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ANATOMIA HUMANA

Sexta Edição

MARTINI • TIMMONS • TALLITSCH


Tradução:
Daniella Franco Curcio
Fonoaudióloga. Mestre e Doutora em Ciências: Morfologia pela Universidade Federal
de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).

Revisão técnica:
Alexandre Augusto Pinto Cardoso (notas clínicas e casos clínicos dos capítulos)
Médico. Mestre em Ciências: Morfologia pela UNIFESP-EPM. Professor assistente da
disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia e Genética
da UNIFESP-EPM. Cirurgião no Hospital da Aeronáutica de São Paulo.

Daniella Franco Curcio (capítulo 24)


Fonoaudióloga. Mestre e Doutora em Ciências: Morfologia pela Universidade
Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).

Eduardo Cotecchia Ribeiro (introdução, capítulos 1 a 3, 12, 24, 25, 28 e parte final do livro)
Biomédico e biólogo. Professor associado da disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de
Morfologia e Genética da UNIFESP-EPM. Mestre em Anatomia e Doutor em Ciências: Morfologia pela UNIFESP-EPM.

Geraldo José Medeiros Fernandes (capítulos 13 a 18)


Médico. Mestre em Anatomia e Doutor em Ciências: Morfologia pela UNIFESP-EPM. Professor
adjunto da disciplina de Anatomia Humana da Universidade Federal de Alfenas, MG.

Luís Garcia Alonso (capítulos 4, 19, 26 e 27)


Médico. Mestre e Doutor em Ciências: Genética pela UNIFESP-EPM. Professor adjunto da disciplina de
Anatomia Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia e Genética da UNIFESP-EPM.

Magno César Vieira (capítulos 20 a 23)


Biólogo. Mestre em Anatomia pela UNIFESP-EPM. Professor assistente da disciplina de Anatomia
Descritiva e Topográfica do Departamento de Morfologia e Genética da UNIFESP-EPM. Professor de
Anatomia Humana na Universidade do Oeste Paulista e na Universidade de Taubaté, SP.

Marcelo Cavenaghi Pereira da Silva (capítulos 5 a 8)


Dentista. Mestre e Doutor em Ciências Morfofuncionais pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor adjunto da disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica do
Departamento de Morfologia e Genética da UNIFESP-EPM.

Rafael Saviolo Moreira (capítulos 9 a 11)


Dentista. Mestre e Doutor em Ciências: Morfologia pela UNIFESP-EPM.
Professor de Anatomia Humana na Universidade do Vale do Itajaí, SC.
748 O SISTEMA GENITAL

Desenvolvimento é a modificação gradual das estruturas anatômicas du- espermatozóides depositados na vagina já apresentam motilidade, mas
rante o período desde a concepção até a maturidade. As mudanças são não podem fertilizar um oócito até que tenham passado pela capacitação,
realmente marcantes – o que se inicia como uma simples célula ligeira- no interior do trato genital feminino. l pág. 722
mente maior do que o ponto final desta frase transforma-se em um corpo As contrações da musculatura uterina e a movimentação dos cílios nas
humano contendo trilhões de células organizadas em tecidos, órgãos e tubas uterinas são mecanismos de aceleração do movimento dos esperma-
sistemas. A formação de tipos celulares especializados durante o desen- tozóides, desde a vagina até o local da fertilização. O tempo desta passagem
volvimento é denominada diferenciação, e ocorre por meio de alterações pode ser de 30 minutos a até duas horas. Apesar destes fatores que favore-
seletivas na atividade genética. A compreensão básica do desenvolvimen- cem o deslocamento e da disponibilidade de nutrientes, essa passagem não
to humano fornece informações que potencializam o conhecimento das é fácil. Dos aproximadamente 200 milhões de espermatozóides introdu-
estruturas anatômicas. Esta discussão abordará os aspectos principais do zidos na vagina, presentes em um volume normal de esperma ejaculado,
processo de desenvolvimento. Os Resumos de Embriologia, que oferecem somente cerca de 10.000 atingem a tuba uterina e menos de 100 atingem a
imagens para a visualização do desenvolvimento de cada sistema do cor- ampola da referida tuba. Um homem com contagem espermática menor
po, também são apresentados neste capítulo. que 20 milhões/mL é funcionalmente estéril, pois poucos espermatozói-
des sobreviverão para atingir o oócito secundário. Um ou dois espermato-
zóides sozinhos não podem cumprir a fertilização por causa da condição
Uma visão geral do do oócito secundário na ovulação.

desenvolvimento O oócito na ovulação [Figura 28.1b]


