atuamos no PAS, na
condição de coordenador municipal, no período de 1998 a 2000. Conforme dados do
IBGE, o índice de analfabetismo era, no ano de 1997, de 59%, considerando-se a
população entre 15 e 19 anos de idade. Oliveira, Weschenfelder e Santos (2005, p.
21), tratando do PAS, em Tucano, afirmam:

Em Tucano, no início do trabalho de alfabetização, o PAS possuía a


seguinte organização: a cada semestre eram assumidas dez turmas
de alfabetização; cada turma possuía um(a) educador(a), que
acompanhava e desenvolvia as atividades durante três vezes por
semana, três horas por dia. Em geral, são duzentos e cinquenta
alfabetizandos, no mínimo, a cada semestre que estão envolvidos na
alfabetização. Há também a coordenação municipal, que contribui
para um melhor acompanhamento das turmas, através de visitas às
salas de aula. A cada quinze dias são realizadas sessões de estudo
com os alfabetizadores (formação continuada), com duração de três
horas de aprofundamento teórico-metodológico sobre o trabalho de
construção do conhecimento. Mensalmente, há a presença de
representantes da UPF, mais precisamente da Coordenação Setorial,
para acompanhar todo o trabalho no município.

Reconhecendo os limites de campanhas ou de Programas de Alfabetização


(voluntariado, presença de ações passageiras, descontinuidade dos estudos,
pagamento de bolsa para alfabetizadores, entre outros), como destacam Moura
(2004), Galvão e Soares (2006), entendíamos, naquele contexto, final da década de
1990, que o PAS poderia se tornar, em Tucano, uma alternativa para implementar
outras ações capazes de envolver todas as escolas da rede de ensino no contexto
de construção da EJA, entendida como política educacional em âmbito municipal.
Esse, certamente, foi o nosso maior desafio.
22

Acompanhando esse trabalho, na condição de coordenadoras setoriais da


Universidade de Passo Fundo (UPF), do Rio Grande do Sul, estiveram três
profissionais: Lorita Maria Weschenfelder, Maria Helena Weschenfelder e Irene
Skorupski Saraiva. Com essas profissionais, em função dos nossos diálogos
permanentes, construímos e implementamos processos educacionais no município
de Tucano, os quais envolviam aprendizagens no campo da alfabetização
(SARAIVA, 2004), da matematização (WESCHENFELDER, 2003) e do
entendimento da educação municipal em sua dimensão de totalidade (OLIVEIRA,
2001), possibilitando ultrapassar um Programa de Alfabetização, o PAS, e
implementar uma política de EJA em toda a rede de ensino, porque entendíamos,
como dissemos, que campanhas de alfabetização são passageiras e temporárias.
(OLIVEIRA; WESCHENFELDER; SANTOS, 2005).
Em 1998, iniciávamos, assim, o trabalho de coordenador da primeira turma de
alfabetizadores de jovens e adultos no município de Tucano, acompanhado pela
UPF. O período de formação, antes de iniciar as aulas nas classes de alfabetização,
ministradas na UPF, em Passo Fundo, era de duas a três semanas. Nesses dias,
estudávamos vários temas e conteúdos voltados à aprendizagem do processo de
leitura e de escrita. Eram temas e conteúdos direcionados a diversos campos do
saber, entre eles: Matemática, Língua Portuguesa, Geografia, História, Ciências,
Artes, Educação Física, Música, Psicologia e Alimentação. O curso, embora de curta
duração, apresentava elementos significativos para iniciar as aulas nas diferentes
comunidades do município de Tucano. A metodologia adotada pela instituição e
desenvolvida durante todo o processo formativo (inicial e continuado), tanto na
universidade quanto no município, possibilitava momentos como: a) escrever
fragmentos de histórias de vida para pensar a si mesmo no movimento da
construção de conceitos na área de alfabetização; a) registrar a própria prática em
forma de memórias pedagógicas; b) refletir e teorizar a própria prática para melhor
qualificá-la, em uma perspectiva de transformá-la em práxis (BENINCÁ, 2002).
Como os jovens e adultos aprendem a ler e a escrever? Essa pergunta nos
acompanhou durante todo o primeiro semestre de 1998. Depois de apreender
conceitos da área de alfabetização, junto aos profissionais da UPF, e de
acompanhar, semanalmente, o processo de aprender a ler e a escrever nas salas de
23

aula do grupo de alfabetizadores que coordenávamos, decidimos constituir uma


turma de alfabetização na nossa própria casa e passamos, de forma voluntária, a
partir do segundo semestre de 1998, a ensinar pessoas da Estância Hidromineral de
Caldas do Jorro a ler e a escrever. Com essa vivência pedagógica, compreendemos
com mais profundidade as diversas fases pelas quais os jovens e adultos passam
para se alfabetizar, bem como as maneiras pelas quais as diferentes gerações
dialogam na relação pedagógica e seus diferentes interesses e necessidades. Aos
poucos, fomos nos apropriando de saberes da prática alfabetizadora capazes de
melhor qualificar a ação docente nessa modalidade. O nome destinado à nossa
escola era “Esperança de Um Mundo Novo”. Recordamo-nos saudosamente desses
momentos de aprendizado sobre a docência em classe de alfabetização; foram
vivências marcantes que possibilitaram conhecer mais detalhadamente sonhos de
pessoas de diferentes idades em um mesmo ambiente. Nossa ambiência
pedagógica era, essencialmente, dialógica, interativa. Com diferentes níveis de
conhecimentos, os educandos cotidianamente nos ensinavam a desenvolver uma
pedagogia contextualizada e diferenciada para dar conta de que cada um pudesse
se sentir incluído no processo de aprender a ler e a escrever. Com eles, fomos
confirmando “[...] que a nossa prática nos ensina” (FREIRE, 2000, p. 71), mas, ao
mesmo tempo, não é suficiente. Os conhecimentos teóricos sobre ensinar e
aprender são fundamentais e necessários na alfabetização.
Na condição de graduando de Pedagogia da Universidade do Estado da
Bahia (Uneb), fizemos o curso trabalhando e estudando, o que nos possibilitou uma
análise mais detalhada do fenômeno educacional, especialmente em sua relação
teoria-prática. Consciente das dificuldades de conciliar trabalho e estudo, a condição
de trabalhador-estudante, como problematiza Carvalho (1989), acompanhou-nos
durante todo o curso. Ao longo dos oito semestres realizados, não houve disciplina
especificamente voltada a processos alfabetizadores com jovens e adultos. Contudo,
fizemos de tantas outras disciplinas, como Currículo, Alfabetização e Estágio
Supervisionado, por exemplo, possibilidades de aprofundar conhecimentos e
práticas nessa modalidade. Durante o curso, conhecemos o pensamento do
educador brasileiro Paulo Freire, um dos nomes mais reconhecidos nesse campo de
estudo. Tomamos conhecimento desse autor em um contexto de muita comoção, de
24

muita tristeza. Em maio de 1997, ficamos sabendo de sua existência por meio de
uma turma de Pedagogia que o homenageava, em função de sua morte. Até aquele
momento, não sabíamos o que era Pedagogia do Oprimido, nem Educação como
Prática da Liberdade, duas de suas principais obras. Não conhecíamos sua história,
suas marcas registradas no Brasil e no mundo. Depois desse dia, passamos a ler e
a compreender suas contribuições para o campo da EJA, transformando-nos em
leitores permanentes de seu pensamento. Ele se tornou, em nosso trabalho de
mestrado, uma referência extremamente marcante para a compreensão das práticas
pedagógicas analisadas.
O nosso envolvimento com estudos durante o curso de Pedagogia, nas três
disciplinas referidas, e o trabalho de coordenação municipal no PAS possibilitaram a
definição do objeto de pesquisa para desenvolvimento no mestrado em Educação,
no período de 2001 a 2003, no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Passo Fundo (UPF), no estado do Rio Grande do Sul. Nesse
período, buscamos compreender o processo educacional vivenciado no contexto do
município de Tucano, partindo de nossas práticas pedagógicas em suas múltiplas
relações estabelecidas com diferentes sujeitos na experiência em EJA (SANTOS,
2003). Esse trabalho de pesquisa sistematizou e analisou uma experiência
pedagógica desenvolvida no referido município, evidenciando as possibilidades e os
limites enfrentados no movimento concreto de ressignificação de um Programa de
Alfabetização, o PAS, em uma política de educação municipal. Priorizamos nessa
pesquisa discussões sobre: a) o processo de alfabetização em sala de aula; b) a
formação continuada desenvolvida com o grupo de alfabetizadores; c) a metodologia
adotada na experiência; e d) uma leitura crítica da nossa própria prática na condição
de coordenador municipal. Realizamos uma análise, possibilitando um conhecimento
intra e interpessoal (IBIAPINA, 2008), um conhecimento acerca de nós mesmos
(SOUZA, 2006), buscando aprender com a própria história (FREIRE; GUIMARÃES,
2000).
Tanto na pesquisa de mestrado quanto nas observações realizadas, na
condição de coordenador municipal do PAS, em Tucano, no período de 1998 a
2000, inquietavam-nos práticas pedagógico-curriculares desenvolvidas em uma
perspectiva contrária ao que acreditávamos. Encontrávamos, algumas vezes,
25

vivências pedagógicas reforçadoras da infantilização das pessoas jovens e adultas.


Observávamos um excesso de discurso e a ausência, em muitos casos, do
aprendizado dos educandos, pois muitos deles continuavam sem saber escrever o
próprio nome, sem elaborar um bilhete ou uma carta, entre outras atividades.
Identificávamos, ainda, que eram negligenciadas, quase sempre, práticas voltadas
às discussões de gênero, etnia, raça e cultura do campo e às tensões cotidianas
entre as diferentes gerações. Existiam “culturas negadas e silenciadas no currículo”
(SANTOMÉ, 1995, p. 159).
Ao assumir a disciplina de EJA, na condição de professor da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), em 2004, no campus Universitário de Vitória
da Conquista/Bahia, e de coordenador do curso de Pedagogia, de 2005 a 2007,
identificamos o pouco espaço garantido para essa modalidade. A ementa da
disciplina tratava, genericamente, de conhecimentos voltados a esse campo de
atuação profissional (concepção e história da EJA, educação popular, planejamento
e sistematização do ensino, aquisição e produção de conhecimento). As demais
disciplinas quase não faziam (e nem fazem) referência a conceitos, estudos e
pesquisas na área de EJA. Entretanto, mesmo diante do pouco conhecimento a
respeito dessa modalidade oportunizado pelo curso, os estágios poderiam (e
podem) desenvolver-se em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental na EJA.
Há, em nosso entendimento, o que Moura (2007; 2005) chama de um “silêncio
institucional”, especialmente ao pensar a formação de profissionais de educação.
Em 2004, ao iniciar nossa carreira na condição de professor universitário na
Uesb, assumindo a disciplina de EJA, desenvolvemos, ao mesmo tempo, uma
experiência de investigação-ação envolvendo outra disciplina – Didática4. Com os
graduandos das turmas de EJA e de Didática, tivemos a oportunidade de nos
aproximar da experiência de EJA desenvolvida na rede municipal de ensino da
cidade de Vitória da Conquista, no estado da Bahia5. Os resultados desse trabalho
de investigação-ação evidenciaram a precariedade na estrutura física de muitas
escolas, a pouca formação voltada para as dificuldades práticas dos educadores, a

4
Essa experiência foi coordenada pela Dra. Maria Iza Pinto de Amorim Leite e pelo Ms. José Jackson
Reis dos Santos, autor desta tese (LEITE; SANTOS, 2006).
5
No segundo e no quarto capítulos deste trabalho, tratamos da EJA e de suas especificidades na
rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, razão pela qual não fizemos essa discussão na
introdução desta tese.
26

necessidade de estudos sobre a forma de organização curricular, entre outros. As


particularidades dessa experiência em termos de organização político-pedagógica
chamaram nossa atenção para a importância de pesquisá-la, focando, nesse âmbito,
saberes necessários para a docência nos anos iniciais do ensino fundamental com
jovens e adultos.
Como observamos, a EJA vem se configurando e se consolidando ao longo
da nossa vida pessoal e profissional, seja pelos exemplos dentro da nossa família,
seja por outros contextos de estudo e atuação profissional (escola, classe de
alfabetização, universidades). A nossa história, em muitos momentos, confunde-se
com histórias de tantos outros educandos e educadores da EJA. No contexto dessa
modalidade, interessou-nos aprofundar, em nível de doutorado, a temática dos
saberes para a docência, também por outras razões, as quais passamos a detalhar:
motivações sociais e científicas.

1.2 MOTIVAÇÕES SOCIAIS E CIENTÍFICAS

O estado da Bahia, contexto mais amplo de desenvolvimento do estudo,


conforme dados do IBGE divulgados no Relatório Síntese de Indicadores Sociais
(BRASIL, 2006), apresenta o índice de analfabetismo de 18,8%, considerando-se a
população de 15 anos ou mais de idade. Em termos quantitativos, até 2005, era o
estado com o maior número de pessoas (2.057.907) sem saber ler e escrever
(BRASIL, 2006b; 2005). Conforme dados oficiais, o Brasil possui 9,91% de pessoas,
de 15 anos ou mais de idade, que não sabem ler e escrever (BRASIL, 2008b;
BRASIL, 2008a), totalizando 14.247.495 pessoas. Desse modo, nosso estudo, do
ponto de vista social, pode tornar-se uma contribuição para repensar ações
pedagógicas e políticas, práticas de formação de profissionais da educação,
construção de diferentes políticas curriculares, entre outras.
Pesquisas desenvolvidas no contexto brasileiro (RIBEIRO, 1999a; SOARES,
2006; MOURA, 2005; DI PIERRO, 2005; para citar algumas) apresentam
considerações em torno da necessidade de maior investimento em estudos voltados
à identificação de conhecimentos específicos para a formação de profissionais de
27

educação nessa modalidade, o que exige a explicitação, do ponto de vista científico,


de saberes para a docência.
Para Ribeiro (1999a), a EJA constitui-se em um campo pedagógico próprio,
encontrando-se inserida no âmbito de uma política de formação de profissionais da
educação básica e exigindo investimento em uma sólida formação inicial e contínua.
Consciente dos desafios que envolvem essa modalidade, Ribeiro (1999a, p. 197)
destaca que as transformações necessárias nesse campo demandam, por isso
mesmo, a profissionalização do “[...] pessoal dedicado a essa área”. Propõe, ainda,
que os saberes referentes à EJA façam parte do currículo de todos os educadores
atuantes na educação básica.
Reconhecendo avanços na área, Soares (2006) adverte que não há, ainda,
um consenso de que a EJA constitui um campo específico de formação, requerendo,
assim, um profissional preparado para o exercício da função docente. O autor
chama a atenção para o papel das instâncias governamentais, no sentido de se
construírem iniciativas que possam colaborar com a mudança dessa problemática.
Moura (2005, p. 100) esclarece, ao tratar desse debate, que os currículos dos
cursos normais e licenciaturas precisariam contemplar “saberes gerais e específicos
numa relação teoria-prática”. Não podemos, como ressalta a autora, aceitar uma
formação aligeirada, de curta duração, sem consistência teórica nem metodológica.
Para Di Pierro (2005), a formação de profissionais nesse campo educacional
é uma temática também reivindicada pelos fóruns de EJA no Brasil. Segundo a
autora, já temos consciência da necessidade de formação desses profissionais,
mas, ao mesmo tempo, temos clareza das dificuldades de enfrentamento desse
desafio, diante da concepção equivocada em torno da EJA, tratada, em muitos
casos, como uma ação improvisada, de pouco prestígio social, na qual qualquer
pessoa pode atuar.
Documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), Lei n. 9.394/96, o Parecer n. 11/2000, o Plano Nacional de Educação
(PNE), de 2001, bem como organizações não governamentais (Fóruns de EJA, por
exemplo), também reafirmam a exigência de formação dos profissionais,
considerando, como afirma Cury (2000, p. 56), “[...] a complexidade diferencial desta
modalidade”.
28

Esse debate faz parte, sobretudo, de um dos desafios da VI Conferência


Internacional de Educação de Adultos (VI Confitea), realizada em Belém/Pará,
Brasil, no período de 01 a 04 de dezembro de 2009. No item “Recomendações”,
encontramos, entre várias indicações: “Fomentar programas de formação
(graduação e pós-graduação) para educadores de EJA e técnicos das redes
públicas, em turno compatível com o exercício da docência, levando em
consideração a diversidade de sujeitos da EJA” (BRASIL, 2009, p. 49), o que
significa, indubitavelmente, a exigência de saberes próprios a esse campo
educacional no âmbito da formação docente.
O estudo desenvolvido por Santos (2010), ao analisar dezoito trabalhos, no
tema “Formação de Professores”, apresentados no GT18 – Educação de Pessoas
Jovens e Adultas (EPJA), durante as reuniões da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), no período compreendido entre 1998-
2008, mostra que as especificidades dos saberes para a docência na EJA são
apresentadas tomando como referência variados contextos: experiências de
formação inicial (graduação, por exemplo), formação continuada (cursos de curta
duração, curso de especialização, entre outros) e experiências de escolarização de
pessoas jovens e adultas. Ao falarem das especificidades, os trabalhos, em geral,
reportam-se à formação de um profissional para atuar no contexto da educação
básica.
Pela abordagem dos autores e pelas discussões de teóricos do campo da
EJA no Brasil, Santos (2010) entende que o profissional para atuar nessa
modalidade poderia formar-se, inicialmente, nas próprias licenciaturas direcionadas
ao campo de atuação docente no contexto da educação básica. Além da formação
inicial, daria continuidade ao processo formativo em cursos de formação contínua,
como especializações, cursos de aperfeiçoamento profissional e grupos de estudo
da prática no interior de outros espaços educativos (escolas e movimentos sociais,
por exemplo).
Em seus estudos, Santos (2010) percebeu uma ênfase nos saberes das
experiências (de vida e profissional), tanto dos educandos quanto dos educadores, o
que, para nós, é bastante significativo, embora saibamos que eles precisam ser
refletidos e teorizados criticamente. A experiência, por si só, não é formativa; ela só
29

passa a fazer e construir sentido na medida em que somos capazes de sistematizá-


la, de teorizá-la para reelaborar saberes necessários à ação alfabetizadora e atuar
de forma crítica, contextualizada.
As pesquisas reforçam, ratifica Santos (2010), o sentido formativo nessa
modalidade e uma defesa pela profissionalização docente. Por essa razão, cada vez
mais a perspectiva da EJA, no contexto brasileiro, indica que tenhamos profissionais
formados com conhecimentos específicos para atuar em diferentes contextos e
processos de escolarização, tanto em âmbito formal quanto não formal.
Nas discussões sobre os saberes, conforme Estrela (2005), há uma
polissemia em torno dessa ideia, associando-se a expressões como: conhecimento,
pensamento, teorias, crenças, concepções, perspectivas, para citar algumas. Na
literatura consultada, observamos diferentes classificações desses saberes,
destacando-se autores como Tardif (2005), Tardif e Lessard (2007), Gauthier et al.
(2006), Shulman (1987; 1986; 2005) e Freire (1996).
Diferentemente de Tardif (2005), Gauthier et al. (2006) e Shulman (1987;
1986), percebemos, em Freire (1996), um entendimento dos saberes como
princípios político-pedagógicos orientadores da prática educativa, em uma
perspectiva de saberes docentes transversais (CAMPELO, 2000). Para Tardif e
Gauthier (2007, p. 208), “o saber é um constructo social produzido pela
racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e
motivações, as quais são a fonte de seus julgamentos, escolhas e decisões”. Charlot
(2000, p. 61) destaca, nesse tema, que “[...] não há saber senão para um sujeito,
não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber
senão produzido em uma ‘confrontação interpessoal’ [...]”.
30

QUADRO 1
Classificação dos saberes docentes
AUTORES TIPOLOGIAS DOS SABERES DOCENTES
1. Saberes da formação profissional (saberes das ciências da
educação e da ideologia pedagógica).
2. Saberes disciplinares (saberes de cada disciplina, campo
Tardif (2005) e/ou área de conhecimento).
3. Saberes curriculares (saberes oriundos dos discursos, dos
métodos, dos conteúdos e dos objetivos educacionais).
4. Saberes experienciais (saberes que emergem da
experiência e são validados por ela).
1. Saberes disciplinares (a matéria).
2. Saberes curriculares (o programa).
3. Saberes das ciências da educação (várias facetas do ofício
Gauthier et al. (2006) de ensinar ou da educação de um modo geral).
4. Saberes da tradição pedagógica (o uso).
5. Saberes experienciais (a jurisprudência)
6. Saberes da ação pedagógica (jurisprudência pública
validada).
1. O conhecimento do conteúdo.
2. O conhecimento pedagógico geral.
3. O conhecimento do currículo.
Shulman (1987; 1986) 4. O conhecimento pedagógico do conteúdo.
5. O conhecimento da aprendizagem e suas características.
6. O conhecimento do contexto educacional.
7. O conhecimento dos fins, propósitos e valores educacionais
e sua base filosófica e histórica.
1. Não há docência sem discência (rigorosidade metódica;
pesquisa; respeito aos saberes dos educandos; criticidade;
estética e ética; corporeificação das palavras pelo exemplo;
risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação; reflexão crítica sobre a prática; reconhecimento
e assunção da identidade cultural).
Freire (1996) 2. Ensinar não é transferir conhecimento (consciência do
inacabamento; reconhecimento de ser condicionado; respeito à
autonomia do ser do educando; bom senso; humildade,
tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores;
apreensão da realidade; alegria e esperança; convicção de
que a mudança é possível; curiosidade).
3. Ensinar é uma especificidade humana (segurança,
competência profissional e generosidade; comprometimento;
compreender que a educação é uma forma de intervenção no
mundo; liberdade e autoridade; tomada de consciência de
decisões; saber escutar; reconhecer que a educação é
ideológica; disponibilidade para o diálogo; querer bem aos
educandos).
Fonte: Tardif (2005); Gauthier et al. (2006); Shulman (1987; 1986); Freire (1996).

Diante do exposto, nosso entendimento de saber: a) aproxima-se de


contextos reais – a sala de aula e a escola pública onde desenvolvemos o estudo;
b) relaciona-se com sujeitos concretos – educandos e profissionais dos anos iniciais
do ensino fundamental da modalidade de EJA; c) diz respeito a um objeto em
construção e em desenvolvimento – os saberes para a docência; d) articula-se a um
31

contexto mais amplo no qual se desenvolvem as ações e políticas educacionais – a


cidade de Vitória da Conquista; e) articula-se ao sentido de docência como profissão
aprendida, que exige saberes próprios e é exercida em diferentes contextos
pedagógicos – sala de aula, coordenação pedagógica, direção de escolas, entre
outros. (SHULMAN, 1987; TARDIF; LASSARD, 2007; FREIRE, 1996).
Formar o professor e profissionalizar o ensino, como propõem Ramalho,
Núñez e Gauthier (2004), não é tarefa fácil, pois existem dificuldades de definirmos o
conhecimento profissional dos professores (ESTEVES, 2002) ou, como outros
autores chamam, os saberes profissionais (TARDIF; LASSARD, 2007; VEIGA, 2004;
FRYXELL, 2003) ou, ainda, um repertório de conhecimento do ensino (GAUTHIER
et al., 2006). Os saberes profissionais fazem parte de uma realidade
socioeducacional contraditória, a qual é situada e datada, devendo, portanto,
acompanhar a produção histórica do seu tempo. Nesse sentido, concordamos com
Shulman (1987), pois entendemos que, embora possamos e necessitemos definir
uma base de conhecimento para o ensino, esta não é fixa, não é definitiva, nem
imutável. Na abordagem dos diversos autores, os saberes profissionais constituem
um conjunto plural, diverso. Tais saberes com maior ou menor grau de intensidade
estão presentes na ação profissional docente, não podendo haver, portanto, uma
prática profissional centrada em apenas um tipo de saber.
Diante do exposto, entendemos os saberes profissionais como o corpus de
conhecimentos oriundos de diferentes fontes e de natureza diversa. Tais saberes
comportam conhecimentos das ciências da educação, das diferentes áreas do
saber, dos aspectos pedagógicos sobre como ensinar e aprender, do currículo, do
contexto, dos sujeitos, entre outros. Compreendemos que “a profissão docente
(como qualquer outra) não existe como um dado imutável – constrói-se. Apresenta
as características variáveis do tempo e do espaço em que é produzida” (ESTEVES,
2002, p. 72).
Considerando as discussões anteriores no tocante à temática dos saberes,
perpassando por nossos percursos pessoais e profissionais, nossa tese parte do
pressuposto de que há saberes necessários para a docência no contexto da EJA,
levando em conta suas especificidades político-pedagógicas nos anos iniciais do
ensino fundamental. Do nosso ponto de vista, a identificação e a análise desses
32

saberes contribuirão para definir outros caminhos nessa experiência, indicando


possibilidades de qualificar as ações pedagógicas e as políticas educacionais na
rede municipal de ensino. Estudos monográficos (PORTO, 2006; SANTOS;
MACEDO, 2005), dissertação (PIMENTEL, 2007) e teses (SOUZA, 2003; LEITE,
2004) desenvolvidas no contexto educacional da rede municipal de ensino de Vitória
da Conquista chamam atenção para o fato de repensar a EJA, no sentido de
qualificar suas ações e diretrizes, buscando avançar no campo da reelaboração de
políticas públicas de educação no contexto local.
Partindo da compreensão de saberes anteriormente exposta e das nossas
inquietações na condição de profissional da educação, conforme descrevemos ao
tratar de diversas experiências na EJA, nossa questão de pesquisa foi a seguinte:
que saberes são necessários para o profissional atuar nos anos iniciais do ensino
fundamental com jovens e adultos? Nosso objetivo central nesta tese foi analisar,
colaborativamente, os saberes necessários para a docência na EJA.
O contexto da EJA, nesse trabalho, é entendido como os anos iniciais do
ensino fundamental, isto porque, em nossa pesquisa, optamos em desenvolver a
experiência, envolvendo profissionais atuantes no primeiro segmento do ensino
fundamental. A alfabetização, um dos saberes apresentados pelos partícipes, como
veremos em capítulo subsequente, é analisada também nesse contexto. Para esse
trabalho, a EJA é situada no âmbito escolar.

1.3 ORGANIZAÇÃO DA TESE

Organizamos a presente tese em seis capítulos, conforme descrevemos a


seguir. O primeiro capítulo, como percebemos, trata da origem do objeto de estudo,
focalizando, nesse percurso, a justificativa, a questão central e o objetivo da
pesquisa. No segundo capítulo, intitulado “Pesquisa colaborativa: natureza,
princípios, procedimentos”, apresentamos o processo de desenvolvimento do
estudo. Concepção de pesquisa colaborativa, natureza do estudo, dispositivos
utilizados, etapas percorridas, contexto da pesquisa e proposta de análise dos dados
são socializados e discutidos no referido capítulo.
Intitulado “Tornar-se professor na EJA: características, motivações,
experiências formativas e docência”, o terceiro capítulo apresenta os partícipes
33

mediante suas características e motivações para tornarem-se profissionais na área


de EJA. Organizamos os dados em quatro temas: a) Tema 01: Processo identitário
profissional; b) Tema 02: Motivações para tornar-se professor; c) Tema 03:
Experiências de formação na constituição do tornar-se professor; d) Tema 04:
Conceito de docência na constituição do tornar-se professor. Nos dois primeiros
temas, apresentamos as seguintes significações: a) significações do Tema 01:
tempo e docência; percepção de si; percepção de si por meio do outro;
b) significações do Tema 02: influências familiares e escolhas pessoais; relação
entre trabalho e estudo; possibilidade de melhorar as condições de vida.
Em “Saberes sobre a EJA na rede municipal de ensino de Vitória da
Conquista e o cotidiano escolar”, quarto capítulo, tratamos da EJA na rede municipal
de ensino, enfatizando a experiência dos partícipes nos anos iniciais do ensino
fundamental. Para isso, organizamos os dados pelo tema experiência de EJA em
Vitória da Conquista e pelas seguintes significações: a) saberes sobre a organização
curricular; b) saberes sobre a avaliação; c) saberes sobre a formação continuada;
d) saberes sobre o planejamento didático-pedagógico; e) saberes sobre os materiais
didático-pedagógicos.
No quinto capítulo, “Saberes para a docência na EJA”, analisamos três temas
centrais entendidos como necessários para a docência na EJA, quais sejam:
a) saberes sobre o processo de organização e desenvolvimento da rede temática;
b) saberes sobre alfabetização; c) saberes sobre o processo de ensino-
aprendizagem.
Em “Para continuar andando... ou considerações finais”, sexto e último
capítulo, apresentamos as principais conclusões da pesquisa, revelando a
incompletudo desse processo e indicando possibilidades de temáticas, visando ao
desenvolvimento de novos estudos e de outras pesquisas. Nesse contexto,
dialogamos ainda sobre aprendizados de uma pesquisa colaborativa para os quatro
partícipes envolvidos na experiência de pesquisa-formação-intervenção.
34

2 PESQUISA COLABORATIVA: NATUREZA, PRINCÍPIOS, PROCEDIMENTOS

Um galo sozinho não tece uma manhã:


ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
(MELO NETO, 1997, p. 15).

João Cabral de Melo Neto (1997) traduz bem o significado do processo de


pesquisa colaborativa sistematizado no corpus desta tese. O nós é, certamente, a
palavra mais representativa, acreditamos, da vivência narrada nesse texto-tese.
Partimos solitariamente, com nossas (in)certezas, mesmo entendendo que “um galo
sozinho não tece uma manhã”. Por essa razão, foram necessárias outras vozes,
outros percursos, (re)criados na ação, na pesquisa, na formação.
Neste capítulo, tratamos desse percurso coletivo, explicitando concepção de
pesquisa, sua natureza, princípios e procedimentos metodológicos adotados para a
apreensão do objeto de estudo, assim como o contexto de desenvolvimento do
estudo e a proposta de análise dos dados, considerando a experiência de EJA no
município de Vitória da Conquista.

2.1 NATUREZA DO ESTUDO

O trabalho de tese desenvolvido orientou-se por uma perspectiva qualitativa,


justificada, no caso específico do nosso estudo, por: a) ênfase no processo
construído; b) apresentação de dados em sua dinâmica cotidiana, em que aparece a
riqueza das descrições realizadas durante as observações; c) compreensão do
significado atribuído ao objeto de estudo pelos partícipes, considerando o sentido
produzido em contexto; d) contato intenso e direto entre os partícipes no ambiente
35

natural da pesquisa. De forma sintética, Lüdke e André (1986, p. 13), apoiando-se


em Bogdan e Biklen, afirmam: “A pesquisa qualitativa [...] envolve a obtenção de
dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação
estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a
perspectiva dos participantes”.
Para Minayo (1994), a pesquisa qualitativa explicita, em seu desenvolvimento
e no interior da análise, elementos subjetivos e objetivos, sentidos, significados,
valores, fatos, conflitos, ordens, contradições e, principalmente, as vozes e os
sujeitos que dela participaram, voltando-se a um nível de realidade que não pode ser
mensurável, controlado, reificado, mas compreendido em processo, sobretudo.
Utilizando-nos das palavras da própria autora, diríamos: “[...] trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.
(MINAYO, 1994, p. 22).
Com preocupações a esse respeito, passamos a conhecer, no início do curso
de doutorado, em 2007, a abordagem colaborativa como uma possibilidade, pois
não queríamos desenvolver um estudo no âmbito apenas da compreensão do
fenômeno, desejávamos também intervir na realidade observada. Dessa forma, com
a intenção de analisar, coletivamente, saberes necessários para a docência na EJA,
no contexto da experiência da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista,
objeto central da nossa tese, entendíamos, de antemão, que precisaríamos nos
aproximar de uma abordagem teórico-metodológica capaz de possibilitar, por
exemplo, realização de observações diretas em sala de aula, diálogos permanentes
com os sujeitos envolvidos, elaboração de diário de campo, constituição de grupos
de estudos e intervenção pedagógica com os sujeitos. Desse modo, construímos os
dados por meio da abordagem colaborativa, entendendo-a como uma possibilidade
concreta e aproximativa ao nosso objeto de estudo e intenções no âmbito da escola
na qual realizamos a pesquisa.
36

2.2 CONCEPÇÃO DE PESQUISA COLABORATIVA

A pesquisa colaborativa é resultante dos trabalhos chamados de


pesquisa-ação6. Muito disseminada no Brasil e em outros países, a pesquisa-ação
tem sua origem, nos anos 1940, com experiências desenvolvidas por Kurt Lewin,
psicólogo social, como afirmam Pereira (1998), Franco (2005), entre outros. Para
Pereira (1998, p. 163), desenvolver esse tipo de pesquisa significa: “[...] que tanto os
agentes como a situação se modificam num processo sistemático de aprendizagem
de tal modo que a ação educativa se converte em uma ação criticamente informada
e comprometida”.
Embora reconheçam a contribuição de Kurt Lewin, especialmente ao
sistematizar e propor uma espiral, em momentos diferentes e articulados para
desenvolvimento da pesquisa-ação, Grabauska e Bastos (2001) observam que ele
orientou-se por um caminho mais de adaptação dos sujeitos à sociedade. Para os
referidos autores, a pesquisa-ação, ou, como preferem chamar, a investigação-ação
educacional, “[...] começa a adquirir uma intencionalidade claramente emancipatória,
via o reconhecimento da dimensão política da educação e da investigação
educacional” (GRABAUSKA; BASTOS, 2001, p. 10).
Em muitos casos, a utilização dessa abordagem se realiza em reestruturação
de cursos de formação inicial, na formação continuada de professores, com o
objetivo de potencializar o desenvolvimento de profissionais capazes de pesquisar a
própria prática (PEREIRA, 1998).
Segundo Elliott (1998), a pesquisa-ação não pode se transformar em um ritual
tecnicista e instrumentalista, reproduzindo de forma acrítica processos educacionais
no âmbito da formação humana. Para o autor, necessitamos, nesse contexto,
considerar, no desenvolvimento da pesquisa-ação, princípios como a negociação e a
colaboração entre os profissionais envolvidos. Conforme Kemmis e Mctaggart (1992,
p. 16), a pesquisa-ação é assim definida:

6
Esclarecemos que não é nossa intenção aprofundar a temática da pesquisa-ação como abordagem
teórico-metodológica, mas apenas situar que a pesquisa colaborativa, opção teórico-metodológica
adotada neste estudo, é um desdobramento dela. Para um maior aprofundamento do tema,
recomendamos Franco (2005), Barbier (2002), Grabauska e Bastos (2001), Ibiapina e Ferreira (2005),
entre outros.
37

La investigación-acción significa planificar, actuar, observar y


reflexionar más cuidadosamente, más sistemáticamente y más
rigurosamente de lo que suele hacerse en la vida cotidiana; y
significa utilizar las relaciones entre esos momentos distintos del
proceso como fuente tanto de mejora como de conocimiento7.

Como observamos, essa abordagem lida com quatro momentos distintos e


complementares, em forma de espiral e não hierarquizada: planejar, agir, observar e
refletir. Para desenvolvimento dessas ações, são considerados quatro momentos: a)
no primeiro, planeja-se a ação, o propósito a ser alcançado pelo grupo,
diagnosticando a situação-problema; b) no segundo, constroem-se estratégias para
buscar resolver a situação-problema; c) no terceiro, busca-se desenvolver as
estratégias, observando, em ação, suas implicações e principais resultados; d) no
quarto momento, desenvolvem-se reflexões, coletivamente, sobre os resultados da
ação implementada, construindo novas estratégias de ação. Kemmis e Mctaggart
(1992), assim como Carr e Kemmis (1988), atribuem um sentido emancipatório ao
termo, em uma perspectiva de que os sujeitos, além de construírem conhecimentos,
possam ter um papel efetivo no grupo de pertença, buscando transformar a
realidade. Há uma intencionalidade de melhorar as práticas e de construir
conhecimento.
Considerando que a pesquisa colaborativa é oriunda da pesquisa-ação,
caracterizando-se, entre outras questões, por uma dimensão emancipatória e
assentada em uma racionalidade crítica (IBIAPINA, 2008; IBIAPINA; FERREIRA,
2005), utilizamos esse termo, ao longo do estudo, por melhor representar o sentido
atribuído ao processo de pesquisa desenvolvido. Defendemos uma perspectiva de
investigação, assegurando a tríade pesquisa-ação-formação, em um movimento
dialético de construção da própria realidade investigada. Na concepção de
Desgagné (2003), formação e pesquisa, embora apresentem natureza diferente,
entrecruzam-se, permanentemente, não havendo, portanto, possibilidade de
7
A investigação-ação significa planejar, atuar, observar e refletir mais cuidadosamente, mais
sistematicamente e mais rigorosamente o que se faz na vida cotidiana; significa utilizar as relações
entre esses momentos distintos do processo como fonte tanto de melhoria como de conhecimento
(tradução nossa).
38

desenvolver uma pesquisa colaborativa que não esteja engajada nesse


compromisso formativo-investigativo. Veremos a seguir as condições para
desenvolvimento de uma pesquisa colaborativa, situando sua natureza e os
princípios que a fundamentam.

2.3 CONDIÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA COLABORATIVA

No entendimento de Ibiapina (2008, p. 17), há três condições essenciais para


o desenvolvimento desse tipo de pesquisa, quais sejam: “a colaboração, círculos
reflexivos, e a coprodução de conhecimentos entre pesquisadores e professores”. A
primeira condição diz respeito ao processo de negociação de conflitos, de ideias,
que ocorre no interior dos grupos colaborativos, podendo favorecer a “tomada de
decisões democráticas, ação comum e a comunicação entre os pesquisadores e
professores”.
A segunda condição, círculos reflexivos, também chamados pela autora de
ciclos sucessivos de reflexão crítica, tem a reflexividade como categoria
epistemológica no caminho de elaboração colaborativa do conhecimento. Para
Ibiapina e Ferreira (2005, p. 27),

A reflexividade realizada com base teórica (cultura objetiva)


possibilita condições, por ter um poder formativo, de fazer com que
se possa ressignificar as práticas (cultura subjetiva) conduzindo as
análises compreensivas dos contextos histórico, social, cultural,
organizacional e profissional, nos quais se dá a atividade de ser
professor, para neles intervir, transformando-os.

Essa segunda condição parte das práticas dos partícipes, por isso mesmo
referenda-se na realidade concreta na qual estão inseridas as pessoas, tomando
como objeto de tematização permanente suas experiências pedagógicas, no sentido
de analisar limites, possibilidades e contradições presentes nas próprias práticas.
Nas palavras de Ibiapina (2008, p. 18), “[...] o processo reflexivo exige mergulho
tanto no conhecimento teórico quanto no mundo da experiência, para que se possa
desvelar a que interesses servem as ações sociais e como elas reproduzem práticas
ideológicas [...]”.
39

Trata-se de uma reflexão intencional, com tempos definidos, voltada a


questões das práticas dos partícipes, fazendo-nos observar, atentamente, os
condicionamentos sociais que envolvem a nossa prática pedagógica. Essa é uma
reflexão crítica, por isso mesmo autocrítica, vinculada à realidade de atuação
profissional. Nessa direção, concordamos com Pérez-Gómez (1992, p. 103):

[...] a reflexão não é apenas um processo psicológico individual,


passível de ser estudado a partir de esquemas formais,
independentes do conteúdo, do contexto e das interacções. A
reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua
experiência, um mundo carregado de conotações, valores,
intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses
sociais e cenários políticos. [...] A reflexão não é um conhecimento
“puro”, mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências
que rodeiam e impregnam a própria experiência vital.

Domingo (2003), tratando da reflexão crítica, defende a construção do


processo educacional referenciado em uma dimensão emancipatória. Para esse
autor, a possibilidade de construção crítico-reflexiva do conhecimento passa
necessariamente por essa abordagem, constituidora, assim, de um intelectual crítico
e engajado política e socialmente.
A terceira condição para desenvolver pesquisas colaborativas refere-se ao
envolvimento dos partícipes no processo de construção do conhecimento. Embora
façamos pesquisa do ponto de vista acadêmico, os partícipes, tendo como base os
seus lugares de atuação profissional e as suas histórias de vida, colaboram nesse
processo de forma crítica, ativa, propositiva, sendo, portanto, “coprodutores da
pesquisa” (IBIAPINA, 2008, p.19); dizendo de outro modo, transformam-se em
atores que compreendem em contexto sua realidade, atuando nesta de forma
contextualizada, crítico-emancipatória. Nesse viés, pesquisa e formação não são
movimentos isolados, desconectados, o que certamente colabora com o
desenvolvimento profissional dos envolvidos. (DESGAGNÉ, 2003, p. 3). Como diz
Barbier (2002, p. 14, grifo do autor), nessa abordagem de investigação, “[...] o
pesquisador descobre que [...] não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com
os outros”. Há, aqui, uma implicação de todos.
Nesse sentido, os princípios da colaboração, da negociação e do diálogo são
fundamentais e necessários ao processo de pesquisa-formação. A colaboração não
40

significa que os partícipes realizarão as mesmas etapas de pesquisa que o


pesquisador acadêmico (DESGAGNÉ, 2003). Os partícipes, dentro das suas
possibilidades e de acordo com seus interesses e necessidades, colaborarão no
sentido de trabalhar com o pesquisador acadêmico, tecendo, criticamente, uma
reflexão sobre suas práticas em contexto. A esse respeito, afirma Desgagné (2003,
p. 6):

[...] a dimensão colaborativa da pesquisa se deve muito menos ao


fato que os práticos participem no conjunto das etapas ligadas à
dimensão da pesquisa propriamente, e mais ao fato que os
conhecimentos que serão construídos no processo de investigação
que o pesquisador assume serão o produto de um processo de
negociação constante, e mesmo de “mediação” [...].