O desenvolvimento envolve (1) a divisão e a diferenciação de células, re-
A ovulação ocorre antes de se completar a maturação do oócito, e o oócito
sultando na formação de diversos tipos celulares, e (2) a reorganização
secundário que deixa o folículo ovárico se encontra na metáfase da segunda
desses tipos celulares para produzir ou modificar estruturas anatômicas.
divisão meiótica (meiose II). As operações metabólicas também foram in-
O desenvolvimento produz um indivíduo maduro, capaz de se repro-
terrompidas e o oócito secundário encontra-se solto, em uma espécie de la-
duzir. O processo é uma seqüência contínua que se inicia com a ferti-
tência, aguardando o estímulo para a continuidade do seu desenvolvimen-
lização, ou concepção, e pode ser dividido em períodos caracterizados
to. Se a fertilização não ocorre, ele se desintegrará sem completar a meiose.
por modificações anatômicas específicas. O desenvolvimento pré-na-
A fertilização é dificultada pelo fato de que, ao deixar o folículo ovári-
tal, compreendido entre a concepção e o parto, será o principal aspecto
co, o oócito secundário está envolvido por uma camada de células folicu-
abordado neste capítulo. O termo embriologia refere-se ao estudo dos
lares, a coroa radiada. l pág. 731 Os eventos que se seguem estão esque-
eventos que ocorrem durante o desenvolvimento pré-natal. O desenvol-
matizados na Figura 28.1b. A coroa radiada protege o oócito secundário
vimento pós-natal inicia-se ao nascimento e continua até a maturidade.
durante seu trajeto através da parede folicular rompida e para o interior do
Consideraremos brevemente o período neonatal, imediatamente poste-
infundíbulo da tuba uterina. Embora o processo físico da fertilização exija
rior ao parto, porém outros aspectos do desenvolvimento na infância e
na adolescência, relacionados aos sistemas específicos, foram considera- apenas um espermatozóide em contato com a membrana do oócito, o es-
dos em capítulos anteriores. permatozóide precisa antes penetrar na coroa radiada. O acrossomo do es-
O período de desenvolvimento pré-natal pode ser subdividido. O permatozóide contém hialuronidase, uma enzima que quebra o cimento
desenvolvimento pré-embrionário começa na fertilização e continua intercelular das células foliculares adjacentes na coroa radiada. Dezenas de
com a clivagem (uma série inicial de divisões celulares) e a implantação (a espermatozóides precisam liberar hialuronidase a fim de que a quebra das
movimentação do pré-embrião em direção ao interior do revestimento conexões entre as células foliculares seja suficiente para permitir a fertili-
uterino). zação. Independentemente de quantos espermatozóides entrem através da
Ao desenvolvimento pré-embrionário segue-se o desenvolvimento fenda, apenas um deles conseguirá a fertilização ativando o oócito. Quan-
embrionário, que vai da implantação, tipicamente no nono ou décimo do este espermatozóide passa através da zona pelúcida e entra em contato
dia após a fertilização, até o final da oitava semana do desenvolvimento. O com o oócito secundário, suas membranas celulares fundem-se e ele entra
período de desenvolvimento fetal tem início na nona semana de desen- no ooplasma, ou citoplasma do oócito. Esta fusão de membranas defla-
volvimento e se prolonga até o nascimento. Veremos agora mais detalha- gra a ativação do oócito. Essa ativação envolve uma série de mudanças na
damente cada um destes processos. atividade metabólica do oócito secundário. A taxa metabólica do oócito
eleva-se repentinamente, e mudanças imediatas no plasmalema evitam a
fertilização por outros espermatozóides. (Caso ocorra penetração de mais
Fertilização [Figura 28.1a] de um espermatozóide na membrana do oócito, evento este denominado
polispermia, não haverá possibilidade de desenvolvimento normal.) Talvez,
A fertilização envolve a fusão de dois gametas haplóides, produzindo um a modificação mais dramática no oócito seja a finalização da meiose.
zigoto diplóide com o número somático normal de cromossomos (46).
l págs. 45, 719 As funções e as contribuições do espermatozóide e do
oócito (óvulo) são bastante diferentes. O espermatozóide simplesmente Formação do pró-núcleo e anfimixia [Figura 28.1b]
conduz os cromossomos paternos ao local da fertilização, mas o oócito Após a ativação do oócito e a finalização da meiose, o material nuclear re-
deve fornecer toda a nutrição e a programação genética para sustentar o manescente no interior do ovo reorganiza-se como pró-núcleo feminino
desenvolvimento embrionário por aproximadamente uma semana após a (Figura 28.1b). Enquanto estas alterações estão ocorrendo, o núcleo do
concepção. O volume do oócito é, portanto, muito maior em relação ao espermatozóide aumenta de volume, tornando-se o pró-núcleo masculi-
do espermatozóide (Figura 28.1a). no, que então migra para o centro da célula. O processo de fusão dos dois
A fertilização normal ocorre na ampola da tuba uterina, geralmente pró-núcleos é denominado anfimixia. Agora a fertilização está completa,
no período de um dia após a ovulação. Neste período de tempo, o oóci- com a formação de um zigoto contendo o complemento normal de 46
to secundário percorre poucos centímetros, enquanto o espermatozóide cromossomos. O zigoto agora se prepara para o início de suas divisões
deve percorrer a distância entre a vagina e a ampola da tuba uterina. Os mitóticas que produzirão bilhões de células especializadas.
CAPÍTULO 28 • O Sistema Genital: Embriologia e Desenvolvimento Humano 749

Figura 28.1 Fertilização e preparação para a clivagem.


(a) Um oócito secundário circundado por espermatozóides. (b) Eventos na fertili- Desenvolvimento pré-natal
zação e imediatamente depois. O tempo decorrido no desenvolvimento pré-natal é denominado período
de gestação. Por questão de conveniência, o período de gestação é dividi-
do em três trimestres integrados:
■ O primeiro trimestre é o período de desenvolvimento embrioná-
rio e de desenvolvimento fetal inicial. Durante esse período, for-
mam-se os rudimentos de todos os principais sistemas de órgãos.
■ No segundo trimestre, os órgãos e sistemas completam a maior
parte do seu desenvolvimento. As proporções corporais mudam
e, ao término desse trimestre, distingue-se claramente a aparência
humana do feto.
■ O terceiro trimestre é caracterizado pelo rápido crescimento fetal.
No início desse trimestre, a maioria dos sistemas de órgãos torna-
se plenamente funcional e crianças nascidas prematuramente, em
um ou até dois meses antes do termo, apresentam chances consi-
deráveis de sobrevivência.
(a)

FERTILIZAÇÃO E INÍCIO DA FORMAÇÃO


OÓCITO NA OVULAÇÃO FASE 1 ATIVAÇÃO DO OÓCITO
FASE 2 DO PRÓ-NÚCLEO

A ovulação libera um oócito secundário e o Enzimas acrossômicas advindas de vários esper- O espermatozóide penetra no citoplasma e
primeiro corpo polar; ambos estão circundados matozóides criam fendas na coroa radiada. Um o pró-núcleo feminino se desenvolve.
pela coroa radiada. O oócito permanece em único espermatozóide, então, entra em contato
estado latente na metáfase da meiose II. com a membrana do oócito e ocorre a fusão das
membranas, deflagrando a ativação do oócito
e completando a meiose.
Coroa Primeiro
radiada corpo polar Espermatozóide Segundo Núcleo do Pró-núcleo
fecundante corpo polar espermatozóide feminino
fecundante

Zona
pelúcida

INÍCIO DA PROCESSO DE ANFIMIXIA FORMAÇÃO DO FUSO E PRE-


FASE 5 CITOCINESE FASE 4 E INÍCIO DA CLIVAGEM FASE 3 PARAÇÃO PARA A CLIVAGEM

A primeira divisão de clivagem se completa O pró-núcleo masculino se desenvolve e as


aproximadamente 30 horas após a Metáfase da primeira fibras do fuso aparecem na preparação para
fertilização. Eventos posteriores estão divisão de clivagem a primeira divisão de clivagem.
diagramados na Figura 28.2.
Pró-núcleo Pró-núcleo
masculino feminino