Por essa razão, é preciso, desde o início do processo, deixar explícitas as


atribuições concernentes a cada partícipe, negociando momentos a serem
realizados, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da formação. O diálogo, por
isso mesmo, torna-se fundamental, inerente ao percurso, caracterizando-se pela
administração de conflitos e pela capacidade de construir, de forma ética e humana,
encaminhamentos que beneficiem o conjunto dos partícipes, no âmbito do
desenvolvimento profissional docente. Sobre esses princípios do processo
colaborativo, Freire (1987, p. 166) explicita:

[...] A co-laboração, como característica da ação dialógica, que não


pode dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis
distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode
realizar-se na comunicação. O diálogo, que é sempre comunicação,
funda a co-laboração.

Identificamos, assim, a presença da construção conjunta dos partícipes,


movida por um sentimento de pertença ao grupo no qual estão inseridos, o que
acontece de forma dialógica, sem impor vontades do pesquisador nem se deixar
conduzir por razões do senso comum. O diálogo exerce, nesse contexto, um papel
essencial na definição e na (re)construção dos caminhos propostos pelo grupo,
possibilitando uma análise crítica das situações vivenciadas, por meio da
41

problematização do cotidiano escolar e das próprias ações desenvolvidas em


conjunto.

2.4 AÇÕES DA PESQUISA COLABORATIVA

Os momentos propostos por Smyth (1991, p. 113), baseando-se em Paulo


Freire, são apresentados da seguinte forma: a) “Describe: what do I do?; b) Inform:
what does this description mean?; c) Confront: how did I come to be like this?; d)
Reconstruct: how might I do things differently?”8.
No âmbito da ação de descrever, os partícipes são chamados a escrever
sobre as suas próprias práticas, considerando as situações reais de sala de aula,
usando seu próprio estilo de escrita, em forma de diário (por exemplo), e
descrevendo as impressões da sua prática, de maneira livre, sem preocupação com
uma escrita acadêmica.
Na segunda ação, informar, os partícipes, não considerando a ação de
descrever como um fim em si mesma, tornando públicas as práticas por meio da
escrita, promovem uma sistematização das situações vividas em sala de aula. De
posse disso, eles fazem um segundo momento do processo: tentam identificar o que
informa a sua prática, o que orienta suas ações do ponto de vista teórico, conceitual,
tentando localizar as teorias subjacentes. Esse é um passo importante para
desestabilizar o silêncio de estruturas internas das práticas.
Confrontar, terceira ação proposta por Smyth (1991), possibilita aos partícipes
questionar as próprias práticas, situando o ensino do ponto de vista social, político e
cultural e desenvolvendo uma reflexão crítica sobre as relações pedagógicas
construídas e suas implicações no contexto da aprendizagem com os educandos.
Há, nesse momento, uma conexão entre os aspectos pessoais (a pessoa do
profissional) e as questões sociais. Esse é o momento de fazer “uma avaliação
dessas ações frente a contextos particulares numa perspectiva social, histórica e
cultural [...]” (LIBERALI, 2002, p. 111).
O momento de reconstruir, quarta ação, pode possibilitar uma articulação
entre teoria e prática docente, entre pensamento e ação. Esse é um contexto no

8
a) Descrever: o que eu fiz?; b) Informar: o que essa descrição significa?; c) Confrontar: como eu
cheguei a ser desse jeito?; d) Reconstruir: como eu posso agir diferentemente? (tradução nossa).
42

qual os partícipes buscam, de forma conjunta, reconstruir suas práticas,


desenvolvendo uma espécie de autorregulação das suas próprias ações, sem perder
de vista aspectos sociais, culturais, políticos, além do pedagógico, que perpassam a
realidade na qual atuam. Nesse contexto, são elaboradas novas estratégias de
ação.
As quatro ações não obedecem, necessariamente, à sequência apresentada.
Elas são mobilizadas por meio da reflexão crítica, em sessões reflexivas, seminários
reflexivos ou outro dispositivo de formação, conforme lembra Magalhães (2004),
referendando-se em Smyth (1991) e Freire (1987).
Segundo Smyth (1991, p. 136), esse processo revela a possibilidade concreta
de questionar e ressignificar ações ainda presas a concepções pedagógicas do
senso comum, com sentidos burocratizantes, por meio de uma pedagogia crítica das
práticas de sala de aula, apostando em formas mais democráticas e conscientes de
trabalhar e pensar no contexto das escolas.
Nesse tipo de trabalho, os partícipes assumem a tarefa de construir
caminhos, de refazer percursos, de criar novos sentidos para as suas práticas.
Colaborativamente, todos se desafiam a construir conhecimento e a desenvolver
processos formativos vinculados às práticas. Nesse movimento, podemos “elevar a
nossa prática ao nível humano-genérico consciente, ou seja, transformá-la em
práxis” (HELLER, 1970, p. 32).
De acordo com Ribeiro (2005, p. 3),

Os estudos colaborativos assumem, como vertentes importantes, a


produção do conhecimento e a formação de professores emergindo
esta como uma preocupação e necessidade de articular teoria e
prática no trabalho docente e na investigação. Estabelece a reflexão
crítica como estratégia investigativa permitindo intervir de forma
direta sobre as problemáticas nas quais os
pesquisadores/professores participantes estão envolvidos.

Do nosso ponto de vista, a pesquisa colaborativa direciona-se para a


ampliação da autonomia profissional (DOMINGO, 2003), para a busca de mudanças
pedagógicas (ELLIOTT, 1990) e para a luta dos profissionais de educação por
justiça social (FREIRE, 1987; ZEICHNER, 2002). Tais profissionais produzem
currículos e fazem e refazem o quefazer pedagógico (FREIRE, 1987), sem perder,
43

nessa trajetória, a dimensão social e política na qual estamos envolvidos e na qual o


sistema educacional se encontra. Esse é um processo de pesquisa, sem dúvida, que
não pode prescindir, afirma Dickel (2003, p. 57), “do protagonismo dos professores”.
Apresentados a natureza, os conceitos e os princípios da pesquisa adotados
em nosso trabalho, passamos a explicitar o percurso colaborativo construído para
constituição do corpus da tese, tratando, especificamente, dos procedimentos
utilizados para a construção dos dados.

2.5 ENTRADA NO CAMPO EMPÍRICO: APROXIMAÇÕES E DEFINIÇÕES


COLETIVAS

O campo empírico da pesquisa é entendido, no âmbito da abordagem


colaborativa, como espaço-tempo de problematização, por isso mesmo o próprio
processo se ressignifica no seu desenvolvimento. Nesse sentido, como Pinheiro
(2007) e Mills (1980) esclarecem, os caminhos de uma pesquisa não são fixos,
imutáveis, intransponíveis, podendo haver modificação de procedimentos ao longo
do processo, conforme necessidade e circunstâncias locais. Assim, respeitando as
singularidades do contexto e dos partícipes do estudo, fomos, quando necessário,
agregando modificações no desenvolvimento do trabalho de campo, entendendo
que o papel do pesquisador é também de (re)construir, (re)criar caminhos,
desenvolvendo uma espécie de “imaginação sociológica” (MILLS, 1980) na tessitura
cotidiana suscitada pela complexidade do real.
Desenvolvemos o processo de pesquisa empírica em duas etapas. Na
primeira, realizada no primeiro semestre de 2008, dedicamo-nos aos seguintes
momentos: a) estabelecimento de diálogos com representantes da Secretaria
Municipal de Educação (SMED) e com a direção, vice-direção, coordenação
pedagógica, educadoras e educandos da escola-campo de pesquisa;
b) recolhimento de dados em documentos existentes na instituição escolar (Projeto
Político-Pedagógico – PPP; Diário Escolar; Rede Temática com seu Plano de Ação
referente ao ano de 2008); c) realização de entrevista coletiva com os partícipes.
Na segunda etapa, segundo semestre de 2008, permanecemos mais tempo
no contexto da escola, acompanhando o cotidiano educacional em sua dinâmica e
44

complexidade. Nesse período, realizamos os seguintes procedimentos:


a) observações diretas em sala de aula registradas em forma de notas de campo;
b) realização de sessões coletivas de diálogo, baseando-nos em alguns dispositivos
da pesquisa colaborativa, conforme Ibiapina (2008), Ibiapina e Ferreira (2005) e
Smyth (1991).
As primeiras aproximações ao campo empírico ocorreram em janeiro de 2008.
Em um primeiro momento, buscamos oficializar a pesquisa junto ao órgão
responsável pela Educação Municipal, a Secretaria Municipal de Educação (SMED)
de Vitória da Conquista/Bahia. Nesse momento, recebemos informações e materiais
referentes à EJA e dialogamos sobre possíveis escolas para a realização da
pesquisa.
O nosso contato inicial com a Escola Municipal São Lucas (EMSL)9 teve como
referência a indicação de profissionais da SMED. Nessa escola, encontraríamos as
condições para o desenvolvimento da pesquisa, adequando-se aos critérios
apresentados: a) adesão dos partícipes à pesquisa; b) participação de profissionais
efetivos da rede municipal de ensino; c) profissionais atuantes nos anos iniciais do
ensino fundamental na EJA.
Tentando a adesão de profissionais da EMSL, buscamos na direção, em
janeiro de 2008, apoio e espaço para diálogo com as professoras. A adesão ocorreu
em março de 2008, momento no qual dialogamos com cinco professoras da
instituição atuantes na EJA. Das cinco, duas decidiram participar: Clara e Glenda10.
Apresentou também interesse em participar a vice-diretora da escola, caso o cargo o
qual ocupava no momento não fosse um impedimento. Em diálogo com a
orientadora da tese, em abril de 2008, redimensionamos os critérios, acrescentando
a possibilidade de profissionais que ocupavam diferentes funções na escola
participarem do estudo, passando a fazer parte do grupo a vice-diretora da escola,

9
Preservando o anonimato da instituição, ao longo deste trabalho, não identificaremos a escola onde
realizamos o estudo, sendo esta designada Escola Municipal São Lucas, em homenagem à primeira
escola na qual estudamos.
10
Neste trabalho, não explicitamos, por questões éticas, os nomes verdadeiros dos partícipes.
Chamamos os partícipes de Reinaldo, Glenda, Clara e Thaís, homenageando nossos quatro
afilhados. Não apresentamos, pela mesma razão, descrição detalhada da instituição e do contexto da
sala de aula que comprometam esse princípio.
45

Thaís. O outro partícipe é o autor desta tese, aqui chamado de Reinaldo. A seguir,
apresentamos o Quadro 2 com dados gerais sobre os partícipes11.

QUADRO 2
Dados gerais sobre os partícipes
ATUAÇÃO
TEMPO DE TEMPO DE PROFISSIONAL
NOME FORMAÇÃO TRABALHO NA TRABALHO NO NO PERÍODO
EJA MAGISTÉRIO DA PESQUISA
Formada em
magistério Professora no
Clara (ensino médio), Módulo III
Pedagoga e Dez anos Vinte e dois (correspondente
estudante de anos à terceira série
pós-graduação do ensino
(Especialização fundamental)
em Educação
Inclusiva)
Formada em
magistério Coordenadora
Glenda (ensino médio) e Dois anos Onze anos pedagógica da
estudante de EJA na EMSL
Psicologia
Formado em
magistério
(ensino médio),
Pedagogo, Seis anos Dez anos Pesquisador
Reinaldo Mestre em
Educação e
doutorando em
Educação
Formada em
magistério
Thaís (ensino médio) e Quatro anos Vinte e dois Vice-diretora da
estudante de anos EMSL
Pedagogia
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.

Nas primeiras aproximações com os partícipes, privilegiamos um diálogo em


torno das seguintes ideias: tema da tese em desenvolvimento; sentido de uma
pesquisa colaborativa; atribuições de cada partícipe; possibilidade de construção
coletiva de um plano de trabalho. No diálogo com os partícipes, definimos as tarefas
a seguir descritas:

11
No terceiro capítulo, apresentamos características mais específicas sobre cada um dos partícipes;
por essa razão, não trataremos desse conteúdo neste espaço do trabalho.
46

a) atribuições dos quatro colaboradores: a1) opinar nas discussões do grupo;


a2) ler, escrever e analisar textos; a3) participar de entrevista coletiva e de sessões
coletivas de diálogo; a4) ler, analisar e validar dados.
b) atribuições do pesquisador: b1) observar reuniões pedagógicas na escola;
b2) observar a prática pedagógica em sala de aula; b3) gravar, em áudio, entrevista
coletiva e sessões coletivas de diálogo; b4) divulgar dados; b5) analisar informações
da escola (dados estatísticos, Projeto Político-Pedagógico, rede temática, plano de
ação, atividades didático-pedagógicas e diário escolar).

Na organização interna da instituição, já existe um tempo institucional de


trabalho dos colaboradores, das 18h às 22h, distribuído da seguinte forma: a) das
18h às 19h – tempo de estudo, planejamento, elaboração de atividades didático-
pedagógicas, entre outras; b) das 19h às 19h15min – tempo de merenda escolar;
c) das 19h15min às 22h – tempo dedicado ao processo de alfabetização em sala de
aula. Mesmo dispondo do referido tempo, tivemos dificuldade em nos inserir nesse
contexto por conta das demandas da realidade escolar. Partindo do princípio de que
a adesão não significaria acréscimo de carga horária ao trabalho docente dos
profissionais, buscamos adaptar os horários de atividades complementares dos
partícipes às etapas de realização do nosso estudo. Não foi possível, desse modo,
definir um cronograma de trabalho fechado. O cronograma foi, ao longo da pesquisa,
sendo (re)definido a cada encontro que realizávamos.
Nos diálogos estabelecidos com a direção e a vice-direção da instituição,
solicitamos alguns documentos oficiais, objetivando: a) reunir elementos para
contextualizar o espaço de desenvolvimento da pesquisa; b) identificar saberes
necessários para a docência na EJA; c) caracterizar a EJA no contexto da escola.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 180), “[...] nesses documentos os investigadores
podem ter acesso à perspectiva oficial”. Esses documentos são fontes importantes
de dados, porque possibilitam entender como a própria instituição orienta suas
questões pedagógicas e políticas no interior do processo educativo. Três
documentos fizeram parte desse momento da pesquisa: o PPP, o Diário Escolar e a
Rede Temática de 2008 com seu Plano de Ação.
47

No PPP, aparecem informações referentes à história da escola, à sua


estrutrua física, aos objetivos, aos desafios e aos princípios de trabalho. Evidenciam-
se ainda posicionamentos político-pedagógicos, concepção de planejamento, de
currículo e de avaliação, organização da gestão, modalidades de ensino e
informações sobre questões financeiras. Há, também, dados quantitativos sobre os
anos letivos de 2003 a 2007 e informações referentes a questões estruturais e legais
orientadoras da instituição. Na leitura do documento, buscamos perceber como a
EJA está apresentada no PPP.
O segundo documento, o Diário Escolar, organiza-se em quatro itens:
a) controle das aulas, no qual são apresentadas as aulas previstas, lecionadas,
compensadas e não lecionadas; b) registro das atividades desenvolvidas,
contemplando a data (dia e mês), com a descrição de todas as atividades
realizadas, incluindo conteúdos e conceitos trabalhados; c) registro da frequência
dos educandos; d) registro do acompanhamento do processo de ensino-
aprendizagem. Este último é elaborado por meio de um parecer descritivo, forma de
sistematizar o resultado da aprendizagem dos educandos (a avaliação). São
elaborados dois pareceres ao longo do ano: um no primeiro semestre,
especificamente no início do ano letivo, a partir do momento em que educandos e
educador passam a interagir no cotidiano da sala de aula, representando um
diagnóstico inicial sobre o que o educando sabe em termos de conhecimento; o
outro parecer é elaborado no segundo semestre, tendo como referência a
aprendizagem construída pelo educando ao longo do ano letivo. No final do primeiro
semestre, conforme proposta da EJA no município de Vitória da Conquista, os
educadores, em diálogo com estudante e outros profissionais da instituição (direção,
vice-direção, coordenação pedagógica), poderão indicar o avanço de módulo12, ou
seja, o educando, no mesmo ano letivo, poderá migrar para o módulo subsequente.
No Parecer Descritivo, os educadores precisam considerar as seguintes áreas de
conhecimento: Linguagem e Artes; Ciências Exatas; Ciências Humanas; Ciências
Naturais; e Aspectos Sociais e Afetivos.

12
Os anos iniciais do ensino fundamental na EJA, também chamados de Segmento I, organizam-se,
na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, em quatro módulos: Módulo I (correspondente à
1ª série), Módulo II (correspondente à 2ª série), Módulo III (correspondente à 3ª série) e Módulo IV
(correspondente à 4ª série).
48

O terceiro documento utilizado para análise foi a rede temática, acompanhada


do Plano de Ação. A rede temática com o Plano de Ação fazem parte do mesmo
processo de sistematização de temas e subtemas a serem desenvolvidos no
cotidiano da sala de aula com os educandos. É uma alternativa, referendada no
pensamento de Freire (1987), para organizar o processo ensino-aprendizagem. No
contexto da EMSL, ela foi sistematizada coletivamente, envolvendo educandos, vice-
direção, coordenação pedagógica e educadores. A rede é organizada tomando
como referência as falas significativas recolhidas dos próprios educandos. As falas
indicadas pelo grupo, articuladas com outras, desdobram-se em temas, subtemas,
aspectos decorrentes e aspectos mediadores13.

2.6 ENTREVISTA, SESSÕES COLETIVAS DE DIÁLOGO E OBSERVAÇÃO DE


PRÁTICAS

Ainda no primeiro semestre, em junho de 2008, realizamos uma entrevista


coletiva, buscando compreender aspectos caracterizadores dos partícipes da
pesquisa, tanto do ponto de vista geral quanto mais voltado ao objeto de estudo. A
entrevista realizou-se no período de 16 a 18 de junho de 2009, das 18h às 19h, em
três momentos distintos, em função da disponibilidade de tempo dos envolvidos.
Com essa entrevista, buscamos compreender como os partícipes se tornaram
professores na EJA, situando suas características, motivações, experiências
formativas e fontes de saberes para a docência. A entrevista não se resumiu em um
ritual tradicional de perguntar (pesquisador) para alguém responder (partícipes),
mesmo porque essa lógica nada tem a ver com a natureza de uma pesquisa
colaborativa. No percurso de dialogicidade (FREIRE, 1987), desenvolvemos
processos comunicacionais, isto é, dialógicos, interativos, construindo sentidos na
concreticidade da realidade dos partícipes. Poderíamos dizer que fomos constituindo
um exercício concreto de dialogismo, entendido como um “[...] permanente diálogo,
nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos [...]”
(BRAIT, 2005, p. 94).

13
Sobre o processo de construção da rede temática com seu Plano de Ação, tratamos no quinto
capítulo desta tese.
49

De acordo com Lüdke e André (1986, p. 34), “[...] a entrevista permite [...]
esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na observação das
informações desejadas”. No sentido que estamos atribuindo à entrevista, esta
possibilitou maior flexibilidade pelo fato de, em diálogo com os partícipes, termos
autonomia para acrescentar questionamentos, ampliar o diálogo, redirecionar as
possibilidades de apreensão e compreensão do objeto de estudo.
Para Kramer (2003, p. 74-75), na entrevista coletiva:

a) as narrativas sobre histórias de formação são mais densas e


substanciais;
b) os entrevistados expressam emoções mais intensas na medida
em que podem relatar sua experiência e compartilhá-la com
professores que enfrentam problemas semelhantes ou análogos
aos seus;
c) os relatos parecem mais autênticos, porque as demonstrações de
vaidade pessoal ou as intenções de impressionar o entrevistador
desaparecem, diante do grupo;
d) as pessoas aprendem umas com a experiência das outras e
descobrem situações, problemas, iniciativas e realidades que
nunca antes puderam imaginar existir.

Na entrevista, buscamos desenvolver processos de ressignificação e reflexão


sobre o ensinar e o aprender, orientando-nos por duas ideias: a primeira, composta
de dados gerais sobre cada partícipe; a segunda, com informações do ponto de vista
mais conceitual, envolvendo temas como processo de formação, docência e saberes
(apêndice A). Gravada em áudio, a entrevista foi, posteriormente, transcrita, lida e
validada pelos partícipes. A análise dos dados construídos por meio da entrevista
também passou pelo mesmo processo. Os temas emergentes da entrevista coletiva
possibilitaram a realização de sessões coletivas de diálogo com os partícipes, no
sentido de contribuir com seu desenvolvimento profissional, buscando intervir na
realidade pesquisada.
Na segunda etapa de pesquisa, segundo semestre de 2008, realizamos
observações e sessões coletivas de diálogo. O tipo de observação realizada foi a
direta, pois entendemos que “o envolvimento [...] do investigador na situação da
pesquisa é não só desejável, mas essencial [...]” (MACEDO, 2004, p. 154),
especialmente por estarmos tratando de uma perspectiva de observação que,
50

conforme Ibiapina (2008, p. 89), “[...] se constitui na observação realizada por meio
de processos cíclicos e sistemáticos de reflexão na e sobre a ação”.
As observações realizadas pelo pesquisador no contexto da sala de aula da
partícipe Clara tiveram como objetivo identificar saberes necessários para a
docência na EJA durante a dinâmica cotidiana da sala de aula com jovens e adultos.
Antes de realizar as observações, dialogamos com a educadora sobre os objetivos
desse procedimento, o que tornou mais tranquila nossa entrada no contexto da sala
de aula. As observações foram realizadas das 19h30min às 21h30min, nos meses
de agosto e setembro de 2008, totalizando 20 horas. Paramos de realizar as
observações na medida em que fomos percebendo uma certa repetição nas ações
pedagógicas da educadora, o que nos possibilitou entender como acontecem as
práticas alfabetizadoras em sala de aula. A escolha dessa sala ocorreu pelo fato de
Clara ser a única, entre os quatro partícipes, a estar ministrando aula no período em
que realizamos a pesquisa.
Na medida em que acompanhamos a experiência pedagógica de Clara,
realizamos um processo de sistematização dos dados por meio de Notas de Campo
(NC) (Apêndice B), constituindo, assim, “[...] o relato escrito daquilo que o
investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre
os dados de um estudo qualitativo”. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150). As NC foram
compreendidas como um recurso capaz de registrar impressões, falas e significados,
produzidos e explicitados durante a pesquisa. (MINAYO, 1994). Registramos, nesse
contexto, regularidades, contradições, práticas, saberes, entre outros, inerentes à
dinâmica da sala de aula observada.
As NC são recursos que possibilitam o desenvolvimento, em um primeiro
momento, de uma reflexão intrapsicológica (VYGOTSKY, 2007), pois o sujeito da
pesquisa dedica-se a descrever e a tecer comentários sobre o que vem observando
e experienciando no campo empírico, constituindo uma relação individual com o
objeto de estudo; em um segundo momento, no grupo de pertença, as notas
transformam-se em um recurso para leitura e socialização pública da prática
sistematizada, passando a ser um momento interpsicológico (VYGOTSKY, 2007),
desenvolvido com o grupo.
51

Desse modo, na medida em que escrevíamos nossas impressões acerca do


processo de pesquisa observado, tornávamos possível a objetivação de sentidos e
significados em torno do processo vivido, atravessado pelos diferentes discursos dos
sujeitos de forma polifônica (BAKHTIN, 1997; BRAIT, 2005), evidenciando, assim,
produções discursivas que se articulam e se entrecruzam socialmente,
materializadas nas ações interativas dos envolvidos.
No período de observações diretas, elaboramos várias NC referentes aos
momentos em que acompanhamos a prática da educadora. Após escritas, as notas
referentes à prática pedagógica (Apêndice B) foram entregues à educadora, a fim de
que pudesse validar os dados e, em seguida, dialogar com os demais partícipes
sobre os registros feitos acerca das práticas observadas.
A sistematização das notas foi realizada por Reinaldo, autor desta tese e
partícipe da pesquisa, uma vez que não houve disponibilidade de tempo dos demais
partícipes para fazê-la, considerando a demanda local de trabalho no cotidiano da
escola e de outras atribuições nas quais estavam envolvidos. Por essa razão,
Reinaldo elaborou as notas e, em seguida, apresentou e discutiu os dados com os
outros colaboradores.
Outros dispositivos de produção de dados foram as sessões coletivas de
diálogo, organizadas de duas formas: a) sessões de estudo e b) sessões reflexivas
coletivas.
As sessões coletivas de diálogo são espaço-tempo de estudo, de reflexão
crítica sobre a prática. Momentos nos quais o grupo se desafia a problematizar as
práticas desenvolvidas, a estudar conceitos, flexionando o pensamento em torno de
interesses e necessidades do coletivo. Esse espaço, conforme Ibiapina (2008, p.
97), é “[...] o contexto, o ambiente propício à reflexão, o lócus de promoção da
reflexividade”.
Nesse sentido, entendemos esse momento como um tempo formativo do
grupo, possibilitador de transformações conceituais, de transformação de práticas,
sendo por isso um tempo colaborativo, legitimado e construído pelo grupo, com suas
tensões, suas (ir)regularidades, suas contradições e seus conflitos. Ele se
caracteriza também como um espaço de silêncios e de escutas, de argumentações,
de pensar sobre o que fizemos, sobre o que poderemos fazer diferente; espaço de
52

pensar sobre nós mesmos como sujeitos críticos imersos em um processo educativo
coletivo.
No percurso da nossa tese, nas sessões coletivas de diálogo, desenvolvemos
momentos como:
 Estudo de textos para aprofundamento teórico;
 Construção coletiva de rede temática da EMSL para o ano de 2008;
 Leitura e análise da proposta de EJA da rede municipal de ensino;
 Leitura e análise de ideias apresentadas na entrevista coletiva;
 Leitura e análise de notas de campo, especificamente sobre as
observações de práticas alfabetizadoras;
 Leitura e análise das sessões de estudo e das sessões reflexivas coletivas;
 Leitura da análise da tese em construção.
Nessas sessões, por meio da reflexividade crítica (DOMINGO, 2003),
construímos uma maior interação entre nós, por meio de um diálogo profundo,
aberto e crítico sobre o objeto de estudo da presente tese. As sessões coletivas de
diálogo foram momentos em que ouvíamos melhor uns aos outros; momentos de
escuta, de falas e de compreensão de sentidos em torno dos saberes para a
docência na EJA. As sessões significaram ainda tempos e espaços de ampliação da
autonomia profissional docente; contextos de trabalho pedagógico mais apurado em
torno das práticas alfabetizadoras, reflexionando o pensamento, de maneira
distanciada, sobre o que observávamos, o que ouvíamos, o que experienciávamos e
o que produzíamos na condição de grupo.
As sessões de estudo, primeira modalidade das sessões coletivas de
diálogo, foram realizadas com o objetivo de estudar sobre temas como: a) pesquisa
colaborativa e seus princípios; b) organização curricular da EJA na rede municipal
de ensino; e c) saberes docentes. A centralidade das sessões de estudo foi a
realização de leitura e a análise de textos de autores que abordavam temáticas de
interesse do grupo, significando, desse modo, um momento essencialmente
formativo, possibilitando a ressignificação de conceitos e dos sentidos atribuídos às
práticas desenvolvidas pelos partícipes.
As sessões reflexivas coletivas, segunda modalidade das sessões
coletivas de diálogo, utilzada nesta tese para refletir as práticas, orientam-se por
53

uma perspectiva metodológica capaz de potencializar as ações de descrever,


informar, confrontar e reconstruir (Ver anexo – Quadro 5). O referido anexo, retirado
das produções de Ibiapina (2008), evidencia a proposta por ela indicada. Entendido
como sugestão, esse quadro contribui para o desenvolvimento de sessões
reflexivas. Entretanto, diante da nossa realidade de investigação, não foi possível
desenvolvê-lo, pois, como já dissemos em outro momento, não houve
disponibilidade dos partícipes para a realização de sessões intrapsicológicas,
tomando como referência a proposta de Ibiapina (2008). Nossos momentos
reflexivos foram desenvolvidos levando em consideração os questionamentos
apresentados no Quadro 6 a seguir.

QUADRO 6
Sistematização das sessões reflexivas coletivas

Atividades Centralidades Questões orientadoras


Reinaldo: O que entendemos por tema gerador? O que
Organização e estamos entendendo com a palavra “significativo” no
Primeira sessão desenvolvimento da contexto do tema gerador? Vocês acreditam que as duas
reflexiva coletiva rede temática. falas ou apenas uma daria(m) conta da totalidade das
temáticas que vocês sistematizaram para organizar a rede
temática? Há diferença entre tema gerador e rede
temática? Se houver, que diferença é essa?
Reinaldo: O que você entendia por saberes docentes?
Segunda sessão Concepção de Que saberes são necessários para você atuar como
reflexiva coletiva saberes, saberes professora? O que você entende por alfabetização?
necessários para a Aparecem saberes que você considera, de fato,
docência na EJA e necessários para trabalhar com as pessoas jovens e
concepção de adultas? Você acredita que os saberes mais necessários à
alfabetização. prática alfabetizadora seriam aqueles voltados à leitura e à
escrita da realidade, da vida dessas pessoas? Quais
outros saberes, dentro desse saber mais geral, leitura e
escrita, você diria que seriam mais específicos para se
trabalhar no cotidiano da sala? Você poderia citar alguns
que você teria necessidade? E de outras áreas? E
História? Você considera que esses conteúdos, nesse
movimento de aprender a ler e a escrever, são necessários
para essas pessoas com quem você trabalha? No diário
escolar, você registra o que desenvolve em sala de aula?
Reinaldo: O que vocês entendem por alfabetização?
Considerando a trajetória de vocês, onde é que vocês
Concepção de localizam saberes voltados à alfabetização? Você se
Terceira sessão alfabetização; lembra, Clara, nesse contexto, tanto da prática quanto dos
reflexiva coletiva saberes da prática estudos do curso de Pedagogia, que você falou, o que é
alfabetizadora na que você identificaria de saberes que seriam necessários
trajetória de estudo para você alfabetizar? Daria um exemplo, Clara, disso que
e de formação dos você acabou de falar? E Glenda, onde é que você localiza
partícipes; fonte dos saberes, esses saberes que você construiu para aprender
saberes; Paulo a alfabetizar? E no magistério, você estudou algo
Freire como específico sobre jovem e adulto? E algum curso da
referência principal SMED, você teve alguma formação mais direcionada a
do trabalho trabalhar com adultos? Clara, fale aí sobre esses saberes
pedagógico; na sua trajetória de formação. Onde é que você localiza
54

motivações para esses saberes e que saberes seriam esses? Você teve
aprender a ensinar; acesso ao Paulo Freire antes ou depois da sua prática? E
formação você participou de algum curso de formação da SMED? E
continuada; dessas suas várias experiências, Clara, você localizaria
avaliação. alguns saberes que você considera necessários para atuar
na alfabetização com jovens e adultos? Com base no que
vocês acabaram de falar, eu queria que vocês
conceituassem alfabetização. Esse conceito de
alfabetização que você está dizendo não ultrapassaria
aquela compreensão que você acabou de falar antes?
Thaís, como é que você entende essa questão da
alfabetização? Você reproduzia, de certa forma, na prática,
aquilo que você aprendeu na escola do magistério? Em
que módulo vocês poderiam dizer que uma pessoa está
alfabetizada? Pela proposta da SMED, essa concepção de
alfabetização que vocês estão apresentando estaria
coerente ou teria um limite que o Reaja consideraria que
alguém estaria alfabetizado? Glenda, pela proposta da
SMED, como é que você vê a concepção de alfabetização
que vocês acabaram de falar? O educando pode chegar
ao quarto módulo, de fato, sem nenhum conhecimento?
Clara, você poderia falar sobre a sua concepção de
alfabetização novamente? Você está me dizendo o
seguinte: aprendeu a ler e a escrever a pessoa está
alfabetizada? Você considera negativo esse modo de não
impedir o educando de frequentar o módulo subsequente?
Então, o educando acompanha a professora e não o
módulo? Isso se refere ao sentido de vínculo afetivo com o
educador?
Clara: Glenda, em suas leituras, o que você acredita,
voltado ao nosso trabalho, que esteja sendo positivo ou
negativo também? E sobre essa questão da
alfabetização?.
Reinaldo: O que vocês entendem sobre docência? Como
vocês se tornaram professoras? No caso da EJA, o que é
docência? Poderíamos dizer que há uma inversão também
na lógica do adulto estudante? Ele precisa se identificar,
criar um vínculo, uma relação de afetividade com o
professor? Ou seja, ele também tem que se identificar com
Quarta sessão Docência; tornar-se esse tipo de trabalho? Quando vocês falam sobre as
reflexiva coletiva professor na EJA; características desse grupo, quais características seriam
docência como essas? Clara, você pensa o quê sobre docência? Ser mais
doação. do que professor, isso significa o quê? Depois de reler as
próprias ideias que vocês colocaram sobre docência, o que
é que vocês diriam de docência? Manteriam essa mesma
compreensão que vocês tiveram no momento inicial,
quando começamos a pesquisa? Por que é que algumas
de vocês riram quando eu li? O que é que esse riso
significou? Thaís, para você, quando perguntamos o que
é docência, qual é o conceito de docência que você
afirmou? Isso de ser assistencialista não estaria um pouco
nessa concepção? Como é que você, Clara, diria
diferentemente disso aqui que você afirma que a docência
é um ato de doação? Você conseguiria transformar essa
ideia de doação para um outro sentido?
Clara: E você, Reinaldo, o que diria?
Diálogo sobre o
Quinta sessão conteúdo das Reinaldo: Vocês identificariam alguns saberes da prática
reflexiva coletiva observações alfabetizadora de Clara? Que saberes são esses
realizadas na sala presentes nas descrições das práticas observadas?
de aula de Clara.
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.
55

As sessões reflexivas coletivas foram organizadas em diferentes momentos


(Apêndice C), refletindo sobre temáticas como: a) tema gerador e rede temática;
b) observações das práticas alfabetizadoras de Clara; c) saberes para a docência na
EJA; e d) saberes da prática alfabetizadora na trajetória de estudo e de formação
profissional dos partícipes. Todos os momentos de estudo e reflexão foram
realizados na EMSL, em horários definidos com os partícipes, totalizando 30 horas
de efetivo trabalho.
Os procedimentos adotados nas sessões coletivas de diálogo foram
condicionados pelo contexto de atuação dos partícipes. A precarização do trabalho
docente é evidente na realidade investigada. Há uma estrutura que nega o diálogo,
que nega práticas coletivas. Os espaços de diálogo, por nós ressignificados, são,
por isso mesmo, espaços de resistência no sentido de buscar romper com práticas
que isolam os educadores na escola, orientadas para a realização de práticas
individualistas. Diante dessa realidade, fomos, paulatinamente, construindo
contextos pedagógicos possibilitadores de reflexões e de estudos sobre temáticas
de interesse do grupo.

2.7 A ESCOLA – CONTEXTO DA PESQUISA

A EMSL, indicada pela SMED e acolhida pelo pesquisador para a realização


deste trabalho, situa-se na cidade de Vitória da Conquista, terceira maior cidade,
entre os 417 municípios do estado Bahia, localizada no centro-sul baiano em uma
altitude de 923m em relação ao nível do mar, a 509km da capital baiana (Salvador),
com uma população de 308.204 habitantes (BRASIL, 2007b).
Fundada na gestão do prefeito municipal Carlos Murilo Pimentel Mármore, no
ano de 1990, sob a reivindicação da presidência da Associação de Moradores do
Bairro, com apoio de toda a comunidade local, a escola é concebida pelos
colaboradores como um espaço de produção de conhecimento significativo para as
pessoas da comunidade (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2008a). A escola, de acordo
com a direção, “[...] tem buscado trabalhar a partir da realidade dos estudantes,
articulando e desenvolvendo diferentes ações junto aos segmentos da escola e à
comunidade que se localiza em seu entorno social” (NC 02, 29 jan. 2008). Entre tais
ações, há planejamento coletivo com profissionais da escola, reunião com pais e
56

mães, conselhos escolares e momentos de confraternização entre os segmentos da


instituição.
Embora existam ações direcionadas a assegurar acesso, permanência e
aprendizagem dos educandos, a direção, eleita pelos segmentos da escola para o
biênio 2008-2009, e os documentos da instituição evidenciam algumas
necessidades para aperfeiçoar o espaço físico e pedagógico da instituição, tais
como: “[...] a) melhoria da rede de esgoto; b) melhoria do piso; c) troca do telhado,
pois atualmente é de zinco; d) conserto dos banheiros; e) melhoria da rede elétrica;
f) sala de leitura; g) pintura geral; h) cimentar ao redor da escola” (VITÓRIA DA
CONQUISTA, 2008a). O espaço físico da instituição, pelo que observamos,
necessita de reforma. Muitos dos profissionais com quem dialogamos revelaram, em
vários momentos da pesquisa, insatisfação em relação à estrutura física, aos
materiais didático-pedagógicos, ao mobiliário (cadeiras, armários), entre outras.
Sobre a EJA, no PPP da escola (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2008a), localizamos a
seguinte afirmação:

A Educação de Jovens e Adultos [...]: Oferecida no período noturno,


oportunizando, aos alunos que frequentam esta modalidade de
ensino, o acesso à escola e o direito de conclusão da escolaridade.
Logo no início do ano letivo, o aluno responde a um conjunto de
questões, previamente organizadas pelo grupo docente e equipe
pedagógica, com o intuito de apontar quais os desejos, anseios e
preocupações que estes jovens têm ao retornar aos bancos
escolares. Tais questões buscam aproximar alunos e professores e
oportunizar um planejamento coerente a este aluno que é um
adolescente ou um adulto trabalhador comprometido pela repetência,
reprovação ou evasão. As perguntas perpassam pelas razões do
desejo deste voltar a estudar. O que cada um espera desta
modalidade de ensino? Quais os motivos de ter parado de estudar?
No contato com os alunos e na análise destas respostas, é possível
idealizar um planejamento mais próximo das necessidades destes
educadores. Nesta perspectiva, a função da EJA é de incluir toda a
população acima de quinze anos, contribuindo para a sua formação e
o aperfeiçoamento do exercício da cidadania. (VITÓRIA DA
CONQUISTA, 2008a, p. 23-24).

Notamos, ao ler o referido projeto, a ausência de discussões gerais e


específicas contemplando, na escrita do texto, um olhar mais crítico e aprofundado
sobre a modalidade da EJA. Esta é apenas citada, ficando, assim, negligenciada nos
57

documentos oficiais da instituição. Entretando, é mister ressaltar o desejo dos


profissionais da escola de garantir a aprendizagem dos jovens e adultos em
processo de escolarização. Como percebemos, no fragmento citado, há uma
preocupação com a organização de um planejamento voltado à realidade dos
educandos, o que, certamente, é um aspecto relevante da experiência na escola
investigada.
Na perspectiva de Veiga (1995, p. 13),

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional com


um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente.
O projeto político-pedagógico, ao se constituir em processo
democrático de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de
organização do trabalho pedagógico que supere os conflitos,
buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e
autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e
racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no
interior da escola, diminuindo os efeitos fragmentários da divisão do
trabalho que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de
decisão.