Blastômeros

(b)
750 O SISTEMA GENITAL

Nota clínica
Perfeição e complexidade A expectativa dos futuros pais de que pouco significativos, como mamilos extranumerários ou marcas de nas-
cada gravidez será idílica e que cada bebê será perfeito reflete uma série cença, são bastante comuns.
de conceitos equivocados e cristalizados sobre a natureza do processo Aproximadamente metade das concepções produz zigotos que não
de desenvolvimento. Esses conceitos equivocados levam à crença de que sobrevivem ao estágio de clivagem. Esses zigotos desintegram-se no inte-
quando ocorrem graves erros de desenvolvimento, alguém ou alguma coi- rior das tubas uterinas ou da cavidade do útero; como a implantação não
sa deve ser responsabilizada. Esta “culpa” poderia ser atribuída a hábitos ocorreu, obviamente não há sinais de gravidez. A mortalidade anterior à
maternos (como tabagismo, consumo de álcool ou dieta inadequada), ex- implantação está comumente associada com anomalias cromossômicas.
posição materna a toxinas ou a drogas prescritas, ou à interferência de Dos embriões implantados, aproximadamente 20% não chega a completar
outros estímulos ambientais. Porém, a realidade é que mesmo se todas as cinco meses de desenvolvimento, com uma média de sobrevida de oito
gestantes fossem protegidas e permanecessem durante toda a gravidez semanas. Na maioria dos casos, problemas graves que ocorrem nos pri-
em repouso no leito, desde a concepção até o parto, os erros e acidentes meiros estágios da embriogênese ou na formação da placenta constituem
no desenvolvimento continuariam ocorrendo regularmente. as causas responsáveis.
As mutações espontâneas resultam de erros ao acaso na replicação, A mortalidade pré-natal tende a eliminar os fetos mais gravemente
e estes incidentes são relativamente comuns. Pelo menos 10% das ferti- afetados. Aqueles com defeitos menores podem sobreviver completan-
lizações produzem zigotos com cromossomos anormais. Como a maioria do uma gestação a termo ou nascendo prematuramente. Malforma-
das mutações espontâneas não produz defeitos visíveis, a proporção real ções congênitas são anomalias estruturais presentes ao nascimento,
dessas mutações pode ser bem maior. A maioria dos zigotos acometidos comprometendo os principais sistemas. A espinha bífida, a hidrocefalia,
morre antes de completar seu desenvolvimento, e apenas cerca de 0,5% a anencefalia, a fenda palatina e a síndrome de Down estão entre as
dos recém-nascidos apresenta anomalias cromossômicas resultantes de malformações congênitas mais comuns. A incidência de malformações
mutações espontâneas. congênitas ao nascimento atinge uma média de 6%, mas apenas 2% são
Devido à natureza dos mecanismos reguladores, o desenvolvimento consideradas graves. Desses problemas congênitos, apenas 10% podem
pré-natal não segue padrões precisos e predeterminados. Por exemplo, ser atribuídos a fatores ambientais na ausência de anomalias cromossô-
existem muitas variações nos trajetos dos vasos sangüíneos e dos nervos; micas ou fatores genéticos, incluindo uma história familiar de defeitos
independentemente do trajeto do sangue e dos impulsos nervosos, o im- semelhantes ou relacionados.
portante é que os suprimentos nervoso e sangüíneo sejam garantidos aos A tecnologia médica continua a melhorar nossa capacidade de en-
tecidos de destino. Entretanto, se as variações extrapolam limites aceitá- tender e manipular os processos anatômicos e fisiológicos. Atualmente,
veis, o embrião ou o feto não consegue completar seu desenvolvimento. a análise genética dos pais em potencial pode fornecer uma estimativa
Pequenas alterações no desenvolvimento da estrutura do coração podem a respeito da probabilidade da ocorrência de problemas específicos, po-
resultar na morte do feto, enquanto grandes variações na distribuição das rém os problemas em si permanecem fora do nosso controle. Apesar da
veias são relativamente comuns e não implicam disfunção. Virtualmente, melhor compreensão a respeito dos mecanismos genéticos envolvidos,
cada ser humano pode ser considerado como portador de algum grau provavelmente nunca seremos capazes de controlar todos os aspectos
de variação anatômica porque ninguém possui, em todos os aspectos, envolvidos no desenvolvimento, evitando abortos espontâneos e malfor-
características que estão estatisticamente dentro dos valores da média mações congênitas. Como o desenvolvimento pré-natal envolve tantas
esperada. Estima-se que 20% dos seus genes apresentem diferenças sutis fases complexas e interdependentes, disfunções de algum tipo são esta-
em relação aos genes encontrados na maioria da população, e defeitos tisticamente inevitáveis.

Capítulo 3 oferece uma visão geral de dois períodos seqüenciais de de-


REVISÃO DOS CONCEITOS senvolvimento durante o primeiro trimestre: (1) a formação dos tecidos
1. Os espermatozóides depositados na vagina podem realizar a fertilização e (2) o desenvolvimento do tecido epitelial e as origens do tecido conec-
imediatamente? Explique. tivo. Cada um desses períodos de desenvolvimento apresenta caracterís-
2. Por que um grande número de espermatozóides precisa atingir o oócito ticas únicas que o leitor poderá revisar mais detalhadamente. l págs.
secundário para que ocorra a fertilização? 79-81
3. Assim que o espermatozóide entra no ooplasma, o que ocorre com o oó- Concentraremos nossa atenção em quatro processos gerais: clivagem,
cito secundário? implantação, placentação e embriogênese.
4. Quais processos de desenvolvimento caracterizam o primeiro trimestre da
1. A clivagem é uma seqüência de divisões celulares que tem início
gestação?
logo após a fertilização e termina ao primeiro contato do zigoto com
Veja a seção de Respostas na parte final do livro. a parede uterina. Durante este período, o zigoto torna-se um pré-
embrião que evolui para um complexo multicelular conhecido como
blastocisto. (A clivagem e a formação do blastocisto foram apresen-
O primeiro trimestre tadas no Resumo de Embriologia do Capítulo 3.) l pág. 79
Ao final do primeiro trimestre (12a semana do desenvolvimento), o feto 2. A implantação começa com a fixação do blastocisto ao endométrio
mede aproximadamente 75 mm e pesa cerca de 14 g. Os eventos que ocor- e continua conforme o blastocisto adentra na parede uterina. Com
rem no primeiro trimestre são complexos, e este é o período de maior o prosseguimento da implantação, muitos outros eventos importan-
risco na vida pré-natal. Somente por volta de 40% das concepções geram tes acontecem, preparando o ambiente para a formação de estruturas
embriões que sobrevivem ao primeiro trimestre. Por essa razão, cuidados embrionárias vitais.
especiais são recomendados às mulheres grávidas, evitando drogas ou epi- 3. A placentação inicia-se com a formação dos vasos sangüíneos ao re-
sódios de estresse intenso durante este período, na expectativa de prevenir dor das margens do blastocisto. Esta é a primeira etapa na formação
erros no processo de desenvolvimento em curso. da placenta. A placenta liga o sistema materno ao embrionário; ela
Vários eventos importantes e complexos ocorrem no primeiro tri- oferece suprimento respiratório e nutricional essenciais à continui-
mestre de desenvolvimento. O Resumo de Embriologia apresentado no dade do desenvolvimento pré-natal.
CAPÍTULO 28 • O Sistema Genital: Embriologia e Desenvolvimento Humano 751

4. A embriogênese é a formação de um embrião viável. Este processo mitoses simultaneamente, mas, com o aumento do número de blastômeros,
forma o corpo do embrião e seus órgãos internos. o intervalo de tempo entre as divisões torna-se menos previsível.
Neste estágio, o pré-embrião é uma esfera sólida de células, seme-
Clivagem e formação do blastocisto [Figura 28.2] lhante a uma amora. Esse estágio é denominado mórula. Após cinco dias
A clivagem (Figura 28.2) é uma série de divisões celulares que subdivide de clivagem, os blastômeros formam uma esfera oca, o blastocisto, com
o citoplasma do zigoto em células menores denominadas blastômeros. A uma cavidade interna denominada blastocele. Nesse estágio, é possível
primeira divisão da clivagem produz um pré-embrião com dois blastôme- começar a observar diferenças entre as células do blastocisto. A camada
ros idênticos e se completa aproximadamente 30 horas após a fertilização. externa de células, que separa a blastocele do ambiente externo, é deno-
As divisões de clivagem subseqüentes ocorrem em intervalos de 10 a 12 ho- minada trofoblasto (massa celular externa). A função do trofoblasto está
ras. Durante as divisões de clivagem iniciais, todos os blastômeros sofrem implícita em seu nome: trophos, alimento + blasto, precursor. Essas células

Blastômeros

Corpos polares
Estágio de quatro células
Estágio de Mórula em estágio inicial
duas células

DIA 1 DIA 2
DIA 3 Mórula em
DIA 4 estágio avançado

Primeira divisão
de clivagem
DIA 0: Massa celular
Fertilização interna

DIA 6

Ovulação
Blastocele

DIAS 7-10:
Implantação na Trofoblasto
Figura 28.2 Clivagem e formação parede uterina
(Ver Figura 28.3) Blastocisto
do blastocisto.