Observamos que, embora o PPP da instituição apresente vários elementos


relevantes para a escola em geral, como, por exemplo, discussões sobre homem,
sociedade, educação, formas de organização do ensino, entre outros aspectos,
sentimos falta de compreensões em torno da EJA de forma explícita e referendada
nas produções atuais sobre essa temática.
A EMSL desenvolve, no seu cotidiano, a experiência de implementação da
modalidade de EJA. Para acompanhar essa experiência pedagógica, existe, na
SMED, em Vitória da Conquista, um Núcleo Pedagógico também responsável pelo
processo educativo de forma geral na rede municipal de ensino.
Organizado por áreas de conhecimento, incluindo níveis e modalidades de
ensino, o Núcleo assegura a coordenação pedagógica da EJA14, uma de suas áreas
de atuação, responsável pelas ações pedagógicas nessa modalidade. Entre essas
ações, encontram-se: a) acompanhar a implementação dessa modalidade nas
escolas municipais; b) organizar e desenvolver ações formativas com professores e
coordenadores pedagógicos das escolas; c) repensar, permanentemente, a proposta

14
Até o ano de 2008, eram três profissionais os responsáveis pela coordenação da EJA, na rede
municipal de ensino de Vitória da Conquista (BAHIA, 2007a).
58

pedagógica da rede municipal, tendo como referência o contexto das escolas locais
e seus desafios, buscando apontar, coletivamente, outros caminhos para qualificar
as ações pedagógicas na EJA.
A experiência em EJA, ensino fundamental, na rede municipal de ensino da
cidade de Vitória da Conquista, foi aprovada com o nome Programa Repensando a
Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (Reaja)15. O Programa Reaja, como é
mais conhecido, foi aprovado no ano de 1997, visando atender, no campo e na
cidade, as pessoas com necessidade de continuidade de estudos ou que tivessem
interesse em começar seu processo de alfabetização. Um dos objetivos do Reaja
era diminuir os índices de analfabetismo do município de Vitória da Conquista16. O
Reaja substituiu a experiência anterior nessa modalidade, centrada em classes de
alfabetização para adolescentes, o chamado terceiro turno. “O terceiro turno se
configurou na rede pública municipal, até 1997, como um horário alternativo, das
17:00h às 20:30h, com o objetivo de atender aos adolescentes que, por motivo de
trabalho, não podiam estudar no diurno”. (BAHIA, 2007a, p. 16).
Em 1997, conforme discurso presente em documentos oficiais, a
Administração Municipal assumiu a EJA como compromisso político, fazendo parte
do planejamento global da SMED, na tentativa de não implementar campanhas de
alfabetização, mas de garantir uma política educacional para jovens e adultos.
(BAHIA, 1999a).
Além do compromisso político, apresentado como uma das justificativas para
a criação do Programa Reaja, aparece a exigência legal, constituindo-se em
obrigação do poder público, em nível municipal, estadual e nacional. Podemos dizer,
nesse sentido, que o Reaja é resultado também do que já estava expresso na

15
Em dezembro de 2008, tivemos conhecimento, na EMSL, que a SMED substituiu a denominação
“Programa Reaja” pela expressão “Educação de Jovens e Adultos – EJA”. Documentos analisados
para a presente tese, referentes à EJA em Vitória da Conquista, já apresentam a expressão
Educação de Jovens e Adultos. Exemplos desses documentos são: a) Proposta pedagógica –
Educação de Jovens e Adultos (BAHIA, 2007a); b) Princípios pedagógicos e metodológicos:
educação de jovens e adultos (BAHIA, 2007b); c) Roteiros didáticos: educação de jovens e adultos –
segmento I. (BAHIA, 2006).
16
Conforme dados do IBGE, Vitória da Conquista, em 2005, possuía 19,78% de analfabetismo,
considerando-se a população de 15 anos ou mais de idade. No site da Prefeitura de Vitória da
Conquista, em julho de 2009, há informação de que “[...] o índice de alfabetização de jovens, adultos
e idosos em Vitória da Conquista está em torno de 82% [...]”, considerando-se a população de 15
anos ou mais de idade, significando que 18% da população não sabe ler e escrever. (VITÓRIA DA
CONQUISTA, 2009).
59

Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.


9394/96 (LDB) e na Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
(1997, em Hamburgo – Alemanha). Além disso, vamos encontrar outras indicações
legais no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001) e no Parecer n. 11, de 2000,
que tratam da Diretrizes Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(DCNEJA).
Os dados a seguir, no Tabela 1, apresentam informações da matrícula de
estudantes nessa modalidade, na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista.

TABELA 1
Matrícula no Programa Reaja – 1997 a 2008
17 18
ANO Segmento I Segmento II
1997 988 -
1998 3.672 -
1999 4.515 -
2000 6.733 -
2001 5.727 -
2002 6.371 -
2003 5.650 -
2004 4.649 -
2005 4.628 -
2006 3.407 535
2007 3.090 3.300
2008 2.105 3.153
Fonte: Vitória da Conquista, 2008b.

Conforme observamos nos dados da Tabela 1, há uma redução significativa


nas matrículas municipais no ano de 2008, especificamente no primeiro segmento
do ensino fundamental. Para os colaboradores desta pesquisa, essa redução
relaciona-se, entre outros motivos, ao ProJovem Urbano19, Programa Nacional de

17
O Segmento I, na EJA, refere-se aos quatro primeiros anos do ensino fundamental.
18
O Segmento II, na EJA, refere-se aos quatro últimos anos do ensino fundamental.
19
O ProJovem Urbano foi criado pela Medida Provisória 411, de 28 de dezembro de 2007, no âmbito
da Política Nacional de Juventude, localizado na Secretaria-Geral da Presidência da República, sob
responsabilidade da Secretaria Nacional de Juventude, buscando atender jovens na faixa etária de 18
a 29 anos que não sabem ler ou escrever ou, ainda, que não concluíram o ensino fundamental.
Conforme orientações oficiais, o Programa busca articular: a) a elevação da escolaridade, buscando
alcançar a conclusão do ensino fundamental; b) qualificação profissional com certificação de
formação inicial; c) participação cidadã com a promoção de experiência de atuação social na
comunidade. Há uma prioridade no Programa para articular educação e trabalho, o qual é entendido
como princípio educativo, por meio de atividades de escolarização, profissionalizantes e cidadãs
(comunitárias) (CORDÃO, 2008, p. 3).
60

Inclusão de Jovens, destinado aos que se encontram na faixa etária de 18 a 29


anos. Segundo Thaís, “muitos jovens preferem o Projovem porque é uma
oportunidade de ganhar cem reais, durante vinte meses, já que no Reaja não tem
dinheiro, não existe bolsa. Lá eles ganham dinheiro e ainda poderão concluir o
ensino fundamental e aprender algumas coisas para atuar no mercado de trabalho”
(NC 06, 21 maio 2008). No contexto brasileiro, a sobreposição de programas, de
campanhas e de ações na área de EJA ainda é um desafio a ser enfrentado pelos
municípios, estados e governo federal. Continuamos, no Brasil, implementando
programas que só permanecem por determinado tempo, presos, desse modo, a uma
determinada gestão governamental, o que podemos chamar de programas de
governo. (HADDAD; DI PIERRO, 2000; DI PIERRO, 2005; 2001).
O Programa Reaja é destinado aos:

a) Adolescentes, jovens e adultos excluídos da escola por fatores de


ordem socioeconômica e cultural, sobretudo, os adolescentes em
situação de rua [...].
b) Adolescentes, jovens e adultos participantes de uma das
modalidades seriada ou modular que tenham necessidade de
completar, reciclar ou atualizar conhecimentos.
c) Adolescentes, jovens e adultos que nunca tiveram acesso à
escola ou continuidade de estudo no ensino fundamental em virtude
de condições de vida, trabalho e moradia. (BAHIA, 1999a, p. 5).

Quanto aos aspectos pedagógicos, são considerados, conforme documentos


consultados: a) as características individuais dos estudantes; b) o contexto familiar e
comunitário; c) o mundo do trabalho; d) as oportunidades de lazer e cultura; e) as
formas de participação individual e coletiva. (BAHIA, 1999a, p. 5). Entre as
referências de fundamentação teórico-metodológica do Programa, encontram-se as
obras do educador brasileiro Paulo Freire.
A experiência de EJA, em Vitória da Conquista, articula-se a uma política de
educação municipal, estando inserido também no planejamento da escola,
assegurando direitos e experiências pedagógicas diferenciadas. Isso é ratificado da
seguinte forma: “[...] a proposta, pois, parte do pressuposto de que esta clientela
possui um saber próprio, elaborado a partir de suas relações sociais, de seus
61

mecanismos de sobrevivência e, em muitos casos, de experiências anteriores de


contato com a escola” (BAHIA, 1999a, p. 5).
Os princípios orientadores dessa experiência estão organizados em três
níveis: a) o político; b) o psicológico; e c) o pedagógico. No campo político, são
tratados conceitos como: identidade e cidadania; liberdade e democracia;
construção e participação da sociedade; socialização. No campo psicológico, busca
garantir a recuperação da autoestima; o respeito e a valorização da individualidade e
coletividade; a (auto)confiança; a liberdade de expressão; a (auto)avaliação; e o
desenvolvimento da consciência crítica. No tocante ao campo pedagógico, toma
como base a construção/valorização do conhecimento; a elaboração de um saber
popular e formal contextualizado, integrado e interdisciplinar; a aquisição da leitura e
da escrita, em uma perspectiva da formação integral em todas as áreas de
conhecimento.
São objetivos da EJA, na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista:

• Oferecer educação básica a adolescentes, jovens e adultos que,


por motivos diversos, foram excluídos do sistema educacional na
idade adequada.
• Contribuir para a valorização da identidade, para a construção
da cidadania e formação integral dos educandos, despertando a sua
consciência crítica para o pleno exercício da liberdade e da
democracia.
• Garantir, a todos, o direito de frequentar gratuitamente a sala de
aula e gozar dos benefícios proporcionados pela educação.
• Superar as formas cristalizadas de ensino e permitir que o
conhecimento de mundo e a realidade do dia a dia dos alunos seja
parte integrante da construção do aprendizado.
• Integrar os indivíduos à sociedade.
• Promover a inclusão social e a inserção no mercado de trabalho
de jovens e adultos que não tiveram acesso à educação na idade
própria, proporcionando condições para que essa parcela da
população construa sua cidadania e possa ter acesso à qualificação
profissional. (BAHIA, 2007b, p. 13).

De acordo com o Caderno Fundamentos I (BAHIA, 1999a, p. 1), a experiência


de EJA na rede municipal buscou “incorporar os princípios teórico-metodológicos de
uma organização pedagógico-curricular alternativa, visando atender diferentes
realidades dos estudantes”. A ideia foi melhorar e ampliar o atendimento para
62

adolescentes, jovens e adultos que desejassem não só se alfabetizarem, mas


também continuar o processo de escolarização, no âmbito formal.
O nome Programa Reaja, contudo, não significou na rede municipal de ensino
uma perpectiva passageira, temporária, no âmbito das ações políticas e
pedagógicas na EJA. No período de realização desta pesquisa, identificamos que o
nome Reaja tem mais a ver com a memória da EJA no município do que
necessariamente com programas entendidos como algo de curto tempo e com
poucos investimentos. A perspectiva da EJA na rede municipal acompanha as
orientações da legislação brasileira e desenvolve, no seu cotidiano, uma experiência
curricular diferenciada por meio da construção e do desenvolvimento da rede
temática.
Podemos afirmar que, em Vitória da Conquista, a EJA configura-se como uma
política pública educacional que tem possibilitado o acesso, a permanência e a
aprendizagem de jovens e adultos. Ultrapassando a dimensão de campanha de
alfabetização, a experiência, com mais de dez anos de existência, é uma alternativa
político-pedagógica da rede municipal de ensino, na busca pela diminuição dos
índices de analfabetismo no estado da Bahia e na ampliação da escolaridade da
população em nível de ensino fundamental. O contexto da EMSL é um dos
exemplos de vivência dessa política educacional no âmbito da rede municipal de
ensino.

2.8 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para sistematizar e analisar os dados, buscamos respaldo na análise do


discurso, com ênfase no pensamento de Bakhtin (1997). Com base no referido
autor, privilegiamos a organização dos dados por meio de temas e de suas
significações (BAKHTIN, 1997). O discurso, em nosso trabalho, é tomado conforme
discute Fernandes (2008, p. 17): “É preciso sair do especificamente linguístico,
dirigir-se a outros espaços, para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a
língua e a fala, fora delas, ou seja, para compreender de que se constitui essa
exterioridade a que se denomina discurso [...]”.
63

As posições que ocupam os sujeitos em interlocução determinam, desse


modo, os sentidos atribuídos aos discursos, social e historicamente enraizados.
O processo de análise privilegiou o contexto, o tema da enunciação, o sujeito
discursivo e os sentidos construídos pelos partícipes imersos na materialidade
cotidiana de seu trabalho. Na perspectiva bakhtiniana, o contexto é fundamental
para a compreensão dos discursos dos sujeitos. Sem aquele, é impossível
compreender os sentidos atribuídos à palavra, à lingugagem (verbal ou não verbal).
De acordo com Bakhtin (1997, p. 128), o tema precisa ser único, sendo assim
individual, irrepetível, apresentando-se como fruto de “[...] uma situação histórica
concreta”. O tema, diz o autor, “[...] é o sentido da enunciação completa”.
Percebemos, desse modo, que o tema refere-se a um contexto sócio-histórico,
tomando como base os elementos contextuais que o representam, bem como com
as formas linguísticas que compõem a enunciação. O tema da enunciação “[...] é
concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ela pertence”. (BAKHTIN,
1997, p. 129).
As significações, na perspectiva bakhtiniana, são “[...] os elementos da
enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos”. É
impossível delimitar fronteiras absolutas entre tema e significação, não havendo
possibilidade de entendê-los separadamente, já que ambos estão implicados. Nesse
viés, afirma o autor: “[...] é impossível traçar uma fronteira mecânica absoluta entre a
significação e o tema” (BAKHTIN, 1997, p. 129, grifo do autor). A significação
procura compreender os signos no âmbito da vida concreta, da sua materialidade,
mais do que no domínio apenas da língua (CEREJA, 2005). É a vida nos seus
diferentes jogos de linguagem que está na base da produção de sentidos e de
significados. A significação, nesse contexto, torna-se um dos problemas de maior
complexidade no campo da análise do discurso.
No contexto do tema e da significação, encontra-se o ato de compreender.
Bakhtin afirma que a compreensão é imprescindível para a apreensão tanto do tema
quanto da significação da situação. Compreender “[...] é opor à palavra do locutor
uma contrapalavra” (BAKHTIN, 1997, p. 132). A significação encontra-se, portanto,
na interação entre locutor e receptor, por meio de um diálogo ativo, responsivo e
contextualizado na dinâmica social e histórica na qual os discursos são produzidos.
64

Ao analisar temas e significações, fomos, ainda, situando e analisando


contradições inerentes ao processo vivido. Incorporamos, em nossa tese, o conceito
de contradição como um dos dispositivos mobilizadores do nosso pensamento para
apreensão e análise dos dados. Priorizamos narrar o processo e, neste, desenvolver
uma análise dialetizante, em movimento. Para Lênin (apud CHEPTULIN, 2004, p.
289, grifos do autor):

[...] a dialética é a teoria da forma pela qual contrários podem ser e


habitualmente são (porque assim eles se tornam) idênticos –
condições nas quais eles são idênticos mudando-se um no outro –
razões por que o espírito humano não deve tomar esses contrários
por mortos, fixos, mas por vivos, condicionados, móveis, mudando-se
um no outro.

De forma recíproca, os contrários excluem-se e encontram-se lutando


permanentemente. Conteúdo e forma, por exemplo, são contrários, mas
indissociáveis. Para o primeiro, há um tendência de movimento, de mudança; para o
segundo, há uma tendência à estabilidade; os contrários estão sempre interligados,
interpenetrados, representando a unidade dos contrários. A contradição situa-se no
movimento de interação entre mudança e permanência, entre estabilidade e
flutuação (CHEPTULIN, 2004). Compreender, portanto, o objeto em sua essência
pressuõe “[...] considerar o fundamento (o aspecto determinante, a relação) e a
própria formação material, em seu aparecimento e em seu desenvolvimento”
(CHEPTULIN, 2004, p. 286).
A contradição, diz Cheptulin (2004, p. 289), é a “unidade dos contrários e luta
de contrários que se excluem e se supõem mutuamente”. A primeira é sempre
relativa, temporal e explícita em determinadas circunstâncias históricas e sociais e,
após um determinado tempo, em seu desenvolvimento, é destruída e substituída em
função da luta de contrários. A segunda, a luta de contrários, é sempre absoluta,
pois está presente em “[...] todos os estágios da existência daquela unidade [...]”, na
qual são produzidos “[...] o aparecimento, a mudança, o desenvolvimento de toda a
unidade concreta e sua passagem para uma nova unidade”. Sem a luta dos
contrários, o movimento e o desenvolvimento inexistem, pois esta é “a impulsão da
vida” (CHEPTULIN, 2004, p. 302).
65

De acordo com Flickinger (2002, p. 150-151), “a leitura dialética, por sua vez,
torna possível revelar [...] o lado avesso do que se vê explicitamente enfocado,
tematizando, assim, o não tematizável dentro de uma mesma leitura”. Essa
abordagem teórica e metodológica possibilita analisar contradições, conflitos e
tensões que se estabelecem no interior do processo investigativo sem perder a
dimensão de totalidade na qual se encontra o objeto de estudo. Esse sentido de
movimento, inerente ao pensamento e ao fazer dialético, perpassa a análise por nós
desenvolvida. Os discursos dos partícipes apresentados ao longo da tese
representam momentos do processo construído e vivido. Nossa tentativa, ao utilizar
essa abordagem, é de captar a complexidade do real, suas contradições, suas
(ir)regularidades, permanências e mudanças.
No primeiro momento da organização dos dados, fizemos uma leitura geral de
todo o material empírico produzido em diferentes momentos da pesquisa:
a) observações diretas na escola e na sala de aula; b) entrevista coletiva; c) sessões
coletivas de diálogo (incluindo sessões de estudo e de reflexão). Interessou-nos,
nesse contexto, adentrar, de maneira geral, no material construído junto com os
partícipes, identificando o que estava escrito (ditos e não ditos) nos diversos
discursos dos sujeitos.
Em um segundo momento, lemos todo o material empírico e localizamos
temas e suas respectivas significações, apreendendo os sentidos produzidos
contextualmente pelos partícipes envolvidos na pesquisa. Na medida em que líamos
o material empírico, indicávamos também possibilidades de estudo de teóricos que
poderiam contribuir com a compreensão e a análise dos dados.
Nosso recorte para definição dos temas foi, essencialmente, semântico,
buscando apreender os significados atribuídos pelos partícipes, de acordo com o
tema da enunciação. Desse modo, os discursos apresentados ao longo da tese
situam-se no âmbito das significações, as quais são atravessadas por seus sentidos
construídos na interação entre locutor e receptor, por meio de uma atitude ativa e
responsiva dos partícipes (BAKHTIN, 1997).
Na etapa de organização e de análise dos dados, estabelecemos diálogos
permanentes entre os partícipes, repensando sempre nossas compreensões sobre o
que íamos construindo. Com base nesses diálogos, fomos incluindo observações e
66

reelaborando ideias acerca do objeto de estudo. Nosso olhar esteve sempre atento
ao fato de não enquadrar demais a experiência de pesquisa, evitando, assim, que
esta perdesse sua dimensão processual.
Diante do exposto, passamos, no próximo capítulo, à análise dos dados,
apresentando os protagonistas dessa experiência. Para isso, analisamos
conjuntamente o processo pelo qual nos tornamos professores na EJA como forma
de entender o contexto de construção dos saberes docentes.
67

3 TORNAR-SE PROFESSOR NA EJA: CARACTERÍSTICAS, MOTIVAÇÕES,


EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E DOCÊNCIA

Antes de tornar-me um cidadão do mundo, fui e sou um cidadão do


Recife, a que cheguei a partir de meu quintal, no bairro de Casa
Amarela. Quanto mais enraizado na minha localidade, tanto mais
possibilidades tenho de me espraiar, me mundializar. Ninguém se
torna local a partir do universal. O caminho existencial é o inverso.
(FREIRE, 2006, p. 25).

O presente capítulo analisa as principais características e motivações que


orientaram a dinâmica de inserção dos partícipes na EJA. São apresentadas
experiências formativas pelas quais passaram os colaboradores, enfatizando fontes
de saberes para a docência, bem como reflexões sobre o conceito de docência,
inspirando-nos em ensinamentos de Freire (2006) para não resumir a centralidade
do universal, mas considerar a riqueza do local, do singular, na análise sobre a
abertura para o mundo.

3.1 PROCESSO IDENTITÁRIO PROFISSIONAL

A identidade profissional docente não é fixa, não é linear, nem imutável


(SILVA, 2000). Os processos identitários docentes, nesse mesmo sentido, como
indica Nóvoa (1992), são uma construção histórica, delineando-se ao longo da
própria existência do sujeito. O que nos identifica e o que nos diferencia é fruto de
uma construção social e cultural, não está no mundo como algo já pronto, natural; é
fabricado, produzido (SILVA, 2000).
Os fios que constroem a rede do grupo colaborativo, nesta pesquisa,
configuram-se como elementos identificadores e diferenciadores de cada partícipe.
São fios mobilizados na ação pedagógica, que carregam dimensões sociais,
afetivas, culturais, históricas, políticas, ou seja, carregam em si múltiplas
deslocações (JOSSO, 2004).
Na busca de compreender quem são os partícipes desta pesquisa,
organizamos, conforme descrevemos no capítulo metodológico, uma entrevista
68

coletiva, apontando questões sobre nós mesmos. Esse foi mais um dos momentos
ricos em conhecimentos vividos no percurso investigativo-formativo da pesquisa
colaborativa, uma experiência dialogal, construindo um conhecimento sobre si, de si
mesmo em relação com o outro, com seus olhares, gestos, dizeres, risos, silêncios,
escutas, exigindo de nós “[...] atitudes de escuta, de silêncio, de suspensão de juízo,
de opiniões pré-concebidas e de verdades absolutas” (SOUZA, 2006, p. 93).

3.1.1 Tempo e docência

O tempo de trabalho em sala de aula é diferente para os partícipes envolvidos


na pesquisa. Na EJA, Glenda atuou durante dois anos: na condição de professora
(o primeiro ano) e de coordenadora da EMSL, no ano seguinte. No magistério, em
geral, ela atua há onze anos: “Eu trabalho com o magistério já há 11 anos e com
EJA há 2 anos” (EC-P01, 16 jun. 2008).
Thaís, de outro lado, afirma que trabalha há 22 anos na rede municipal e atua
há quatro anos na EJA, ratificando o seu gosto em torno dessa modalidade: “[…]
trabalho na rede municipal há 22 anos. Na EJA, 4 anos, somente 4 anos e gosto
muito porque a gente vê o desenvolvimento do que a gente atinge” (EC-P01, 16 jun.
2008).
Clara, por sua vez, iniciou o trabalho na EJA desde a sua implantação na
rede municipal de ensino: “[…] com EJA, desde o momento em que iniciou o
processo, em 1997”. (EC-P01, 16 jun. 2008). Sobre o tempo de trabalho, afirma
Reinaldo: “tive minhas primeiras experiências no ano de 1998 em turmas de
Aceleração da Aprendizagem e no PAS. São dez anos de magistério e seis
especificamente na EJA”.
São diferentes os tempos de atuação profissional dos colaboradores tanto na
EJA quanto no magistério de forma geral, o que possibilita a cada um deles
argumentar e expressar seus saberes profissionais, considerando seus contextos de
referência, pois nenhum discurso se encontra fora de um contexto, havendo para
tais discursos significados produzidos em sua relação direta com os atores sociais,
consigo mesmo e com a realidade de produção discursiva (BAKHTIN, 1997). Os
diferentes tempos de atuação profissional dos partícipes implicam o
desenvolvimento de práticas diferenciadas, conforme veremos a seguir,
69

referendadas em perspectivas distintas, envolvendo saberes oriundos de fontes


diversas. Implicam, por exemplo, um aprender a profissão docente com o outro, o
colega, por exemplo, nas interações dialógicas (FREIRE, 1987) e nas suas próprias
experiências.

3.1.2 Percepção de si

Clara percebe-se como alguém em formação, inacabado, sobretudo. Acredita


que os outros partícipes a percebem como alguém “durona”, ou seja, firme em suas
posições e decisões no âmbito do contexto escolar.

Clara: Eu me vejo como alguém inacabado, em permanente


formação, inconcluso. Isso vem da própria experiência. Tenho mais
de vinte anos de sala de aula. Isso me traz muita bagagem, muita
experiência. Quanto à segunda questão, acho que os outros me
veem como alguém durona, séria. Quero dizer que sou alguém que
os alunos respeitam, que acreditam no meu trabalho, que colabora
com a formação deles. Sou de posicionamento firme. Ninguém
consegue me convencer facilmente. (EC-P03, 18 jun. 2008).

Na fala de Clara, percebemos um entendimento significativo quanto ao que


se precisa fazer em sala de aula para alcançar a aprendizagem dos educandos. A
partícipe evidencia e reafirma a prática como fonte de experiência profissional.
Nesse sentido, afirmam Tardif e Lessard (2007, p. 51): “[...] a experiência pode ser
vista como um processo de aprendizagem espontânea que permite ao trabalhador
adquirir certezas quanto ao modo de controlar fatos e situações do trabalho que se
repetem”. Clara, acreditamos, apreende da experiência certos hábitos, valores que
são referência para defender seu ponto de vista pedagógico e para desenvolver sua
prática alfabetizadora. Embora a prática seja fundamental na constituição do tornar-
se professora, não é suficiente para atuar na EJA. A experiência torna-se
significativa a partir do momento em que passamos a refletir sobre ela, a teorizá-la,
tornando-a passível de análises, de críticas e de transformações (FREIRE, 1996).
Mesmo considerando que não é fácil dizer-se por meio da palavra oralizada,
Glenda considera-se uma profissional responsável, alguém capaz de colaborar com
os outros: “É como eu já disse. É difícil dizer como eu me vejo. Mas eu tento ser
alguém responsável e busco colaborar com o que posso no grupo. As outras,
70

sinceramente, não sei como elas me veem. Prefiro que elas falem”. (EC-P03, 18 jun.
2008).
Thaís percebe, em suas reflexões, a dificuldade de responder a essa
pergunta, mas afirma seu posicionamento em torno da ideia de comprometimento
com a escola, com a instituição na qual atua.

Thaís: Difícil, realmente, responder a essa pergunta. Eu me vejo


como alguém responsável. Agora, vejo melhor os problemas da
escola e percebo que, embora queiramos resolver tudo, nem sempre
isso depende da nossa vontade. Muitas vezes, a solução para muitas
coisas depende de outras instâncias, de outros órgãos. Como os
outros me veem? Como uma pessoa comprometida com a escola.
(EC-P03, 18 jun. 2008).

O depoimento de Reinaldo apresenta o compromisso com o processo


educacional como principal referência de sua fala e de sua prática. O referido
partícipe revela-se como um profissional comprometido com a educação,
enfatizando sua experiência profissional nas possibilidades a serem construídas
para que os educandos aprendam.

Reinaldo: Eu me percebo como alguém muito metódico, estudioso,


comprometido com a educação pública e preocupado,
essencialmente, com a aprendizagem dos educandos. Preocupa-me
sempre quando o outro com quem eu trabalho ainda não aprendeu.
(EC-P03, 18 jun. 2008).

Nos discursos dos partícipes, existe uma identificação com o aspecto do


compromisso educacional com os educandos. Há uma ênfase na aprendizagem do
educando e em um entendimento de si como sujeito em formação (Clara); em um
trabalho de grupo e coletivo, situando-se como colaboradora (Glenda); em uma
ação mais abrangente envolvendo toda a escola, agindo e sentindo-se responsável
pelo coletivo da instituição (Thaís); em uma prática educacional comprometida com
a aprendizagem dos educandos (Reinaldo). O sujeito individual, nesse contexto, vai
se constituindo em um sujeito coletivo, capaz de pensar ações e experiências
pedagógicas promotoras de resultados transformadores. Caracteriza-se como um
sujeito interativo, dialogante, crítico e propositivo (SANTOS, 2003).
71

3.1.3 Percepção de si por meio do outro

O sentido de uma profissional responsável, comprometida e criativa perpassa


as falas de Thaís, Glenda e Reinaldo ao se referirem a Clara:

Thaís: Eu vejo Clara como alguém comprometida, responsável.


Alguém que se posiciona nas reuniões, alguém que diz as coisas
sem receio.
Glenda: Clara é uma pessoa criativa, comprometida. Todos os
alunos a respeitam.
Reinaldo: Eu vejo como alguém comprometida, dedicada, prestativa,
criativa. (EC-P03, 18 jun. 2008).

Percebemos que Clara é referência na escola para os educandos, vista como


sinônimo de profissional competente, apresentando características como a) firmeza
nos seus posicionamentos em relação ao grupo de professores e de estudantes e b)
criatividade na organização e no desenvolvimento da prática alfabetizadora.
Sobre Glenda, afirmam os partícipes:

Clara: Apesar de nova no grupo, Glenda se mostra disponível,


aberta, comprometida.
Thaís: Glenda está sempre buscando, criando, procurando ideias,
sugestões para o grupo. Sempre tem algo para nos apresentar que
serve para as práticas de sala de aula. É responsável, organizada,
procura sempre administrar os conflitos no grupo.
Reinaldo: Percebo-a como uma profissional preocupada em
desenvolver um trabalho coletivo, refletindo o cotidiano das práticas
das professoras. (EC-P03, 18 jun. 2008).

As características de Glenda reafirmam o sentido de trabalho coletivo, de


grupo, por ela implementada em sua relação cotidiana com a escola. Os partícipes a
veem na condição de uma profissional criativa, curiosa, propositiva e aberta ao
diálogo com todas as outras profissionais da instituição.
Explicitando sua impressão acerca do grupo, Reinaldo ressalta: “Percebi um
sentido de grupo muito forte no trabalho desenvolvido na escola. Há, sim,
divergências, pontos de vista diferentes, mas todos nós trabalhamos buscando
alcançar objetivos na condição de grupo” (NC 11, 10 jul. 2008).
72

Os aspectos apresentados por Reinaldo vão ao encontro das falas de Clara


e de Glenda ao expressarem suas ideias sobre Thaís. Vejamos os fragmentos a
seguir:

Clara: Vejo Thaís como alguém que realmente tem uma


preocupação grande com a escola.
Glenda: O compromisso é uma característica desse grupo. Thaís é
alguém comprometida com a escola realmente.
Reinaldo: Percebo-a como uma vice-diretora muito atenta ao
conjunto da escola, em suas mais diferentes funções e atribuições.
(EC-P03, 18 jun. 2008).

O compromisso de Thaís é revelado por meio de várias ações na escola:


envolvimento com o coletivo dos profissionais da instituição; diálogo permanente
com todos os segmentos; participação em atividades de confraternização;
participação ativa na reelaboração do PPP da instituição.
Reinaldo conseguiu, conforme demonstram os depoimentos a seguir,
inserir-se no grupo de maneira significativa. Sobre ele, afirmam:

Thaís: Eu lhe vejo como um contribuidor para a gente. Além de estar


fazendo a sua pesquisa, você contribui para nossa aprendizagem,
para nossa profissão. Às vezes, a gente não para para refletir. Você
nos ajuda na reflexão da prática, o que provoca mudança de nossas
posturas, atitudes, ações pedagógicas. (EC-P03, 18 jun. 2008).

Glenda: Eu vejo você como alguém como a gente. Interessado em


construir conhecimentos, aprendendo com o grupo. E eu vejo um
grupo desse jeito. Você é alguém aberto tanto para socializar o que
aprendeu como para aprender conosco. Você se inseriu no grupo,
trouxe coisas novas e aprendeu com o grupo outras experiências
significativas para o trabalho. Sinto que você chegou ao grupo para
somar. É alguém que tem muito para oferecer. (EC-P03, 18 jun.
2008).

Clara: Enquanto pessoa, é alguém que sempre está em busca da


ampliação do conhecimento e de seus horizontes. Enquanto
professor, é alguém que estende a mão e auxilia na ampliação dos
debates entre pessoas jovens e adultas, auxiliando-as no
esclarecimento das realidades impostas, fazendo com que, enquanto
sujeitos, as entendam e passem a lutar por novos ideais. Enquanto
aluno/pesquisador, é aquele que sempre segue em frente, não se
importando com as possíveis “pedras”, que possam surgir ao longo
do caminho. É assim que eu o vejo. (EC-P03, 18 jun. 2008).
73

Na perspectiva de Thaís, há uma importante contribuição de Reinaldo no


processo de reflexão das práticas do grupo, possibilitando momentos coletivos de
aprendizagem e de teorização do processo educativo. Glenda, por sua vez, ressalta
uma outra característica do referido partícipe: é um profissional aberto ao diálogo, no
sentido de ensinar e aprender ao mesmo tempo. Ao falar de Reinaldo, Clara
destaca três dimensões: a da pessoa, a do profissional e a de pesquisador,
ressaltando aspectos como a busca de objetivos e ampliação de conhecimentos; a
capacidade de colaborar com a aprendizagem dos outros; e a persistência no
desenvolvimento de sua pesquisa. Para Nóvoa (1992, p. 25), “[...] estar em formação
implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os
projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma
identidade profissional”.
Parece-nos, e isso vai se revelando cada vez mais nas características dos
partícipes, que há uma relação direta entre os sentidos atribuídos a si mesmo e
como os outros os percebem. Esse sentido de compromisso, de responsabilidade,
de trabalho em grupo, eixo articulador das falas, que não pode ser entendido como
doação, voluntariado (GALVÃO; SOARES, 2006), tem a ver com uma preocupação
central dos colaboradores: possibilitar momentos formativos no processo educativo
capazes de fazer os educandos aprenderam a ler e a escrever de forma crítica,
contextualizada e transformadora. (SANTOS, 2003). Observamos nos discursos dos
partícipes um imbricamento entre as dimensões pessoais e profissionais no tornar-
se professor. Suas experiências de vida e suas iniciativas na arte de educar vão se
entrelaçando no cotidiano da profissão docente com as dimensões profissionais.

3.2 MOTIVAÇÕES PARA TORNAR-SE PROFESSOR

Neste item, tratamos das principais motivações orientadoras do tornar-se


professor(a) na EJA para os partícipes.
74

3.2.1 Influência familiar e escolhas pessoais

Ao falarem sobre como se tornaram professores, os partícipes expressaram


diferentes traços que caracterizaram esse momento. Glenda e Clara apresentaram
a influência familiar como um dos determinantes:

Glenda: Como falei no início, só fiz o magistério. […] foi mais uma
orientação da minha tia, porque “magistério é um curso bom, é
melhor que contabilidade” (ela dizia). Na época, a gente tinha
contabilidade, científico ou magistério. Era melhor magistério até
porque, para mulher, magistério é melhor do que contabilidade,
científico (acreditava-se). Eu fiz mais por orientação e não por
vocação. Não me arrependo de ter feito magistério, mas [risos].
Quando você faz, você aprende, mesmo quando não faz por
vocação, por interesse. Quando você passa a atuar, acaba
aprendendo a gostar do curso, da área, mesmo que não fosse isso
que eu quisesse para o resto da minha vida, mesmo que eu não
quisesse permanecer nessa área. Mas eu gosto, procuro fazer da
melhor forma. Os cursos (de formação) que fiz só se limitaram a isso.
(EC-P01, 16 jun. 2008).

Clara: Eu tive a influência da família porque a minha mãe puxava


muito para essa questão de que tinha que ser pelo menos professora
[risos]. Ela lutava muito por nós. Eu sou filha de pai músico e alfaiate
e de mãe costureira. Eu quis agradar a eles (pai e mãe) também.
(EC-P01, 16 jun. 2008).

A família, na figura da tia e da mãe, foi decisiva para Glenda e Clara,


respectivamente, tornarem-se professoras. No discurso de Glenda, o magistério é
reafirmado como profissão de mulher, situando-o como de valor menor em relação
ao curso de contabilidade e de científico. Na verdade, Glenda reproduz um discurso
ainda presente em torno do magistério como um curso de menor prestígio (fruto
também do fenômeno chamado de precarização do trabalho docente), mais ainda
quando pensamos o contexto da educação básica no qual atuam Clara, Glenda e
Thaís. Isso também se repete no discurso de Clara, ao dizer: “[...] tinha que ser pelo
menos professora”. (grifo nosso).
O sentido de nascer para ensinar é apresentado no discurso de Glenda ao
referir-se à ideia de vocação. Em nosso entendimento, o magistério é uma profissão
que se aprende. Não nascemos prontos para ensinar. Esse discurso orienta-se por
uma perspectiva inatista, na qual o sujeito já nasce com as condições de
75

desenvolver determinadas tarefas, portanto vem com as estruturas pré-formadas


para tornar-se professor. Segundo Santiago (1994, p. 64), essa teoria “[...] considera
que o conhecimento provém de estruturas pré-formadas, inerentes à razão humana,
portanto, é anterior à experiência”. O primado, nessa teoria, é do sujeito sobre o
objeto de conhecimento, isto porque a ação do sujeito e os estímulos do meio
possibilitarão ampliar seus “dons”, sua “vocação” (SANTIAGO, 1994).
No discurso de Glenda, observamos também que o magistério não é a
profissão em que gostaria de permanecer, já que, de fato, não foi sua a escolha.
Entretanto, a partícipe desenvolve o seu trabalho na condição de profissional da
educação de forma satisfatória e, como vimos anteriormente, o seu trabalho é
referendado e marcado pelo diálogo e pela ação coletiva com os demais partícipes.
Em Clara, observamos, ainda, diante de dificuldades para estudar e
sobreviver no âmbito familiar, “[...] o lado da escolha própria. [...] A gente abraçou
realmente o estudo”. (EC-P01, 16 jun. 2008). Nesse caso, tanto a família
(representada pelo pai e pela mãe) quanto a própria partícipe (Clara) tomaram a
decisão de que ela deveria cursar magistério e tornar-se professora. Esse último
motivo para tornar-se professora também acontece com Thaís:

Thaís: No ensino médio, eu também fiz o magistério. Foi por opção,


foi escolha mesmo. Eu desde criança sonhava em ser professora,
brincava de ser professora das bonecas. Eu me reunia com as
primas e quando a gente brincava no fundo do quintal era dando
aula. Era sonho meu! E até hoje eu não me vejo em outra profissão,
mesmo com todos os desafios, com todos os dissabores que a gente
encontra, eu não me arrependo. Não me arrependo porque para mim
é uma realização. [...] Foi mesmo uma opção. Eu tinha esse desejo
[...]. Eu tinha uns 14 ou 15 anos. (EC-P01, 16 jun. 2008).

Thaís, mesmo reconhecendo as dificuldades da profissão, vai em busca de


seu sonho: tornar-se professora. Lembrando-se da escola pela qual passou, recorda
os tempos de infância em que brincava de ser professora tanto com bonecas quanto
com os primos. São marcas que Thaís leva para o momento de decidir, no âmbito
do ensino médio, que carreira seguir. Sua escolha passa pelo desejo, por uma
realização própria, pelos tempos em que brincava de ensinar.
Assim como Souza (2006, p. 104), percebemos que os partícipes ao falarem
de si e de suas escolhas projetam “[...] sentidos, significados e representações que
76

são estabelecidos à experiência”, pois “A arte de narrar, como uma descrição de si,
instaura-se num processo metanarrativo porque expressa o que ficou na sua
memória”. Esse exercício, formativo no seu fazer e no seu pensar, instaura um
processo de reflexividade de si, no sentido de compreensão mais aprofundada sobre
os percursos realizados no magistério. De outro modo, possibilita, na interação
dialógica, ultrapassar compreensões equivocadas em torno da educação e de seus
limites e possibilidades, pois é um processo feito com o outro, entendido como
presença dialogante (BAKHTIN, 1997), e não simplesmente para o outro ou sobre o
outro. Percebemos, assim, que, embora tenham enfrentado dificuldades para
tornarem-se professores, os partícipes, ora influenciados pela família, ora tendo feito
suas próprias escolhas, vão se descobrindo e construindo seu percurso profissional
nas interações sociais.

3.2.2 Relação entre trabalho e estudo

Assumir a alfabetização, na condição de professora na EJA, para Thaís, foi


determinado pela sua aprovação para cursar Pedagogia em uma universidade
pública do estado da Bahia, em Vitória da Conquista:

Thaís: […] E a minha experiência com EJA ela se deu por conta de
quando eu fiz vestibular, aí eu passei no vestibular, na instituição X,
para o curso de Pedagogia. Eu trabalhava sempre nos turnos
matutino e vespertino. Como minha opção foi pela manhã, eu tive
que mudar de turno – fui para o noturno. A princípio, foi por falta de
opção mesmo, seria a solução no momento […]. (EC-P01, 16 jun.
2008).

No discurso de Thaís, identificamos outra característica muito presente nos


educandos dessa modalidade: o fato de conciliarem o tempo do estudo com o tempo
do trabalho. Tornar-se professora na EJA foi, portanto, determinado pela
necessidade de continuar estudando para alcançar outro objetivo em nível superior:
tornar-se pedagoga. Desse modo, a partícipe, em diálogo com a direção da escola,
assume a turma de EJA (no turno noturno) para, no matutino, cursar Pedagogia,
totalizando, assim, 60 horas de atividades educativas distribuídas em dois contextos:
escola e universidade. Esse mesmo fenômeno acontece com Reinaldo:
77

Reinaldo: No meu caso, iniciei a experiência em EJA com turmas de


Aceleração da Aprendizagem (na época trabalhava com jovens e
adultos de quinta e sexta séries do ensino fundamental): foi a minha
primeira experiência profissional na condição de docente. Depois,
passei a coordenar classes de alfabetização, acompanhando um
grupo de dez educadores. Também ministrei aulas para adultos na
minha própria casa, pois queria ter a experiência de como alfabetizar
jovens e adultos. Na época, fazia Pedagogia à tarde, trabalhava à
noite e também pela manhã. Confesso que sentia dificuldade para
dar conta das sessenta horas de trabalho e estudo. (EC-P01, 16 jun.
2008).