Nota clínica
Teratogênese e desenvolvimento anômalo Teratógenos são ventes sofrem problemas no desenvolvimento posterior. Os casos mais
estímulos que interferem e desorganizam o desenvolvimento fetal nor- graves envolvem mães cujo consumo de substâncias de conteúdo alco-
mal danificando as células, alterando sua estrutura cromossômica ou ólico atinge aproximadamente 200 g de destilados fortes, 10 cervejas ou
prejudicando a indução normal. Pesticidas, herbicidas e muitas drogas duas garrafas de vinho por dia. Entretanto, como o efeito produzido está
prescritas, incluindo certos antibióticos, tranqüilizantes, sedativos, hor- diretamente relacionado ao grau de exposição, não há um nível de consu-
mônios esteróides, diuréticos, anestésicos e analgésicos, podem pro- mo de álcool que possa ser considerado totalmente seguro. A síndrome
duzir efeitos teratogênicos. As gestantes devem ler atentamente a bula alcoólica fetal é a primeira causa de retardo mental nos Estados Unidos,
antes de utilizar qualquer medicamento sem o aconselhamento de um acometendo aproximadamente 7.500 crianças por ano.
médico. A maioria das ervas e substâncias “naturais” não foram testa- O tabagismo é outro risco importante para o desenvolvimento fetal.
das, e sua composição química pode variar dependendo da sua origem. Além de introduzir no organismo substâncias químicas potencialmente
Como os seus efeitos durante a gestação não são conhecidos, o uso des- prejudiciais, como a nicotina, o tabagismo diminui a PO2 do sangue mater-
sas substâncias não deve ser considerado genericamente como sendo no e reduz a quantidade de oxigênio que chega à placenta. Um feto gera-
seguro durante a gravidez. do por uma mãe fumante não crescerá tão rapidamente quanto um feto
A síndrome alcoólica fetal (SAF) ocorre quando o consumo de ál- gerado por uma não-fumante, e o tabagismo aumenta o risco de abortos
cool pela gestante produz defeitos de desenvolvimento no feto, como espontâneos, prematuridade e morte fetal. A mortalidade infantil pós-par-
deformidades esqueléticas, defeitos cardiovasculares e distúrbios neuro- to é também maior em neonatos de mães fumantes, e o desenvolvimento
lógicos. Os índices de mortalidade fetal podem atingir 17%, e os sobrevi- pós-natal pode ser igualmente prejudicado.
752 O SISTEMA GENITAL

serão responsáveis pelo suprimento de alimento ao embrião em desen- Figura 28.3 Estágios no processo
volvimento. As células trofoblásticas são as únicas células do pré-embrião de implantação.
que fazem contato com a parede uterina. Um segundo grupo de células,
a massa celular interna (embrioblasto), situa-se como um aglomerado
celular em um pólo do blastocisto. Essas células estão expostas à blastoce-
le, mas ficam isoladas do contato com o ambiente externo pelo trofoblas-
to. As células da massa celular interna são as células-tronco responsáveis
pela produção de todas as células e tipos celulares do corpo.

Implantação [Figura 28.3]


A partir do momento da fertilização, o zigoto leva quatro dias até atingir DIA 6 CAMADA FUNCIONAL CAVIDADE
o útero. Ao atingir a cavidade do útero como uma mórula, ocorre a for- DO ENDOMÉTRIO DO ÚTERO
mação do blastocisto no decorrer dos próximos dois a três dias. Durante
este período, as células estão absorvendo nutrientes do líquido no interior
da cavidade do útero. Esse líquido, rico em glicogênio, é secretado pelas
glândulas endometriais. Quando totalmente formado, o blastocisto entra Glândulas
em contato com o endométrio, geralmente no fundo ou no corpo do úte- uterinas
ro, e ocorre a implantação. Os estágios do processo de implantação estão Blastocisto
ilustrados na Figura 28.3.
A implantação é iniciada quando a superfície do blastocisto mais
próxima à massa celular interna toca e adere ao revestimento uterino
DIA 7
(veja Dia 7, Figura 28.3). No ponto de contato, as células trofoblásticas
dividem-se rapidamente, fazendo com que o trofoblasto desenvolva vá- Trofoblasto
rias camadas, aumentando sua espessura. Nas proximidades da camada
de endométrio, as membranas celulares que separam as células trofo-
blásticas desaparecem e forma-se uma camada de citoplasma contendo
múltiplos núcleos (Dia 8). Essa parte específica da camada externa, de- Blastocele
nominada sinciciotrofoblasto, inicia um processo de escavação de um Massa celular
espaço no epitélio uterino, por meio da secreção da enzima hialuronida- interna
se. Essa enzima quebra o cimento intercelular das células epiteliais ute-
rinas adjacentes, do mesmo modo como a hialuronidase liberada pelo
DIA 8
espermatozóide dissolve as conexões entre as células da coroa radiada.
Primeiramente, esta erosão cria uma fenda no revestimento uterino, po-
rém a migração e as divisões das células epiteliais adjacentes rapidamente
restauram a superfície. Quando a reparação está completa, o blastocisto
Trofoblasto
perde o contato com a cavidade do útero e fica completamente alojado celular
Sinciciotrofoblasto
no interior do endométrio. A partir daí, o desenvolvimento ocorre intei-
ramente no interior da camada funcional do endométrio.
À medida que a implantação prossegue, o sinciciotrofoblasto continua
a crescer e a se disseminar no interior do endométrio circundante (Dia 9).
Este processo resulta na ruptura e na digestão enzimática das glândulas ute-
rinas. Os nutrientes liberados são absorvidos pelo sinciciotrofoblasto e dis- DIA 9
Hipoblasto Disco
tribuídos por difusão através do trofoblasto celular subjacente para a massa Epiblasto germinativo
celular interna. Esses nutrientes produzem a energia necessária para suprir (blastodisco)
Vilosidades primárias
o embrião durante os estágios iniciais de sua formação. Extensões trofoblás-
em desenvolvimento
ticas crescem ao redor dos vasos capilares endometriais e, com a destruição Cavidade
das paredes dos vasos capilares, o sangue materno começa a fluir através dos amniótica
Lacuna
canais trofoblásticos, denominados lacunas. Vilosidades primárias digi- trofoblástica
tiformes estendem-se para fora do trofoblasto, no interior do endométrio
circundante; cada vilosidade primária consiste em uma extensão do sinci-
ciotrofoblasto, com um núcleo de trofoblasto celular. Nos poucos dias que se
seguem, o trofoblasto passa a destruir veias e artérias endometriais maiores,
aumentando o fluxo sangüíneo através das lacunas trofoblásticas.

A formação do disco germinativo (blastodisco) [Figuras 28.3/28.4] No uma lâmina oval que apresenta duas camadas celulares de espessura total.
estágio mais precoce do blastocisto, a massa celular interna apresenta or- Essa lâmina oval, denominada disco germinativo (blastodisco), consiste
ganização pouco visível. Entretanto, na época da implantação, a massa inicialmente em duas camadas epiteliais (disco germinativo bilaminar):
celular interna já iniciou sua separação do trofoblasto. A separação au- o epiblasto, voltado para a cavidade amniótica, e o hipoblasto, que está
menta gradualmente, criando uma câmara repleta de líquido, denomina- exposto aos conteúdos líquidos da blastocele.
da cavidade amniótica. A cavidade amniótica pode ser vista no Dia 9 da
Figura 28.3; detalhes adicionais dos Dias 10 a 12 são mostrados na Figura A gastrulação e a formação da camada germinativa [Figura 28.4 e Ta-
28.4. Nesta fase, as células da massa celular interna estão organizadas em bela 28.1] Poucos dias depois, uma terceira camada começa a se formar
CAPÍTULO 28 • O Sistema Genital: Embriologia e Desenvolvimento Humano 753

ENDOMÉTRIO Cavidade Sincicio-


Epiblasto do amniótica trofoblasto Ectoderma
disco germina-
tivo (blastodisco) Trofoblasto
Hipoblasto celular
Disco germinativo
do disco (blastodisco)
germinativo
(blastodisco)
Linha
primitiva

Saco vitelino

Blastocele
Lacunas
trofoblás- Mesoderma Endoderma
DIA 10 ticas DIA 12

O disco germinativo (blastodisco) começa como duas camadas: A migração das células epiblásticas (seguir as setas) em direção
o epiblasto, voltado para a cavidade amniótica, e o hipoblasto, à região entre o epiblasto e o hipoblasto forma, no disco
voltado para a blastocele. A migração das células epiblásticas germinativo bilaminar (blastodisco), uma terceira camada,
ao redor da cavidade amniótica é o primeiro passo na formação constituindo o disco germinativo trilaminar. A partir do momento
do âmnio. A migração das células hipoblásticas cria um saco em que tem início este processo (gastrulação), o epiblasto
que pende do blastodisco. Este é o primeiro passo na formação é chamado de ectoderma, o hipoblasto, de endoderma,
do saco vitelino. e as células migratórias, de mesoderma.