No discurso do partícipe, observamos que a sua trajetória na EJA é


atravessada por experiências pedagógicas em dois contextos: salas de aula
(alfabetização e ensino fundamental) e coordenação de grupo de educadores.
Ministrar aulas em casa, mesmo revelando um caráter voluntário e assistencialista
nessa modalidade (GALVÃO; SOARES, 2006), para Reinaldo, possibilitou
desenvolver conhecimentos profissionais sobre como alfabetizar jovens e adultos.
Nos discursos dos partícipes, é evidente a dificuldade de conciliar os estudos
com o trabalho. Esse é um fenômeno também recorrente no contexto dos
educandos dessa modalidade. Vejamos o fragmento da nota de campo a seguir:

Hoje, fiquei observando e anotando algumas falas de estudantes da


turma de Clara sobre os motivos pelos quais voltaram a estudar: “Eu
vou estudar porque quero ver se encontro alguma coisa no mercado
de trabalho” (Estudante A); “[...] Eu quero aprender a ler e a escrever,
ajudar meus filhos nas atividades de casa, conseguir um trabalho
melhor. Parei de estudar faz 14 anos porque tive que trabalhar”
(Estudante B); “Eu quero conseguir um trabalho melhor. Parei de
estudar porque tive que trabalhar” (Estudante C); “Eu quero ser um
técnico em eletrônica de rádio e televisão. Eu quero conseguir um
trabalho melhor. Eu parei de estudar em 1980 porque não tinha
tempo e a minha profissão não exigia” (Estudante D). Essas
afirmações chamam nossa atenção para a discussão do trabalho no
contexto da EJA. (NC 21, 30 set. 2008).

Diferentemente da prática pedagógica com crianças e adolescentes, a


dimensão do trabalho e a condição de trabalhadores são indicativos da necessidade
de uma prática docente diferenciada na EJA. Os jovens e adultos trazem consigo
uma vasta experiência, fruto das relações que estabelecem e do próprio tempo de
78

vida. Nesse mesmo sentido, os educadores, também, na condição de trabalhadores,


trazem essa referência sociocultural (SANTOS, 2010). Há, desse modo, uma
característica comum aos sujeitos: a condição de trabalhadores, mesmo que cada
um, certamente, tenha as suas singularidades. Os educadores lidam diretamente
com um trabalho não material, simbólico (o processo de ensino-aprendizagem, a
prática pedagógica, a construção do conhecimento); os educandos, embora na
escola lidem também com o trabalho não material, no seu cotidiano de vida, “para
poderem sobreviver”, lidam com um trabalho material. O tempo da escola,
especialmente nessa realidade, passa a ser reconfigurado diante da necessidade de
sua adaptação em função das temporalidades dos sujeitos, especificamente dos
educandos. O tempo da escola formal certamente é diferente do da escola voltada a
um público que trabalha (ARROYO, 2001). Assim, precisamos repensar os tempos
do processo de ensinar e de aprender com jovens e adultos, considerando, entre
outras categoriais, a do trabalho.

3.2.3 Possibilidade de melhorar as condições de vida

Para Clara, com sua inserção na EJA, houve a possibilidade de melhorar as


condições financeiras na família, oportunizada pela ampliação da carga horária de
trabalho, conforme declara no fragmento a seguir:

Clara: Com a EJA, foi a questão da ampliação de carga horária. Eu


queira um horário para minha família e eu sempre escolhi a manhã
para estar em casa, coordenar a questão dos filhos, da família.
Quando surgiu a educação de adolescentes e jovens, das 17 horas
às 20h 30min, eu peguei e gostei. Em seguida, firmei a ampliação de
carga horária e quando surgiu a EJA, no noturno na escola, eu já
estava enquadrada nessa modalidade. Gostei mesmo e estou até
hoje. (EC-P01, 16 jun. 2008).

Clara busca ampliar sua carga horária (de 20 para 40 horas semanais) e, ao
mesmo tempo, organizar seus tempos pedagógicos com as questões familiares.
Assumindo responsabilidades em casa, que envolvem os filhos e outras atividades,
a partícipe desdobra-se para dar conta de suas atribuições de professora.
79

Glenda também aproveitou a chance de ampliar a carga horária,


oportunidade oferecida pela SMED na comunidade em que trabalhava na zora rural,
para iniciar sua experiência na EJA:

Glenda: No primeiro momento, fui professora porque era


conveniente. Eu já trabalhava na zona rural e a EJA ia ser
implantada lá, ia ter um turno. Era mais do que conveniente que o
professor do diurno já ficasse, porque o acesso seria mais fácil para
o professor pelo horário ser à noite. Eu fiquei lá, trabalhei um ano na
EJA. Foi mesmo porque era conveniente ali, acontecer naquele
momento, naquela turma, uma vez que eu atuava na comunidade 40
horas. Hoje, estou aqui na Escola São Lucas. (EC-P01, 16 jun.
2008).

O ingresso de Glenda na EJA aconteceu, especialmente, em função da


oportunidade oferecida pela SMED. Tanto para a SMED quanto para a partícipe,
essa aceitação foi significativa: para a SMED, evitaria encaminhar outro profissional
para a sala de aula, diminuindo gastos com pagamento de transporte, entre outros;
para Glenda, foi uma oportunidade para ampliar a carga horária e,
consequentemente, a renda, atuando em três turnos.
Melhorar as condições de vida, por meio da ampliação da carga horária de
trabalho e, consequentemente, da renda, faz parte da constituição do tornar-se
professor na EJA. Inserir-se nessa modalidde também foi, para as referidas
partícipes, uma oportunidade de melhorar as suas condições financeiras.

3.3 EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DO TORNAR-SE


PROFESSOR

Em diálogos com os partícipes, especialmente em sessões coletivas


reflexivas sobre a docência na EJA e de como estes se tornaram profissionais de
educação nessa modalidade, apreendemos os significados de cursos de formação
no tocante às suas possibilidades de atuação e às fontes de saberes para a
docência na EJA.

Thaís: Na questão da formação, no magistério, por exemplo, eu não


me lembro de haver uma disciplina voltada para a Alfabetização de
Adultos. A experiência que eu tenho de alfabetização de adultos foi
obtida por meio da prática. No curso de Pedagogia, tivemos uma
80

disciplina para a Educação de Jovens e Adultos, mas também foi


referente à parte teórica; a prática mesmo, voltada para a prática em
si, não; só concepções, as teorias mesmo. E a minha aprendizagem
foi mesmo na prática. Não me lembro de ter uma reflexão maior no
magistério. (SCRD, 17 dez. 2008).

Reinaldo: No magistério, nível médio, não tive disciplinas voltadas


para a EJA. Minhas primeiras experiências foram iniciadas sem um
conhecimento teórico e metodológico sobre o tema. Somente em
1998, no Programa Alfabetização Solidária, realizei estudos na
Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, sobre a
alfabetização de jovens e adultas. Ao cursar Pedagogia, numa
universidade pública do estado da Bahia, aproximei-me do
pensamento do educador Paulo Freire, em 1997. Em muitas
disciplinas deste curso e numa experiência de estágio, realizei
também momentos formativos e estudos sobre o tema. Esses
estudos foram fundamentais para qualificar minha prática
pedagógica. (SCRD, 17 dez. 2008).

Thaís apresenta a prática como a principal fonte de construção de


conhecimentos para desenvolver a alfabetização com pessoas jovens e adultas. Ao
falarem do magistério (nesse contexto, entendido como formação em nível de ensino
médio), os partícipes não localizam referências para trabalhar nessa modalidade.
Nos discursos de Thaís, há duas fontes principais de saberes – a prática e os
colegas de trabalho –, conforme aparecem no depoimento a seguir:

Thaís: Quando eu vim, não tive nenhum curso preparatório. Eu fui


me destrinchando na prática e sempre me reportando às colegas,
sem saber se estava fazendo o certo, se minha prática era o certo,
se estava correspondendo. À medida que a gente vai se envolvendo
e vai tomando conhecimento dessa realidade é que vai
desenvolvendo um trabalho que a gente supõe que é o certo [risos].
(SCRD, 17 dez. 2008).

Como dissemos, Thaís considera a prática como fonte principal: “eu fui
mesmo me destrinchando na prática” e, ao lado disso, acrescenta os diálogos
estabelecidos com os colegas de profissão, buscando esclarecer dúvidas e solicitar
sugestões sobre o processo de alfabetização. Nos estudos realizados por Tardif
(2000; 2005), esse autor utiliza-se do termo saberes da experiência para dizer que
os professores, no seu cotidiano, têm uma tendência de validar e de legitimar suas
práticas, baseando-se mais nos anos de experiência profissional que possuem e
menos nos outros saberes (da formação profissional, disciplinares e curriculares)
81

pelos quais passaram no período de formação inicial. Para Tardif (2005, p. 49), os
saberes experienciais são construídos no cotidiano da prática profissional,
constituindo-se em uma “cultura docente em ação”.
A experiência de trabalho docente, para Tardif e Lessard (2007), tem um
sentido de hierarquização e de mobilização de saberes em situação profissional,
porém sem significar a desvalorização dos demais saberes (da formação
profissional, dos disciplinares e dos curriculares). Compreendemos, assim, que, na
atuação profissional, os docentes mobilizam esquemas, habitus, saber-fazer, saber-
ser e conhecimentos. Nesse sentido, dependendo das circunstâncias contextuais,
das surpresas que o cotidiano da ação docente apresenta, os docentes mobilizam,
na interação do trabalho, saberes necessários ao agir profissional competente. Na
abordagem de Tardif e Lessard (2007), a experiência do trabalho exige do
profissional o seu envolvimento em uma perspectiva integral. É o sujeito em uma
dimensão de inteireza, diria Freire (1996), com seus conhecimentos, mas também
com toda a sua história de vida, com suas certezas e incertezas dos processos de
escolarização vivenciados (TARDIF; LESSARD, 2007; FREIRE, 1996; PINHEIRO,
2007).
Thaís e Reinaldo reconhecem, ainda, a relevância de conhecimentos
adquiridos no âmbito do curso de Pedagogia no contexto da formação profissional
em nível de graduação. Os conhecimentos apreendidos na formação profissional
são validados, especialmente no discurso de Reinaldo. Glenda, por sua vez,
destaca ações formativos da SMED como referência e fonte de conhecimento para o
trabalho em sala de aula:

Glenda: Só aquela capacitação que eu fiz logo quando foi


implantado o Reaja, mas já houve várias modificações e tem sempre
os encontros, com alguma coisa voltada para a EJA, mas só que não
era um curso. Não posso dizer que são cursos, são só reflexões.
(SCRD, 17 dez. 2008).

Embora reconheça os cursos dos quais participou, Glenda tece críticas ao


modo como são desenvolvidos, tornando-se momentos mais de reflexões gerais
sobre a EJA e menos de aprofundamento conceitual e metodológico nessa área. O
depoimento de Clara retoma como fontes de saberes para a docência duas
82

questões centrais: a) a experiência de alfabetização com uma pessoa do bairro,


enfatizando a prática vivenciada; e b) as contribuições da formação profissional na
universidade.

Clara: A minha trajetória é meio do cotidiano. A minha formação de


alfabetizadora eu não tenho, porque o magistério realmente não
ensina a alfabetizar. Aprendi a alfabetizar adultos com uma pessoa
aqui no bairro. Ela era dona de uma barraca de acarajé e o esposo
dela tinha uma venda no bairro e eles queriam ser alfabetizados. Ela
é que teve a primeira iniciativa. Ela me convidou, sabendo que eu era
professora, para dar aula. Quando eu comecei com o método
tradicional, percebi que não estava surtindo efeito algum. Aí eu parti
para o que de mais comum ela tinha em casa, que era o acarajé. No
acarajé, encontrei o caminho para alfabetizar. Em menos de um ano,
ela já estava alfabetizada. E, por sinal, segundo ela, saiu da
escuridão, porque ela não sabia tomar conta do próprio negócio. A
caderneta, ela não tinha domínio. Aí a gente começou com a
caderneta com a questão da receita. Foi maravilhoso e ela se
descobriu uma outra pessoa. Daí para frente, quando se iniciou a
EJA, [...] a gente também já começou, porque eu já trabalhava, não
com adultos, mas com adolescentes, das 17h às 20h30min. Eu já
carreguei essa experiência que eu tinha. Eu acredito que me ajudou
bastante e daí para frente, quando a proposta chegou, eu já sabia
mais ou menos o que era trabalhar com alfabetização de adultos com
a minha prática. E já no curso de Pedagogia, numa universidade
pública da Bahia, durante o curso, nós tivemos a disciplina de
Educação de Jovens e Adultos, que também foi uma experiência
maravilhosa. Lemos aquele livro de Paulo Freire, Pedagogia do
Oprimido, que também retrata bem essa realidade. (SCRSPR, 11
dez. 2008).

No discurso de Clara, a prática é também afirmada como uma das fontes


principais para a docência. A alfabetização de uma senhora do bairro, evidencia bem
essa primeira fonte anunciada. Percebemos também a estratégia metodológica da
partícipe para desenvolver uma prática referendada na experiência de vida e de
trabalho da educanda. Clara tece críticas ao curso de magistério (hoje modalidade
normal, ensino médio) quanto à ausência de saberes para trabalhar com jovens e
adultos. De outro modo, reforça a importância de cursar a disciplina de EJA no curso
de Pedagogia, trabalhando e discutindo conhecimentos e práticas, tendo como uma
referência o pensamento do educador Paulo Freire.
Como percebemos, as fontes dos saberes para a docência na EJA são
oriundas de diferentes experiências formativas pelas quais passaram os partícipes,
83

confirmando o pensamento de Tardif ( 2005), ao discutir as fontes e a natureza dos


saberes dos professores. Segundo o autor:

Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto,


plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio
exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer
e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes
variadas, as quais podemos supor que também são de natureza
diferente. (TARDIF, 2005, p. 61).

Nos fragmentos socializados, idenficamos fontes pré-profissionais (TARDIF,


2005) como as experiências de vida (Clara, Reinaldo), a educação no sentido
amplo e as lembranças da escola pela qual passaram (Thaís, Reinaldo).
Percebemos ainda outras fontes como o contexto de formação em nível de ensino
médio (o magistério, modalidade normal), a formação acadêmica adquirida na
universidade (Clara, Thaís, Reinaldo), os cursos realizados pela SMED (Clara,
Thaís, Glenda). Outro aspecto bastante ressaltado pelos partícipes são as fontes
oriundas da prática, ou seja, os saberes adquiridos em ação no contexto da escola,
dos diálogos com outros colegas de trabalho e na sala de aula com os próprios
educandos.
A temática dos saberes que se constroem a partir da prática, evidenciados
nas falas de Clara e Thaís, significou a reafirmação no campo educacional do
paradigma de formação de professores que se materializa em expressões como:
professor reflexivo, professor investigador, professor artesão, entre outros
(ESTRELA, 2005). A esse respeito, afirma Estrela (2005, p. 436): “Retoma-se a
antiga metáfora do ensino como arte ou criam-se outras como as de professor-
investigador, inovador, prático-reflexivo, artesão moral, ‘bricoleur’”. Se, como
evidencia a referida autora, os saberes universitários podem ser entendidos pelo
movimento da racionalidade prática como uma ameaça à autonomia dos saberes
“dos práticos”, entendemos que não faz sentido negar nem os saberes do âmbito
universitário (construídos no movimento histórico dos sujeitos, da sociedade, do
mundo), nem os conhecimentos que os docentes constroem a partir, na e com a
prática.
Do nosso ponto de vista, não é uma questão de disputa entre saberes
legitimados por diferentes instâncias e sujeitos para validação de uns ou de outros,
84

mas uma necessidade de se pensar os saberes fundamentais ao agir o profissional


docente em uma perspectiva crítica, contextualizada. Essa disputa entre acadêmicos
e práticos (ZEICHNER, 2002) requer, como faz Estrela (2005), uma leitura crítica.
Historicizando tal movimento, a autora afirma:

[...] em oposição aos movimentos de profissionalização que


pretendiam prestigiar a função e alicerçar a identidade docente nos
saberes universitários [...] afirmam-se outros que têm em comum a
desvalorização do conhecimento produzido na universidade pela sua
irrelevância em relação às situações complexas e instáveis do
ensino. (ESTRELA, 2005, p. 435).

Situando-se no movimento da epistemologia da prática, os estudos realizados


por Schön (2000), fundamentados em John Dewey, versando sobre ensino e
professor reflexivo, tornaram-se uma das mais utilizadas referências para pensar a
formação docente. Os estudos desse autor contrapõem-se ao paradigma de
formação centrada na abordagem da racionalidade técnica. Na perspectiva de
Schön (2000), na racionalidade técnica, derivada da filosofia positivista, os
profissionais são compreendidos como aplicadores de conhecimentos instrumentais
à prática profissional. Nessa mesma direção, Zeichner afirma (2002, p. 38): “Os
professores são privados das oportunidades de fazerem qualquer coisa, a não ser
se colocarem em fina sintonia com, e se ajustarem aos, meios para conseguir
realizar os objetivos determinados por outros”. No âmbito das discussões dos
saberes que se localizam no contexto da epistemologia da prática, poderíamos citar,
a título de exemplificação, as pesquisas e os estudos realizados por Tardif (2005).
Cientes do contexto de produção dos saberes profissionais, nos quais se
situam os movimentos de profissionalização docente, anteriormente citados por
Estrela (2005), entendemos ser necessário estudar a temática dos saberes, pois
uma profissão se define também (e sobretudo) pelos saberes específicos
necessários ao campo de formação e atuação profissional, o que inclui
conhecimentos técnico-científicos, pedagógicos, entre outros. Não existe profissão
sem saberes. Assim como Estrela (2005, p. 434), acreditamos que “em qualquer
profissão é a detenção de um saber específico que suscita o seu reconhecimento
social e legitima o monopólio do seu exercício pelos profissionais”.
85

3.4 CONCEITO DE DOCÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO DO TORNAR-SE


PROFESSOR

Nos diálogos desenvolvidos na entrevista coletiva e em sessão reflexiva


coletiva específica sobre o termo docência na EJA, fomos percebendo os vários
significados atribuídos ao termo pelos partícipes. Reinaldo inquietou-se com a ideia
atribuída por Thaís, Glenda e Clara à docência como doação, indo “além do
didático”, como disseram. Nesse sentido, buscou aprofundar a discussão e
esclarecer os significados atribuídos. Esse momento foi bastante formativo e de
aprendizado coletivo.

Glenda: Quando Thaís falou “vai além do didático”, eu vejo assim:


ela tem prazer, porque na sala de aula o professor não é só um
professor, não é só uma pessoa que vai transmitir para eles
conhecimentos. É uma troca de conhecimentos de uma forma geral.
Ele aprende bem mais, resgata os valores, é valorizado e isso passa
a ser muito importante. Eu acho que fazer parte da docência na EJA
é uma experiência que para mim foi muito significativa e tem sido,
pelo nível dos alunos, do que eles querem. (SCRD, 17 dez. 2008).

A docência com o sentido de que “vai além do didático”, para Glenda,


ultrapassa a dimensão pedagógica desenvolvida em sala de aula. Diz respeito ao
“prazer”, a uma certa paixão em mediar o processo de ensino-aprendizagem,
envolvendo aprendizagens recíprocas, socialização de saberes entre educandos e
educadores e à recuperação e vivência de valores como a amizade e o respeito. Ao
ser questionado por Reinaldo sobre os sentidos atribuídos ao termo docência na
EJA, Glenda argumenta:

Glenda: Aqui, quando eu coloquei, eu falei mais da gratificação em


ser professora da EJA. Eu acho que é o que Clara falou mesmo,
existe uma doação, é gratificante, tem tudo isso aqui que eu
coloquei, porque ser docente é como se fosse, como se fosse não, é
ter uma interação maior com o aluno. E essa interação faz com que
tudo isso ocorra. Aí é onde existe essa doação que Clara falou e
onde traz aqui esses retornos, o estímulo, tanto para o professor
como para o aluno, à cumplicidade que existe entre ambos, ao
interesse. Para mim, a docência é isso, como se fosse uma interação
maior que existe entre professor e aluno. (SCRD, 17 dez. 2008).
86

Na argumentação de Glenda, iniciada a partir do seu próprio pensamento, ela


apresenta uma ênfase da docência na EJA: a interação. Essa dimensão da docência
envolve cumplicidade entre educandos e educadores, visando estar na sala de aula
para aprender e ensinar coletivamente. Tardif e Lessard (2007, p. 235) definem a
interatividade como um dos fundamentos da prática docente, pois, segundo os
autores, “[...] a docência se desenrola concretamente dentro das interações”. A sala
de aula, nesse sentido, é um espaço de interações permanentes.
Na sequência do diálogo, Thaís afirma:

Thaís: Muitas vezes, eles procuram o professor até mesmo na


questão de pedir conselhos em relação a problemas familiares,
problemas conjugais, problemas com filhos e até dificuldades
financeiras. Eles procuram o professor até para um desabafo ou até
mesmo na questão de um conselho. Transcende essa questão do ler
e escrever. É essa questão da humildade, de saber lidar, de saber
conquistar, de trabalhar com a autoestima deles, a confiança, a
segurança, tudo isso é muito importante. Se você não se identificar
com essa realidade, tem que ser algo espontâneo, porque assim
como a criança percebe quando você não está sendo sincera, o
adulto também. (SCRD, 17 dez. 2008).

Thaís tenta, na mesma perspectiva de Glenda, esclarecer o sentido da


expressão “além do didático”, enfatizando uma dimensão social como principal
referência no trabalho com os educandos. O docente na EJA aparece no discurso
anterior como uma espécie de conselheiro: alguém capaz de ouvir e de orientar os
educandos em seus problemas pessoais, tanto financeiros quanto familiares. O
profissional surge como um amigo e, ao mesmo tempo, uma pessoa respeitada e
segura para contribuir com os educandos em suas dificuldades de outra natureza,
que não apenas a pedagógica. Buscando justificar seus argumentos, Thaís afirma:

Thaís: Bom, nessa questão da docência, eu queria falar um pouco


sobre a questão de ser professor, porque muitas vezes a gente limita
somente ao ser professor e o conceito de ser educador vai além.
Porque ser professor tem aquela visão de ser apenas a pessoa que
transmite o conhecimento. E a concepção de educador hoje a gente
já vê alguém que está como intermediário, entre o aluno e o
conhecimento. Essa questão de ser educador, na EJA, eu acho que
é bem mais profundo, porque você tem que ser mesmo, não essa
pessoa que só passa o conhecimento, só o transmissor, mas que
induz e que serve de ponte, de caminhar junto com o aluno. Você
87

aprende com ele e você ensina também com ele. Só levaria um


pouco para essa questão do ser educador. Quando eu digo a
questão do tratamento, eu me refiro à maneira de você tratar
diferente cada um como ele é e sempre contribuindo para
autoestima dele. Porque, como eu falei e não volto atrás, há alunos
que chegam aqui e dizem que só estão vindo porque a irmã vem ou
porque a amiga vem; está servindo de companhia. Quando ele
recebe um tratamento estimulante, que valoriza, a perspectiva dele
cresce. Nesse sentido, é que eu digo a questão da docência. Eu
creio que não entraria nessa questão de assistencialista, mas de
estimular, essa questão de estímulo e de valorização. Eu acho que o
adulto pode se sentir valorizado ou pode se sentir menosprezado. E
quando se sente valorizado, ele se enxerga. E quando ele se sente
menosprezado, ele pode fugir: “ah, eu não sei mesmo”; “eu já estou
nessa idade”; “o que é que eu estou fazendo aqui?”; “escola não é
para mim, já passou do tempo”. Essa questão da valorização; não
para ficar ali na questão da assistência, de assistencialismo. Mas
valorizar para, a partir dele, você tirar mais do que ele tem e também
contribuir. (SCRD, 17 dez. 2008).

Thaís reporta-se ao conceito de educador para argumentar o sentido


atribuído ao termo docência. Para a partícipe, o educador extrapola a noção de
professor, presa à dimensão de transmitir conhecimentos. Esse sentido, em nosso
entendimento, aproxima-se também do pensamento de Freire (1987), ao criticar a
transmissão passiva do conhecimento por meio de uma prática bancária em
educação. Aparece ainda na fala de Thaís uma tentativa de considerar o profissional
da EJA como um mediador, chamado por ela de “intermediário”; aquele que medeia
o conhecimento na relação pedagógica com o educando. Ao mesmo tempo em que
evidencia esse sentido, a partícipe se contradiz ao destinar para o docente ações
que pouco têm a ver com a profissão, já que “[...] os professores acabam por
assumir tarefas que não lhe são específicas [...]” (COSTA, 2005, p. 15). O discurso
revela ainda uma outra atribuição do docente nessa modalidade: é incentivador,
estimulador, alguém capaz de motivar os educandos para continuar seu processo de
alfabetização, contribuindo para a elevação da baixa autoestima.
No diálogo com os partícipes, Reinaldo busca esclarecimento, afirmando:
“Agora, eu estou pensando aqui, Thaís, então a docência, embora esteja dito, em
dois momentos na entrevista que é um ato de doação, para você ela não significa
assistencialismo?” (SCRD, 17 dez. 2008). Nesse momento da sessão coletiva,
houve uma reação coletiva, especialmente de Thaís e Clara, buscando defender, de
88

qualquer forma, seus posicionamentos e apresentar suas argumentações. A esse


respeito, Clara foi enfática:

Clara: Eu repito a fala das meninas e complemento dizendo que


docência a meu ver é um ato de doação mesmo, porque se você for
olhar a questão de remuneração do professor, você já estaria fora de
sala de aula; se você for olhar também a questão estrutura, você
também estaria fora; mas se você for olhar o lado ser humano, aí
você abraça. Para ser docente na EJA, eu também acredito em tudo
o que Thaís e Glenda falaram. Precisa ser mais, porque a bagagem
é dobrada. Ser mais do que professor é buscar sempre, é ir além,
não é apenas se acomodar com o que você recebe da SMED, com o
que você recebe em se tratando do curso de magistério, mas é você
ir além. É você estar sempre instigando o seu próprio conhecimento.
No meu caso mesmo, fui buscar uma complementação porque eu
sabia que realmente não tinha chegado ao limite. Agora que eu
percebi que o limite não existe, eu tenho buscado muito mais porque
as dúvidas apareceram. Agora é que afloraram mais ainda. Por isso
acredito que sempre tem a doação, a procura. Sem a busca, você
não deve ser professor; e da EJA principalmente. (SCRD, 17 dez.
2008).

A constituição do outro no seu sentido humano é uma referência na fala de


Clara. Ela retoma as precárias condições de trabalho docente vividas em sua
realidade para justificar o porquê de a docência ser, de fato, doação. Doar-se na
perspectiva da colaboradora é “ir além”, “é não se acomodar”; é tentar construir
outros conhecimentos para qualificar sua própria prática; “é buscar”, procurar. Esse
significado atribuído ao termo, no sentido de procura, reafirma a consciência do
inacabamento inerente à natureza humana e explicitado por Freire (1996), em
Pedagogia da Autonomia. Porém, de maneira alguma, Freire (1996) fez uma defesa
de docência como doação em uma perspectiva sacerdotal, de missão, de fé, como,
em alguns momentos, parece ser o posicionamento de Clara. Mantendo seu ponto
de vista, a referida partícipe ainda ratifica:

Clara: A questão da doação, a meu ver, é que eu não me vejo


apenas repassadora de conhecimentos. Quando eu chego à sala de
aula, é como se eu esquecesse o mundo lá fora. Eu me viro para
minha sala de aula com tudo que eu tenho de bom. Meus educandos
têm que rir, eles têm que se soltar. Eles não esquecem de dar um
boa noite ao colega, mesmo tapando a vista do colega, que a gente
já cansou de reclamar, mas ele está lembrando que o colega está ali
na frente, que ele pode chamar, que ele pode conversar e que ele
pode me chamar a qualquer momento, que eu deixo lá e venho cá
89

atendê-los. Não é a frieza de colocar o assunto e a aula terminar e


pronto. É uma aula com sentimentos e emoções. Com certas
características, que a gente não vê em outros momentos. Se eu tiver
errada em colocar a palavra doação, eu vou continuar errada o resto
da vida, porque eu não vejo o professor de EJA aquele professor
limpo e seco, que vem aqui, passa o conteúdo e sai. Estou lhe
dizendo e repito a qualquer momento. Essa doação voltada a isso:
ao saber receber, ao saber colocar uma problemática em sala de
aula, ao não deixar que as problemáticas criem vínculos negativos. É
trazer mesmo o debate, mas dele tirar algo de bom. Não esquecendo
que quem está ali perto da gente são idosos, são jovens que têm que
estar se misturando, que muitas vezes as ideias não chegam a um
denominador comum, mas que a gente tem que estar ali, tentando
levar, esclarecendo que não é por aí, que hoje estamos jovens, mas
que amanhã, estaremos velhos. Eu não tiro a palavra doação em
momento nenhum. Eu até sei que doação é aquilo que você faz sem
ter nada em troca, mas na questão EJA, eu não retiro. (SCRD, 17
dez. 2008).

Percebemos, assim, uma defesa enfática da docência como doação: “eu não
tiro a palavra doação em momento nenhum”, afirma Clara. Essa colaboradora, como
já explicitamos anteriormente, traz a prática, a experiência profissional, como uma
das fontes principais de aquisição de saberes, o que também se revela ao discutir a
concepção de docência. Há uma perspectiva espontânea (VYGOTSKY, 2007) para
expressar o conceito de docência, fruto de suas relações sociais e culturais, e
menos de um conhecimento especializado sobre o termo. Perpassa esse discurso
um sentido de fé, “[...] indicando que a dimensão religiosa pertence aos atributos do
conceito clássico de docência” (IBIAPINA, 2008, p. 43).
Nas partícipes Thaís, Clara e Glenda, identificamos diferentes perspectivas
quanto ao conceito de docência. De um lado, é visto como prática sacerdotal e
assistencial, e menos profissionalizante, o que distancia a prática docente da
categoria de profissional, reportando-se ao período em que a atividade do ensino
estava sob a jurisprudência da Igreja (do século XII até meados do século XVIII),
afirma Ibiapina (2008); de outro, docência é procura, busca, relação respeitosa e
prazerosa entre educadores e educandos. A busca a que se refere Clara diz
respeito a um processo individual do professor, conforme identificamos no fragmento
citado. Não há um entendimento e aprofundamento de docência como campo
específico de formação e profissionalização docente. O conceito de docência, como
“[...] atividade especializada que necessita do domínio de conhecimentos, da
90

construção de saberes e competências e de constante processo de reflexão e ação


compartilhado entre os pares” (IBIAPINA, 2008, p. 30), parece ser esquecido em
muitos dos discursos.
No contexto da discussão do conceito de docência, Reinaldo é convidado a
se posicionar pela partícipe Clara: “E você, o que diria, Reinaldo?” (SCRD, 17 dez.
2008). Nesse momento, Reinaldo socializa três perspectivas de docência,
orientadas pelos pensamentos de Tardif e Lessard (2007), de Freire (1996) e pela
Resolução 01, de 2006, referente ao curso de Pedagogia no Brasil.
Na referida Resolução, a docência é entendida como a construção de um
processo pedagógico e da ação educativa de forma sistemática, intencional e
metódica, o que exige, certamente, conhecimentos científicos, valores éticos e
estéticos, saberes culturais, conhecimento de processos de aprendizagem e de
ensino, de currículo, entre outros.
Tardif e Lessard (2007) apresentam a docência como prática sistematizada,
orientada por saberes profissionais, incluindo competências, habilidades, valores,
atitudes, situando seu pensamento em uma epistemologia da prática. O referido
autor afirma ser a docência um trabalho interativo, porque “[...] trabalhar não é
exclusivamente transformar um objeto em alguma outra coisa, em outro objeto, mas
é envolver-se ao mesmo tempo numa práxis fundamental em que o trabalhador
também é transformado por seu trabalho” (TARDIF, 2007, p. 28).
Freire (1996; 1987), referência citada pelos partícipes, situa a docência no
âmbito de uma construção dialógica, permeada de saberes historicamente
construídos pela humanidade e referendada pela realidade na qual os educandos e
os educadores estudam, trabalham e vivem. Ensinar e aprender, para Freire (1996;
1987), são momentos de construção conjunta de saberes, e não de sua mera
transmissão ou transferência passiva e acrítica.
Ao discutirem sobre suas experiências para tornarem-se professores na EJA,
os partícipes revelam a constituição do processo identitário profissional permeado
por fatores que envolvem influência familiar, escolhas pessoais, relação entre
trabalho e estudo e possibilidade de melhorar as condições de vida, situando aqui
dois princípios orientadores das ações pedagógicas: o trabalho coletivo e a ênfase
na aprendizagem dos educandos.
91

Reconhecendo as dificuldades cotidianas para realização do trabalho docente


no contexto da escola, os partícipes, no seu dia a dia, tentam ultrapassar tais
dificuldades e implementar práticas potencializadoras de experiências significativas
para os educandos. A prática em diferentes contextos, as experiências profissionais,
o diálogo com outros colegas de profissão, os conhecimentos adquiridos na
formação inicial (universidade) e ações formativas em diferentes contextos
pedagógicas são apresentados pelos partícipes como as principais fontes de
construção de saberes para a docência.
A docência na experiência investigada é vista ora com um sentido de doação,
ora como trabalho interativo, incorporando duas dimensões: a social e a humana.
Certamente, o processo de reconstrução em uma pesquisa colaborativa necessita
de maior tempo e disponibilidade dos envolvidos para realização de mais estudos,
discussões e intervenções, no sentido de ampliar a visão acerca dessa e de outras
temáticas e, consequentemente, qualificar suas práticas pedagógicas.

QUADRO 7
Síntese das principais conclusões do “Tornar-se professor na EJA”

Motivações Princípios Fontes dos saberes Concepção de


docência
• A prática em diferentes
• Influência • Trabalho contextos • Doação
familiar coletivo • Experiências profissionais
• Escolhas • Diálogo com colegas de • Trabalho
pessoais • Priorização da profissão interativo
• Relação aprendizagem • Conhecimentos adquiridos
entre dos educandos na universidade • Dimensão
trabalho e • Conhecimentos adquiridos social
estudo em ações formativas
• Melhorar as isoladas • Dimensão
condições de humanizadora
vida

Fonte: Pesquisa do autor, 2008.

No contexto deste capítulo, os discursos dos partícipes possibilitaram


compreender suas principais características e motivações para atuar na EJA, bem
como as fontes dos saberes para a docência, focalizando algumas de suas
92

experiências formativas, além de reflexões inerentes ao conceito de docência. Vimos


como os colaboradores se percebem e como os outros os percebem. Passamos,
ainda, por reflexões sobre como eles se tornaram professores e como chegaram a
assumir a sala de aula na condição de profissionais de educação na área de EJA.
Nesse sentido, várias motivações ficaram explícitas, a saber: influência familiar;
escolhas pessoais; relação entre estudo, trabalho e renda. Percebemos, também,
desafios pelos quais passaram os partícipes e, ao mesmo tempo, fomos notando
suas estratégias para melhorar de vida, articulando suas possibilidades de estudo e
de trabalho.
Os momentos de diálogo estabelecido entre Glenda, Clara, Thaís e Reinaldo
possibilitaram aos partícipes olharem para si mesmos, reconstituindo e recuperando
lembranças, imagens e representações caracterizadoras da sua trajetória na área
educacional, reafirmando uma dimensão polifônica dos discursos, que partem de
diferentes lugares e a partir de diferentes referências (BAKHTIN, 1997; BRAIT,
2005), constituídos por meio das interações entre os partícipes.
O processo identitário profissional, como afirmamos no início deste capítulo,
constitui-se histórica e socialmente. Os saberes para a docência na EJA fazem parte
desse movimento caracterizador dos partícipes. Estão implicados nas relações
sociais vividas com educandos, com a comunidade na qual residem, com a
instituição na qual atuam e com os demais segmentos da comunidade escolar.
Sobre esses saberes, tratamos nos próximos capítulos.
93

4 SABERES SOBRE A EJA NO CONTEXTO DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO


LUCAS: REFLEXÕES SOBRE O COTIDIANO ESCOLAR

Neste capítulo, explicitamos uma análise sobre os saberes orientadores da


política de EJA na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, Bahia,
considerando a experiência político-pedagógica nos anos iniciais do ensino
fundamental desenvolvida na EMSL. Os dados empíricos permitiram sistematizar os
seguintes aspectos em torno da EJA: a) avaliação; b) formação continuada;
c) planejamento didático-pedagógico; d) materiais didático-pedagógicos.

4.1 SABERES SOBRE A AVALIAÇÃO

A avaliação do processo de ensino-aprendizagem é progressiva e contínua,


não se restringindo a exames formais (testes e provas). Segundo o Caderno
Fundamentos I (BAHIA, 1999a, p. 14), “avaliar é diagnosticar a prática, para
transformá-la e torná-la mais eficaz”. A avaliação, na experiência da rede municipal
de ensino na EJA, utiliza-se das categorias avanço e permanência. O avanço poderá
acontecer no mesmo ano letivo, após processo de avaliação realizado pelo
professor e pelos estudantes. Essa avaliação é traduzida em parecer descritivo
(segmento I), no qual o professor apresentará as competências e as habilidades
construídas pelos estudantes. Caso o estudante não alcance as habilidades e as
competências do módulo, poderá permanecer por mais tempo no mesmo módulo.
Há uma avaliação semestral, elaborada pelos profissionais das escolas, por meio de
atividades escritas, para identificar se o estudante poderá ou não avançar de um
módulo para outro no mesmo ano letivo. Na proposta pedagógica da rede municipal,
a avaliação é apresentada da seguinte forma:

O processo avaliativo dos alunos [...] será feito através de pareceres


descritivos que sinalizarão as habilidades e competências adquiridas
ou não pelos alunos. Durante o ano letivo serão registrados na
cadernata 04 (quatro) pareceres descritivos que equivalerão a cada
bimestre letivo para o Segmento I e 02 (dois) pareceres descritivos
que equivalerão a cada semestre letivo para o Segmento II. O aluno
poderá avançar de um módulo para outro ao final de cada semestre,
obedecendo aos seguintes critérios: a) no desenvolvimento do
94

Segmento I e do Semento II, o aluno só poderá avançar após a


conclusão do semestre letivo, obedecendo ao critério do
desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao
módulo que está cursando; b) cada semestre se constitui de 100 dias
letivos, devendo o aluno ter frequência mínima de 75% das aulas;
c) o processo avaliativo será baseado em pareceres descritivos
preenchidos no final de cada bimestre, ou seja, 50 (cinquenta) dias
letivos; d) o aluno que obtiver o avanço deve, além do parecer
registrado na caderneta, passar por um instrumento avaliativo,
considerando o Núcleo Temático trabalhado de forma interdisciplinar,
registrando esse acontecimento em ata na unidade escolar,
arquivando o documento na pasta do aluno. (BAHIA, 2007a, p. 38).

Nos discursos oficiais, observamos a avaliação organizada em uma dimensão


dialógica, contrapondo-se a uma perspectiva bancária, sendo considerada “[...] mais
um momento de aprendizagem e não como um momento de promoção” (BAHIA,
2007a, p. 38), em uma tentativa de ultrapassar práticas centradas na reprovação.
Entretanto, no contexto da pesquisa, identificamos conflitos concernentes ao tema
da avaliação, conforme demonstra o fragmento de nota de campo a seguir:

Reinaldo: Quanto ao item avaliação, esta ainda, para Glenda,


apresenta problemas. Segundo ela, no ano de 2007, alguns
estudantes não tinham condição de avanço (aprovação), mas a
SMED obrigou as professoras a avançarem os estudantes para a
quinta série do ensino fundamental. A única exceção foi para os
estudantes que apresentaram menos de 75% de presença. Nesse
caso, para Glenda, a SMED exige uma promoção automática e não
leva em consideração se os estudantes, de fato, aprenderam. (NC
04, maio 2008).

Consideramos avançado o sentido atribuído ao termo avaliação na


experiência de EJA da rede municipal de ensino. Contudo, podemos perceber no
fragmento anterior uma prática impositiva de representantes do órgão oficial em
relação a como efetivar a avaliação no contexto da escola. Glenda, ao mesmo
tempo em que prioriza, nesse processo, a aprendizagem, evidencia um retorno à
perspectiva de avaliação como punição, prendendo-se à ideia de retenção, de
reprovação do educando.
Em uma das sessões coletivas reflexivas, a temática da avaliação perpassou
boa parte de nossos diálogos, conforme podemos ver no seguinte trecho:
95

Glenda: Eu acho que pela proposta seria uma coisa lógica: você
está no módulo I, então ele tem que estar decodificando e nem
sempre isso acontece. Não quer dizer que ele está no Módulo I, que
ele vai passar por esse processo, que vai acompanhar, porque ele
pode chegar ao quarto módulo sem nenhum conhecimento. Isso
pode porque não tem retenção. O aluno é automaticamente
aprovado.
Thaís: É o que eu falei: não é só, mas também, ele também precisa
dominar a leitura e a escrita, codificar e decodificar. Se ele não
conseguir codificar e decodificar, vai ser aprovado assim mesmo?
Glenda: Vai.
Thaís: E a proposta permite. Permite não, obriga, praticamente.
Glenda: Permite e aprova.
Thaís: É uma crítica que eu faria à proposta. Se o aluno não tem
condições de ser avançado, se não tem o domínio da leitura e da
escrita, ele não poderia ser avançado. Ele teria que permanecer,
mesmo que não permanecesse naquele nível, porque a gente sabe
que a diferença de nível de aluno é geral. A gente não tem uma sala
homogênea, os conhecimentos são vários. Agora, se o aluno não
domina a leitura e a escrita, eu acho que ele não deve ser avançado,
não.
Clara: E os próprios módulos não impedem que eles perpassem ano
a ano, mesmo que não esteja alfabetizado [...]. Eu não sei. Segundo
a SMED, segundo os estudos que eles colocam, para eles é positivo,
porque faz com que o aluno continue caminhando de maneira
positiva, processual. Mas o próprio aluno, às vezes, quer retornar.
Aconteceu conosco este ano com uma estudante. Ela falou:
professora eu não estou enquadrada na turma, eu vou voltar para o
módulo I. Eu não impedi porque é questão de ela entender. Se ela
percebeu que realmente não estava rendendo, ela entendeu que
precisava recuar e foi em busca. Ela estava se sentindo bem no
primeiro módulo? É uma pergunta que deve ser feita para ela.
Reinaldo: Eu acredito que a história do avanço é positiva. O que eu
acredito é o seguinte: no cotidiano, a gente não tem a estrutura ideal
para implementar a proposta, porque, por exemplo, penso que o
aluno poderia continuar no módulo seguinte, sem ser retido no
anterior, mas ele teria que ter um acompanhamento individualizado
com outro profissional, porque não necessariamente o professor
daquela turma seria responsável por ele. Ou ainda: a depender da
comunidade, poderia criar outras turmas para acompanhá-los
individualmente, mesmo com aqueles estudantes que têm maiores
dificuldades no processo de aprender a ler e a escrever. Nesse caso,
a progressão automática se legitimaria como algo dentro da própria
avaliação, porque avaliação é processo. Se é processo, seria esse
movimento; a gente não reteria os estudantes. Há casos, por
exemplo, na sala de Clara, especiais, que ela por si só não daria
conta de acompanhar esses estudantes. Precisaria de outro
profissional junto com ela na própria escola para atender as outras
turmas.
Clara: O que eu vejo de avanço é o aproveitamento dos
conhecimentos que ele já tem. Há alunos que têm possibilidade de
ser avançado e ele tem que aguardar cem dias. Se ele tem o
96

conhecimento e já pode ser avançado, ele poderia ser encaminhado


para outra turma antes desses cem dias.
Thaís: Não seria obrigatório ele ficar ali para cumprir cem dias para
depois ele ser avançado, como esse avanço automático para quem
tem e para quem não tem condições. Eu acho que isso aí seria uma
outra crítica com relação à proposta.
Reinaldo: O problema de avançar automaticamente é que a SMED
não possui uma estrutura junto às escolas.
Clara: Para auxiliar esse trabalho.
Thaís: Exatamente. Para auxiliar esse trabalho.
Reinaldo: Porque o estudante seria acompanhado desde o início do
ano letivo. Ele não chegaria ao final do ano sem saber ler e escrever,
sem saber os saberes necessários e específicos para aquele
módulo. Isso não aconteceria. Está acontecendo porque não existe
uma estrutura de acompanhamento junto às escolas. (SCRSPR, 11
dez. 2008)20.

No âmbito dos saberes sobre avaliação, percebemos conflitos e tensões entre


os partícipes, envolvendo discussões como: a) retenção do educando;
b) intervenção da SMED no processo de autonomia pedagógica do educador;
c) escolha do próprio educando em manter-se no módulo em função de não ter
ainda adquirido os conhecimentos necessários para continuar os estudos;
d) definição de competências e habilidades para cada módulo de estudo;
e) infraestrutura da instituição para assegurar o processo de acompanhamento
pedagógico permanente dos educandos. Observamos, ainda, nos diálogos, uma
clara intenção dos colaboradores de realizar uma prática alfabetizadora centrada na
promoção da aprendizagem. Há uma preocupação em relação ao sujeito-educando
aprender, de fato, a ler e a escrever, construindo conhecimentos necessários ao
processo de alfabetização, o que é extremamente significativo. Se a avaliação é
processo, por sua própria natureza, no cotidiano da prática alfabetizadora, precisa
ser organizada intencionalmente com o sentido de acompanhamento pedagógico ao
longo do ano, não se reduzindo a uma prática autoritária, impositiva e meramente
punitiva, como alerta Luckesi (2006).
Na EJA, Segmento I, em Vitória da Conquista, a dificuldade de implementar a
avaliação em seu sentido pleno revela ainda a ausência de uma estrutura
pedagógica no interior da escola que possibilite a realização de uma prática
avaliadora, de fato, processual. Nesse contexto, um trabalho articulado entre SMED

20
A codificação de todas as sessões reflexivas coletivas encontra-se no Apêndice C.
97

e escola seria necessário para assegurar um acompanhamento pedagógico da


aprendizagem dos educandos.
Ao adotar a retenção como possibilidade de manter o estudante em um
mesmo módulo por mais de um ano letivo, SMED e escola reafirmam uma
perspectiva de avaliação tradicional, centrada na concepção de reprovação, e
materializam uma concepção restrita de EJA. De um lado, criam-se estratégias para
que o educando não avance sem os conhecimentos construídos para o referido
módulo; de outro, as instâncias maiores delegam a produção do fracasso escolar
para o educando e não assumem, coletivamente, um trabalho de acompanhamento
pedagógico ao longo do ano a fim de que essa problemática seja enfrentada e, aos
poucos, resolvida. Os saberes da avaliação perpassam, do nosso ponto de vista, por
uma compreensão mais apurada sobre o sentido de aprender e de ensinar na EJA,
já que a concepção de avaliação diz respeito também a maneira como
compreendemos aprendizagem e ensino nessa modalidade.

4.2 SABERES SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA

A formação continuada é compreendida como um espaço-tempo


problematizador, contexto no qual os sujeitos são desafiados a refletir
constantemente sobre suas práticas, sobre suas ações cotidianas, no sentido de
buscar ampliar e ressiginficar o ensinar e o aprender em sala de aula e em outros
espaços educativos. Nessa perspectiva, concordamos com Oliveira, Weschenfelder,
e Santos (2005, p.52):

Essa é uma formação que não cessa no [...] ato de organizar, sistematizar
conhecimentos a serem construídos em conjunto com educandos(as) ou
seja, não pode significar meramente a organização didático-pedagógica de
saberes. [... precisamos constituir processos de formação continuada
investigando, analisando, compreendendo o que, como, por que, para quê,
a favor de quem, contra quem estamos fazendo, pensando, construindo o
quefazer pedagógico. Esta prática requer, assim, a tessitura de novos fios e
redes teórico-metodológicos, de novos olhares crítico-reflexivos acerca do
que produzimos no contexto concreto de vivência da práxis pedagógica.

Percebemos no discurso de Oliveira, Weschenfelder e Santos (2005) a


necessidade de, no desenvolvimento do processo formativo, construir caminhos,
98

definir aspectos mediadores possibilitadores da formação que se pretende


implementar. Nesse sentido, entendemos ser necessário pensar estratégias
pedagógicas materializadoras da concepção de formação que acreditamos. Entre os
caminhos possíveis, conforme indica Benincá (2002), encontram-se:
a) a observação da própria prática; b) a reflexão crítica e teorizada dessa prática;
c) o replanejamento, em pares, dessa prática. Esse é um processo,
indubitavalmente, construído de forma participativa, dialogante, criticamente
contextualizado; processo no qual os sujeitos se mobilizam e mobilizam a ambiência
pedagógica no interior da própria formação, tornando-se um “espaço privilegiado na
reflexão e teorização a práxis” (COSTA, 2005, p.15).
No âmbito da nossa pesquisa, percebemos no contexto da EJA, tanto nos
discursos quanto nos momentos de observação, a necessidade de um trabalho
sistemático acerca da formação continuada, articulado com as ações da SMED.
Sobre esse aspecto da formação, os partícipes ressaltaram:

Reinaldo: [...] nos encontros de formação, nem sempre as temáticas


interessam às professoras, embora sejam importantes para a
formação. É na escola que acontecem momentos mais interessantes
de formação continuada porque trata da realidade da instituição. [...]
Quanto à formação para a coordenação, nos encontros são
repassadas informações pela SMED sobre o direcionamento da EJA,
mas nem sempre se cumpre rigorosamente o que determina a
Secretaria; há o repasse das informações para as professoras e, na
realidade da escola, são realizadas as ações que forem possíveis.
(NC 05, 20 maio 2008).

Clara: A gente participa. É como Glenda colocou. São cursos, mas


são quebrados. Se você quiser aprofundar, tem que ir sozinho e ir
aprofundando no que você deseja, mas os cursos da SMED, assim
como foram colocados na EJA, foram superficiais, até então são
superficiais. Eles precisariam de um curso, de um módulo que
trabalhasse letramento da forma tal qual como deve ser; tipo esse
aqui que nós tomamos este ano, de pró-letramento. Até peguei o
módulo para você ver, que é da Faculdade X, e nós fizemos um ano.
Não. Nós fizemos um semestre, mas vai completar um ano com o
segundo módulo. No caso, a gente fez aqui alfabetização e
linguagem. Nós vamos fazer agora o módulo de Matemática. [...]
Isso, para as séries iniciais, mas super adaptado. Isso aqui pode ser
totalmente adaptado também à Educação de Jovens e Adultos, basta
que queira. (SCRSPR, 11 dez. 2008).
99

O ponto de partida e de chegada da formação continuada, na perspectiva dos


partícipes, são as práticas pedagógicas. O interesse deles volta-se ao cotidiano da
prática pedagógica com os jovens e adultos, como afirmaram: “É na escola que
acontecem momentos mais interessantes de formação continuada porque trata da
realidade da instituição”. Isto porque as dúvidas, as inquietações das práticas
surgem no cotidano da prática. Esse é um dos motivos pelos quais os partícipes
exigem uma formação mais direcionada ao que eles fazem, sem que isso signifique
aprender-se à própria realidade. Essas práticas alfabetizadoras são, como orienta
Freire (1996, p. 42-43), refletidas e teorizadas, pois “ensinar exige reflexão crítica
sobre a prática”, o que requer voltar-se “[...] sobre si mesma, através da reflexão
sobre a prática”, substituindo a curiosidade ingênua pela construção permanente de
uma curiosidade crítica.
Há um descontentamento em torno da formação continuada organizada pela
SMED, o que indica a necessidade de se pensar novas iniciativas formativas
capazes de atender às especificidades cotidianas da escola, com proposições e
redirecionamentos voltados ao trabalho pedagógico desenvolvido na instituição. A
descontinuidade do processo formativo é evidente, tornando a formação esvaziada
de sentido para os professores e para repensar a sua prática docente e o currículo
escolar. A esse respeito, afirmou Clara: “São cursos, mas são quebrados”.
Kramer (1989, p. 205) afirma haver a necessidade de fortalecer a formação
continuada dos profissionais de educação, pois isso significa, entre outras razões:
“[...] recuperar o espaço pedagógico da escola, fortalecer visceralmente a própria
escola [...], aprimorar, de forma autônoma e constante, o trabalho desenvolvido no
seu interior [...], gerar a melhoria da qualidade do ensino”. Não temos dúvida quanto
ao impacto de um trabalho formativo contínuo no interior da escola, o que
certamente possibilitará melhores resultados na aprendizagem dos educandos.
A formação continuada, como afirma Costa (2005), não se restringe a um
momento posterior à formação inicial, pois esta faz parte desse movimento
teórico-metodológico. Como ressaltam Oliveira, Weschenfelder e Santos (2005),
apoaindo-se em Benincá (2002), na formação continuada

[...] não são desconsiderados conhecimentos do senso comum e da


informalidade, nem tampouco informações e conhecimentos produzidos em
100

cursos, seminários, palestras, oficinas, simpósios, entre outros. No entanto,


para além disso, buscamos, num processo dialético, construir
conhecimentos referendados nas práticas pedagógicas concretas dos
profissionais, garantindo, dessa maneira, um método (que não significa
dogmatismo) de trabalho coletivo na tentativa de desvelar, compreender,
interpretar, ressignificar saberes produzidos no cotidiano do trabalho
profissional.

Nessa pesquisa, no que diz respeito aos saberes acerca da formação


continuada, observamos, como dissemos, uma descontinuidade das ações
formativas, as quais, comumente, não focalizam o contexto das práticas docentes,
principal solicitação dos partícipes. As práticas formativas no interior da escola,
mesmo sendo realizadas, são inconsistentes e, em geral, assistemáticas, diante de
várias demandas condicionadas e determinadas pelo cotidiano da escola, fazendo
com que os partícipes assumam tarefas de outra natureza, “[...] perdendo de vista
sua função precípua – a produção do saber” (COSTA, 2005, p. 15). Nesse sentido,
entendemos ser urgente a tarefa de implementação de processos formativos
articulados às demandas da realidade da escola, tendo como ponto de partida as
práticas dos profissionais envolvidos, mas não se restringindo a estas.

4.3 SABERES SOBRE O PLANEJAMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Podemos afirmar, baseando-nos em dados de várias notas de campo e em


alguns dos discursos dos partícipes, que o tempo para um trabalho de formação na
escola é insuficiente e transforma-se em conversas informais, sem um
direcionamento pedagógico centrado nos interesses e nas necessidades dos
educandos. Não podemos negar, de outro lado, o esforço dos partícipes, diante de
tantas demandas cotidianas, em tentarem organizar da melhor forma possível suas
práticas, suas estratégias de trabalho para a sala de aula. Esse tempo formativo
acaba transformando-se em um rápido momento de diálogo, chamado pelos
partícipes de planejamento. Falando do tempo para planejamento, Reinaldo diz:

Sobre o tempo de planejamento, Glenda relatou que considera bom


e neste espaço de tempo são feitas atividades como: preenchimento
de diário de classe, elaboração da rede temática, estudo de temas
101

voltados ao cotidiano dos professores, apresentação de sugestão de


atividades, entre outras. (NC 05, 20 maio 2008).

Imersos no cotidiano de trabalho da instituição, muitas vezes, os partícipes


não fazem um distanciamento necessário para analisar com mais detalhe as suas
próprias práticas, face aos poucos espaços de reflexão sistemática para tal
finalidade. Em nosso entendimento, o tempo de planejamento dos partícipes
utilizado para realização de várias ações, conforme descreve Reinaldo, é
insuficiente, impossibilitando, por exemplo, momentos de refletir a prática de forma
sistemática e estudos sistemáticos de fundamentação teórica sobre temas de
interesse do grupo, conforme propõe Freire (1996).
Planejar é um ato necessário no processo de organização e de
desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Essa é uma prática intencional,
sistemática, o que não retira as possibilidades de ressignificação desse próprio
planejamento a partir do momento em que passamos a desenvolver as ações
concretamente. Rays (2000, p. 13), discutindo a concepção de planejamento,
ratifica: “Planejar, portanto, é antecipar e projetar de modo consciente, organizado e
coerente todas as etapas de uma determinada atividade que visa a alcançar certos
objetivos que levam a transformações concretas do que se pretende realizar”. Nos
diálogos construídos com os partícipes, indícios do sentido de planejamento da
prática alfabetizadora foram assim destacados:

Thaís: Tem que trazer mesmo da realidade. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Clara: Tentar conhecer ao máximo a turma logo nas primeiras aulas


[…]. fazer um diagnóstico. […] tentar preparar suas aulas. [...] Sem
desperdiçar tudo o que ele traz, a carga que ele já possui,
respeitando, claro, a questão da idade. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Thaís: A questão que Clara colocou do conteúdo, muitas vezes o


próprio professor tem que estar buscando também, se atualizando,
porque há alunos que, pela experiência de vida deles, trazem uma
bagagem muitas vezes maior que a do próprio professor em
determinado conteúdo [...]. (EC-P02, 17 jun. 2008).
102

Não há dúvida de que sempre aprendemos um com o outro na relação


pedagógica, mas, se o profissional atuante só domina o que o educando já sabe em
termos de conhecimentos sistematizados, há que se repensar a formação inicial e
contínua desses sujeitos. Nesse sentido, entendemos que não há igualdade de
saberes, mas saberes diferentes. “Trazer uma bagagem maior que a do próprio
professor em determinado conteúdo”, como afirma Thaís, não pode significar que o
professor sabe menos ou quase nada a respeito do conteúdo a ser trabalhado em
sala de aula, esperando que o educando passe a assumir seu papel no contexto
pedagógico. Freire (1996) esclarece que a condição de profissionais da educação
exige sempre outra condição: sermos permanentemente estudantes, pois sempre
ignoramos alguma coisa, sempre estaremos curiosamente à busca de ampliar
nossos saberes.

A segurança com que a autoridade docente se move implica uma


outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma
autoridade docente se exerce ausente desta competência. O
professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que
não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral
para coordenar as atividades de sua classe. (FREIRE, 1996, p. 103).

Desse modo, percebemos que planejar, para os colaboradores, refere-se a


diagnosticar a realidade, conhecer os educandos, identificar os conhecimentos
prévios (a bagagem, como dizem os partícipes), objetivando preparar as aulas em
consonância com a realidade encontrada para, com base nela, avançar, construir
outras aprendizagens no âmbito da alfabetização no contexto dos anos iniciais do
ensino fundamental.
Observamos, na escola, uma rotina pedagógica orientadora de práticas
interpessoais e profissionais no cotidiano da instituição. O discurso a seguir
exemplifica esse momento:

Reinaldo: Aproveitamos um tempo de dez minutos, no horário de


planejamento das professoras (das 18h às 19h), para tomarmos café
e comermos panetone. É de praxe, antes de iniciar as aulas, todas
as profissionais tomarem coletivamente um café. Há biscoitos, pães,
arroz doce, mingau de milho, café, suco, entre outras coisas. Cada
103

dia é servida uma merenda, em geral, diferente para as professoras.


Considero um momento importante porque possibilita uma
aproximação significativa, afetiva, entre as profissionais da
instituição. Nesses momentos, há conversas sobre as dificuldades
dos estudantes, sobre os trabalhos realizados na sala de aula, sobre
o planejamento do próximo mês ou dia, sobre as confraternizações,
enfim, poderíamos chamar de um café pedagógico, no qual as
pessoas aprendem a se humanizar; aprendem a se importar com as
dificuldades dos outros; aprendem a dialogar sobre assuntos
familiares, pessoais e, sobretudo, aprendem a compartilhar, a serem
melhores pessoas e profissionais ao mesmo tempo. (NC 30, 17 dez.
2008).

O momento a que Reinaldo se refere no fragmento acima é realizado


diariamente, das 18h às 19h. A centralidade, nesse contexto, deveria ser pensar as
práticas pedagógicas referentes ao coditiano da sala de aula e desenvolver um
atendimento mais personalizado com os educandos em suas dificuldades de
aprendizagem. Entretanto, esse tempo de planejamento e de acompanhamento
pedagógico, além de ser insuficiente para as atribuições a que se destina, na
maioria das vezes, é substituído por outras atividades como o preenchimento de
diário escolar, incluindo aqui a organização de pareceres descritivos sobre a
aprendizagem dos educandos.
Salientamos, contudo, que esse tempo, das 18h às 19h, em algumas das
vivências das quais participamos, possibilitou experiências nas quais fomos
construindo práticas alfabetizadoras, por meio de diálogos coletivos e de estudos
direcionados aos interesses dos partícipes. Um espaço pedagógico no qual os
sujeitos foram sendo “[...] despertados para uma nova consciência pela convivência
reflexiva, e isto permite a cada um assumir tarefas num nível cada vez mais
profundo e crítico” (VASCONCELLOS, 2002, p. 120). Nesse sentido, mesmo
reconhecendo os limites da realidade na qual estão inseridos, os colaboradores,
paulatinamente, ressignificam o tempo de pensar as práticas, de planejar as ações,
em um exercício crítico de pensar, decidir, fazer conjuntamente o trabalho docente.
Como diz Rays (2000, p. 17),

Faz-se necessário, pois, que o educador, consciente das metas reais


da educação, estruture-reestruture, juntamente com os educandos, o
projeto de aprendizagem de sua disciplina, tomando como
parâmetro, além do retrato sociocultural do educando, as
104

características de aprendizagem do grupo, não se esquecendo,


porém, da especificidade do conteúdo em estudo e das suas
relações com as realidades natural e social.

Percebemos, baseando-nos em Rays (2000), uma ênfase no processo de


planejamento em uma abordagem crítica da realidade, considerando características
dos educandos, bem como a dimensão da realidade social e cultural na qual se
inscrevem suas experiências, suas vivências.
Para a materialização do planejamento didático-pedagógico, os partícipes
constroem estratégias de ação. A estratégia, alerta Certeau (2009, p. 93), é uma
construção realizada de forma circunscrita, havendo um lugar, um tempo, uma vez
que “[...] postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a
base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade [...]”. Nesse
sentido, as estratégias construídas dizem respeito às possibilidades do contexto e
aos sujeitos a quem se destinam. Conforme Glenda, Thaís e Clara, as estratégias
são fundamentais para o desenvolvimento da experiência alfabetizadora no
cotidiano da sala de aula.

Glenda: Eu acredito que é de fundamental importância a gente


procurar saber como chegar até o aluno porque, às vezes, você
prepara uma aula, traz até recursos, só que não é o meio adequado
para você chegar até aquele aluno. Ter cuidado de como chegar até
o aluno, de como passar para ele, porque é isso que faz diferença.
(EC-P02, 17 jun. 2008).

Thaís: Também é interessante a questão de mostrar ao aluno que


existem várias maneiras de chegar ao objetivo. Tendo o cuidado de
não infantilizar, de não trazer textos infantis, de não ter nenhuma
linguagem infantil, do contrário, eles mesmos acabam se
escandalizando quando acontece isso. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Clara: Eu acredito que fazendo atividades que agucem a vontade do


aprender, para que ele passe a ver o mundo com outros olhos. Eu
acredito que esse tipo de atividade leva o aluno a querer. (EC-P02,
17 jun. 2008).

No âmbito do desenvolvimento da prática alfabetizadora, os partícipes


evidenciam outras possibilidades de construção de “maneiras de fazer”, de “artes do
fazer”, utilizando-se da expressão de Certeau (2009), ou seja, trabalhar com o
imprevisto na medida em que, na sala de aula, o cotidiano pode redirecionar as
105

estratégias pensadas anteriormente e solicitar, na realidade concreta, a construção


de outras, de acordo com as demandas oriundas da dinâmica interativa da sala de
aula para se aproximar do educando, conhecê-lo e motivá-lo em seu processo de
aprender.
Nos discursos anteriores, observamos preocupações diferenciadas e
complementares: Glenda ressalta o “saber como chegar até o educando”; Thaís
enfatiza as diferentes “maneiras de aprender”, chamando nossa atenção ainda para
o fato de que, ao definir estratégias de ação, aspectos mediadores de acordo com o
contexto da EJA na rede municipal de ensino, o profissional precisa estar atento
para não infantilizar a sua prática: “não trazer textos infantis”, exemplifica a
colaboradora. Despertar para o desenvolvimento de uma curiosidade
permanentemente é destacado pela partícipe Clara.
No desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, percebemos a
importância das estratégias elaboradas e reelaboradas em diálogo com os partícipes
e com os educandos, levando em consideração o contexto no qual são instituídas.
Os partícipes expressam em seus discursos “[...] aspectos importantes sobre a
mediação pedagógica ressaltando que os conhecimentos necessários à ação
pedagógica envolvem [...] os procedimentos e métodos construídos no processo de
ensino” (RIBEIRO, 2005, p. 8).
Nesse contexto das estratégias e táticas desenvolvidas pelos partícipes para
envolver seus alunos na aprendizagem, destacamos as contribuições de Shulman
(1987) a respeito do conhecimento didático do conteúdo. Para o referido autor, esse
saber é aquele que se encontra entre o conhecimento do conteúdo e o
conhecimento pedagógico, resultando de uma articulação entre ambos. De acordo
com Shulman (apud VEIGA, 2004, p. 54), no conhecimento didático, incluem-se:

[...] as formas mais úteis de representar essas ideias, as analogias


mais poderosas, ilustrações, exemplos. [...] As formas de representar
e formular um assunto que o tornem compreensível para os outros
[...]. Inclui também a compreensão dos motivos que tornam a
aprendizagem de um tópico específico fácil ou difícil, as concepções
e preconcepções que alunos de diferentes idades e backgrounds
trazem consigo para a aprendizagem [...].
106

Percebemos, nessa categoria da base de conhecimento, que as mediações


estabelecidas pelos professores para que os educandos aprendam os conteúdos e
conceitos fazem parte do conhecimento didático e dizem respeito às diferentes
formas, maneiras, estratégias, metáforas, imagens, representações utilizadas pelos
docentes para tornar o conteúdo ensinável, construindo possibilidades pedagógicas
para que o outro aprenda. De acordo com Garcia (1999, p. 88), esse tipo de
conhecimento “representa a combinação adequada entre o conhecimento da matéria
a ensinar e o conhecimento pedagógico e didáctico de como a ensinar”.
Evidencia-se também no conhecimento didático a necessidade de que os
professores saibam a respeito de como o outro aprende, sobre que concepções já
existem nos educandos acerca do que se vai aprender na escola. Nesse sentido, é
necessário conhecer o grupo com o qual se vai trabalhar, seus interesses, suas
motivações, suas necessidades e suas aprendizagens anteriores à escola. Sobre o
conhecimento didático, Shulman (2005, p. 11) afirma: “Representa la mezcla entre
materia y didáctica por la que se llega a una comprensión de cómo determinados
temas y problemas se organizan, se representan y se adaptan a los diversos
intereses y capacidades de los alumnos [...]21”.
Na concepção de Ramalho, Núñez e Gauthier (2004, p. 156), esse tipo de
conhecimento exige, além do domínio dos conceitos básicos da disciplina, “[...] a
compreensão das estruturas, as formas pelas quais eles se tornam compreensíveis
para os alunos em contextos específicos”. Em outros termos, podemos afirmar que
esse saber situa-se no campo da mediação pedagógica e da construção de
estratégias e táticas permanentemente para melhor desenvolver a prática
alfabetizadora. Um saber que mobiliza pensamentos, ações e está permeado pela
criatividade docente.

21
Representa a articulação entre matéria e didática pela qual se chega a uma compreensão de como
determinados temas e problemas organizam-se, representam-se e adaptam-se aos diversos
interesses e capacidades dos alunos [...] (tradução nossa).
107

4.4 SABERES SOBRE OS MATERIAIS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Conforme Oliveira (2007), as cartilhas de alfabetização ocuparam e ainda


ocupam um lugar significativo no contexto dos materiais didáticos para a EJA. Desde
a década de 1940, já havia uma preocupação didática com a produção de materiais
para as pessoas adultas em processo de alfabetização. Exemplos disso é o
financiamento destinado, no Brasil, para a elaboração de materiais em experiências
de alfabetização de adultos, no ensino supletivo, entre outras.

Contribuem para o financiamento/compra e circulação de materiais


didáticos na EDA: a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino
Primário – FNDE; o surgimento das primeiras obras, especificamente
dedicadas ao ensino supletivo; o lançamento da CEAA - Campanha
de Educação de Adolescentes e Adultos, através da qual houve uma
preocupação com a elaboração de edições didáticas para adultos.
(OLIVEIRA, 2007, p.33).

A preocupação com a produção de materiais didático-pedagógicos para as


pessoas jovens e adultas também perpassou as reflexões tecidas pelos
colaboradores deste estudo. Para eles, é necessário no processo de alfabetização
assegurar livro didático e outros recursos didático-pedagógicos que possam
contribuir para o desenvolvimento da prática pedagógica em sala de aula. Suas falas
a esse respeito são enfáticas:

Clara: Porque em se tratando de trabalhar à noite, muitos dos


recursos que nós poderíamos estar utilizando estão com as portas
fechadas, a exemplo da biblioteca. É nossa vizinha, mas está
fechada durante à noite. O que nós temos na escola? Nós temos a
videoteca (recente), ela não tem um ano de chegada. Nós temos o
baú da leitura, que nós próprios estamos construindo, muitos deles a
SMED manda, mas têm livros que não são de acesso ao aluno, que
é realmente só voltado para o professor. O baú de leitura ainda é um
pouco pequeno, escasso para o número de alunos. Nós gostaríamos
de ter, pelo menos, passeios. A gente acaba se apoiando apenas no
que tem. Queríamos um material suplementar, um livro. Desde
quando a EJA é uma política específica, que o livro atenda a essa
particularidade. Nós temos um material, enviado para trabalhar com
Educação de Jovens e Adultos. Há muita coisa boa. Às vezes, a
gente retira alguma coisa desse material. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Glenda: E também eu acho que deveria ter um livro, uma coisa para
auxiliar o professor, porque fica muito limitado ali, tudo o que você
108

tem que fazer é no caderno, na folha mimeografada. Ou no caderno


ou uma atividade mimeografada. Acho que deveria ter um livro para
o aluno, alguma coisa que servisse de suporte. Não que o professor
fosse se prender ao livro, porque você não se prende a nenhum
material didático, mas tudo complementa. O livro que nós temos é
um material que é mais a nível de planejamento. Eu acho que
deveria ter alguma coisa para o aluno. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Clara e Glenda reafirmam a necessidade de construir um livro próprio para


essa experiência pedagógica, pois há particularidades nessa modalidade e,
especificamente, no contexto do município de Vitória da Conquista. Nos diálogos
com os partícipes, o livro é um dos materiais didático-pedagógicos mais
requisitados. Há uma espécie de exigência em função de orientar-se de forma mais
objetiva no contexto da sala de aula. Referindo-se ao livro didático, afirma Moura
(2007, p. 18):

Diante da excessiva carga horária de trabalho que o impede de


estudar, planejar as aulas e buscar outras fontes de informações e
conhecimentos; diante das limitadas condições objetivas
materiais/financeiras que o poder público destina às escolas; diante
da ausência de políticas de formação continuada, muitos professores
utilizam o LD em substituição à metodologia de ensino, como o único
recurso/instrumento pedagógico, como a única fonte de consulta e de
fundamentação teórica e, muitas vezes, como o único instrumento de
formação continuada.

Diferentemente da perspectiva de Moura (2007), na visão dos colaboradores,


o livro (construído ou adotado pela SMED) não substituiria a construção de outros
recursos didático-pedagógicos, mas seria um “suporte”, um “recurso a mais”, “um
material suplementar”, para dialogar com os educandos, assumindo um lugar de
complementaridade na ação pedagógica com jovens e adultos.
Segundo Oliveira (2007, p.15), “observa-se que os estudos sobre o livro
didático é algo recente na história da educação do país e muito mais recente no
contexto da EJA”. Concordando com Moura (2007), o livro didático pode adentrar no
contexto da prática pedagógica como um instrumento, inclusive, de leitura tanto para
educandos quanto para educadores, uma vez que os educandos, em função das
suas próprias condições sociais e econômicas, em geral, têm pouca possibilidade de
adquirir livros ou de frequentar outros espaços como a biblioteca, por exemplo, em
109

turnos diferentes daqueles em que vão à escola. Nesse contexto, o livro didático
pode transformar-se num material fundamental para potencializar momentos, em
casa ou na escola, de leitura para os educandos.

4.5 ALGUMAS PALAVRAS SINTETIZADORAS

Refletindo coletivamente sobre a experiência de EJA no contexto da EMSL,


percebemos que os saberes da avaliação são apresentados por meio de duas
categoriais centrais: avanço e permanência. Nas discussões a respeito dessa
temática, há diferentes concepções orientadoras do pensamento e das práticas dos
partícipes, exigindo, desse modo, mais estudos sobre o tema. Percebemos, assim, a
dificuldade de garantir a aprendizagem dos educandos diante da ausência de uma
estrutura político-pedagógica no interior da escola capaz de potencializar
experiências de aprendizagem em uma perspectiva processual, sem retenção dos
educandos no módulo. A proposta de elaboração de pareceres descritivos, em cada
bimestre (quatro por educando), torna-se uma experiência mais burocrática e menos
reveladora do processo de aprendizagem dos educandos.
Quanto ao saberes da formação continuada, todos os partícipes consideram
fundamental o desenvolvimento de um processo formativo contínuo, indicando
prioritariamente que o próprio contexto de trabalho seja o espaço da formação,
assegurando as práticas realizadas em sala de aula (com seus limites e suas
possibilidades) como objeto permanente para os estudos do grupo. Nesse contexto,
revelam-se ainda fragilidades dos cursos oferecidos pela SMED, posto que são
vistos pelos partícipes como ações formativas isoladas e descontextualizadas. O
tempo de formação, tanto na escola quanto em outros espaços, também é
considerado insuficiente pelos colaboradores. Nesse sentido, entendemos, assim
como Ribeiro (2005, p. 10), que “a formação continuada dos professores precisa ser
pensada como um direito no exercício da profissão e uma necessidade de
atualização no processo de desenvolvimento do conhecimento nas instituições
educativas”. É preciso, portanto, repensar as formações oportunizadas, buscando
um diálogo entre o que os profissionais fazem em sala de aula (como fazem, por que
110

fazem, para quê fazem) e o que pensam sobre o que fazem, qualificando desse
modo o processo formativo em desenvolvimento.
Ao planejar a prática docente, os partícipes afirmam que são necessários
alguns saberes, quais sejam: a) o conhecimento da realidade; b) o conhecimento
dos educandos e de seus saberes cultural e socialmente construídos; c) o domínio
dos conteúdos das diferentes áreas de conhecimento; d) a preparação das aulas;
e) a permanente atualização profissional. Ao planejar, destacam os partícipes, é
necessário ainda a definição de estratégias pedagógicas e da ressignificação do
planejamento em ação, considerando-se as imprevisibilidades da prática
pedagógica. Nessa perspectiva, os colaboradores “[...] revelam [...] que os
conhecimentos necessários à ação pedagógica envolvem não só os significados
epistêmicos dos conceitos nas áreas diferentes do currículo, mas, os procedimentos
e métodos construídos no processo de ensino” (RIBEIRO, 2005, p. 8). Destacam-se
nesse contexto a capacidade dos colaboradores de construir diferentes
metodologias e estratégias para contribuir com a alfabetização dos jovens e adultos.
Como estratégias mediadoras da prática pedagógica em sala de aula, os
partícipes solicitam a construção de um livro para a EJA, considerando as
especificidades da experiência na rede municipal de ensino ou, ainda, a adoção de
materiais de leitura já produzidos e possíveis de serem adaptados à realidade da
escola. No âmbito dos materiais didático-pedagógicos, os colaboradores
evidenciam, ainda, a necessidade de outros materiais e recursos capazes de
estimular os educandos no desenvolvimento de práticas de leitura e de escrita.
Exemplo disso é a necessidade de uma biblioteca na instituição. O Quadro 8 a
seguir explicita uma síntese dos saberes orientadores da EJA no contexto da
experiência investigada.
111

QUADRO 8
Saberes orientadores da EJA na EMSL

Diferentes Pareceres
Avaliação Avanço Permanência concepções descritivos ---------
Escola como Práticas
Formação espaço alfabetizadoras Ações formativas Tempos Atualização
continuada privilegiado de como objeto de isoladas insuficientes de profissional
formação estudo formação permanente
permanente

Planejamento Conhecimento Conhecimento Organização Construção de


didático- da realidade dos educandos e didático- diferentes --------
pedagógico de seus saberes pedagógica das estratégias e
aulas táticas
Acesso a
Materiais Livro didático Livro para o diferentes Baú de leitura
didático- educador materiais de ---------
pedagógicos leitura na
biblioteca
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.

Muitos são, como percebemos anteriormente, os desafios presentes na


experiência pedagógica de implementação da EJA na EMSL. Explicitamos, até o
momento, uma análise mais geral da EJA na referida escola, focando saberes
orientadores dessa experiência, por meio de temas como avaliação, formação
continuada, planejamento didático-pedagógico e materiais didático-pedagógicos. No
próximo capítulo, tomando como referência central a perspectiva dos partícipes,
apresentamos os saberes necessários para a docência na EJA.
112

5 SABERES NECESSÁRIOS PARA A DOCÊNCIA NA EJA

Neste capítulo, analisamos coletivamente os saberes necessários para a


docência na EJA, apoiando-nos, sobretudo, em diferentes contextos de produção
discursiva, quais sejam: experiência com EJA na rede municipal de ensino, escola e
sala de aula. Desse modo, apresentamos, a seguir, os saberes compreendidos
pelos partícipes como necessários ao desenvolvimento da docência nessa
modalidade: a) saberes sobre o processo de organização curricular e de
desenvolvimento da rede temática; b) saberes sobre alfabetização; e c) saberes
sobre o processo de ensino-aprendizagem.

5.1 SABERES SOBRE O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO


DA REDE TEMÁTICA

Diante da solicitação dos partícipes, estudamos a organização da rede


temática via tema gerador, proposta já desenvolvida pela escola desde a
implementação da experiência de EJA, no município, como afirma Santos (2001, p.
51): “Nosso compromisso foi o de fazer do nosso trabalho uma opção concreta pela
vida e pela realidade dos alunos. É nesse contexto que o tema gerador ajudou a
construir nossa prática pedagógica”. Em um primeiro momento, Reinaldo
acompanhou o processo de organização da rede temática na instituição, conforme
descreve:

Reinaldo: Hoje cheguei à escola às 18 horas. Ao entrar no espaço


de formação, o grupo de professoras estava reunido para dar
continuidade ao processo de elaboração da rede temática. Nesta
escola, a rede temática é uma forma de organização curricular, que
privilegia experiências, interesses e necessidades dos estudantes no
processo de ensino-aprendizagem. Inicialmente, Thaís relatou como
ocorre o processo de construção da rede temática. Segundo ela, há,
primeiro, a elaboração de um questionário pelas professoras sobre
os temas mais comuns entre os educandos, por exemplo: família,
sexualidade, sexo precoce, violência, religião, política, entre outros.
Levantados os temas, são elaboradas perguntas para serem
respondidas pelos estudantes. As perguntas encaminhadas para os
alunos foram: a) Qual a importância da família para você? b) Em sua
113

casa, existe diálogo sobre sexualidade? c) Qual sua opinião a


respeito da iniciação sexual precoce? d) O que você acha do uso de
preservativo? E da distribuição gratuita? e) Qual a importância e
influência da religião na sua família? f) Em seu bairro, tem
aumentado o índice de violência? Que fatores têm contribuído? g)
Como você analisa o desempenho dos candidatos que você ajudou a
eleger na eleição anterior? h) Se fosse vereador, o que faria ou
melhoraria no seu bairro? i) Tem algum assunto que você gostaria
que fosse trabalhado em sala de aula? Qual? De acordo com Thaís
e Glenda, essas questões foram elaboradas considerando-se
também a experiência que as professoras já possuem com os
estudantes. Na sequência, a coordenadora pedagógica lia cada
questão e as professoras analisavam as respostas dos alunos. Após,
eram consideradas as perspectivas dos estudantes e organizadas as
temáticas (uma espécie de categorização das falas). (NC 05, 20 maio
2008).

Nas anotações de Reinaldo, percebemos que há algumas etapas para


organização da rede temática. Primeiro momento: elaboração de um questionário,
considerando a vivência profissional dos docentes com os educandos da EJA e seu
contexto social. Segundo: os docentes distribuem o questionário em sala de aula,
acompanhando os educandos em suas dúvidas quanto ao entendimento das
questões e suas possíveis respostas. Terceiro: respondidos e recolhidos os
questionários, as professoras encontram-se novamente com a coordenação
pedagógica e vice-diretora para sistematizarem todas as falas, retirando dali aquelas
mais significativas para definirem o tema gerador. Quarto: definido o tema gerador,
representado por fala(s) significativa(s), são pensados também os subtemas e
aspectos decorrentes (temas desdobrados das falas significativas), além de
aspectos mediadores (recursos didático-pedagógicos para desenvolvimento da
prática alfabetizadora). Quinto: construída a rede temática, os partícipes organizam
o planejamento didático-pedagógico, visando atender às especificidades do contexto
da sala de aula, considerando conteúdos e conceitos de diferentes áreas do
conhecimento.
114

No ano de 2008, a rede temática da EMSL ficou organizada da seguinte


forma:

Figura 1 – Rede temática da EMSL 2008


Fonte: VITÓRIA DA CONQUISTA, 2008a.