Figura 28.4 Organização do disco germinativo (blastodisco) e gastrulação.

por meio do processo de gastrulação (veja Dia 12, Figura 28.4). Durante TABELA 28.1 Os destinos das camadas germinativas primárias
a gastrulação, células em áreas específicas do epiblasto movimentam-se
para o centro do disco germinativo bilaminar, em direção a uma linha Contribuições do ectoderma
conhecida como linha primitiva. Ao atingir a linha primitiva, as células Tegumento comum: epiderme, folículos pilosos, unhas e glândulas que se
migratórias deixam a superfície e se movem por entre o epiblasto e o hi- comunicam com a pele (glândulas sudoríferas apócrinas e merócrinas, glândulas
mamárias e glândulas sebáceas)
poblasto. Este movimento cria três camadas embrionárias distintas, com Sistema esquelético: cartilagem dos arcos faríngeos (branquiais) e seus derivados
finalidades marcadamente diferentes, constituindo o disco germinativo no adulto (parte do esfenóide, os ossículos da audição, o processo estilóide do
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trilaminar. Uma vez iniciada a gastrulação, a camada que permanece em temporal, os cornos e a margem superior do hióide)
contato com a cavidade amniótica é denominada ectoderma, o hipoblas- Sistema nervoso: todo o tecido neural, inclusive o encéfalo e a medula espinal
Sistema endócrino: hipófise e medula da glândula supra-renal
to é conhecido como endoderma, e a nova camada intermédia é o me- Sistema respiratório: epitélio da túnica mucosa de revestimento da cavidade nasal
soderma. A formação do mesoderma e a finalidade do desenvolvimento Sistema digestório: túnica mucosa de revestimento da cavidade oral, parte inferior
dessas três camadas germinativas foram apresentadas em um Resumo do canal anal, glândulas salivares
de Embriologia no Capítulo 3. l pág. 79 A Tabela 28.1 contém uma Contribuições do mesoderma
lista mais abrangente das contribuições de cada camada germinativa na Tegumento comum: derme, exceto derivados da epiderme
formação dos sistemas do corpo. Sistema esquelético: todos os componentes, exceto alguns derivados dos arcos
faríngeos
Formação das membranas extra-embrionárias [Figura 28.5] Além de Sistema muscular: todos os componentes
Sistema endócrino: córtex da glândula supra-renal e tecidos endócrinos do coração,
constituir as estruturas e os órgãos do corpo, as camadas germinativas tam-
dos rins e das gônadas
bém formam quatro estruturas que se estendem para fora do corpo do em- Sistema circulatório: todos os componentes, inclusive a medula óssea
brião. Essas estruturas, conhecidas como membranas extra-embrionárias, Sistema linfático: todos os componentes
são (1) o saco vitelino (endoderma e mesoderma), (2) o âmnio (ectoderma e Sistema urinário: os rins, inclusive os néfrons e a parte inicial do sistema coletor
mesoderma), (3) a alantóide (endoderma e mesoderma) e (4) o cório (me- Sistema genital: as gônadas e as partes adjacentes do sistema de ductos
Diversos: revestimento das cavidades do corpo (torácica, pericárdica e peritoneal) e
soderma e trofoblasto). Essas membranas garantem o desenvolvimento tecidos conectivos de sustentação de todos os sistemas de órgãos
embrionário e fetal mediante a manutenção consistente de um ambiente
Contribuições do endoderma
estável e o fornecimento de acesso ao oxigênio e aos nutrientes transporta-
Sistema endócrino: timo, glândula tireóide e pâncreas
dos pela corrente sangüínea materna. Apesar de sua importância durante o Sistema respiratório: epitélio respiratório (exceto nas cavidades nasais) e glândulas
desenvolvimento pré-natal, elas deixam poucos vestígios de sua existência mucosas associadas
nos sistemas adultos. A Figura 28.5 apresenta os estágios representativos no Sistema digestório: epitélio da túnica mucosa de revestimento (exceto da cavidade
desenvolvimento das membranas extra-embrionárias. oral e da parte inferior do canal anal); glândulas exócrinas (exceto glândulas
salivares); fígado e pâncreas
Sistema urinário: bexiga urinária e partes distais do sistema de ductos
O saco vitelino [Figuras 28.4/28.5] A primeira das membranas extra- Sistema genital: partes distais do sistema de ductos; células-tronco que produzem
embrionárias a aparecer é o saco vitelino (Figuras 28.4 e 28.5). O saco gametas
vitelino inicia-se como células hipoblásticas migratórias que se disseminam 1
A crista neural tem origem ectodérmica e contribui para a formação do crânio e dos
para fora, ao redor das margens externas da blastocele, para formar uma derivados esqueléticos dos arcos faríngeos embrionários.
bolsa completa, suspensa inferiormente ao disco germinativo (blastodisco).
Essa bolsa já pode ser vista após 10 dias da fertilização (Figura 28.4). Com o
prosseguimento da gastrulação, as células do mesoderma migram ao redor
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esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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