Diante da organização da rede temática, o grupo de profissionais envolvidos


elaborou um quadro sintetizando diversos saberes e recursos necessários ao
trabalho docente na EJA, conforme aparece a seguir:
115

QUADRO 9
Sistematização da rede temática
FALAS SUBTEMAS ASPECTOS ASPECTOS
DECORRENTES MEDIADORES

 Textos informativos em
 Falta iluminação,  Iluminação. sala.
pavimentação e  Pavimentação.  Palestras.
segurança.  Aspectos sociais:  Bairro.  Entrevistas.
 Aumento de fluxo de Comunidade.  Segurança.  Mapeamento da
transporte coletivo.  Lazer. realidade do bairro.
 Falta área de lazer.  Saneamento  Produção de cartazes,
 Ausência de caixas básico. livros, paródias e
eletrônicos. poesias.
 Confecção de
maquetes.

 Direitos e deveres.  Palestras.


 Insatisfação com o  Aspectos  Eleições.  Pesquisas.
desempenho dos Políticos: Cidadania.  Importância do  Entrevistas.
políticos. voto.  Debates.
 Organização  Composição de textos
política. e cartazes.
 Simulação de eleições.
 Incentivo à atividade
esportiva.
 Valores.  Exibição de filmes,
 Desemprego. reportagens e
 Índice crescente de  Conflitos. documentários.
violência.  Necessidade de  Leitura diversificada:
 Falta de policiais.  Violência. segurança. poesia e reportagens.
 Crescimento do  Marginalização.  Produção de textos,
bairro. desenhos e gráficos.
 Uso de drogas.

 Ampliação do  Qualidade no
número de atendimento.  Palestras.
funcionários do posto  Prevenção de  Texto informativo.
de saúde para se ter doenças.  Exibição de filmes.
também um melhor  Saúde.  Sexualidade.  Pesquisas.
atendimento.  Assistência médica.  Debates.
 Produções diversas.
 Lugar onde se
encontra apoio,
amor, carinho, enfim,  Valores.  Palestras.
é a base da  Afetividade.  Produção de textos.
construção de cada  Família.  Religião.  Dramatizações.
cidadão.  Conflitos.
 Religião é um
suporte na criação
dos filhos.
 Lugar onde se
deveria ter
orientação sexual,
mas não se tem.
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.
116

Ao escolher a rede temática via tema gerador como proposta de


desenvolvimento curricular, buscou-se considerar um trabalho interdisciplinar,
articulado com a realidade dos educandos. De acordo com Santos (2001, p. 53), a
rede temática é “[...] um processo que se constitui a partir de um conjunto de falas
significativas e interligadas dos alunos, que formam uma totalidade e possibilitam um
trabalho interdisciplinar”. Nesse percurso organizativo e formativo, observamos a
codificação da realidade social representada por meio da rede temática. Os
envolvidos (professores e educandos), ao realizarem esse percurso, além de se
reconhecerem na situação codificada, fazem também uma descodificação;
entendida como uma análise crítica e contextualizada da realidade, desenvolvendo
uma educação problematizadora, o que “[...] não significa a redução do concreto ao
abstrato, o que seria negar a sua dialeticidade, mas tê-los como opostos que se
dialetizam no ato de pensar” (FREIRE, 1987, p. 97).
Na sistematização do Diário de Classe de Clara, podemos identificar o
desdobramento desse processo no cotidiano da sala de aula, conforme
apresentamos a seguir.

5.1.1 Conteúdos e atividades da área de Língua Portuguesa

Relação de conteúdos e atividades pedagógicas

 Trabalho com o alfabeto (minúsculo e maiúsculo)


 Os substantivos próprios (nossos nomes)
 Substantivos próprios que nos rodeiam
 Produção textual – Água
 Produção textual – A micareta em Vitória da Conquista
 Fábula: “A Cigarra e a Formiga”
 Produção textual – A Dengue
 Separação silábica: onde e como utilizamos
 Ditado e cópia – elaborados pelos educandos
 Produção textual – O trabalho em minha vida
 Leitura e interpretação – O Anjo e Deus/mães
 Redação – O início da Colonização
117

 Exposição de filme para análise e redação coletiva


 Produção textual – nossos costumes e tradições
 Leitura e interpretação – Música “Asa Branca”
 Produção textual: Receita Junina (passo a passo)
 Produção textual coletiva
 Música “Utopia” – interpretação
 Versos e estrofes
 Tonicidade com palavras da semana
 Interpretação: Discriminação racial
 Interpretação: “Catador de papel é pai” (texto)
 Qualidades do pai vistas no texto “Catador de papel é pai” e realização de
exercício
 Construção de receitas folclóricas para apresentação
 Receita em texto e interpretação
 Poema: Brasil de várias caras
 Texto coletivo: Eleitos 2008
 Poema: “As duas flores”
 Texto para estudo – “A cozinheira”
 Dicionário – Tradução do Hino de Vitória da Conquista
 Poemas e poesias
 Texto fatiado sobre idosos
 Acrósticos com palavras natalinas

Na lista de conteúdos e atividades dessa área, há uma ênfase nas atividades


de leitura, produção e interpretação de textos, partindo dos mais diferentes campos
de conhecimento e envolvendo questões da vida cotidiana dos educandos, bem
como discussões em torno de situações mais gerais sobre aspectos da sociedade
contemporânea.
118

5.1.2 Conteúdos e atividades da área de Matemática

Relação de conteúdos e atividades pedagógicas

 A história dos números


 Uso do ábaco e do Quadro Valor do Lugar (QVL – sistema de reais)
 Contando como Maias, Egípcios e Romanos
 Resolvendo operações, QVL (material doutorado)
 Arte e Matemática
 QVL – Bingo – explorando unidades e dezenas
 Atividade de decomposição
 Subtrair – o que é? Material Dourado
 Salário mínimo – subtração
 Situações – problema de adição
 Problemas envolvendo mães – subtração
 Noções de medidas e comprimentos
 Atividades cotidianas de comprimento
 Introdução de multiplicação
 Atividades de reforço sobre multiplicação – cotidiano
 Panfletos – compras em exercícios
 Cartaz multiplicativo – após atividade do caderno
 Cálculo da receita junina – quentão
 Multiplicando receitas
 Divisão (passo a passo) – cotidiano
 Panfletos e organização de compras
 Efetuando compras – dinheirinho
 Cálculos sobre pães e merenda escolar
 QVL: simulando nossos números
 Valores salariais – Câmara Municipal
 O nosso salário – uso responsável
 Dividindo o salário real do mês
 Dividindo o país (porcentagem, base 10)
 Cálculos diversos com gráficos e valores
119

 Expressões numéricas
 Porcentagem do cotidiano e problemas
 Subtração com uso do dinheirinho
 Como comprar em época festiva?

Nos saberes dessa área, a ênfase recai sobre as quatro operações


fundamentais. Partindo de diferentes conteúdos, a centralidade da prática
pedagógica da educadora está em possibilitar aos educandos o domínio de
situações matemáticas, por meio de adição, subtração, multiplicação e divisão. Para
isso, utiliza-se de atividades envolvendo conteúdos como porcentagem, gráficos,
medidas de comprimento, entre outras, sempre tendo o cotidiano dos alunos como
referência para a construção do conhecimento matemático.

5.1.3 Conteúdos e atividades da área de Ciências

Relação de conteúdos e atividades pedagógicas

 A água em nosso planeta – Hidrosfera


 Nossos rios depredados e preservados – cartazes
 Desequilíbrio ambiental
 Atitudes possíveis na recuperação ambiental
 Trabalho em equipe sobre o tema recuperação ambiental: cartazes, debates e
apresentações
 Como melhorar nosso ambiente
 As flores e os alimentos
 Os micro-organismos nos alimentos
 Doenças causadas por micro-organismos

Destaca-se, no âmbito dos saberes das Ciências, a preocupação com


questões referentes ao meio ambiente, aos micro-organismos e doenças por eles
provocadas, além de estudos sobre alimentos e água.
120

5.1.4 Conteúdos e atividades da área de Geografia

Relação de conteúdos e atividades pedagógicas

 Nós no Universo
 Nós no Sistema Solar/Terra
 Onde nos situamos – mapa mundi
 O planeta Terra – texto
 Geografia da região Nordeste – extraído do filme de Lampião
 Desenho e representação da região Nordeste
 Representando espaços – mapa e legenda
 Nosso mapa – direcionando e limitando
 Paisagem natural e modificada
 Santa Catarina – relevo em desastre
 Relevo de Vitória da Conquista

Os conteúdos destacados nos saberes dessa área são voltados ao


conhecimento do sujeito na própria realidade em que vive, em uma dimensão
globalizante. Há um direcionamento para estudos sobre a região Nordeste, com
destaque também para a cidade onde residem os educandos, Vitória da Conquista.

5.1.5 Conteúdos e atividades da área de História

Relação de conteúdos e atividades pedagógicas

 História do “surgimento” das Américas


 Tiradentes
 “Descobrimento” do Brasil – livro de História
 Continuando a história
 A cultura indígena no Brasil
 1º de maio – Dia do trabalhador – texto informativo
 Os negros na Bahia – texto
 Costumes afro-descendentes
121

 Salvador (filme) – famílias abandonadas


 Leis da época da escravidão – seus efeitos?
 Nosso folclore
 Cantigas de ontem e de hoje, brinquedos e brincadeiras
 O Folclore – estudo de texto informativo
 Folclore baiano
 Os símbolos nacionais
 Um pouco de Brasil – colonização no início
 Salvador: berço da História do Brasil
 Rio de Janeiro: vinda da Família Real para o Brasil
 Brasil que temos e Brasil que queremos
 Eleições em nosso país – município: entrevistas, título eleitoral e voto
 O que mudou desde a Independência?
 Os três poderes – município
 Como escolher os candidatos e votar
 Construção do painel dos candidatos
 O que o bairro espera dos eleitos
 Projeto de Governo – Guilherme Menezes
 Vitória da Conquista – texto informativo
 Vitória da Conquista – ontem e hoje – jornal informativo
 Bandeira do município – entender e colorir
 O que meu município representa para mim?
 Conquistas dos afro-descendentes hoje

Nessa área, destacam-se estudos sobre a política local e as


responsabilidades da comunidade. Há também uma análise da história de
constituição das Américas, do Brasil e da Bahia, destacando-se conteúdos voltados
à cidade de Vitória da Conquista. Nesses conteúdos, ressaltamos as discussões
acerca da diversidade cultural, por meio de assuntos envolvendo temas como
Negro, Povos indígenas, entre outros.
Nas listas de conteúdos e de atividades apresentados anteriormente,
observamos a presença de um currículo fortemente disciplinar. O sentido de rede
122

perde, nesse contexto, seu significado. A rede, uma perspectiva de organização


curricular desenvolvida por estudiosos brasileiros como Gallo (2008), Garcia (2008)
e Alves (2008), por exemplo, aponta para a construção de conhecimentos na
perspectiva do rizoma. Na rede, há conexões, entrelaçamentos, mas não há uma
hierarquização, uma linearidade na construção de saberes, evitando-se, portanto, a
compartimentalização do currículo. O sentido de rede, afirma Alves (2008, p. 94),

substitui a ideia de que o conhecimento se “constrói” daquela


maneira ordenada, linear e hierarquizada, por um único e obrigatório
caminho, pela de que, ao contrário, não há ordem nessa criação – ou
que ela só pode ser percebida e representada pelo pensamento a
posteriori da própria criação.

Ressignificar o processo de desenvolvimento da rede temática no interior da


escola e na prática pedagógica cotidiana requer, entre outros fatores, o investimento
em um processo formativo capaz de pensar e fazer o desenvolvimento curricular
entendido como uma produção que se faz em contexto (SACRISTÁN, 2000),
entendendo-o como prática social e como práxis orientadora da ação docente.
Nesse sentido, concordamos com Tardif (2005) ao defender que a formação de
professores (inicial e contínua) necessita ser desenvolvida de forma sólida,
consistente, referenciada em estudos e experiências profissionais capazes de
construir diferentes saberes de forma articulada à realidade profissional dos atores
sociais. Pelas reflexões e teorizações tecidas ao longo de suas obras, percebemos
uma preocupação com a melhoria da escola e, sobretudo, da formação profissional
dos docentes, no sentido de que estes possam melhor desenvolver suas ações
pedagógicas cotidianas.
Shulman (1987), um dos mais importantes estudiosos no campo do
conhecimento profissional, em pesquisas realizadas sobre a knowledge base22 que
sustenta a prática docente, buscou descrever e analisar não somente como os
professores desenvolvem, materializam o saber em sala de aula, mas também
compreender as ideias subjacentes aos discursos dos professores na própria sala
de aula. Os docentes, conforme Shulman (1987), apresentam dificuldades de
identificar o que sabem acerca da matéria/disciplina/área que ensinam e como eles

22
Base de conhecimento (tradução nossa).
123

sabem o que sabem sobre como ensinam (SHULMAN, 1987). Para esse autor, a
base de conhecimento do professor não é definitiva, conclusiva ou final. O autor diz
ainda que estudiosos e profissionais especializados são capazes de pensar, definir e
desenvolver princípios e orientações educativas, visando um ensino com qualidade,
pois o “teaching is, essentially, a learned profession23” (SHULMAN, 1987, p. 9).
Ao tratar do conhecimento do conteúdo, uma das bases de conhecimento
para o profissional atuar, Shulman (1987) refere-se à formação científica necessária
para todo profissional. No contexto da nossa tese, são os conhecimentos dos
diversos campos do saber definidos pelas instituições de ensino para a formação de
professores da educação básica. Como exemplo, citamos as seguintes áreas:
linguagens e códigos; ciências da natureza e exata; ciências humanas e sociais.
Conforme Veiga (2004, p. 52), o conhecimento do conteúdo volta-se à “preparação
científica do professor, relativamente à área específica que vai leccionar”.
Shulman (1987) afirma que não podemos ensinar o que não temos domínio, o
que não sabemos. Essa máxima é defendida pelo autor para mostrar a necessidade
de que os profissionais do ensino precisam dominar o conteúdo da matéria, da
disciplina ou do campo/área de conhecimento no qual atuam, bem como a natureza
histórica e filosófica dos referidos campos de estudo. A esse respeito, Shulman
(1987, p. 9) declara: “This knowledge rests on two foundations: the accumulated
literature and studies in the content areas, and the historical and philosophical
scholarship on the nature of knowledge in those fields of study24”.
No Diário Escolar de Clara, destacam-se atividades didático-pedagógicos,
tais como: a) produção de texto coletivamente; b) exposição e análise de filmes;
c) realização de palestras sobre temas de interesse da comunidade (Segurança e
Saúde, Estatuto do Idoso, Política Municipal, por exemplo); d) uso de exemplos do
cotidiano de vida dos educandos; e) uso de livros e textos informativos; f) realização
de atividades de confraternização (Dia das Mães, Festas Juninas, Dia dos
Namorados).

23
Ensino é, essencialmente, uma profissão aprendida (tradução nossa).
24
Esse conhecimento sustenta-se em dois fundamentos: a literatura acumulada e estudos em áreas
de conteúdo, e os saberes históricos e filosóficos sobre a natureza do conhecimento nas áreas de
estudo (tradução nossa).
124

Há uma ênfase, no Diário Escolar, no desenvolvimento de um processo de


formação política dos educandos, reafirmando uma perspectiva de construção do
conhecimento crítica, contextualizada e voltada para a vida cotidiana dos sujeitos,
evidenciando que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de
intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 8).
Observamos também, no Diário Escolar, indícios de práticas tanto
multidisciplinares quanto interdisciplinares. De acordo com Crusoé (2009, p. 12),

[...] permanecer circunscrito à integração formal entre as áreas, no


espaço do planejamento, revela uma prática não interdisciplinar na
medida em que não há uma preocupação com a dimensão social,
com a transformação da realidade em que os atores sociais estão
inseridos.

Em várias ações pedagógicas, Clara buscou integrar saberes em torno de


temas desenvolvidos e definidos na rede temática. Entre eles, destacam-se: família,
religiosidade, segurança, trabalho, política e saúde. As atividades propostas, muitas
vezes, partem de um campo do saber e, em seguida, encontram-se com outras
áreas. Exemplo disso são as atividades de Ciências, de Matemática e de História,
para citar apenas algumas que possibilitam o desenvolvimento de práticas com a
área de Língua Portuguesa, caracterizando um trabalho multidisciplinar (CRUSOÉ,
2009). Em outras experiências, percebemos uma clara intenção de transformação,
de intervenção na realidade, aproximando sua prática de uma dimensão
interdisciplinar na produção do conhecimento.
Podemos dizer que há, na sistematização da prática alfabetizadora de Clara,
evidenciada no Diário Escolar, a presença de princípios de trabalho pedagógico,
referendados no pensamento freiriano, quais sejam: a) o respeito aos saberes das
experiências dos educandos no processo de construção do conhecimento; b) o
desenvolvimento de práticas pedagógicas ancoradas na realidade local, sem perder
de vista o contexto mais amplo da sociedade na qual estamos inseridos; c) a busca
pela ampliação da autonomia dos alunos no processo de construção do
conhecimento, tentando aproximar conteúdo e vida no contexto da própria
comunidade e buscando desenvolver (e/ou ampliar) a participação crítica dos
sujeitos.
125

Buscando entender com mais detalhe esse trabalho no cotidiano da escola,


foi realizado ainda um encontro visando refletir sobre as inquietações dos partícipes
em torno desse processo. Nessa sessão, duas questões foram consideradas ponto
de partida para o diálogo: o que entendemos por tema gerador? O que estamos
entendendo com a palavra “significativo” no contexto do tema gerador? (CETG, 01
out. 2008).
Iniciamos o diálogo partindo do entendimento acerca do tema gerador, tendo
como referência a experiência pedagógica desenvolvida na escola e a
sistematização realizada por meio da rede temática do ano de 2008. O tema gerador
foi assim descrito:

Thaís: Porque há pessoas que pensam que o tema gerador é só


aquela questão: tem um tema que vai dar margens para puxar outros
temas; e, na realidade, pelo menos o que eu entendo, não seria isso,
seria aquilo que tem significado para o aluno. Por isso, a questão da
gente estar sempre recolhendo as falas dos alunos para investigar
qual seria esse tema, que tem significado para o aluno e não para a
gente. No caso, a gente pensar num tema que dê margens para
outros temas ou para conteúdos; o importante é isso, o que é
significativo para o aluno. (CETG, 1º out. 2008).

Clara: Porque se não for um tema realmente de significado do dia a


dia do aluno, do dia a dia nosso também em sala de aula, ele
simplesmente abandona as aulas. Tem que ser algo realmente
significativo, mesmo assim ainda fica muitas vezes impertinente.
Alguns se cansam rápido, outros nem tanto, alguns pedem mais
material; outros não, dizendo “já cansei”. (CETG, 1º out. 2008).

Glenda: Eu acho que são as duas coisas: tanto o tema gerador é


algo central que vai nortear os outros temas como algo que tenha
significado para o aluno. Eu acho que é uma junção, tem que ser
alguma coisa que para ele tenha significado no cotidiano, porque
senão se torna algo desinteressante e, ao mesmo tempo, não vai
deixar de ser uma coisa que vai orientar os outros novos temas. É a
junção tanto como ponto orientador como algo significativo para o
aluno, porque se fugir da vivência dele se torna algo realmente sem
sentido, sem interesse. (CETG, 1º out. 2008).

Thaís, ao tentar conceituar tema gerador, apresenta dois caminhos


entrecruzados. O primeiro implica a dimensão do significativo para os educandos:
“[...] seria aquilo que tem significado para o aluno. [...] o importante é isso, o que é
significativo para o aluno”. (CETG, 1º out. 2008). Também envolve outra dimensão: a
126

de temas capazes de desenvolver outros temas, articulando conteúdos e conceitos


necessários ao processo de alfabetização. “Então, no caso, a gente pensar num
tema que dê margens para outros temas ou para conteúdos” (CETG, 1º out. 2008).
Essa mesma perspectiva é reafirmada por Glenda: “Eu acho que são as duas
coisas: tanto o tema gerador é algo central que vai nortear os outros temas como
algo que tenha significado para o aluno” (CETG, 1º out. 2008).
Para Freire (1987, p. 99), os temas geradores encontram-se nos homens e
nas mulheres concretas, em suas relações com o mundo: “[...] Os temas, em
verdade, existem nos homens, em suas relações com o mundo, referidos a fatos
concretos”. Eles são percebidos, problematizados e transformados em temas de
estudo e trabalho no cotidiano da sala de aula por meio de um processo dialetizante.
As duas dimensões são desenvolvidas por meio de procedimentos
metodológicos, visando identificar interesses e necessidades dos educandos, como
afirma Thaís: “Por isso, a questão da gente estar sempre recolhendo as falas dos
alunos para investigar qual seria esse tema, que tem significado para o aluno e não
para a gente” (CETG, 1º out. 2008). Os temas são oriundos de diferentes contextos,
como: sala de aula, conversas informais, observações diárias, análise das atividades
didáticas, contexto social, entre outros. Seria uma espécie de escuta e de escrita
permanentes do profissional no contexto de diálogo com as pessoas jovens e
adultas.
Reinaldo, no diálogo estabelecido, acrescenta uma pergunta, solicitando
esclarecimentos sobre o sentido atribuído ao termo significativo: “Nesse contexto do
tema gerador, o que você está entendendo por significativo?” (CETG, 1º out. 2008).
Nesse aspecto, os partícipes foram enfáticos: “[…] porque se não for um tema
realmente de significado do dia a dia do aluno, do dia a dia nosso também em sala
de aula, ele simplesmente abandona as aulas. Tem que ser algo realmente
significativo”, diz Clara (CETG, 1º out. 2008). Abandonar a escola não está
necessariamente vinculado à perspectiva anunciada por Clara, embora
concordemos com a referida colaboradora sobre a importância de considerar a
dimensão do significativo para os alunos no processo de ensino-aprendizagem, o
que poderá contribuir com a presença do estudante em sala de aula, mas não o
impede de abandoná-la.
127

O significativo tem o mesmo sentido que os termos interesse, necessidade,


ou seja, “aquilo que está mexendo com ele no momento”, ressalta Thaís (CETG, 1º
out. 2008), referindo-se ao estudante. Contudo, Clara destaca que, muitas vezes, no
contexto da sala de aula o tema se torna impertinente, sem sentido. Para Thaís,
compete ao profissional desenvolver o tema gerador, articulando-o aos conceitos e
conteúdos necessários ao processo de alfabetização. Sobre isso, ratifica: “A gente
precisa até inquietá-los para que desperte neles o interesse, porque muitas vezes
tem um tema que é pertinente, mas ainda não chegou à curiosidade do aluno. […]
então, muitas vezes, a gente tem que provocar no aluno essa curiosidade por aquele
tema” (CETG, 1º out. 2008).
Ao discutir a perspectiva de construção de um currículo (ou currículos),
Sacristán (2000) critica propostas curriculares elaboradas sem a participação direta
dos profissionais de educação. Nesse tipo de prática, para o autor, “[...] os conteúdos,
por vias diversas, são moldados, decididos, selecionados e ordenados fora da
instituição escolar, das aulas, das escolas e à margem dos professores/as”
(SACRISTÁN, 2000, p. 121). Essa prática reafirma a ideia de que os professores não
sabem pensar e não precisam participar da produção do saber, apenas da sua
operacionalização. No contexto da experiência investigada, observamos uma tentativa
de construção curricular referendada nas práticas e nas experiências dos sujeitos
envolvidos (professores, estudantes, coordenação pedagógica e direção da escola).
O processo desenvolvido pelos partícipes comunga com o sentido atribuído
por Freire (1987, p. 99-100) à investigação temática, pois esta “[...] se faz, assim, um
esforço comum de consciência da realidade e de autoconsciência, que a inscreve
como ponto de partida do processo educativo [...]”. O caráter transformador
acompanha, como percebemos, o processo de organização e de implementação da
rede temática. Esse processo encontra-se situado histórica, cultural e socialmente,
referendado na situacionalidade humana, por meio do qual os partícipes e os
educandos se reconhecem na concreticidade de pensar a própria realidade
(pensando a si mesmo) e, a partir dela, organizar os conteúdos e os conceitos de
trabalho pedagógico na prática alfabetizadora.
Freire (1987) explicita ainda que o caráter dialógico da educação
problematizadora nos permite, na condição de sujeito (alguém que participa ativa e
128

criticamente), acrescentar temas, conceitos e conteúdos no processo de


investigação temática. Somos, assim, chamados e convocados a participar na
definição do currículo para a EJA de forma propositiva, e não como mero
espectador.
No tocante à diferença entre rede temática e tema gerador, surge outra
inquietação do grupo, conforme afirmam os partícipes:

Thaís: Para mim, o tema gerador é como se fosse um nó, um nó


principal; e dali vêm todos os outros fios para compor a rede.
Reinaldo: Eu estou aqui imaginando essa rede.
Thaís: Vamos pensar como uma rede de pescador, por exemplo.
Sempre tem o início ali, o nó principal, o nó inicial e a partir dali vêm
todos os outros fios que acabam fechando, compondo essa rede. A
questão do tema gerador, você viu aqui a questão da família foi que
mais apareceu, mais forte na maioria das falas. A gente analisou que
poderia ser o tema gerador, porque da família decorre tantos outros
problemas, tantas outras inquietações, como a questão da cidadania,
os conflitos, os valores, a comunidade local. A gente analisou,
principalmente os professores que estavam mais presentes no
momento da construção dessa rede, que essa fala poderia trazer
esses outros subtemas, como essas outras linhas que compõem
toda a rede.
Reinaldo: Eu já estava pensando aqui: talvez se vocês
conseguissem desenhar essa rede, como você falou agora, ficasse
mais parecendo uma rede temática essa ideia da construção do
conhecimento em rede. E você, Clara, partindo desta fala de Thaís,
existe diferença entre tema gerador e rede temática?
Glenda: Eu acho que complementa, não?
Clara: Eles se entrelaçam. Na nossa visão também, eu acredito, eles
se entrelaçam.
Reinaldo: Pegando a imagem de Thaís, onde está o tema gerador?
Clara: No centro de tudo.
Reinaldo: E a rede?
Clara: É a composição disso.
Glenda: Eu consigo, quando a gente olha e visualiza que cada parte
dessa, que cada tema forma uma rede e é dentro da rede que existe
um tema gerador. O tema acaba formando uma rede; a diferença é
como se o tema fosse algo central que acaba formando uma rede. É
diferente. Eu vejo a diferença nesse sentido, mas é uma diferença
que um complementa o outro.
Reinaldo: Quando vocês trabalham com o desdobramento da rede,
o ponto de partida é o tema gerador?
Glenda: É o tema gerador.
Reinaldo: E, a partir desse tema, vocês articulam os
desdobramentos chamados de subtemas e aspectos decorrentes?
Os aspectos mediadores são as questões metodológicas, de como
trabalhar, de como se fazer, de como realizar em sala de aula.
129

Glenda: Porque de um tema você cria uma rede; dentro dessa rede,
você vai trabalhar com vários temas e surgem vários temas. (CETG,
1º out. 2008).

Diante desse diálogo sobre diferenças entre tema gerador e rede temática,
observamos, sobretudo, que ambos são complementares, um “amarra” o outro, um
possibilita a articulação com o outro. Entretanto, fica evidente que a construção da
rede depende da definição da fala significativa (ou falas significativas) que será
representativa face a todas as outras falas para tornar-se o tema gerador, “o centro
de tudo”, como afirmou Clara. Nossa conversa formativa e investigativa prosseguiu
com a proposta do grupo de construir outra rede temática, tendo como referência os
dados da rede anterior. O discurso a seguir mostra os primeiros momentos em que
Reinaldo provoca o grupo para pensar sobre o que eles fizeram, ou seja, pensar a
própria prática após realizada:

Reinaldo: Eu quero perguntar o seguinte: O tema “A família é a base


de tudo, é o alicerce da construção de um bom cidadão, é importante
como diz o mandamento da lei de Deus” agregaria todas aquelas
falas que vocês recolheram naqueles questionários? Pensando hoje,
depois que vocês fizeram essa prática, vocês acreditam que essas
duas falas ou uma só daria(m) conta dessas temáticas todas? Seria
possível construir outra rede? (CETG, 1º out. 2008).

Interessados e envolvidos com a possibilidade de construir outra rede


temática, os partícipes dizem:

Clara: Tudo é possível.


Reinaldo: Fazer de outro jeito que não este?
Glenda: Eu acho.
Clara: Tudo é possível, por que não? Ideia?
Reinaldo: Exatamente. Era isso que eu iria falar.
Clara: Tranquilo. Tudo bem. Estamos abertas.
Reinaldo: Eu acho que Thaís já trouxe uma possibilidade de a gente
organizar de maneira diferente. Eu estava pensando o seguinte:
poderíamos manter o primeiro tema, que é o tema central, pelo que
vocês apontaram. Esse desdobramento, no sentido dos
mandamentos da lei de Deus, me parece que já está no tema religião
e junto com este discutir sobre religiosidade.
Clara: Religião e religiosidade?
Reinaldo: Ao discutir o tema família, poderíamos pensar na própria
religiosidade, que é um elemento forte na EJA. Outra sugestão seria
pegar a imagem que Thaís projetou (em forma de uma teia de
130

aranha) como se fosse o tema central, como se fosse a aranha que


tivesse no centro e os nós que vão se dando, se construindo, se
configurando, fossem esses os movimentos que fossem
acontecendo. (CETG, 1º out. 2008).

Tomando como referência as sugestões do grupo, construímos outra


possibilidade de rede, conforme observamos a seguir.

Figura 2: Sistematização da segunda rede temática


Fonte: Grupo colaborativo da Escola Municipal São Lucas, 2008.

A rede da Figura 2 não revelou um avanço significativo na aprendizagem do


grupo, pois ainda converge suas ações, seus conceitos e conteúdos para o centro.
Há mais linearidade e compartimentalização, e menos conexões moventes, fluidas,
como exige um currículo em rede. (ALVES, 2008). Entretanto, a rede temática da
Figura 2 potencializou momentos formativos relevantes para os partícipes. Tivemos
a possibilidade de pensar outras alternativas de organização do processo de ensino-
aprendizagem no contexto da EJA, de forma contextualizada, por meio de um
processo de autorreflexão, de autocrítica sobre os caminhos percorridos e sobre
suas alternativas para ressignificá-los, ancorado em um grupo colaborativo
autocrítico, entendido como uma comunidade autocrítica (PÉREZ-GOMEZ,1992;
1990).
131

As etapas definidoras do tema gerador para constituição da rede temática são


atribuições, acreditamos, inerentes ao trabalho docente nessa modalidade. O
domínio técnico-científico de construção de uma rede temática faz parte das
competências profissionais dos partícipes, envolvendo ações como: a) diagnosticar
a realidade dos educandos, identificando claramente necessidades e interesses;
b) acrescentar temas e conteúdos relevantes para os educandos, conforme
demandas locais e sociais; c) participar da elaboração do questionário e/ou
entrevista; d) participar de ações coletivas para sistematização das falas e definição
da rede temática; e) participar da construção do planejamento coletivo no cotidiano
da escola, visando seu desenvolvimento em sala de aula.

5.2 SABERES SOBRE ALFABETIZAÇÃO

Em muitos momentos da história da EJA no Brasil, alfabetizar jovens e


adultos era tarefa para qualquer pessoa, com poucos conhecimentos a respeito dos
processos alfabetizadores. O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), no
final da década de 1960, foi um desses exemplos. De acordo com Galvão e Soares
(2006, p. 46), o Mobral “[...] recruta alfabetizadores sem muita exigência: repete-se,
assim, a despreocupação com o fazer e o saber docentes: qualquer um que saiba
ler e escrever pode também ensinar. Qualquer um, de qualquer forma e ganhando
qualquer coisa”.
As discussões em torno da temática da alfabetização, especialmente a partir
de contribuições de Freire (1987), Ferreiro e Teberosky (1991), Soares (2004a;
2004b; 1998), Kleiman (2001; 2000), Moura (2004) e Campelo (2000), para citar
alguns, foram evidenciando a necessidade de uma formação sistemática,
consistente no campo dos processos de aprender a ler e a escrever. Nesse
percurso, passamos a entender que tais processos são mais do que aprender a ler e
a escrever, com compreensão, um simples bilhete, como ainda afirma BRASIL
(2008a) para definir uma pessoa alfabetizada.
Nos diálogos coletivos sobre a constituição da rede temática, surge para o
grupo um outro saber necessário na docência da EJA: o conhecimento sobre
alfabetização. Nesse sentido, fomos discutir a concepção de alfabetização
132

orientadora da experiência de EJA na rede municipal de ensino e materializada na


prática cotidiana da escola e da sala de aula. O discurso a seguir revela um de
nossos momentos de diálogo:

Clara: É porque alfabetização é a construção, tentar levar o aluno a


construir uma escrita; uma escrita voltada ao letramento. É aquela
escrita que esteja dentro de algo contextualizado. Pelo menos é isso
que a gente tenta fazer. Não é o escrever por escrever. É algo que
condiz com aquele momento, com aquela vontade de escrever, do
cotidiano, daquele momento. É também tentar fazer com que eles
busquem, porque se eles ficarem somente presos (ah, só vou fazer
um dever se o professor passar), quando é que ele vai se abrir à
leitura? Nunca. Quando é que ele vai saber a escrita? Nunca. E se
você tentar levar isso para o contexto dele, talvez ele pense que todo
ato dele pode ser anotado. Da mesma forma que você fez aqui
conosco: você anotou tudo. Alfabetização é tentar escrever o que se
vive. Alfabetização voltada ao letramento. Escrever o que se vive no
cotidiano. Em se tratando de adulto, essa alfabetização vai até o
fundamental completo, no nosso caso, o segundo segmento. É tanto
que a SMED não tem pedido que a gente retenha o aluno, mesmo
que ele não construa aquela escrita perfeita. Mas que ele continue
avançando, uma vez que tem potencial. Essa alfabetização vai ter
que acontecer porque muitas vezes nós nos pegamos com alguma
palavra e a gente corre e abre um dicionário. Nós não estamos ainda
totalmente alfabetizados, se a gente ainda se confunde e se a
gramática também nos confunde. Muitas vezes, nós não estamos
alfabetizados. A alfabetização é algo continuado. Para eles, está ao
longo da vida porque, afinal de contas, a idade já está bem superada,
a idade limite de fundamental. A vida toda a gente aprende, todos
nós em alguma área de conhecimento. (SCRAlfa01, 21 out. 2008).

No depoimento de Clara, percebemos algumas incompletudes no que se


refere à concepção de alfabetização e de letramento, revelando uma
incompreensão, como apontam Soares (2004a; 2004b) e Campelo (2000), de suas
especificidades.
No processo de aprendizagem da língua escrita, tanto para crianças quanto
para jovens e adultos, segundo Soares (2004a), é preciso diferenciar dois
processos: a aquisição e o desenvolvimento da língua oral e escrita. Soares (2004a,
p. 15, grifos da autora) afirma: “[...] é preciso diferenciar um processo de aquisição
da língua (oral e escrita) de um processo de desenvolvimento da língua (oral e
escrita); este último é que, sem dúvida, nunca é interrompido”, pois, quando
133

destinamos um significado muito amplo para a alfabetização, estamos negando a


sua especificidade (SOARES, 2004a).
De acordo com Soares (2004a, p. 15), “[...] não parece apropriado, nem
etimologicamente nem pedagogicamente, que o termo alfabetização designe tanto o
processo de aquisição quanto o de seu desenvolvimento”. Não fazendo essa
distinção, portanto, repetem-se discursos e práticas como os de Clara: “A
alfabetização é algo continuado. Para eles, está ao longo da vida porque, afinal de
contas, a idade já está bem superada, a idade limite de fundamental”. Que
aprendemos durante toda a vida, não temos dúvida, mas, no contexto da
alfabetização, é preciso entendê-la e desenvolvê-la, incorporando, como diz Soares
(2004a, p. 18), “a mecânica do ler/escrever”; b) “o enfoque da língua escrita como
um meio de expressão/compreensão, com especificidade e autonomia em relação à
língua oral”; c) “os determinantes sociais das funções e fins da aprendizagem da
língua escrita”. Nesse viés, observamos que a alfabetização, seja com crianças, seja
com jovens e adultos, apresenta especificidades, exigindo assim um investimento
inicial voltado ao processo de apropriação pelos educandos do sistema de escrita,
tanto alfabético quanto ortográfico.
Na perspectiva de Soares (2004a, p. 24-25), a alfabetização exige ainda

[...] uma preparação do professor que o leve a compreender todas as


facetas (psicológica, psicolinguística, sociolinguística e linguística) e
todos os condicionamentos (sociais, culturais e políticos) do processo
de alfabetização, que o leve a saber operacionalizar essas diversas
facetas (sem desprezar seus condicionamentos) em métodos e
procedimentos de preparação para a alfabetização e em métodos e
procedimentos de alfabetização, em elaboração e uso adequados de
materiais didáticos, e, sobretudo, que o leve a assumir uma postura
política diante das implicações ideológicas do significado e do papel
atribuído à alfabetização.

Nesse sentido, é preciso, como afirmam Campelo (2000) e Soares (2004a;


2004b), que os profissionais dessa área dominem saberes voltadas às especifidades
da alfabetização, compreendendo o sentido de aquisição e de desenvolvimento da
língua oral e escrita a fim de que possam desenvolver, com qualidade, suas práticas
pedagógicas. Os discursos a seguir, de Glenda e Thaís, mantêm as mesmas
134

incompletudes de entendimento sobre a especifidade da alfabetização a que nos


referimos anteriormente.

Glenda: Eu acho que a gente pode dizer que alfabetização vai além
da decodificação de letras, de número. É algo bem mais amplo. É
quando a pessoa consegue ter uma visão de tudo ao seu redor, uma
interpretação. É quando ele consegue interpretar tudo ao seu redor,
não só as letras, não só o decodificar. Enfim, fazer essa
interpretação. (SCRAlfa01, 21 out. 2008).

Thaís: Um conceito que eu daria para alfabetização não seria só a


codificação e decodificação, mas também, seria essa codificação,
decodificação e dando sentido, fazendo uso da leitura da palavra, da
leitura de mundo, como Paulo Freire disse: “a leitura de mundo
precede a leitura da palavra”. É o indivíduo fazer uma relação desse
conhecimento com a sua vida. Para mim, isso aí seria alfabetização.
Se ele tem esse conhecimento da leitura e da escrita, mas ele não
consegue relacionar com a sua vida, não consegue entender a
função da leitura, a função da escrita, ele só está codificando e
decodificando, não está alfabetizado. (SCRAlfa01, 21 out. 2008).

Os depoimentos de Glenda e de Thaís, assim como o de Clara, revelam


desentendimento em torno dos conceitos de alfabetização, de letramento e de suas
especificidades. Não diferenciando os processos de alfabetização e de letramento,
os partícipes acabam destinando para os referidos conceitos ideias que pouco têm a
ver com o seu real significado. Nos discursos de Glenda e de Thaís, percebemos a
influência do pensamento de Freire (1987), o que pode indicar uma possibilidade de
pensar a alfabetização em uma perspectiva de conscientização, “[...] uma forma de
ação política” (SOARES, 2004a, p. 23). De outro modo, as falas permitem afirmar
que há um desconhecimento da especificidade da alfabetização e uma atribuição
simplista ao seu significado. Campelo (2000, p. 182), referendando-se em Soares,
destaca que não devemos “[...] atribuir à alfabetização um conceito demasiadamente
amplo ou excessivamente restrito, ora ultrapassando os limites do mundo da escrita,
ora limitando à codificação”. No contexto brasileiro, Soares (2004b) afirma que a
alfabetização foi obscurecida pelo letramento. Distante de dissociá-los e de separá-
los, a autora destaca a necessidade de que compreendamos tanto a alfabetização
quanto o letramento em seus reais conceitos e especificidades, indissociavelmente.
135

A conveniência, porém, de conservar os dois termos parece-me estar


em que, embora designem processos interdependentes,
indissociáveis e simultâneos, são processos de natureza
fundamentalmente diferente, envolvendo conhecimentos, habilidades
e competências específicas, que implicam formas de aprendizagens
diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de
ensino. (SOARES, 2004b, p. 15).

Como processos indissociáveis, a alfabetização e o letramento, mantendo


suas especificidades, precisam ser desenvolvidos considerando-se suas diversas
facetas. As facetas do letramento dizem respeito à imersão dos sujeitos na cultura
escrita, à sua participação em experiências variadas com a leitura e a escrita e ao
conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito. No
tocante às facetas da alfabetização, citamos: a consciência fonológica e fonética, a
identificação das relações fonema-grafema, as habilidades de codificação e
decodificação da língua escrita e o conhecimento e reconhecimento dos processos
de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita (SOARES,
2004b, p. 15). Defendendo e considerando a especificidade da alfabetização, Soares
(2004b) salienta a necessidade de que seja desenvolvida em um contexto de
letramento, considerando-se suas diversas facetas.
Em vários momentos de sua produção, Freire chamou nossa atenção para o
fato de que a alfabetização, embora possa colaborar para as pessoas assumirem a
condição de sujeitos do processo, agindo de forma cidadã, por si só, não garante
uma “plenitude da cidadania”. Ler e escrever não são suficientes, embora sejam
necessários, para agir de forma cidadã. E ainda: “[...] é necessário que a façamos e
tomemos como um ato político, jamais como um quefazer neutro” (FREIRE, 1997, p.
58). Referindo-se ao conteúdo da alfabetização, adverte Freire (1997, p. 53):
“Obviamente, esta é a tarefa dos professores e das professoras progressistas que
estão certos de que têm o dever de ensinar competentemente os conteúdos mas
também estão certos de que, ao fazê-lo, se obrigam a desvelar o mundo da
opressão”.
Observamos, na afirmação de Freire, duas características do processo
alfabetizador: o ensino dos conteúdos e o desvelamento do contexto social no qual
vivem os educandos, ou seja, alfabetização com uma forte dimensão política com
136

caráter de transformação, de intervenção. Esse sentido, percebemos, aproxima-se


da concepção de alfabetização de Clara, Thaís e Glenda, ao afirmarem que a
alfabetização “[...] vai além da decodificação de letras, de número”. E ainda: “Seria
essa codificação, decodificação e dando sentido, fazendo uso da leitura da palavra,
da leitura de mundo”. “É aquela escrita que esteja dentro de algo contextualizado”
(SCRAlfa01, 21 out. 2008).
Nos discursos dos partícipes, explicita-se uma concepção de alfabetização
permeada pelo pensamento de Freire, uma das referências da EJA no contexto do
município de Vitória da Conquista. Embora Freire não tenha escrito diretamente o
termo letramento, pelo sentido atribuído ao conceito de alfabetização, identificamos
em muitas de suas obras uma perspectiva ampliada, incorporando tanto os
processos de aprender a ler e a escrever como as possibilidades de uso do que
escrevemos e do que lemos socialmente, acrescentando-se a essa concepção a
dimensão política do ato educativo. Nesse sentido, ratifica Soares (1998, p. 76):

Paulo Freire (1967, 1970a, 1970b, 1976) foi um dos primeiros


educadores a realçar esse poder “revolucionário” do letramento, ao
afirmar que ser alfabetizado é tornar-se capaz de usar a leitura e a
escrita como um meio de tomar consciência da realidade e de
transformá-la. Freire concebe o papel do letramento como sendo ou
de libertação do homem ou de sua “domesticação”, dependendo do
contexto ideológico em que ocorre, e alerta para a sua natureza
inerentemente política, defendendo que seu principal objetivo deveria
ser o de promover a mudança social.

Os estudos sobre letramento, conforme Moura (2007), surgiram no contexto


brasileiro a partir de meados da década de 1980, em trabalhos de Mary Kato e de
Tfouni e, posteriormente, na década de 1990, em discussões com Kleiman e Soares,
ganhando espaço nos mais diversos discursos e experiências pedagógicas,
redimensionando assim práticas alfabetizadoras, políticas educacionais, programas
de alfabetização, entre outras. Apoiando-se em Soares, Moura (2007) afirma que
talvez seja mais prudente falar em letramentos, já que estes se desenvolvem tendo
como referência práticas e eventos variados de letramentos, tanto no âmbito
individual quanto no social (MOURA, 2007).
Na compreensão de Soares (1998, p. 58),
137

Termos despertado para o fenômeno do letramento – estarmos


incorporando essa palavra ao nosso vocabulário educacional –
significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas
ensinar a ler e a escrever, mas é, também, e sobretudo, levar os
indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita,
envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita.

Entretando, Soares (1998, p. 58 ) destaca que, conscientes desse sentido de


letramento, é necessário criar condições materiais para desenvolvê-lo nos mais
diferentes espaços educativos e sociais, pois o nível de letramento tem a ver com as
“condições sociais, culturais e econômicas” dos indivíduos em uma determinada
sociedade. A autora apresenta dois exemplos de condições materiais: a
escolarização real e efetiva da população e a disponibilidade de material de leitura.
A primeira condição diz respeito à necessidade de as pessoas aprenderem mais do
que ler e escrever. A segunda refere-se aos contextos sociais nos quais as pessoas
tenham acesso a materiais de leitura como jornais, revistas, livros, bibliotecas, entre
outros.
No tocante aos diálogos entre os partícipes, observamos a presença de
discursos científicos e de muitas incompletudes conceituais perpassando suas
práticas e vivências do processo de alfabetização. No âmbito do conhecimento
sobre alfabetização, há outros saberes necessários à docência na EJA, os quais
estão vinculados às diferentes áreas de conhecimento com as quais trabalham os
partícipes nos anos iniciais do ensino fundamental. Essas áreas reafirmam um
trabalho com a leitura e escrita permanentemente, ultrapassando práticas presas a
métodos tradicionais de ensino da leitura e da escrita (SILVA, 2008). Vejamos o
diálogo entre Reinaldo e Clara sobre esse aspecto.

Clara: Em se tratando de alfabetização, eu vejo que a construção da


leitura e da escrita, sempre uma conciliando com a outra, uma
interferindo na outra sempre. (SCRAlfa02, 17 nov. 2008).

Reinaldo: Você acredita que os saberes mais necessários à prática


alfabetizadora seriam aqueles voltados à leitura e à escrita da
realidade, da vida dessas pessoas? (SCRAlfa02, 17 nov. 2008).
138

Clara: É. Porque os assuntos, os conteúdos, eles perpassam muito a


nossa vida. Se nós observarmos bem, eles estão dentro da nossa
casa, eles estão dentro da nossa escola, os assuntos estão em nós,
muitas vezes. Nosso corpo, por exemplo. Qualquer ato seu traz ali
um assunto para que você trabalhe na matemática, na língua
portuguesa. Nós vimos aqui uma fita vinda do Ministério da
Educação, onde matemática está em tudo. Eles ficaram surpresos!
“Matemática está em tudo?” Matemática está em tudo. Todo ato seu
existe uma lógica matemática. Para você se sentar, para você
levantar-se, para você construir sua casa, para você arrumar sua
cama. Tudo existe uma lógica matemática. Aí passaram a falar: “Ah,
professora, eu tinha matemática como monstro, eu não gostava”.
Mas muitas vezes também ainda existe aquela velha conta. “Ah, a
senhora não vai passar a conta, não?” (SCRAlfa02, 17 nov. 2008).

No diálogo entre Clara e Reinaldo, identificamos a aprendizagem da leitura e


da escrita como centralidades do processo de alfabetização. Para Silva (2008, p.
305), Ferreiro e Teberosky revolucionaram esse campo de estudo, ao defenderem
que “[...] o ensino da leitura e da escrita não deve ser visto como uma questão de
método”. Desse modo, passamos a compreender, a partir dos anos de 1990, outras
alternativas teóricas e metodológicas capazes de desenvolver o ensino da leitura e
da escrita a partir da perspectiva de quem aprende, substituindo “[...] cartilhas e
outros materiais de alfabetização por competências e habilidades que auxiliam as
crianças a não só aprenderem a ler e a escrever, mas a fazer uso competente da
leitura e da escrita na vida cotidiana” (SILVA, 2008, p. 305). Moura (2004, p. 129)
também destaca, nessa mesma direção, que “as intervenções epistemológicas de
Ferreiro vêm atribuir à alfabetização de adultos a necessidade do rigor teórico-
metodológico que a área merece, sem, no entanto, desviar o olhar das questões
político-pedagógicas”.
Notamos, ainda, nos discursos citados, o desconhecimento da especificidade
da alfabetizção e do letramento, conforme discutimos anteriormente. A pergunta de
Reinaldo também não colabora para ampliar a visão de Clara em torno desse
processo.
Na continuidade do diálogo, Reinaldo questiona: “Outros saberes, dentro
desse saber mais geral, leitura e escrita, que conhecimentos seriam mais
específicos para se trabalhar no cotidiano da sala? Você poderia citar alguns?”
(SCRAlfa02, 17 nov. 2008).
139

Clara: Nesse caso, a gente trabalha com a base legal, que tem
também a questão dos conteúdos programáticos para determinadas
séries ou módulos. A gente tenta seguir uma linha, pois a gente
também não pode trabalhar aleatoriamente. Existem esses
subtemas. No caso, o que eu trabalhei em sala de aula: separação
de sílabas. Por que separar sílabas? Porque no momento da sua
escrita você pode precisar, muitas vezes, separar uma palavra que
chegou ao final da linha e você tem que mudar de linha. Não sei se
você pegou alguma aula? Por que vai separar as sílabas? Porque
naquele momento você não pode separar a palavra de qualquer
forma no papel, no seu registro, porque aquele registro vai ficar para
a vida toda. Separação silábica já deveria ser um conteúdo
específico de língua portuguesa e está no cotidiano. As outras áreas
estão carregadas de subconteúdos. Todas as áreas têm. No caso, o
saber contar, a sequência numérica já é um saber matemático.
Ciências: conhecer o interior do corpo humano, mesmo que seja uma
área específica, a fecundação, por exemplo, já é um saber que está
introduzido na área geral de Ciências. História, por exemplo, a
História de Vitória da Conquista. Nós estudamos outro dia e foi ótimo.
Quando nós colocamos a questão do número de habitantes, ouvimos
dos educandos: “Ah, não, esse número de habitantes? Tem mais.
Não é só isso, não. Conquista está maior do que [...]”. Aí começa:
“Conquista é muito maior do que Ilhéus. Conquista é maior do que tal
lugar. Se tal lugar tem tal número, por que Conquista está nessa
ainda?” Isso também são conteúdos. O mapa, conhecer o mapa,
conhecer os limites são subconteúdos. (SCRAlfa02, 17 nov. 2008).

Percebemos, no discurso de Clara, a identificação de áreas trabalhadas na


formação de profissionais de educação, como indica a Resolução do CNE, n. 01, de
15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia no
Brasil. Nessa Resolução, Art. 6º., Inciso I, Alínea “i”, encontra-se, entre outras
questões: “Decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens [...], além
do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de
escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e
Geografia, Artes, Educação Física” (BRASIL, 2006, p. 3). No discurso de Clara,
observamos ainda exemplos de práticas que não dizem respeito à alfabetização na
perspectiva do letramento. Exemplo disso é a proposta de separação silábica
descrita pela partícipe. Há, também, a referência aos conhecimentos historicamente
acumulados e sistematizados em “conteúdos programáticos” para essa modalidade,
apresentada no início do discurso de Clara. No Parecer n. 11, que trata das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da EJA, Cury afirma (2000, p. 65-66):
140

[...] as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e


adultos, quanto ao ensino fundamental, contêm a Base Nacional
Comum e sua Parte Diversificada que deverão integrar-se em torno
do paradigma curricular que visa estabelecer a relação entre a
Educação Fundamental com a Vida cidadã, com as Áreas de
Conhecimento, segundo o Parecer CEB nº 04/98 e Res. CEB nº
02/98.

Desse modo, percebemos, tanto na fala de Clara quanto nas orientações


legais, a indicação do trabalho, na continuidade do processo de alfabetização, com
as diversas áreas de conhecimento, ênfase específica do ensino fundamental com
jovens e adultos. Nesse sentido, concordamos com Cagliari (1998), ao destacar a
importância na formação de professores educadores, como prefere chamar, de uma
formação sólida, consistente, envolvendo conhecimentos do campo da linguística,
da pedagogia e da psicologia. Para esse autor, é necessário e urgente desenvolver
processos formativos tecnicamente competentes, do contrário, não conseguiremos
melhorar a qualidade do ensino na educação de forma geral. De acordo com Cagliari
(1998, p. 34),

[...] a competência técnica do professor alfabetizador se apoia em


sólidos e profundos conhecimentos de linguística e dos sistemas de
escrita (de matemática e de ciências inclusive...). Esses
conhecimentos, aliados aos de pedagogia e psicologia, fazem dele
um profissional que sabe exatamente o que faz e por que faz de um
jeito e não de outro.

Cagliari (1998) defende uma formação competente tecnicamente, o que não


retira a dimensão política da prática educativa, reafirmando a necessidade no Brasil
de mudanças profundas no campo da alfabetização, especialmente, pois, como diz
Moura (2004, p. 121), não podemos continuar tendo como consequência “[...]
alfabetizadores com débil formação teórica, alfabetizadores que leem pouco,
escrevem menos ainda, defendem uma concepção mecânica de alfabetização e
apresentam sérias dificuldades conceituais [...]”. Em outras palavras, podemos dizer
que necessitamos, na EJA, de uma profissionalização docente que incorpore
conhecimentos, habilidades e competências profissionais articuladas aos diversos
campos de saber de que precisa um profissional para atuar nessa modalidade
educacional.
141

5.3 SABERES SOBRE O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Cagliari (1998) distingue ensino e aprendizagem como dois processos,


embora interligados, de natureza diferente. O primeiro é um ato coletivo, é uma
prática coletiva; o segundo é uma ação individual, pois ninguém pode aprender por
ninguém. “A aprendizagem é sempre um processo construtivo na mente e nas ações
do indivíduo” (CAGLIARI, 1998, p. 37). Nesse contexto, precisamos ter clareza de
que nem sempre o que ensinamos será aprendido pelo outro, pois a internalização
(VYGOTSKY, 2007) do conhecimento, mesmo tendo como ponto de partida o
âmbito social, coletivo, é uma construção individual, inerente ao sujeito aprendente.
Ensinar, em Freire (1996), remete ao sentido de produção coletiva do saber.
Para ele, “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). Ensinar e
aprender são processos diferentes, como dissemos, exigindo assim uma
consciência crítica de quem aprende e de quem ensina, pois “quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25). Na teoria da
ação dialógica, não há lugar para discursos ocos, vazios, despolitizados. Há, sim,
momentos de escuta, de construções coletivas e individuais que se produzem e se
ressignificam na realidade social e educacional em sua dimensão de inteireza, de
totalidade.
Esse exercício epistemológico, ético, estético e político de ensinar e de
aprender, conforme Freire (1996), possibilita aos sujeitos envolvidos a produção de
um autoconhecimento, de uma autocrítica, e, ao mesmo tempo, o reconhecimento
de saberes inerentes à prática educativa. Nesse sentido, na continuidade dessa
tese, identificamos saberes envolvidos no processo de ensinar e de aprender,
entendendo-os como um dos saberes necessários à docência na EJA. A seguir,
passamos a descrevê-los e analisá-los no contexto de diálogo com os partícipes do
estudo.
No âmbito dos saberes sobre ensinar e aprender, os partícipes falaram
acerca de características do aprender das diferentes fases do desenvolvimento, dos
elementos da(s) cultura(s) escolar(es), dos saberes da vida e sua relação com
142

saberes escolares, das relações socioafetivas e da dinâmica cotidiana da sala de


aula. Tais saberes são os pontos a respeito dos quais nos debruçamos a seguir.

5.3.1 Saberes sobre características do aprender das diferentes fases do


desenvolvimento

Conhecer as características do aprender das diferentes fases do


desenvolvimento, saber necessário para a docência na EJA, é um dos saberes da
formação profissional. Esses saberes dizem respeito ao “[...] conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores” (TARDIF, 2005, p. 36).
Aqui, as ciências da educação são responsáveis pela apresentação de conceitos,
bem como pela socialização de conhecimentos necessários ao exercício da
profissão no âmbito das universidades e de outras instâncias formativas.
Na visão dos partícipes, conhecer interesses e necessidades dos educandos
é uma exigência do processo de ensino-aprendizagem, como observamos nos
discursos a seguir e afirmamos anteriormente ao discutir o processo de organização
curricular e de desenvolvimento da rede temática:

Thaís: Estudar um pouco sobre os interesses das diferentes idades,


porque na EJA a gente trabalha com adolescentes, com jovens, com
adultos e idosos. Eu acho que o interesse de cada um é diferente; às
vezes, há determinados assuntos que a gente começa a discutir e há
jovens que não interagem por conta do interesse ou muitos idosos
acabam se escandalizando por estarem presos às raízes, questão de
tabu, de preconceitos. Por isso, às vezes, essa diferença de idade é
importante que saibamos suas características. Só em se relacionar
de maneira diferente da criança já é importante. A questão do
respeito a essas diferenças, tentando aproximar o máximo um do
outro, porque a gente sabe que na sociedade o adolescente não vive
isolado do idoso, o idoso não vive isolado dos jovens ou do adulto. É
tentar aproximar o máximo, mostrando para eles a importância de
viverem juntos e conhecendo as diferenças e respeitando também.
(EC-P03, 18 jun. 2008).

No discurso de Thaís, observamos uma necessidade formativa em torno de


aprender a lidar com as características dos diferentes sujeitos que estão em sala de
aula, aprendendo a ler e a escrever. Ao mesmo tempo em que reconhece as
diferenças do ponto de vista de aprendizagens, de interesses e de necessidades,
Thaís tem a consciência de que não podemos isolar as pessoas para aprender a ler
143

e escrever, pois elas podem, em um mesmo espaço formativo, desenvolver


experiências capazes de potencializar aprendizagens para os diferentes sujeitos, de
maneira acolhedora e respeitosa.
Clara, por sua vez, associa as características do aprender dos jovens e
adultos a algo lento ou rápido: “o idoso é lento” e “o jovem é rápido”: “[…] Porque a
gente vê a questão, por exemplo, quando se deparam idosos e jovens. O jovem é
muito rápido e o idoso é muito lento […]” (EC-P03, 18 jun. 2008). Percebemos a
ausência, nesse discurso, de um conhecimento científico em torno de como
acontecem os diferentes ritmos e tempos de aprendizagem dos educandos. A
compreensão dessa temática, certamente, poderia esclarecer e superar rótulos
destinados a essas pessoas ao serem chamadas de rápidas ou lentas.
Glenda apresenta sua percepção sobre os educandos dizendo que são
pessoas mais objetivas, “mais determinadas, que não vêm para brincar”.

Glenda: […] pessoas mais determinadas, que já têm objetivo, que


não vêm, a maioria, para brincar. É como se ele valorizasse mais o
professor, como se o professor fizesse o trabalho mais importante,
fosse uma coisa mais séria. Eu acho que, para mim, como
profissional, é uma coisa boa saber que tem uma turma que acredita
em mim, que acredita no meu trabalho, que se sente satisfeita e que
eu posso contribuir. Eu acho que é uma experiência muito boa: o
reconhecimento dos jovens e adultos para com o professor eu acho
estimulante. (EC-P03, 18 jun. 2008).

Observamos, no discurso de Glenda, uma clareza dos jovens e adultos ao


voltar a estudar, desejando, sobretudo, aprender o necessário para avançar nos
seus conhecimentos. Há, ainda, uma confiança destinada ao trabalho da professora,
o que a motiva a assumir, de forma responsável, o seu compromisso com o grupo.
Em uma das notas de campo (NC 20, 16 set. 2008) elaboradas por Reinaldo,
percebemos que os interesses e as necessidades de jovens e adultos variam entre:

 “ter mais conhecimento”, significando aprender a ler e a escrever de forma


qualificada, o que inclui, para os educandos, produzir textos e lê-los sem
apoio de outra pessoa, ampliando sua autonomia;
 “aprender a se comunicar melhor”, “não falar as palavras erradas”;
144

 “aprender um futuro”, “encontrando um lugar no mercado de trabalho”, para


poder melhorar de vida, acreditando-se no potencial de ascensão social da
escola;
 concluir o ensino fundamental e médio para ter acesso a outros espaços
educativos, como, por exemplo, a universidade: “o sonho de cada um de nós
é, quem sabe, cursar uma faculdade”.

Os interesses e as necessidades, como percebemos na nota de campo de


Reinaldo, dizem respeito a conhecer os próprios educandos, com suas
características, suas diferenças, suas peculiaridades, seus anseios e seus sonhos.
Para Oliveira (2004), diferentemente de crianças, de adolescentes e de
jovens, em geral, as pessoas adultas, no contexto da EJA, estão inseridas no mundo
do trabalho e mantêm relações interpessoais de modos distintos em relação aos
outros sujeitos. Baseando-se na teoria histórico-cultural, a autora enfatiza que os
processos de aprendizagens das pessoas adultas ainda são campos férteis para
pesquisas e estudos, face ao fato de que adultos de determinado nível de formação
cultural e social apresentam o desenvolvimento de processos cognitivos também
diferentes em relação a outras pessoas. “A principal modalidade de inserção da
pessoa adulta na cultura é o trabalho e essa seria a categoria fundamental de
análise no processo de construção de uma psicologia do adulto”. (OLIVEIRA, 2004,
p. 223).
A autora apresenta algumas características orientadoras do pensamento das
pessoas adultas em processo de escolarização, a saber: a) “pensamento referido
ao contexto da experiência pessoal imediata”; b) “dificuldade de utilização de
estratégia de planejamento e controle da própria atividade cognitiva”; e c) “pouca
utilização de procedimentos metacognitivos”. (OLIVEIRA, 2004, p. 224). Na
abordagem dessa autora, percebemos a escola como uma instância fundamental no
processo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo das pessoas adultas. A
instituição escolar pode promover exercícios de reflexão, de teorização e de
articulação de outras estruturas cognitivas para potencializar ações e práticas em
torno de novas aprendizagens na vida dos educandos.
145

5.3.2 Saberes sobre elementos da(s) cultura(s) escolar(es)

Em fragmentos da entrevista coletiva, percebemos indícios da(s) cultura(s)


escolar(es) vivida(s) pelos educandos e reproduzida em muitas falas e práticas em
sala de aula. A esse respeito, os partícipes afirmam:

Thaís: […] há alunos que, se não escrever, para eles, isso não é
aula. Eles querem aprender coisas que não aprendem em casa. Não
querem brincar, por exemplo. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Glenda: Eles fazem questão de mostrar o caderno, que corrija, que


dê o visto. E quando você vai fazer uma aula diferente, uma palestra,
você tem vários problemas porque para muitos deles não é aula. Ou
é porque não está querendo dar aula. E com o adulto não é diferente:
ele também quer ter um suporte, quer ter um livro, “meu livro”, é o
livro da EJA. Ele quer alguma coisa, uma identidade, mas não tem.
(EC-P02, 17 jun. 2008).

Reinaldo: Eles veem a escola como a porta para o futuro; querem


aprender nela a ler e a escrever; outros desejam fazer uma
faculdade; outros não querem que a sua história seja repetida pelos
filhos. (EC-P02, 17 jun. 2008).

Clara: A escola é a possibilidade de mudar de vida para muitos


deles. Para outros, a educação é uma forma de socialização com
colegas, amigos (os mais velhos, diria). (EC-P02, 17 jun. 2008).

Nos depoimentos, há uma responsabilização da escola pelo que os alunos


poderão tornar-se no futuro. Mantém-se um imaginário de escola como “salvadora”,
como “redentora”. De outro modo, é mister ressaltar as perspectivas atribuídas à
escola no processo de mudança de vida do próprio educando. Eles veem a
educação como possibilidade de transformação, embora saibamos que ela pode
também não ser transformadora. Há um destaque para aprender na escola aquilo
que não se aprende na vida concreta, no dia a dia. Nesse viés, retomamos aqui a
potencialidade da instituição escolar na vida dos educandos, mesmo sabendo que
em outros espaços sociais também aprendemos a construir sonhos e a realizar
outras ações. Discutindo cultura escolar e imaginário, Monteiro (2005, p. 142) afirma:
146

Cada instituição é única, cada sala de aula se compõe de modo


diferenciado, cada microgrupo é inédito e cada pessoa que ali
desenha a cena, quer seja situando-se em seu centro ou em suas
margens, emoldura o cotidiano escolar imprimindo-lhe um novo matiz
num jogo de luzes e sombras.

O que os partícipes revelam sobre educação, escola e professor diz respeito


às suas vivências em relação direta com os educandos, tendo a ver também com
suas trajetórias pessoais e profissionais, suas possibilidades de diálogos em sala de
aula e suas construções e vivências externas à escola.
Para Monteiro (2005, p. 150),

Uma outra mentalidade prometeicamente mítica teme o fracasso


escolar e espera da escola os ensinamentos tradicionais que lhe
possibilitem a ascensão profissional e a realização de sonhos de
consumo ao lado da família biológica. Se para os primeiros o
presenteísmo do “aqui-agora” é expressão do desejo da vida
orgiástica que afronta o medo da morte, fazendo a escola
representar um espaço da solidaridade, da sociabilidade, do lúdico,
do prazer, da comunhão entre pares e do estabelecimento dos afetos
ordenados e desordenados não consanguíneos, para os outros a
escola é o espaço sagrado da conquista ao paraíso, ela implica
sofrimentos, madrugadas de estudo, conquista de uma profissão que
os libertem do estigma da pobreza, da falta de conhecimento e da
exclusão social.

Nos discursos anteriores, percebemos um destaque ao entendimento de que


na escola não podemos brincar, já que é vista como um lugar sério, de silêncio,
lugar de aprender, de estudar. Brincar, indubitavelmente, não é irrelevante no
processo de ensino-aprendizagem na EJA; o que não é aceitável é realizar
atividades infantis, transformando jovens e adultos em crianças ou adolescentes.
Ribeiro (1999a), referindo-se à dimensão da funcionalidade das aprendizagens dos
educandos trabalhadores, afirma que, em geral, buscam-se respostas para
necessidades de aprendizagens características da idade adulta e da condição de
trabalhadores. Embora a escola não possa vincular-se diretamente ao mercado de
trabalho, ela não pode negligenciar tal realidade na vida dos estudantes,
especialmente no contexto da EJA. Nesse sentido, a escola tende a fazer
aproximações entre formação geral e formação profissional, na tentativa de
potencializar uma melhor qualidade de vida, desenvolvendo ações de cidadania e
147

contribuindo para o aperfeiçoamento nas relações de convivência social e familiar


(RIBEIRO, 1999a).
Em muitas salas de aula nessa modalidade, os alunos solicitam dos docentes
a realização de atividades didático-pedagógicas seguindo ainda um sentido
tradicional de alfabetização: ler, escrever e contar. Há, como percebemos, uma
cultura da escola – ou culturas, como prefere Monteiro (2005) – pela qual muitos
dos educandos já passaram, cristalizada(s) no seu imaginário e nas suas
representações.
Diante do exposto, acreditamos que conhecer as trajetórias de vida, os
processos de trabalho dos educandos e as suas atividades na comunidade são
fundamentais para pensar as ações educativas, no sentido de ressignificar suas
representações sobre escola, educação e o próprio processo de ensino-
aprendizagem em sala de aula.

5.3.3 Articulação entre saberes da vida e saberes escolares

Um outro saber explicitado pelos partícipes diz respeito à articulação dos


conhecimentos frutos das experiências de vida e de outros contextos dos educandos
com as possibilidades de temáticas, conteúdos e conceitos a serem trabalhados na
sala de aula. O profissional da EJA, nesse contexto, precisa estar atento para
múltiplas possibilidades de construções entre os saberes vividos e necessários no
cotidiano dos educandos e os conhecimentos escolares. Os discursos a seguir
revelam o que afirmamos:

Clara: [...] eu acredito na interligação dos conteúdos, porque eles


trazem uma bagagem. Assim, vida mais conteúdo e conteúdo versus
vida, porque não adianta você ir ao supermercado e não saber que a
máquina registradora lhe dará direito a talvez uma melhoria em sua
escola e isso aí o aluno tem que entender para que ele passe
também a cobrar da sociedade a participação que ele já está tendo.
(EC-P02, 17 jun. 2008).

Thaís: Dentre esses saberes que eu acho que são necessários para
a Educação de Jovens e Adultos, vejo essa questão de relacionar a
realidade do aluno e o conteúdo a ser trabalhado. Procurar relacionar
porque senão o aluno acaba estando na escola e vendo a escola
como algo à parte da sua vida. Eu acho que o essencial, uma das
148

questões principais seria estar associando conteúdos, o que se


trabalha em sala de aula com a vida, com a realidade dele. (SCRS,
18 nov. 2008).

Glenda: Mas eu acho que é o que Thaís falou mesmo. É estar


associando a prática à realidade do aluno. Você tem que estar
trabalhando coisas para ele que tenham significado. E não nada
solto, fora do contexto. (SCRS, 18 nov. 2008).

Esse certamente é um desafio permanente na EJA. Para interligar, relacionar


e associar, como afirmam os partícipes, esses diferentes saberes, exigem-se do
professor conhecimentos sobre os processos de organização e de desenvolvimento
da rede temática, conforme discutimos no início deste capítulo, bem como a
sensibilidade de articular os saberes escolares aos conhecimentos de mundo do
educando. São exigidos conhecimentos sobre como planejar a prática alfabetizadora
e a prática de letramento, na dimensão social da linguagem. Esse processo,
acreditamos, é essenciamente formativo, reafirmando permanentemente uma práxis
comunicante, uma Pedagogia da Esperança em seu sentido pleno, fincadas em uma
teoria da ação dialógica, buscando responder à pergunta: “Por que não estabelecer
uma necessária intimidade entre saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como indivíduos?” (FREIRE, 1996, p. 34).
Buscando esclarecer como relacionar conteúdo e vida, Reinaldo solicitou de
Thaís um exemplo.

Thaís: Se eu estou trabalhando um conteúdo, vamos voltar para a


questão do conteúdo de matemática, na vida prática deles há várias
situações que a gente pode estar trazendo: a compra e a venda no
supermercado, pois muitos trabalham com venda. Há alunos que
trabalham também como pedreiro, como ajudantes de pedreiros. Há
toda essa questão de medir terrenos, de medir paredes, saber
quantos tijolos, quantos blocos eles vão colocar, que muitas vezes
eles sabem tanto, tão bem na prática, que mentalmente eles fazem
esse cálculo e quando a gente põe no papel, às vezes, eles têm
dificuldade. Quando a gente faz essa relação, torna-se muito mais
fácil para eles. Outra questão também é a questão da leitura, da
escrita em si também. Quando a gente vai ler uma receita, a forma
da receita, o corpo do texto é diferente de uma carta, de uma música,
de um poema, da conta de água e luz. São problemas que a gente
pode estar trazendo e trabalhando com base nessa realidade. Se é
algo relacionado, vamos supor, se eu queira trabalhar corpo humano
com uma turma que não sabe ler ainda, em vez de ficar trabalhando
BA, BE, BI, BO BU, posso estar trabalhando a junção das letras com
base no contexto do corpo humano, das partes do corpo, em vez de
149

estar trazendo palavras que estão tão distantes. Eu posso estar


relacionando, fazendo essa relação. (SCRS, 18 nov. 2008).

Para Thaís, relacionar conteúdo e/ou conceitos das diferentes áreas do


conhecimento com a vida dos sujeitos (educandos) é uma das ações pedagógicas
fundamentais nessa modalidade. Sem esse saber, sem essa capacidade, na
perspectiva da colaboradora, o trabalho na EJA torna-se mais difícil e, sobretudo,
distante da vida dos educandos. Observamos, no discurso de Thaís, o
desenvolvimento de um conhecimento prático articulado ao cotidiano dos alunos, às
suas ações no entorno social, na comunidade local e em diversas situações nas
quais os conhecimentos da leitura e da escrita são exigidos na sociedade em que
vivemos. São conhecimentos sistematizados em diferentes campos do saber, tais
como: Matemática, Ciências, Linguagem, entre outros.
Para nós, a relação com e entre saberes configura-se como algo fundamental
no campo de atuação dos partícipes. O sentido de relação com o saber, como
propõe Charlot (2000), é essencial para apreender a dinâmica cotidiana da prática
alfabetizadora de pessoas jovens e adultas, uma vez que, no cotidiano da sala de
aula, estabelecemos relação com saberes e entre saberes, o que, certamente,
justifica a ênfase apresentada por Thaís no discurso anterior.
Como alerta Charlot (2000), a relação estabelecida com esse saber é um dos
aspectos mais relevantes nos estudos dos saberes. O saber é uma construção
social do sujeito do saber; é fruto de um contexto, de uma realidade histórica e
culturalmente situada. Nesse sentido, saber tem a ver com o outro, com o mundo (a
realidade), com o próprio sujeito no processo de construção de conhecimento. Para
Charlot (2000, p. 60), o sujeito do saber, no nosso caso os partícipes, “[...]
desenvolve uma atividade que lhe é própria: argumentação, verificação,
experimentação, vontade de demonstrar, provar, validar”.
Nesse sentido, ao nos apropriarmos de saberes, podemos dominar aspectos
da vida pessoal e profissional que nos possibilitarão maior segurança sobre nós
mesmos, dialogar com outros sujeitos, viver diferentes experiências, entre outras
ações. De acordo com Charlot (2000, p. 61), “[...] a ideia de saber implica a de
sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-
150

se do dogmatismo subjetivo), de relação desse sujeito com os outros (que


coconstroem, controlam, validam, partilham esse saber)”.
O saber, na perspectiva de Charlot (2000), exige a presença do sujeito da
atividade de forma ativa, crítica, contextualizando o saber no tempo e no espaço de
sua produção e na relação com o outro, que é fundamental nesse processo. O
sentido de relação, nessa abordagem, é crucial para o estudo dos saberes. “A
relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com
os outros. É relação com o mundo como conjunto de significados, mas, também,
como espaço de atividades, e se inscreve no tempo” (CHARLOT, 2000, p. 78, grifos
do autor).
No cotidiano da sala de aula, os partícipes estabelecem relações com
saberes de diferentes fontes e de natureza diversa. Em Charlot (2000), notamos
uma preocupação com o sentido do processo educativo para a vida dos sujeitos que
dele participam e no qual vivenciam parte de suas vidas. Esse é um alerta
significativo para todos os níveis e modalidades de educação, sobretudo porque
acreditamos que educação e vida fazem parte do próprio sujeito do saber.

5.3.4 Saberes sobre as relações socioafetivas

E o que dizer, mas sobretudo que esperar de mim, se, como


professor, não me acho tomado por este outro saber, o de que
preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem de
querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que
participo. Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade,
que, porque professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de
maneira igual. Significa, de fato, que afetividade não me assusta, que
não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer
bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu
compromisso com os educandos, numa prática específica do ser
humano. (FREIRE, 1996, p. 159).

No âmbito do ensinar e do aprender, outro aspecto observado e vivido no


cotidiano da sala de aula diz respeito às relações socioafetivas. A afetividade na
interação educadores e educandos parece, em muitos momentos, inerente ao
trabalho pedagógico nessa modalidade, extrapolando o próprio contexto da sala de
aula e instituindo-se em ambientes como a casa, o ônibus, a rua, o bairro, entre
outros. A esse respeito, observemos os discursos de Thaís:
151

Thaís: O objetivo que a gente atinge com o aluno vai também para o
lado pessoal; o relacionamento também é muito enriquecedor […].
(EC-P02, 17 jun. 2008).

Thaís: Na rua, no dia a dia, não há lugar para isso. As amizades que
se criam, amigas mesmo, de frequentar minha casa, de frequentar a
casa dela, que foram construídas em sala de aula. Ela como aluna e
eu como professora. Até hoje ficou esse vínculo. Nós nos tornamos
amigas de frequentar a casa, de saber de problema uma da outra,
por conta dessa interação em sala de aula. Há aluno que não quer
ser avançado por conta do professor. Não que tenha aversão ao
outro, mas o apego ao professor atual é muito grande. Eu acredito
que é emocional porque, às vezes, a gente percebe uma
insegurança muito grande no adulto. Muitas vezes, ele tem
insegurança, a autoestima dele está baixa. Ele fica com medo de ir
estudar com outro professor e aquele professor não conseguir
corresponder à sua expectativa tal qual o atual. Talvez a questão de
amizade, do afeto, da conversa. Talvez ele fique um pouco com
medo de acontecer isso. Ele também não acredita muito em si. A
credibilidade em si é pouca. (SCRD, 17 dez. 2008).

Thaís destaca características da docência na EJA, discussão já realizada em


capítulo anterior, enfatizando o aspecto da afetividade como uma alternativa,
inclusive, de acolhimento do educando em sala de aula, evitando que ele deixe de
frequentar a escola, e contribuindo ainda para a elevação da baixa autoestima.
Clara, a seguir, evidencia esse aspecto afetivo no sentido de que o educando opta
continuar com o(a) professora(a) e não em seguir o módulo, o que, certamente,
necessita ser repensado tanto pelos educandos quanto pelos profissionais atuantes.

Clara: Quando eles também se identificam com um professor, ele


quer perseguir o professor ou ele quer que o professor permaneça
com a mesma turma. Eles encontram em nós certos valores que nos
dias de hoje se encontram perdidos. E a escola tem que resgatar, por
exemplo: a) questão do laço de amizade, porque o mundo lá fora
infelizmente está deturpado; b) a questão da autoestima; e c) a
questão de perceber o adulto como gente, o idoso como gente,
porque o idoso, pois eles se sentem muito valorizados dentro da
escola. É incrível! Você percebe como os olhos brilham quando você
se dirige a eles. Isso, para nós, pelo menos para mim, é muito
valioso e eu conservo isso também em sala de aula. (EC-P02, 17 jun.
2008).

Clara: Se você observar o lado externo da escola, isso ainda será


complementado no cotidiano: dentro de um ônibus, na rua. E até
mesmo na casa, em nossa casa. É isso que a gente está colocando.
Não acaba aqui na escola, continua. E outra: quando veem em nós
um diferencial, ainda querem que o filho seja nosso aluno, ainda
152

querem que o neto seja nosso aluno, que venha para nossas mãos,
porque sabe que está deixando com alguém, nas mãos de alguém
que é humano. (SCRD, 17 dez. 2008).

Uma educação humanizadora, conforme defende Freire (1987), é central na


discussão de Clara. Esse tipo de educação possibilita trabalhar baseando-se na
diversidade cultural dos sujeitos e, ao mesmo tempo, situar no centro da prática
alfabetizadora o ser humano como sujeito pensante, estético, ético, político, cultural
e, sobretudo, como sujeito de direito.
Thaís, em seu discurso, reafirma uma relação de identificação com a EJA:
“[…] eu me identifiquei muito, gostei muito da experiência, gosto muito de trabalhar
com educação de jovens e adultos […]” (EC-P01, 16 jun. 2008). Esse mesmo
discurso é confirmado por Clara, quando diz: “Houve alguns períodos em que a
gente saiu por conta da questão de horário. Mas depois eu retomei por uma questão
de identidade” (EC-P01, 16 jun. 2008).
Essa identificação com a EJA diz respeito a uma certa dinâmica afetivo-
pedagógica que se constrói no cotidiano com os educandos. “São pessoas que
sabem o que querem”, afirmam Thaís e Clara (NC 07, 16 jun. 2008). Em estudo
realizado por Silva (2005), a categoria afetividade aparece como um dos elementos
constituidores da docência na EJA. O autor, utilizando-se de uma abordagem
autobiográfica, faz uma denúncia das condições de vida e de escolarização por que
passaram/passam os alfabetizadores nessa modalidade. Para Silva (2005, p. 16),
“[...] a utilização dos aspectos afetivos de forma intencional demonstra que a
afetividade está na base dos motivos do indivíduo”.
Na mesma perspectiva de Thaís e Clara, Glenda reafirma a importância do
vínculo entre educadores e educandos:

Glenda: Questão do vínculo. É o que faz a diferença na sala de aula


com os alunos da EJA: o vínculo. O vínculo é muito importante. O
professor cria um vínculo com o aluno. É como se passasse a fazer
parte da vida do aluno. Da mesma forma que o aluno é importante
para o professor, ele também se torna importante na vida do aluno,
por isso que há esse vínculo tão forte, aquela satisfação de ir para
escola. (EC-P02, 17 jun. 2008).
153

As relações socioafetivas, do nosso ponto de vista, estabelecem, criam e


ampliam os vínculos entre os sujeitos, bem como possibilitam diálogos horizontais e
desenvolvem um respeito mútuo na interação cotidiana, fazendo parte, desse modo,
de um viver a profissão docente. Ressaltamos, ainda, que as relações socioafetivas
não se confundem com uma perspectiva assistemática, espontaneista de
desenvolvimento da prática alfabetizadora. Elas dizem respeito, especificamente, a
uma prática orientada pelo princípio do diálogo entendido como “uma exigência
existencial” (FREIRE, 1987, p. 79), vivenciando uma docência afetivamente
implicada. Para Freire (1987), o diálogo pressupõe assumir, coletivamente, um
compromisso pela transformação; por isso, funda-se na afetividade em relação ao
outro e ao contexto que se pretende transformar, modificar. Esse, acreditamos, é um
dos princípios, em muitos momentos, orientador do pensamento dos colaboradores
neste trabalho.

5.3.5 Saberes sobre o cotidiano da sala de aula

Nenhuma prática é isenta de teoria. Não há teoria sem prática, nem prática
sem teoria (VÁZQUEZ, 1977). Entendemos a prática como um campo de
materialização e, ao mesmo tempo, de ressignificação de saberes, dialeticamente
pensados e vivenciados, visto que, como diz Freire (1982, p. 82), “[...] a consciência
crítica não se constitui através de um trabalho intelectualista, mas na práxis – ação e
reflexão”.
A práxis, que assegura uma relação teoria-prática de forma dialética, sendo
por isso contraditória, pressupõe uma relação dialogante e crítica entre os sujeitos,
possibilitando momentos em que tomemos consciência da realidade, identifiquemos
os condicionamentos a que estamos submetidos e seus determinantes para que, de
maneira objetiva, possamos atuar e transformar o cotidiano, a realidade e a nós
mesmos, assumindo a dialogicidade como princípio orientador.
A práxis, coforme diz Kosik (1976, p. 222),

[...] é determinação da existência humana como elaboração da


realidade. A práxis é ativa; é atividade que se produz historicamente
– quer dizer – se renova continuamente e se constitui praticamente –
154

unidade de homem e de mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e


objeto, do produto e da produtividade.

Nesse sentido de práxis apresentado por Kosik (1976), buscamos apreender


elementos da realidade de sala de aula vividos concretamente pela educadora e
pelos educandos. A prática cotidiana de alfabetização com jovens e adultos
desenvolve-se por meio de múltiplos saberes.
A relação com os saberes, como afirma Charlot (2000), é circunscrita e volta-
se a uma relação do sujeito com o saber, com o contexto, com o objeto de
conhecimento e com os demais sujeitos envolvidos. Nessa parte do estudo,
passamos a explicitar a dinâmica cotidiana da sala de aula de Clara, em uma
tentativa de, ao mesmo tempo, analisar as características da prática docente nessa
modalidade, considerando a relação com os saberes em seus processos
mediadores, interativos, dialógicos, construídos pela educadora no cotidiano da sala
de aula.
Referenciando-nos em observações realizadas na escola e nos diálogos
estabelecidos com os partícipes, identificamos alguns princípios orientadores da
prática pedagógica:

1. diálogo e interação na prática docente;


2. relação da prática alfabetizadora com a rede temática;
3. construção de relações socioafetivas com os educandos;
4. acompanhamento sistemático das atividades didáticas;
5. realização de atividades multidisciplinares e interdisciplinaridade;
6. conhecimento dos diferentes estágios de aprendizagem das pessoas jovens e
adultas;
7. problematização da realidade, buscando construir uma leitura crítica sobre as
problemáticas cotidianas da comunidade e do país;
8. incentivo à participação no próprio bairro: importância de solicitar o cupom
fiscal nas compras realizadas, cobranças de direitos ao gestor local,
conhecimento de direitos e deveres.
155

Dos princípios apresentados, entendemos que o segundo e os três últimos


dizem respeito a características específicas da prática docente com jovens e
adultos. Os jovens e adultos apresentam, em geral, maior interesse de participar de
atividades pedagógicas mais próximas das suas necessidades e dos seus
interesses.
Constatamos ainda, nos princípios, uma contribuição do pensamento político-
pedagógico de Paulo Freire. Esse autor foi apresentado, em muitos dos diálogos
com os partícipes, como referência primeira na abordagem tanto dos processos
formativos quanto dos processos de organização do ensino-aprendizagem. Assim,
esses princípios referendam-se em uma educação compreendida como prática da
liberdade (FREIRE, 1983). Não é uma educação doada a quem não sabe ler ou
escrever, nem tão pouco depositada na cabeça de alguém. É, sobretudo, uma
educação que se constrói com os sujeitos, educandos e educadores, reconhecendo
assim as trajetórias, as histórias e as memórias das pessoas. Esses princípios
reafirmam, sobretudo, uma Pedagogia do Oprimido (1987), utilizando-nos da
expressão de Paulo Freire, sendo então feita, refeita e em construção com as
pessoas; elaborada por elas em diálogo com outros sujeitos com experiências
diferentes.
A título de exemplificação, apresentamos a seguir partes de uma nota de
campo sistematizada por Reinado, na qual aparecem alguns dos princípios citados
anteriormente:

Reinaldo: No início da aula, Clara apresentou e distribuiu uma


cartilha, intitulada Organização rural: transformando projetos em
realidade. Foi feita uma leitura individual desta cartilha pelos
estudantes. Percebi que eles adoraram ter o material em mãos,
colorido, com figuras e com textos que eles podiam ler e
compreender o que estava escrito. Em atividade anterior, Clara
relatou para mim que buscou introduzir porcentagem, a partir do
trabalho com mapas do Brasil (dividiu o país em regiões, fez
colagens com material de revista que eu havia levado para a escola).
Continuando a aula, Clara distribuiu um texto chamado “Analfabeto
político”.
- Do que o texto fala? Perguntou Clara.
- De melhorar, respondeu o estudante.
- Melhorar o quê? Peguntou a professora.
- Existe a importância do meu povo; a gente que vai sofrer se as
coisas não melhorarem. Eu sou analfabeto político, reflete o
estudante.
156

Assustada, indaga Clara: O quê? Fale aqui para ela o que é


analfabeto político para ver se ela vai continuar com a mesma ideia.
E depois de ganharem, a gente tem de fazer o quê?
Um dos estudantes aproveitou para dar exemplo de que há uma
cidade na qual os moradores (todo mês) vão para a prefeitura,
querendo saber o que o prefeito fez com o dinheiro público. A
professora fala que a escola, em 2007, teve a sua primeira reforma,
depois de dezoito anos. Segundo ela, prometeram armários,
cadeiras, quadro novo, mas até hoje nada apareceu.
A reforma só aconteceu porque os pais participaram, diz a
professora. Os pais reclamaram, ou seja, vocês participaram. A pia
para lavar as mãos foi colocada esse ano. O espaço para fazer xixi
foi colocado agora também.
Utilizando outro exemplo, a professora falou sobre a nossa
obrigação, no próprio bairro ao comprar alguma coisa, de exigir nota
fiscal, pois os impostos que pagamos devem retornar em forma de
obras para toda a comunidade. Um estudante fala que, infelizmente,
o prefeito só faz para ricos. Para pobre, nada. Por isso, pobre precisa
abrir a boca.
- No bairro a gente morre à míngua, diz estudante.
- Precisamos de um hospital, afirma outra estudante.
- Estão vendo como precisamos participar? Esclarece Clara. Ou
sorrindo ou chorando a gente precisa participar [risos]. Vigarista é
aquele que compra um voto, que troca por dentadura.
- Se o povo deixar de ser besta, os políticos corruptos vão deixar de
existir. Governante não tem obrigação de fazer favor para ninguém.
Ele tem de fazer benefício para todos da cidade: segurança, saúde,
educação, esclarece estudante.
Observei, nesse período de discussão sobre eleições na cidade, que,
na escola, foi feito um mural com “santinhos” de dezenas de
candidatos a vereadores. Após diálogo sobre as questões políticas,
sobre cidadania, a professora solicita que os estudantes peguem a
cartilha, indicando que a próxima atividade será sobre porcentagem.
Referindo-se ao livro distribuído no início da aula, estudante reflete:
Esse livro ensina até a unir, a trabalhar com o colega; dá direção
para a gente. Eu gostei mesmo desse livro.
- Vocês estão informados quanto ao preço das coisas? Pergunta
Clara. Abram aí no café. Uma saca são 60 quilos, se fizermos um
gráfico para identificar quanto eles ganham, como seria? Se a saca
custa R$ 50,00, quanto passou a ganhar com os 80% a mais?
Depois de dialogar com a turma, chegaram à conclusão seguinte: a
saca de café passou a custar R$ 90,00; assim, eles passaram a
ganhar R$ 40,00 a mais. (NC 21, 30 set. 2008).

Dessa descrição, podemos ainda apreender uma rotina pedagógica


orientadora da prática docente desenvolvida pela educadora, buscando garantir
diálogos e interações entre os sujeitos por meio de um acompanhamento
sistemático junto aos educandos na tentativa de esclarecer e contribuir com a
superação de dificuldades de entendimento das atividades solicitadas. Identificamos,
157

nessa nota de campo, elementos caracterizadores de uma rotina pedagógica, quais


sejam:

 distribuição de material para leitura – cartilha sobre organização rural;


 realização de leitura individual pelos educandos;
 distribuição de texto “Analfabeto político”;
 diálogo sobre o texto distribuído;
 realização de atividade sobre porcentagem (situação-problema), baseando-se
na cartilha sobre organização rural;
 realização de atividades envolvendo compreensão e interpretação crítica do
texto e sua relação com a realidade social;
 atividade no caderno: escrita de cabeçalho e perguntas sobre o tema da aula
para que sejam respondidas pelos educandos.

Sem especificar todos os momentos de observações realizadas, podemos


afirmar que, em geral, as seguintes atividades são caracterizadoras de uma rotina
pedagógica da sala de aula de Clara:

 Das 19h às 19h15min: educandos merendam na sala de aula. Esse é um


momento em que os alunos lancham antes de iniciar a aula e, ao mesmo
tempo, um espaço de socialização de conversas informais sobre o dia a dia
dos educandos, envolvendo informações a respeito da família, da
comunidade, fatos ocorridos no bairro, entre outras.
 Das 19h15min às 22h: desenvolvimento da prática alfabetizadora. Nesse
contexto, percebemos momentos como:
a) retomada da atividade da aula anterior, buscando, coletivamente, realizar a
análise de exercícios;
b) introdução do tema do dia por meio de várias estratégias: b1) perguntas para
os estudantes responderem; b2) leitura individual de texto; b3) formação de
grupo para discutir a temática;
158

c) atividade de escrita no caderno: a educadora escreve no quadro de giz o


cabeçalho e perguntas ou situações-problema sobre o tema da aula para que
sejam respondidas pelos educandos, articulando com a rede temática;
d) acompanhamento personalizado dos alunos, buscando esclarecer dúvidas e
contribuindo com a resolução das questões apresentadas ou, ainda, tentando
dialogar com aqueles que menos participaram do debate;
e) realização de atividades envolvendo ações como: ler, escrever, falar e ouvir;
f) realização de atividades envolvendo compreensão e interpretação crítica do
texto e sua relação com a realidade de vida dos educandos.

A sequência didático-pedagógica não é invariável, uma vez que a prática, no


contexto da ação, jamais se repete. Os elementos caracterizadores da prática
alimentam a teoria, que contribui para reelaborar a prática. As estratégias
desenvolvidas pela educadora modificam-se conforme o contexto, o tema a ser
aboradado e as falas dos educandos.
Observamos nos diversos momentos em que estivemos na escola, além de
rotinas, situações de rupturas pedagógicas (SOUZA, 2008), de transgressões da
prática anteriormente pensada e planejada para determinada aula. Identificamos a
utilização de diferentes dispositivos e sequências didáticas pela educadora. Para
Perrenoud (2000, p. 33), “noções de dispositivo e de sequência didáticas chamam a
atenção para o fato de que uma situação de aprendizagem não ocorre ao acaso e é
engendrada por um dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa a ser
realizada, um projeto a fazer, um problema a resolver”. Desse modo, a organização
e reorganização das situações de aprendizagem foram, paulatinamente, sendo
ressignificadas pela colaboradora na medida em que desenvolvia suas práticas,
buscando sempre promover momentos em que os educandos pensassem mais
sobre o objeto em estudo, tornando-se mais curiosos acerca deste.
A mediação, a interação e o diálogo acontecem de variadas formas e por
meio de diferentes estratégias pedagógicas, dentre as quais citamos: perguntas,
orientações individuais realizadas pela educadora, diálogos entre os educandos,
trabalhos em grupo, leituras individuais de textos etc. Não existe uma única forma de
desenvolvimento da prática docente. Podemos afirmar que essa é uma prática
159

circunscrita, orientada pela concepção pedagógica da educadora e do Programa


Reaja, tendo como referência o diálogo coletivo estabelecido no planejamento
realizado com o grupo de profissionais da instituição.
No campo da docência, em qualquer modalidade e nível educacional,
carregamos sempre, afirma Tardif e Lessard (2007), campos de imprevisibilidades,
de incertezas, de indeterminações, por isso é necessário estar sempre atento para
as possibilidades (e os limites) que poderão ser construídas na relação direta com
os sujeitos e com o contexto de produção de discursos, de práticas e de
experiências pedagógicas. Segundo os autores, “nunca se pode controlar
perfeitamente uma classe na medida em que a interação em andamento com os
alunos é portadora de acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela
mesma” (TARDIF; LESSARD, 2007, p. 43). Se temos essa certeza acerca dos
saberes em torno do cotidiano da sala de aula, isso não retira alguns campos
previsíveis como: a) o que ensinar (conteúdos, conceitos, temas); b) o porquê
ensinar determinado conteúdo; c) as estratégias de desenvolvimento da aula; d) a
perspectiva de avaliação da aprendizagem; e) os materiais didático-pedagógicos a
serem utilizados, entre outros.
Ainda sobre os saberes do cotidiano da sala de aula, destacamos que estão
situados em uma realidade concreta, em uma interação com o contexto educacional
e social mais amplo, abrangendo saberes marcados pela história/trajetória de vida
dos sujeitos; saberes frutos de reflexões sobre o ato de ensinar e de aprender;
saberes que carregam em si uma preocupação central, qual seja: tornar possível
que pessoas jovens, adultas e idosas possam aprender saberes voltados à própria
vida social e individual (FREIRE, 1996). Assim, o contexto de produção dos saberes,
em nosso ponto de vista, não pode abandonar os saberes frutos de pesquisas
acadêmicas nem aqueles oriundos de experiências pedagógicas dos profissionais
da educação básica. Concordamos com Gauthier et al. (2006, p. 300) ao dizerem
que “os resultados das pesquisas não podem determinar a ação a ser empreendida
[…]” na prática profissional docente, mas certamente poderão colaborar para “[…]
informar o professor, levá-lo a refletir sobre o que acontece e sobre o que ele
poderia fazer, talvez até transformar suas crenças e a natureza de seu raciocínio
prático”.
160

A relação com e entre saberes passa necessariamente pelo âmbito das


práticas pedagógicas, manifestando-se em ação, na situacionalidade humana. Esse
é um campo, não temos dúvida, de muitas complexidades que incluem (in)certezas,
valores, crenças, pensamentos, modos de agir e de pensar o saber e o fazer
docentes em (inter)ação com os sujeitos e com os contextos, com base em
diferentes perspectivas tanto teóricas quanto práticas.
Ao discutirmos sobre os saberes necessários para a docência na EJA, há três
que são destacados pelos partícipes. O primeiro deles diz respeito aos saberes
voltados à organização e ao desenvolvimento da rede temática, forma de
organização curricular utilizada na rede municipal de ensino nos anos iniciais do
ensino fundamental. Para isso, os partícipes realizam ações como: a) elaboração e
aplicação de questionário, objetivando diagnosticar a realidade dos educandos;
b) sistematização das falas significativas e definição do tema gerador; c) definição
de subtemas e de aspectos decorrentes (temas oriundos das falas significativas);
d) definição de aspectos mediadores; e) organização do planejamento didático-
pedagógico. Articulados a esse processo, aparecem ainda outros saberes voltados
às seguintes áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,
Geografia, História, os quais estão associados aos conhecimentos historicamente
acumulados pela humanidade, necessitando serem apreendidos pelos educandos
no processo de alfabetização no contexto dos anos iniciais do ensino fundamental.
Os partícipes desenvolvem, ainda, conhecimentos voltados aos saberes didático-
pedagógicos, implementados por meio de princípios como a formação política e o
desenvolvimento de práticas multidisciplinares e interdisciplinares, priorizando
interesses e necessidades dos educandos. Nesse sentido, compreendemos como
uma das competências profissionais dos partícipes o domínio técnico-científico de
construção da rede temática.
O segundo saber necessário para a docência refere-se àqueles voltados ao
conhecimento acerca da alfabetização. Nesse saber, destacam-se o
desconhecimento da especificidade da alfabetização, a dificuldade em conceituar
alfabetização e letramento, bem como as implicações desses entendimentos nas
práticas pedagógicas desenvolvidas. Evidencia-se ainda a incompreensão, pelos
partícipes, do que significa aquisição e desenvolvimento da língua (escrita e oral).
161

Um terceiro saber destacado pelos partícipes está voltado ao processo de


ensino-aprendizagem. Nesse saber, destacam-se as características do aprender das
diferentes fases do desenvolvimento, a cultura escolar, a relação entre vida e prática
pedagógica, as relações socioafetivas entre educadores e educandos e o
conhecimento do cotidiano da sala de aula. O Quadro 10 apresenta uma síntese
dos referidos saberes.

QUADRO 10
Saberes necessários para a docência na EJA

Organização e
desenvolvimento da rede Alfabetização Processo de ensino-
temática aprendizagem
• Elaboração e aplicação de
questionário, objetivando • Características do
diagnosticar a realidade • Especificidade da aprender das diferentes
dos educandos. alfabetização. fases do
• Sistematização de todas as desenvolvimento.
falas significativas e • Conceituações de
definição do tema gerador. alfabetização e • Elementos da(s) cultura(s)
letramento. escolar(es).
• Definição de subtemas e
de aspectos decorrentes. • Aquisição e • Articulação entre saberes
• Definição de aspectos desenvolvimento da da vida e saberes
mediadores. língua (oral e escrita). escolares.
• Organização do
planejamento didático- • Implicações para o • Relações socioafetivas.
pedagógico. processo de
• Domínio de saberes das alfabetização.
diferentes áreas de • Cotidiano da sala de aula.
conhecimento.
• Domínio de saberes
didático-pedagógicos.
• Formação política.
• Práticas multidisciplinares e
interdisciplinares.
• Interesses e necessidades
dos educandos.

Fonte: Pesquisa do autor, 2008.

Como percebemos, o ensinar e o aprender envolvem diversos saberes. Na


EJA, observamos algumas características específicas desses saberes, conforme
descrevemos e analisamos anteriormente. Nossa intenção não é esgotar todas as
162

possibilidades de saberes necessários à docência. Referendados na experiência de


implementação da EJA na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista,
buscamos, a partir desse contexto e do diálogo com partícipes da EMSL, identificar
e analisar saberes necessários para a docência na EJA.
163

6 PARA CONTINUAR ANDANDO... OU CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, objetivamos analisar os saberes necessários para a docência


na EJA nos anos iniciais do ensino fundamental. A questão central orientadora do
estudo foi: que saberes são necessários para o profissional atuar nos anos iniciais
do ensino fundamental com jovens e adultos? Partimos do pressuposto de que a
identificação e a análise dos saberes para a docência podem colaborar com
discussões e proposições no âmbito da profissionalização docente nessa
modalidade. Dialogando com quatro partícipes, um deles o autor da presente tese,
desenvolvemos uma pesquisa de natureza qualitativa por meio da abordagem
colaborativa.
As análises sistematizadas sobre os saberes docentes apontam que várias
características, motivações e experiências orientaram o movimento intersubjetivo e
intrassubjetivo para que cada partícipe pudesse se tornar professor na EJA. O
(re)conhecimento de sua trajetória de vida e de formação é um desses saberes
necessários à constituição da docência. Nesse sentido, acreditamos que, quanto
maior for o nível de conhecimento de si (SOUZA, 2006), maiores possibilidades de
ressignificar a prática pedagógica terá o profissional nessa modalidade. Assim,
podemos afirmar que ensinar exige reflexão crítica sobre o percurso de vida
pessoal-profissional, em um processo permanente de teorização a respeito de
diferentes experiências (formais, não-formais, informais), pois estas podem ser
determinantes para o fazer pedagógico profissional, envolvendo conhecimentos da
experiência e profissionais.
Em outros termos, poderíamos, apoiando-nos em Josso (2004), assegurar o
estudo das histórias de vida dos sujeitos como uma das centralidades do processo
formativo, situando-o no contexto da produção de conhecimentos e da própria
formação, em um percurso de internalização de conhecimentos, práticas, valores
(VYGOTSKY, 2007) e de (re)construção colaborativa de diferentes aprendizagens.
Os saberes prévios – (re)conhecimento de sua trajetória de vida e de
formação –, se bem teorizados e criticamente compreendidos, colaborarão para a
ampliação dos conhecimentos dos sujeitos no que se refere, por exemplo, aos
conceitos e às práticas de alfabetização, de letramento e de docência na EJA. Esses
164

conceitos, como vimos nos capítulos precedentes, ainda são compreendidos de


forma cotidiana com muitas incompletudes e inconsistências teórica e metodológica
pelo grupo de partícipes.
Outro saber necessário para a docência diz respeito ao conhecimento acerca
da política educacional desenvolvida na rede municipal de ensino e de suas
especificidades. A experiência em EJA, na escola investigada, apresenta ainda
muitas dificuldades na sua implementação. Há discursos que, partindo de lugares e
de sujeitos diferentes (SMED, escola, estudantes, professores e equipe gestora, por
exemplo), contradizem-se e se negam na implementação da política de EJA. Os
significados atribuídos(BAKHTIN, 2003; 1997) aos saberes orientadores dessa
experiência, por isso mesmo, são de fontes e de natureza diversas. As contradições
persistem entre desenvolver o currículo, a avaliação, a formação continuada e o
planejamento didático-pedagógico sem as condições concretas, sem espaços e
tempos melhores e qualificados para o trabalho docente. Conhecer com
profundidade a política de EJA da rede municipal de ensino pode ser um dos temas,
inclusive, da formação continuada dos profissionais que desenvolvem
cotidianamente as práticas pedagógicas nas escolas. Nesse contexto, necessita-se
discutir, por exemplo, como desenvolver um currículo em rede, focalizando a
experiência de construção e de desenvolvimento da rede temática.
Outro aspecto destacado neste estudo diz respeito às diferentes concepções
de avaliação da aprendizagem, desenvolvidas na escola e na prática de sala de
aula. São concepções ora voltadas à retenção do educando no mesmo módulo, ora
pensadas em uma perspectiva contínua, sem reprovação. Especificamente na
segunda proposta, torna-se urgente a definição de uma infraestrutura pedagógica e
material no interior da escola capaz de possibilitar o avanço na aprendizagem dos
jovens e adultos, contribuindo para a superação de suas dificuldades de
aprendizagem, se não quisermos continuar com educandos que concluem o quarto
módulo, mas pouco escrevem e pouco leem.
O tempo para estudo e para planejamento didático-pedagógico é outro
aspecto necessário no redimensionamento da política municipal que precisa ser
seriamente repensado. Afinal, não podemos melhorar a prática profissional e,
consequentemente, a aprendizagem dos jovens e adultos, sem uma formação
165

consistente e continuada dos profissinais atuantes. Uma das centralidades desse


processo formativo, indubitavelmente, refere-se às práticas pedagógicas dos
profissionais, as quais são tranformadas em objeto de estudo no trabalho de
formar-se permanentemente. O contexto da escola seria o lócus específico de
formação, sem necessariamente desconsiderar outros espaços formativos. No
acompanhamento desse processo, a coordenação pedagógica da escola seria a
principal referência de interlocução, uma espécie de mediadora da formação
continuada, assegurando a produção do saber como temática principal do grupo.
Outros saberes evidenciaram-se na pesquisa como fundamentais para a
docência na EJA, quais sejam: a) conhecimentos sobre o processo de organização e
de desenvolvimento da rede temática; b) conhecimentos sobre alfabetização e sua
especificidade; c) conhecimentos sobre o processo de ensino-aprendizagem de
forma geral. No primeiro saber, referente à orientação da rede temática, os
profissionais envolvidos precisam se apropriar de todas as etapas de construção da
rede, desde o momento em que pensam as perguntas orientadoras do diálogo inicial
com os educandos até a definição do tema gerador e da rede, por meio das falas
significativas selecionadas. Nesse processo, observamos dificuldades de vivência da
rede temática no cotidiano da escola e da sala de aula. A rede, como dissemos em
capítulo precedente, muitas vezes, transforma-se em um momento mais burocrático
e menos didático-pedagógico voltado à aprendizagem dos educandos. Seu sentido,
nos discursos dos partícipes, é de conexões, de entrelaçamentos, mas na forma de
sistematizar e na maioria das práticas desenvolvidas, quase sempre, vivencia-se a
construção de conhecimentos de maneira linear, hierárquica, disciplinarizante.
No âmbito dos saberes acerca da alfabetização, atravessam as
compreensões dos partícipes incompletudes e inconsistências teóricas e
metodológicas sobre esse conceito. Há, como percebemos, um desconhecimento da
especificidade da alfabetização e, nesse contexto, do próprio sentido de letramento,
em especial para a EJA. Essa compreensão ainda inconsistente diz respeito,
especificamente, ao processo de aquisição e de desenvolvimento da linguagem oral
e escrita. (SOARES, 2004a; 2004b). A identificação dessa problemática é uma
contribuição importante deste estudo para podermos desenvolver e construir
166

intervenções didático-pedagógicas e formativas capazes de superar essa dificuldade


inerente à experiência investigada.
Os conhecimentos sobre o processo de ensino-aprendizagem dizem respeito,
no contexto desta pesquisa, ao aprofundamento teórico necessário no campo da
concepção de aprendizagem e de ensino que orienta as práticas docentes com
jovens e adultos. Pelo estudo, percebemos que a concepção de ensino e de
aprendizagem, muitas vezes divergente e contraditória, orienta as experiências
profissionais dos partícipes, especificamente ao pensarem as fases de
desenvolvimento dos educandos, a(s) cultura(s) escolar(es) vivida(s) no interior da
escola, as possibilidade de relação entre conhecimentos da vida e conhecimentos
escolares, os processos socioafetivos entre educandos e educadores e, sobretudo,
a dinâmica cotidiana da gestão do conhecimento em sala de aula.
Os saberes identificados e analisados nesta tese exigem, em nosso ponto
de vista, o desenvolvimento de um processo formativo (inicial e continuado) rigoroso,
técnico-científico e politicamente planejado, requerendo das instâncias formativas e
das instituições empregadoras o investimento necessário para reelaborar as
políticas educacionais e, consequentemente, ressignificar as experiências
pedagógicas no interior da escola, contribuindo, desse modo, para o processo de
profissionalização na EJA.
No desenvolvimento de um estudo colaborativo, como o aqui proposto,
acreditamos ser necessário asseguar espaços e tempos coletivos potencializadores
de momentos formativos. Tais espaços coletivos são capazes de recuperar as
experiênciais individuais dos partícipes sem que elas desapareçam nos silêncios e
nas relações de poder que permeiam o cotidiano da escola.
Com esta pesquisa, passamos a compreender com mais clareza a
incompletude de um trabalho colaborativo como o que aqui registramos, cientes de
que sabemos o início de uma pesquisa desta natureza, mas o término somente os
partícipes, em contexto, poderão determinar. Ao mesmo tempo, compreendemos
sua importância para o desenvolvimento da reflexão permanente, transformando a
prática cotidiana em práxis educativa.
A natureza processual da colaboração exigiu dos envolvidos implicação na
realidade pesquisada, trabalho coletivo, construção e reconstrução permanentes de
167

saberes. A dimensão heteroformativa e polifônica (BAKHTIN, 2003; 1997) da


pesquisa, de reconhecimento de si como sujeito aprendente e ensinante ao mesmo
tempo, tende a se instituir nas práticas e nos pensamentos dos partícipes. Com
nossos limites e com nossas possibilidades, fomos, nesta pesquisa, aprendendo e
ensinando, como atitudes inseparáveis, indivisíveis.
Estudar e ler mais, refletir sobre as práticas, desenvolver exercícios
metacognitivos, reconhecimento de saberes adquiridos e de outros necessários à
docência, aprender a escutar mais detalhadamente são alguns dos aprendizados
dessa experiência formativo-investigativa. Esses aprendizados, indubitavelmente,
são construções históricas, sociais e culturais inerentes ao trabalho desse grupo,
que se constituiu em um contexto pedagógico e político com seus limites e com suas
possibilidades, encontrando, no seu interior, espaços e tempos para ampliar
conhecimentos, conhecendo melhor o que faz e o que pensa.
Ao concluir esta pesquisa, percebemos que os desafios são muitos. Nesse
sentido, deixamos como indicação para estudos e novas pesquisas as seguintes
temáticas: a) desenvolvimento de processos cognitivos de jovens e adultos e suas
fases de desenvolvimento; b) alfabetização e letramento e suas especificidades na
EJA; c) currículo e avaliação: a perspectiva da rede temática e do tema gerador;
d) política de EJA na rede municipal de ensino; e) histórias de vida e de formação
como projeto de conhecimento; f) desenvolvimento da rede temática em sala de
aula.
Como o próprio título desta conclusão indica, este trabalho carrega em si um
sentimento coletivo dos partícipes pela continuidade, afinal, sempre continuamos a
história (ou as histórias) com suas referências contextuais, sociais e culturais. A
consciência do inacabamento, inerente à natureza humana, tornou-se mais evidente
para o grupo por meio de nossos limites e possibilidades em torno de nossos
próprios saberes, exigindo, portanto, a realização de novos estudos no interior do
grupo colaborativo.
Nesta tese, tivemos outra certeza: deixamos marcas, memórias e fomos
aprendendo com a própria história narrada, sistematizada e teorizada aspectos e
dimensões essenciais acerca da escola, da EJA e dos saberes docentes
necessários para uma ação educativa com qualidade social e pedagógica.
168

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181

ANEXO
182

QUADRO 5

Ações reflexivas propostas para as sessões intrapessoais

AÇÕES PERGUNTAS
1. Qual o contexto da aula?
2. Que tipo de aluno e qual a sua procedência?
3. Quantos alunos?
4. Qual o assunto trabalhado?
5. Por que considera esse tema interessante?
DESCREVER 6. Quais objetivos?
7. Quais as atividades desenvolvidas?
8. Como organizou a turma?
9. Por que organizou a turma dessa forma?
10. Como organizou e conduziu a aula?
11. Quais as formas de participação dos alunos?
12. O que motivou a escolha desse assunto?
1. A aula atingiu os objetivos?
2. O que fez para atingir os objetivos?
3. Por que acha que conseguiu atingi-los?
4. Quais os tipos de conhecimentos trabalhados?
5. Por que fez opção por esses conhecimentos?
6. Quais as dificuldades que você encontra para estimular o aluno a aprender?
INFORMAR 7. A que atribui essa dificuldade?
8. Que relação existe entre a prática e o conteúdo conceitual?
9. Como sistematiza essas discussões?
10. Que relação faz entre o tema e as atividades escolhidas?
11. Que relação faz entre a sua prática e os conceitos que internalizou?
12. Como você acha que suas escolhas teóricas afetam a sua prática?
1. Como você acha que chegou a construir o seu perfil docente?
2. De que maneira considera que o conhecimento trabalhado contribui para que o
aluno possa utilizá-lo na sua profissão?
3. Qual a importância desse conhecimento para transformar a realidade do aluno?
4. O que você acha que limita as suas práticas?
5. Que conceitos serviram de base para a construção de sua prática?
CONFRONTAR 6. Em que teoria se fundamenta para romper com essas dificuldades?
7. Qual a função social de suas ações?
8. Que tipo de aluno está sendo formado?
9. Qual a função das escolhas feitas para a formação do aluno?
10. Que conceitos serviram de base para a construção de suas práticas?
11. Que conexão há entre os conceitos construídos e as minhas práticas?
12. Qual a relação existente entre esses conceitos e minha formação?
1. O que você mudaria na sua aula?
2. O que faria diferente no sentido de motivar o aluno para aprender?
3. O que você faria para ampliar o pensamento crítico-reflexivo do aluno?
4. Que outras estratégias usaria para refletir sobre o que fez no decorrer da aula?
5. Que proposta faria para melhorar o processo reflexivo e mudar a prática docente
de outras aulas?
6. Que proposta faz para melhorar o seu percurso de desenvolvimento profissional?
7. Qual a relação que você faz entre o seu trabalho atual e o realizado antes das
RECONSTRUIR sessões?
8. O que você acha que ainda precisa melhorar no atual estágio de seu
desenvolvimento profissional?
9. O que pode fazer para alcançar essa mudança?
10. Que proposta você tem para fazer melhorar também o desenvolvimento
profissional de seu aluno?
11. O que pode fazer na sua prática para atingir essa mudança?
12. O que você mudaria no macro contexto em que atua?
Fonte: Ibiapina (2008, p. 83).
183

APÊNDICES
184

Apêndice A

Roteiro de entrevista coletiva

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN)


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS (CCSA)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGEd)
LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO, SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Título do projeto de tese: “Saberes necessários para a docência na Educação de


Jovens e Adultos”
Doutorando: José Jackson Reis dos Santos (Uesb)
Orientadora: Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro (UFRN)
Orientadora associada: Dra. Maria Manuela Franco Esteves (UL-Portugal)

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Dados gerais
• Formação (em nível médio e superior).
• Tempo de docência na EJA (desde que começou a trabalhar com essa
modalidade).
• Tempo de docência no magistério em geral.
• Participou de alguma qualificação em EJA nos últimos três anos? Se sim,
quantas e qual a temática?

Dados conceituais
• Falem um pouco dos processos de escolarização pelos quais passaram.
• Como vocês se tornaram professores? O que influenciou suas escolhas na
carreira?
• Alguém marcou essas escolhas?
• Como vocês se tornaram professores de EJA?
• O que vocês consideram importante aprender para atuar na EJA?
• Como vocês ensinam em sala de aula?
• Que dificuldades pedagógicas vocês enfrentam no dia a dia?
• Como vocês entendem a docência?
• E a docência na EJA: qual a compreensão de vocês?
• Como vocês se percebem na condição de docentes?
• Como vocês consideram que os outros professores percebem cada um de vocês
na condição de docentes?
• Quando falamos a expressão “saberes docentes”, o que vocês entendem sobre
tal ideia?
• Saberes docentes: quais saberes vocês consideram que são necessários para
atuar na EJA?
• O que vocês gostariam de estudar nos encontros que realizaremos? Esses
estudos podem estar relacionados às necessidades que vocês têm, em termos de
formação, que gostariam de aprofundar.
185

Apêndice B

QUADRO 3
Codificação das Notas de Campo (NC) referentes às atividades desenvolvidas

ATIVIDADES CODIFICAÇÃO/DATA
Diálogos com representantes da SMED NC 01, 28 jan. 2008
Diálogos com o diretor da escola-campo de pesquisa NC 02, 29 jan. 2008
Diálogo com todas as professoras da EJA da escola-campo de NC 03, 11 mar. 2008
pesquisa
Estudo sobre o sentido de uma pesquisa colaborativa e seus NC 04, 19 maio. 2008
princípios
Continuidade do estudo anterior NC 05, 20 maio 2008
Estudo sobre tema gerador NC 06, 21 maio 2008
Entrevista coletiva – Parte I NC 07, 16 jun. 2008
Entrevista coletiva – Parte II NC 08, 17 jun. 2008
Entrevista coletiva – Parte III NC 09, 18 jun. 2008
Diálogo sobre conteúdo da entrevista coletiva NC 10, 08 jul. 2008
Diálogo sobre conteúdo da entrevista coletiva NC 11, 10 jul. 2008
Observação da prática de Clara NC 12, 12 ago. 2008
Observação da prática de Clara NC 13, 13 ago. 2008
Observação da prática de Clara NC 14, 19 ago. 2008
Observação da prática de Clara NC 15, 20 ago. 2008
Observação da prática de Clara NC 16, 29 ago. 2008
Observação da prática de Clara NC 17, 08 set. 2008
Observação da prática de Clara NC 18, 09 set. 2008
Observação da prática de Clara NC 19, 15 set. 2008
Observação da prática de Clara NC 20, 16 set. 2008
Observação da prática de Clara NC 21, 30 set. 2008
Continuidade de estudos sobre o tema gerador NC 22, 1º out. 2008
Estudo sobre saberes para a docência – Parte I NC 23, 13 out. 2008
Estudo sobre saberes para a docência – Parte II NC 24, 14 out. 2008
Sessão reflexiva coletiva sobre alfabetização –Parte I NC 25, 21 out. 2008
Estudo sobre a proposta de EJA na rede municipal de ensino NC 26, 24 out. 2008
Sessão reflexiva coletiva sobre alfabetização – Parte II NC 27, 17 nov. 2008
Sessão refelxiva coletiva sobre saberes NC 28, 18 nov. 2008
Sessão reflexiva coletiva sobre saberes da EJA na rede municipal NC 29, 11 dez. 2008
Sessão reflexiva coletiva sobre docência NC 30, 17 dez. 2008
Sessão reflexiva coletiva sobre observações da prática NC 31, 22 dez. 2008
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.
186

Apêndice C

QUADRO 4
Codificação de entrevista coletiva, de diálogos sobre a entrevista, de observações
da prática, de sessões de estudo e de sessões reflexivas coletivas

ATIVIDADES CODIFICAÇÃO/DATA
Estudo sobre tema gerador ETG, 21 maio 2008
Entrevista coletiva – Parte I EC-P01, 16 jun. 2008
Entrevista coletiva – Parte II EC-P02, 17 jun. 2008
Entrevista coletiva – Parte III EC-P03, 18 jun. 2008
Diálogo sobre conteúdo da entrevista coletiva DCEC-01, 08 jul. 2008
Diálogo sobre conteúdo da entrevista coletiva DCEC-02, 10 jul. 2008
Observação da prática de Clara OPC01, 12 ago. 2008
Observação da prática de Clara OPC02, 13 ago. 2008
Observação da prática de Clara OPC03, 19 ago. 2008
Observação da prática de Clara OPC04, 20 ago. 2008
Observação da prática de Clara OPC05, 29 ago. 2008
Observação da prática de Clara OPC06, 08 set. 2008
Observação da prática de Clara OPC07, 09 set. 2008
Observação da prática de Clara OPC08, 15 set. 2008
Observação da prática de Clara OPC09, 16 set. 2008
Observação da prática de Clara OPC10, 30 set. 2008
Continuidade de estudo sobre o tema gerador CETG, 1º out. 2008
Estudo sobre saberes para a docência – Parte I ESD01, 13 out. 2008
Estudo sobre saberes para a docência – Parte II ESD02, 14 out. 2008
SCRAlfa01, 21 out.
Sessão coletiva reflexiva sobre alfabetização – Parte I 2008
Estudo sobre a proposta de EJA da rede municipal de ensino EPPR, 24 out. 2008
SCRAlfa02, 17 nov.
Sessão coletiva reflexiva sobre alfabetização – Parte II 2008
Sessão coletiva reflexiva sobre saberes SCRS, 18 nov. 2008
SCRSPR, 11 dez.
Sessão coletiva reflexiva sobre saberes da EJA na rede municipal 2008
Sessão coletiva reflexiva sobre docência SCRD, 17 dez. 2008
Sessão coletiva reflexiva sobre observações da prática SCROP, 22 dez. 2008
Fonte: Pesquisa do autor, 2008.
187

Apêndice D

Modelo de Termo de Adesão

TERMO DE ADESÃO

Eu, ____________________________, professora do I Segmento do Ensino


Fundamental da Educação de Jovens e Adultos, na Escola Municipal São Lucas, após os
devidos esclarecimentos quanto ao objeto, objetivos e procedimentos do estudo, aceito
participar da pesquisa “Saberes para a docência na EJA”, comprometendo-me a
desenvolver as ações encaminhadas, discutidas e negociadas coletivamente, para o
cumprimento dos objetivos a que se propõe a referida pesquisa. Também estou ciente de
que, mesmo aceitando participar da pesquisa, posso, a qualquer momento, desistir, não
sendo submetida a nenhuma sanção.

____________________________________________

Assinatura

Presenciamos a solicitação, os esclarecimentos sobre a pesquisa e o aceite da


colaboradora em participar.

Testemunhas:

Assinatura:_______________________

Assinatura:_______________________
188

Apêndice E

Modelo de Termo de Autorização

TERMO DE AUTORIZAÇÃO

Eu, ________________________, professora do I Segmento do Ensino


Fundamental da Educação de Jovens e Adultos, na Escola Municipal São Lucas, após os
devidos esclarecimentos quanto ao objeto, objetivos e procedimentos do estudo sobre
“Saberes para a docência na EJA”, autorizo que o autor da tese, José Jackson Reis dos
Santos: a) grave, em áudio, entrevista coletiva, sessões de estudo e sessões reflexivas
coletivas; b) tenha acesso a informações da escola (dados estatísticos da EJA, rede
temática, planos de trabalho, projetos didático-pedagógicos, entre outros); d) publique
resultados da pesquisa, após socialização coletiva com todos os partícipes; e) participe de
outras atividades na instituição como planejamentos coletivos, reuniões pedagógicas,
eventos, confraternizações, entre outras.

Vitória da Conquista/Bahia, 20 de maio de 2008.

Assinatura: ______________________________________

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